RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0021416-73.2021.4.03.6303
RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: ROSELITA MARIA DE JESUS
Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A
RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) RECORRIDO: ISRAEL DE SOUZA FERIANE - ES20162-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0021416-73.2021.4.03.6303 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: ROSELITA MARIA DE JESUS Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: ISRAEL DE SOUZA FERIANE - ES20162-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento pela qual a parte autora postula a condenação da Caixa Econômica Federal ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, decorrentes de vícios construtivos existentes em imóvel adquirido por intermédio do Programa “Minha Casa Minha Vida”. Em sentença, os pedidos foram julgados improcedentes. Recorre a parte autora, alegando que o laudo pericial não atendeu aos parâmetros técnicos adequados, sendo incompleto. Sustenta que deve ser aplicado ao caso concreto as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Afirma que restou inequívoca a existência de vícios construtivos no seu imóvel e que a parte deve ser indenizada pelos danos morais sofridos. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0021416-73.2021.4.03.6303 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: ROSELITA MARIA DE JESUS Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: ISRAEL DE SOUZA FERIANE - ES20162-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Caixa Econômica Federal é agente executor do Fundo de Arrendamento Residencial, nos termos do art. 9º da Lei n. 11.977/2009 e art. 1º, § 1º da Lei n. 10.188/2001. Nessa condição, a CEF ostenta indiscutível legitimidade para figurar no polo passivo de ações nas quais se discute a existência de vícios em imóveis objeto de programas habitacionais nos quais a instituição financeira atue como “agente executor de políticas federais para promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda”. Nesse sentido caminha a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, conforme ilustra o seguinte julgado: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. AFRONTA AO ART. 535 DO CPC/73. VÍCIO NÃO INDICADO. SÚMULA Nº 284/STF. TESES REFERENTES À MULTA CONTRATUAL E JUROS, COMISSÃO DE CORRETAGEM, RESSARCIMENTO DOS ALUGUEIS E DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS Nº 211/STJ E Nº 282/STF. PROGRAMA HABITACIONAL MINHA CASA MINHA VIDA. CEF. NATUREZA DAS ATIVIDADES. AGENTE FINANCEIRO. SEM LEGITIMIDADE PASSIVA. SÚMULA Nº 83/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. A alegação de afronta ao art. 535 do CPC/73 sem indicar em que consistiria o vício, consubstancia deficiência bastante a inviabilizar a abertura da instância especial, atraindo a incidência da Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. A ausência de prequestionamento, mesmo implícito, impede a análise da matéria na via especial. Súmulas nº 211/STJ e nº 282/STF. 3. A Caixa Econômica Federal somente possui legitimidade passiva para responder por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro. Súmula nº 83/STJ. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.646.130/PE, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 30/8/2018, DJe de 4/9/2018.) Dessa forma, a Caixa Econômica Federal, na qualidade de executora de programa de moradia popular, é a responsável por todas as etapas da obra (escolha da empreiteira, aprovação dos projetos construtivos, fiscalização da execução das obras de construção civil, regularização da documentação perante o município e cartório de registro de imóveis competente, entrega e financiamento dos imóveis às famílias de baixa renda beneficiárias), razão pela qual sua responsabilidade advém do quanto previsto nos artigos 618, 622 e 942, do Código Civil. Em consequência, a instituição financeira deverá indenizar a parte autora em decorrência dos danos emergentes, devidamente apurados no curso da relação processual, conforme prescrevem os artigos 389 e 927, caput, ambos do Código Civil. Especificamente em relação à alegação de danos morais em ações dessa natureza, anoto a existência de posicionamento da TNU, no sentido de inexistência de presunção de sua ocorrência. Confira-se: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO QUE NÃO AFETAM A HABITABILIADE DO IMÓVEL. DANO MORAL. INCABÍVEL SEU RECONHECIMENTO POR MERA PRESUNÇÃO. O Pedido de Uniformização revela divergência entre Turmas Recursais de diferentes Regiões, bem como em face da orientação jurisprudencial dominante do Col. STJ na interpretação de direito material acerca da possibilidade de ser configurado o dano moral in re ipsa quando constatados vícios de construção. Tese fixada: O dano moral decorrente de vícios de construção que não obstam a habitabilidade do imóvel não pode ser presumido (in re ipsa), devendo ser comprovadas circunstâncias que no caso concreto ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana por causarem dor, vexame e constrangimento, cuja gravidade acarreta abalo emocional, malferindo direitos da personalidade. Pedido de uniformização conhecido e provido. (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 5004907-76.2018.4.04.7202, NEIAN MILHOMEM CRUZ - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, 11/11/2022.) Ademais, eventual necessidade de desocupação do imóvel, para fins de reparo, tem natureza de evento futuro e incerto, em relação aos quais não pode haver a declaração de responsabilidade da ré, sob pena de prolação de decisão condicional, vedada pelo ordenamento processual. Considerada a natureza da responsabilidade da CEF, em ações desta natureza, o dever de garantia da instituição financeira perdura por 5 anos. Caracterizados os vícios cobertos pelo dever de garantia, inicia-se o prazo prescricional que, no caso, é de 10 anos. Dessa forma, os dois prazos coexistem, conforme sólida jurisprudência observada pelo Superior Tribunal de Justiça, exemplificada nos seguintes julgados: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PRAZO. GARANTIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. DEZ ANOS. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. 1. "O prazo de cinco (5) anos do art. 1245 do Código Civil, relativo à responsabilidade do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescrição ou decadência. Apresentados aqueles defeitos no referido período, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte (20) anos" (REsp 215832/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 06/03/2003, DJ 07/04/2003, p. 289). 2. Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeito da obra, na vigência do Código Civil de 1916, e em 10 anos, na vigência do Código atual, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002. 3. Não se aplica o prazo de decadência previsto no parágrafo único do art. 618 do Código Civil de 2012, dispositivo sem correspondente no código revogado, aos defeitos verificados anos antes da entrada em vigor do novo diploma legal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.344.043/DF, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 17/12/2013, DJe de 4/2/2014.) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. ART. 618 DO CC/2002. PRAZO DECADENCIAL. INAPLICABILIDADE. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL. TERMO INICIAL. COMUNICAÇÃO À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PRESCRIÇÃO AFASTADA. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. O entendimento desta Corte é de que à falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 ('Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra') (REsp 1.717.160/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/03/2018, DJe 26/03/2018). 2. Segundo orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal, a solidez e segurança do trabalho de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis foram destacadas pelo legislador (artigo 618 do Código Civil) para fins de atendimento ao prazo irredutível de garantia de cinco anos, não consubstanciando, contudo, critério para aplicação do prazo prescricional enunciado na Súmula 194 do STJ (AgInt no AREsp 438.665/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/09/2019, DJe 24/09/2019). 3. Ademais, 'quando a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição" (REsp n. 1.819.058/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 5/12/2019). 4. Com relação ao termo a quo desse prazo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que os danos decorrentes de vício na construção se prolongam no tempo, o que inviabiliza a fixação do termo inicial do prazo prescricional, considerando-se como iniciada a prescrição somente no momento em que a seguradora é comunicada do evento danoso e se recusa a indenizar. 5. Agravo interno desprovido." (AgInt no AREsp 1.897.767/CE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/03/2022, DJe 24/03/2022). Ademais, em ações dessa natureza, inexiste litisconsórcio passivo necessário com a construtora. Nesse sentido, observo que as relações jurídicas mantidas entre parte autora e CEF, e entra essa e a construtora, são diversas e baseadas em fundamentos jurídicos e contratuais distintos, razão pela qual a eficácia da decisão a ser proferida no presente feito não está condicionada à presença da construtora no polo passivo da ação. Isso posto, passo à análise do caso concreto. No caso dos autos, a parte autora, ora recorrente, se contrapõe às conclusões do laudo pericial. Analisando o laudo pericial (id 312054363), verifico que o perito efetuou análise pormenorizada do imóvel. Entendo desnecessária qualquer complementação do laudo. O perito judicial analisou devidamente todas as questões necessárias ao deslinde da causa, razão pela qual considero a manifestação da parte autora como mera contrariedade ao teor do laudo, que foi contrário aos interesses da parte. No mais, adoto os fundamentos da sentença (art. 46 da Lei n. 9099/95), que ora transcrevo: A autora firmou com a CEF “Instrumento Particular de Venda e Compra do Imóvel, com Parcelamento e Alienação Fiduciária em Garantia no Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – RECURSO FAR" (id 330480074). Relata que, após ter passado a habitar o imóvel, identificou que a unidade apresentava danos físicos progressivos que comprometem sua habitabilidade, conforto e segurança, tais como deficiência nas instalações hidráulicas, rachaduras e trincas nos pisos e revestimentos, umidade, falhas de impermeabilização, deterioração do reboco e pintura, infiltrações diversas, etc. Anexou à inicial parecer técnico firmado por engenheiros, a fim de corroborar os danos alhures mencionados. Nesse contexto, para adequada análise da existência e extensão dos defeitos de construção, foi realizada PERÍCIA TÉCNICA SIMPLIFICADA (PTS), a qual, consoante se infere do laudo acostado no id. 303714844 constatou a inexistência de vícios construtivos. Quanto aos eventuais vícios relatados no campo “observações adicionais”, cuidam-se de acréscimos relatados pela própria autora durante a perícia, não integrantes da petição inicial e do laudo técnico que a acompanham e, assim, não podem ser analisados pelo juízo, sob pena de violação do princípio da congruência (art.492 do CPC). Em que pese a impugnação das partes quanto ao laudo, acolho as conclusões acima expostas, dado que o perito possui o conhecimento técnico necessário à avaliação das questões. A reparação pretendida, como se vê, deve restringir-se aos vícios decorrentes de falhas construtivas, com exclusão, assim, daqueles relacionados ao uso e desgaste natural, falta de manutenção, conservação ou mau uso do bem. Pelo que se vê, apesar dos problemas detectados pelo expert do juízo, não se configuram, de pronto, como vícios construtivos, razão pela qual o pleito improcede, nesse particular. Dessa forma, diante da ausência de vícios construtivos, não há falar na ocorrência de danos materiais ou morais, não vingando a pretensão autoral. Assim sendo, não observo qualquer razão para a revisão da sentença recorrida, nesta oportunidade. Face ao exposto, nego provimento ao recurso da parte autora. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, com limitação a 6 salários-mínimos (montante correspondente a 10% do teto de competência dos Juizados Especiais Federais - art. 3º, “caput”, da Lei 10.259/2001); todavia, em razão do deferimento da gratuidade da justiça, deverá ser observado o disposto no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, que prevê a suspensão das obrigações decorrentes da sucumbência. É o voto.
E M E N T A
Ementa: DIREITO CIVIL. RECURSO INOMINADO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. ALEGAÇÃO DE VÍCIOS CONSTRUTIVOS. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Recurso inominado interposto contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de indenização por danos materiais e morais decorrentes de supostos vícios construtivos em imóvel adquirido por intermédio do Programa "Minha Casa Minha Vida".
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
A questão em discussão consiste em saber se o laudo pericial apresentado é suficiente para a comprovação de vícios construtivos no imóvel do autor, de modo a ensejar a responsabilidade da Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente executor do programa habitacional.
III. RAZÕES DE DECIDIR
A Caixa Econômica Federal, como agente executor de programas habitacionais para pessoas de baixa renda, possui legitimidade para figurar no polo passivo de ações que discutem vícios em imóveis adquiridos pelo Programa "Minha Casa Minha Vida".
O laudo pericial, elaborado por perito nomeado pelo juízo, não constatou a existência de vícios construtivos no imóvel, sendo desnecessária qualquer complementação.
Ausentes os vícios construtivos, não há que se falar em ocorrência de danos materiais ou morais.
IV. DISPOSITIVO
Recurso inominado desprovido.
Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 205, 389, 618, 622, 927 e 942; CPC, art. 492; Lei n. 9.099/95, art. 46; Lei n. 10.188/2001, art. 1º, § 1º; Lei n. 10.259/2001, art. 3º; Lei n. 11.977/2009, art. 9º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp n. 1.646.130/PE, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 30/8/2018; STJ, AgRg no REsp n. 1.344.043/DF, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 17/12/2013; STJ, AgInt no AREsp 1.897.767/CE, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 21/03/2022; TNU, PUIL 5004907-76.2018.4.04.7202, rel. Neian Milhomem Cruz, j. 11/11/2022.