RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5015706-85.2024.4.03.6301
RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: J. D. S.
Advogado do(a) RECORRENTE: ELDA ZULEMA BERTOIA DE DI PAOLA - SP81728-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5015706-85.2024.4.03.6301 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: J. D. S. Advogado do(a) RECORRENTE: ELDA ZULEMA BERTOIA DE DI PAOLA - SP81728-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento pela qual Jonathan dos Santos, menor absolutamente incapaz, representado por sua genitora Maria Simone dos Santos Honorato da Silva, busca a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (BPC-LOAS) destinado a pessoa com deficiência. Na petição inicial (id 316021255), a parte autora alega que possui Deficiência Intelectual Leve (CID-10: F.70), conforme documentos médicos anexos. Em razão das humildes condições financeiras de sua família, foi solicitado pela via administrativa da Previdência Social o pedido de Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Deficiente (NB 1237653670), que foi indeferido em 08/02/2024 sob a alegação de "não atende ao critério de deficiência para acesso ao BPC-LOAS". A parte autora afirma que necessita de acompanhamento psicológico, terapêutico ocupacional, pedagógico e fonoaudiológico, conforme orientação médica. Além disso, apresentou outros problemas de saúde recentemente, como cardiopatia congênita, tendo necessitado de cirurgia cardíaca para melhora do quadro. Quanto ao grupo familiar, o autor reside com sua genitora, que não trabalha para cuidar dele e de seu irmão de 5 anos. A família recebe auxílio do programa Bolsa Família e cestas básicas de conhecidos, caracterizando situação de vulnerabilidade econômica. A parte autora alega preencher todos os requisitos legais para concessão do benefício assistencial, citando a legislação pertinente e jurisprudência quanto ao critério de miserabilidade, requerendo a concessão de tutela antecipada e a procedência do pedido. Em contestação (id 316021753), o INSS alegou preliminarmente prescrição quinquenal e, no mérito, sustentou que o autor não preenche os requisitos legais para a concessão do benefício, seja por não comprovar deficiência que obstrua sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, seja por não demonstrar a situação de miserabilidade. O laudo social (id 316021857) concluiu que a família do autor é composta por quatro pessoas: o periciando, sua mãe (Maria Simone), sua avó materna (Maria Teresa, 71 anos) e seu irmão (Brayan, 5 anos). A família reside em imóvel próprio da avó, simples, mas adequado e devidamente guarnecido com eletrodomésticos necessários ao conforto. Quanto aos meios de sobrevivência, a família recebe R$ 640,00 do programa Bolsa Família, R$ 110,00 do vale gás bimestralmente, 4 litros de leite por semana do Programa Viva Leite, além da aposentadoria da avó materna no valor de R$ 1.412,00. A assistente social concluiu que existe compatibilidade entre receitas e despesas, não caracterizando estado de miserabilidade, além de não existirem fatores limitadores, tendo o autor possibilidade de participação na sociedade. O laudo médico pericial (id 316021861) concluiu que o autor apresenta impedimentos de longo prazo de natureza intelectual, que em interação com diversas barreiras, obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, enquadrando-se como pessoa com deficiência, condição manifesta desde o nascimento. Em sentença (id 316021866), o pedido foi julgado improcedente. A sentença reconheceu que a parte autora se enquadra na definição legal de pessoa portadora de deficiência, pois seu quadro clínico impede a participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Contudo, quanto ao requisito miserabilidade, entendeu que o laudo socioeconômico demonstrou que existe compatibilidade entre as receitas e as despesas, não havendo situação de miserabilidade. Em recurso inominado (id 316021868), a parte autora sustenta que houve erro na avaliação da situação de miserabilidade. Alega que o valor da aposentadoria da avó materna não pode ser usado para tratar os problemas de saúde mental e física apresentados pelo menor ora recorrente. Invoca o parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, que estabelece que o benefício já concedido a qualquer membro da família não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Requer a reforma da sentença para julgar procedente a demanda, concedendo o benefício assistencial. Não houve contrarrazões. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5015706-85.2024.4.03.6301 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: J. D. S. Advogado do(a) RECORRENTE: ELDA ZULEMA BERTOIA DE DI PAOLA - SP81728-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Parâmetros para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada O benefício assistencial de prestação continuada está previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93, atualmente redigido nos seguintes termos: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) No tocante à legislação que rege o benefício em questão, interessa também o disposto no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003): Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas. Assim sendo, são requisitos legais para a percepção do referido benefício: ser o requerente idoso (contar ao menos 65 anos de idade) ou portador de deficiência que o torna incapaz para a vida independente e para o trabalho e não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (miserabilidade). Em relação ao deficiente, há que se observar a jurisprudência consolidada na TNU, no Tema n. 173, cuja tese prescreve: Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, é imprescindível a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde a data do início da sua caracterização. Em relação ao critério da miserabilidade, tratado pelo art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 e art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, decidiu o Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalização no tempo do primeiro dispositivo citado, e pela inconstitucionalidade por omissão parcial do segundo, em julgamento que recebeu a seguinte ementa: Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou a Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou a Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE n. 580.963, Relator Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013) Na esteira dessa conclusão, deve-se considerar como critérios de aferição do requisito da miserabilidade os seguintes parâmetros objetivos: apuração da renda per capita na fração de ½ salário-mínimo (em analogia ao disposto no art. 5º, I, da Lei nº 9.533/97) e exclusão do cálculo da renda per capita de todo o benefício de valor mínimo, de natureza assistencial ou previdenciária. A adoção de tais parâmetros objetivos não exclui, conforme se reafirmou reiteradamente nos debates mantidos pelos Ministros do STF em tal julgamento, a consideração de aspectos subjetivos trazidos à juízo no caso concreto, aptos a fundamentar a concessão do benefício assistencial em questão. Ademais, para aferição da renda per capita, deve-se observar os estritos termos legais, conforme decidiu a TNU no julgamento do Tema n. 73, nos seguintes termos: O grupo familiar deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 16 da Lei n. 8.213/91 e no art. 20 da Lei n. 8.742/93, esta última na sua redação original. Discussão do caso concreto Devidamente discutidos todos os aspectos jurídicos que importam para a solução da ação proposta, passo a analisar o caso concreto. No caso concreto, o laudo médico pericial (id 316021861) reconheceu existência de impedimento de longo prazo: O periciando APRESENTA IMPEDIMENTOS DE LONGO PRAZO de natureza intelectual, que em interação com diversas barreiras, obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, e assim ENQUADRADO COMO COM DEFICIÊNCIA, condição manifesta desde nascimento Baseado no método apresentado, obtido somatória de pontuação 1600, em escala de independência funcional, o que caracteriza a deficiência como LEVE. Necessita de supervisão em tempo integral de terceiros, acima da expectativa dos pares de mesma idade. O requisito legal de miserabilidade também restou atendido. De acordo com a perícia socioeconômica (id 316021857), o núcleo familiar é composto pelo autor, sua genitora, seu irmão e sua avó materna. A renda do grupo familiar advém do benefício previdenciário recebido pela avó do autor no valor de R$ 1.412,00, do Bolsa Família no valor de R$ 640,00 e do vale gás recebido bimestralmente no valor de R$ 110,00. Ou seja, a renda per capita corresponde a zero, nos termos da fundamentação acima. Diante dos fatos apurados, conclui-se que a parte autora faz jus à concessão do benefício assistencial pleiteado. Face ao exposto, dou provimento ao recurso da parte autora, para: a) condenar o INSS à obrigação de fazer, consistente na concessão do benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência, com DIB em 17/01/2024 (DER); b) condenar o réu ao pagamento dos efeitos econômicos (prestações ou diferenças atrasadas) decorrentes desta decisão, corrigidos monetariamente e acrescidas de juros de mora, observado o Manual de Cálculos adotado pelo CJF, vigente ao tempo da liquidação do título executivo, descontados valores recebidos a título de tutela de urgência e/ou benefício previdenciário ou assistencial inacumulável (nos termos do Tema n. 195 da TNU), e observada a prescrição quinquenal. Sem condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, por ser o recorrente vencedor ou apenas parcialmente vencido. É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E ASSISTENCIAL. RECURSO INOMINADO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
I. Caso em exame
Recurso inominado contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada.
II. Questão em discussão
A questão em discussão consiste em saber se o valor da aposentadoria da avó materna do autor deve ser computado para fins de cálculo da renda familiar per capita, para avaliação do critério de miserabilidade.
III. Razões de decidir
O laudo médico pericial atestou que o autor apresenta impedimentos de longo prazo de natureza intelectual que obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, caracterizando-o como pessoa com deficiência.
Nos termos do julgamento do RE 580.963 pelo STF, que declarou a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, o benefício previdenciário recebido pela avó do autor não deve ser computado para fins de cálculo da renda familiar per capita.
A renda do grupo familiar, descontado o benefício previdenciário da avó, é insuficiente para prover a manutenção do autor e suprir suas necessidades, caracterizando a situação de miserabilidade prevista na legislação.
IV. Dispositivo e tese
Recurso provido para condenar o INSS a conceder o benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência, com DIB na data do requerimento administrativo.
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.742/93, art. 20, §§ 1º, 2º, 3º e 4º; Lei nº 10.741/2003, art. 34, parágrafo único. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 580.963, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013; TNU, Tema 173; TNU, Tema 73.