Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5072489-34.2023.4.03.6301

RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RECORRIDO: MARIA DAS MERCES ALVES DO NASCIMENTO

Advogado do(a) RECORRIDO: SHELA DOS SANTOS LIMA - SP216438-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5072489-34.2023.4.03.6301

RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

RECORRIDO: MARIA DAS MERCES ALVES DO NASCIMENTO

Advogado do(a) RECORRIDO: SHELA DOS SANTOS LIMA - SP216438-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

RELATÓRIO

JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA: Trata-se de ação movida por MARIA DAS MERCES ALVES DO NASCIMENTO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, que tem por objeto a concessão de benefício assistencial à pessoa idosa, a partir da data de entrada do requerimento administrativo (DER), em 01/02/2023.

A sentença julgou procedente o pedido, condenando o réu a implantar o benefício assistencial desde a DER.

O INSS recorre, sustentando, em síntese, que a renda per capita familiar é superior a ½ salário-mínimo, tendo em vista que o salário do marido da autora é no valor de R$ 2.633,21 e não R$ 1.700,00 como informado na perícia social, não comprovando, assim, a miserabilidade.

O autor ofereceu contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5072489-34.2023.4.03.6301

RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP

RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

RECORRIDO: MARIA DAS MERCES ALVES DO NASCIMENTO

Advogado do(a) RECORRIDO: SHELA DOS SANTOS LIMA - SP216438-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

VOTO

JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA (RELATOR):

Requisitos legais

O art. 203, inciso V, da Constituição Federal assegura o benefício de prestação continuada de um salário mínimo “à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

Os requisitos necessários para obtenção do benefício são, portanto, os seguintes: (i) a situação subjetiva de pessoa idosa ou portadora de deficiência; e (ii) a situação objetiva de miserabilidade.

O art. 20 da Lei n.º 8.742/93, em seus §§ 3º e 9º, define como “incapaz de prover a manutenção da pessoa idosa ou portadora de deficiência” o grupo familiar “cuja renda ‘per capita’ seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo”, considerando-se como parte do mesmo grupo familiar “o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto” (§ 1º).

No cálculo da renda per capita familiarnão pode ser computado o benefício assistencial concedido a qualquer membro idoso da família, nos termos do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). A jurisprudência teminterpretadoanalogicamente essa regra para determinar que também sejam excluídos do cálculo os benefícios previdenciários de até um salário mínimo recebidos por outros idosos integrantesdo grupo familiar eos benefícios assistenciais pagos apessoas portadoras de deficiência.

Éimportante notar, todavia,que todosos preceitos acima citados - art. 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93 e art. 34, parágrafo único da Lei nº 10.741/2003 - dizem respeito tão somenteà forma deapuração da renda per capita familiar.

Ocorre que o critério da renda per capitanão é o único a ser levado em consideração pelo juízo para verificar se o requerente se encontra em efetivo estado de miserabilidade. Quaisquer outros elementos do caso concreto também podem (e devem)ser levados em consideração na análise do requisito da hipossuficiência econômica, quer para corroborar quer para afastar o critério da renda per capita familiar, conforme previsto no art. 20, § 11, da Lei nº 8.742/93, introduzido pela Lei nº 13.146/2015.

Essa é, segundo me parece, a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a Reclamação nº 4.374/PE, cuja ementa transcrevo a seguir (grifos meus):

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013)

Todavia, não se pode perder de vista que a finalidade do benefício assistencial é amparar as pessoas em situação de penúria e não complementar a renda do grupo familiar que já se mostre capaz de prover o sustento de seus membros mais vulneráveis.

Perícia Social

A perícia social realizada em 20/06/2024 dá conta de que a autora (67 anos, casada) reside com seu marido, Manuel Antonio Rodrigues (63 anos, ajudante de logística)

O imóvel do casal é “invadido”, localizado na Comunidade Engenheiro Goulart, e tem as seguintes características:

A moradia é constituída por sala, quarto, cozinha, banheiro, lavanderia.

O telhado é de laje e o piso de cimento. Seu estado de conservação é ruim, bem como a dos móveis que a guarnecem.

O bairro é urbanizado e conta com os serviços públicos básicos, tais como escolas, Posto de Saúde, transporte público e saneamento básico.

As fotos anexas ao laudo social, abaixo reproduzidas, dão respaldo à descrição acima, evidenciando que a família vive em condições humildes.

Segundo consta do laudo social, a renda familiar seria composta apenas pelo salário do marido da autora, no valor declarado de R$ 1.700,00.

Todavia, pelo dossiê previdenciário juntado aos autos (ID 312246598), verifica-se que os salários nos meses de maio, junho e julho de 2024 foram de R$ 3.904,34, R$ 2.633,21 e R$ 4.764,46, respectivamente.

Já as despesas totalizam R$ 1.282,25, estando assim discriminadas no laudo: água: R$ 57,84; luz: R$ 239,66; medicamentos: R$ 300,00; alimentação e higiene: R$ 500,00; gás: R$ 120,00; e celular/internet: R$ 65,00.

Nota-se, portanto, que as despesas não superam os rendimentos. Além disso, não há menção a empréstimos ou a despesas essenciais em aberto.

O benefício pleiteado não se destina à mera complementação da renda familiar.

Diante do exposto, voto por dar provimento ao recurso do INSS, para julgar improcedente a ação e determinar a cessação do benefício assistencial à pessoa idosa concedido judicialmente.

Oportunamente, providencie-se a intimação eletrônica do INSS (via PREVJUD/Tópico-Síntese) para cessação do benefício NB 88/716.897.860-9, DIB 01/02/2023 e DIP 01/10/2024.

Sem condenação em honorários, porque somente o recorrente vencido deve arcar com as verbas sucumbenciais, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001.

É o voto.

 



EMENTA

ASSISTÊNCIA SOCIAL. RECURSO INOMINADO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. RENDA FAMILIAR. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. RECURSO DO INSS PROVIDO.

I. Caso em exame

1. Trata-se de ação em que se pleiteia a concessão de benefício assistencial à pessoa idosa, desde a data do requerimento administrativo (01/02/2023). A sentença julgou procedente o pedido, determinando a implantação do benefício. O INSS interpôs recurso, sustentando que a renda familiar per capita ultrapassa o limite legal, não se caracterizando a miserabilidade exigida pela legislação.

II. Questão em discussão

2. A controvérsia reside em determinar se estão presentes os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial à pessoa idosa, especialmente quanto à condição de miserabilidade da parte autora, considerada a renda familiar e as condições socioeconômicas.

III. Razões de decidir

3. O benefício assistencial à pessoa idosa exige, nos termos do art. 203, V, da CF/1988 e da Lei nº 8.742/93, a comprovação da idade mínima e da situação de miserabilidade.

4. O critério objetivo de renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo pode ser relativizado à luz do art. 20, § 11, da Lei nº 8.742/93, com base em outros elementos probatórios.

5. No caso concreto, embora a autora resida em condições modestas, constam dos autos que o marido percebe rendimentos de R$ 2.633,21, não havendo despesas essenciais em aberto, nem indicativos de insuficiência econômica grave.

6. Constatada a suficiência dos meios de subsistência, não se configura a condição de miserabilidade exigida para a concessão do benefício assistencial.

IV. Dispositivo

7. Recurso do INSS provido. Pedido julgado improcedente. Determinada a cessação do benefício assistencial concedido judicialmente.

 

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 203, V; Lei nº 8.742/93, arts. 20, §§ 1º, 3º, 9º e 11; Lei nº 10.741/2003, art. 34, parágrafo único.

Jurisprudência relevante citada: STF, Rcl 4374, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 10ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região - Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade, dar provimento ao recurso do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CAIO MOYSES DE LIMA
Juiz Federal