RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5002378-42.2022.4.03.6339
RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: CICERO DE JESUS DAVOLI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) RECORRENTE: JOSE FRANCISCO PERRONE COSTA - SP110707-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, CICERO DE JESUS DAVOLI
Advogado do(a) RECORRIDO: JOSE FRANCISCO PERRONE COSTA - SP110707-N
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RELATÓRIO Trata-se de ação de conhecimento pela qual o autor busca o reconhecimento judicial de tempo de serviço rural e de atividade especial para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. No processo administrativo (NB 201.028.319-2), o autor requereu em 12/11/2021 a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, sendo o pedido indeferido pelo INSS por ausência de tempo mínimo de contribuição até a data do requerimento. Na ocasião, o autor postulou o reconhecimento de atividade rural como diarista no período de 01/03/1977 a 28/02/1984, bem como o reconhecimento de atividades especiais nos períodos de 01/06/2006 a 27/12/2007 (Adasebo Ind. e Com. de Produtos Animais Ltda.), 04/05/2009 a 31/07/2018 e 01/08/2018 a 02/05/2019 (Energisa Sul-Sudeste). Em sua petição inicial, o autor apresentou sua autodeclaração de segurado especial referente ao período de 03/1977 a 02/1984, bem como cópia do processo judicial nº 0009946-90.2008.4.03.6112, ajuizado por seu irmão João Davoli contra o INSS, no qual foi reconhecido o exercício de atividade rural no período de 13/09/1976 a 10/01/1983. O autor também requereu o cômputo, para todos os fins previdenciários, dos períodos de 01/06/1984 a 30/06/1984, 27/04/1992 a 11/05/1992 e 22/11/1999 a 28/12/2000, anotados em sua CTPS mas não registrados no CNIS, bem como a retificação da data de rescisão do contrato de trabalho com o Condomínio Edifício St. Patrick para constar 31/05/1989 e não 03/10/1989. Em contestação, o INSS alegou que o PPP apresentado não se prestava à comprovação da atividade especial, pois o vistor não possuía poderes para representar a empresa, não havia responsável técnico pelos registros ambientais, e a atividade não se enquadrava como especial por exposição a agentes biológicos (id. 315296905). Foi realizada audiência de instrução e julgamento em 12/06/2024, na qual foram colhidos os depoimentos do autor e das testemunhas Antônio Galdino dos Santos e Ademilson de Oliveira Santos. A testemunha Aparecida Marinetto, embora presente, teve sua oitiva dispensada pelo autor (id. 315296993). Em sentença, o juízo monocrático: (i) reconheceu a atividade rural do autor como segurado especial de 01/01/1978 a 28/02/1984; (ii) reconheceu para todos os fins previdenciários os contratos de trabalho do autor de 01/06/1984 a 30/06/1984, 01/07/1990 a 04/03/1991, 27/04/1992 a 11/05/1992 e 22/11/1999 a 28/12/2000; (iii) determinou a retificação das informações sociais em relação à data de rescisão do contrato com o Condomínio Edifício St. Patrick; (iv) rejeitou o pedido de reconhecimento da especialidade do trabalho do autor; e (v) concedeu ao autor aposentadoria por tempo de contribuição conforme art. 17 das regras de transição da EC 103/2019, desde a data de citação do INSS (19/02/2023) (id. 315297027). Insatisfeitos com a sentença, ambas as partes interpuseram recurso. O INSS alegou em seu recurso que: (i) não há prova material contemporânea suficiente para o reconhecimento da atividade rural; (ii) o aviso prévio indenizado não pode ser considerado como tempo de contribuição; e (iii) o autor não preencheu os requisitos para concessão da aposentadoria (id. 315297028). O autor, por sua vez, requereu em seu recurso o reconhecimento da integralidade do período rural de 01/03/1977 a 28/02/1984, o reconhecimento da especialidade da atividade exercida de 01/06/2006 a 27/12/2007, e a fixação da DIB na data do requerimento administrativo (12/11/2021) (id. 315297139). Em contrarrazões ao recurso do INSS, o autor argui preliminar de não conhecimento do recurso por ausência de dialeticidade, alegando que a autarquia apenas repetiu os argumentos da contestação. No mérito, defende a validade das provas de sua atividade rural, o direito ao cômputo do aviso prévio indenizado e o preenchimento dos requisitos para concessão da aposentadoria desde a DER (id. 315297146). É o relatório.
VOTO Comprovação de atividade rural para a concessão ou revisão de aposentadoria por tempo de contribuição Inicialmente, é necessário observar que o reconhecimento de períodos de atividade rural na contagem de tempo de contribuição para fins de aposentadoria é medida expressamente reconhecida na legislação, como se observa na leitura do art. 55, § 2º da Lei n. 8213/91, redigido nos seguintes termos: § 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento. Interpretando referido dispositivo legal, observamos que a lei trata genericamente de “trabalhador rural”, não especificando quais as categorias de segurado devem ser contempladas nesta expressão. Na ausência de outros fragmentos de textos legais que permitam interpretação diversa, devemos entender que o dispositivo legal faz referência a toda e qualquer pessoa que tenha realizado trabalho rural, independentemente da categoria de segurado a que estejam vinculados. Ademais, advém da literalidade do texto legal que o período de trabalho rural anterior à edição da Lei n. 8213/91 deve ser computado independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias. Nessa hipótese, contudo, o tempo de atividade rural reconhecido não poderá ser considerado para fins de carência. Por seu turno, a atividade rural posterior à edição da Lei n. 8213/91 somente poderá ser considerada para fins de aposentadoria por tempo de contribuição se houver o recolhimento de contribuições previdenciárias. Dessa afirmação não escapam os períodos de atividade rural em regime de economia familiar, conforme expressa previsão legal contida no art. 39, II da Lei n. 8213/91. Ressalte-se, contudo, que não é impedimento para o reconhecimento do tempo de trabalho rural, anterior ou posterior à edição da Lei n. 8213/91, a falta de recolhimento das contribuições previdenciárias atribuída aos empregadores rurais, em regime de substituição tributária. Nesses casos, a falta de cumprimento da obrigação tributária pelo empregador não pode ser oposta contra o empregado. Avançando na discussão, observamos que a comprovação de tempo de serviço para fins previdenciários, inclusive de natureza rural, tem seus regramentos básicos delineados pelos art. 55, § 3º e 108, ambos da Lei n. 8213/91, cuja redação é a seguinte: Art. 55. […] §3ºA comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento. […] Art.108.Mediante justificação processada perante a Previdência Social, observado o disposto no § 3º do art. 55 e na forma estabelecida no Regulamento, poderá ser suprida a falta de documento ou provado ato do interesse de beneficiário ou empresa, salvo no que se refere a registro público. Pelo teor do § 3º do art. 55, a comprovação de tempo de serviço não pode ser feita por prova exclusivamente testemunhal, salvo situações efetivamente comprovadas de força maior ou caso fortuito. A validade de referido dispositivo legal foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo objeto da Súmula n. 149, assim redigida: A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Contudo, a interpretação conjunta desses dois dispositivos de lei nos indica a desnecessidade de que a prova material abranja todo o período de trabalho cujo reconhecimento é pleiteado, ano a ano. De fato, o art. 108, ao admitir a justificação administrativa para suprir a falta de prova documental, indica que não há necessidade de apresentação de documentos relativos a cada um dos anos pleiteados pelo interessado. Assim sendo, a prova documental deve ser analisada pelo julgador de maneira razoável, em cotejo com o restante do conjunto probatório, a fim de determinar se é apta a comprovar todo o período de atividade discutido em juízo. Nesse sentido, é oportuno identificar o entendimento adotado pelo STJ no julgamento do tema repetitivo n. 554, ocasião na qual foi adotada a seguinte tese: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. Nesse contexto, anoto ainda a existência de entendimento consolidado na jurisprudência do STJ, segundo o qual “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”. (Súmula n. 577, Primeira Seção, j. 22/06/2016, DJe 27/06/2016). Ainda em relação ao indispensável início de prova material para comprovação de períodos de atividade rural para fins previdenciários, pende regra de experiência que nos aponta para a dificuldade de sua produção por trabalhadores rurais, por inúmeras razões, tais como o grande tempo decorrido entre o exercício da atividade rural e a postulação perante o INSS e a baixa instrução formal observada entre os rurícolas. Por essas razões, tem-se admitido que o início de prova material seja realizado pela apresentação de documentos em nome de outros integrantes do núcleo familiar, em especial pais e maridos. Confira-se precedente que ilustra essa afirmação: AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO ONDE CONSTA O MARIDO LAVRADOR. EXTENSÃO DA QUALIDADE DE TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR À ESPOSA. PRECEDENTES. 1. Conforme consignado na análise monocrática, consta dos autos a certidão de casamento da autora com o Sr. Sebastião Maurilio da Silva, já falecido, e lá qualificado como lavrador que, aliada à prova testemunhal, dão conta do exercício de atividade rural exercido em regime de economia familiar. Tal fato é reconhecido pela própria Corte. 2. Ora, se o Tribunal de origem reconheceu que há documento público do qual se consta como profissão do marido da autora lavrador e que houve testemunha para corroborar o depoimento da recorrente, não poderia ter decidido que "o Plano de Benefícios da Previdência Social, Lei n.º 8.213/91, não admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação de tempo de serviço, dispondo em seu artigo 55, parágrafo 3º, que a prova testemunhal só produzirá efeito quando baseada em início de prova material." Isto, frise-se novamente, porque há certidão de casamento onde a profissão de seu falecido esposo como rurícola. 3. Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o documento probante da situação de camponês do marido é extensível à esposa, ainda que desenvolva tarefas domésticas, ante a situação de campesinos comum ao casal. 4. Saliente-se, por fim, que não há violação do enunciado da Súmula 7/STJ quando a decisão desta Corte se fundamenta nas próprias premissas traçadas pela Corte de origem para fundamentar sua decisão. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1448931/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 02/06/2014). Contudo, entendo que essa linha jurisprudencial não pode ser adotada de forma indiscriminada para todas as hipóteses em que exista prova documental do exercício de atividade rural por familiar da pessoa interessada, devendo ser submetida a limites. O primeiro desses limites deve ser a observância de que o entendimento jurisprudencial em questão, ainda que válido nos casos de segurado especial em regime de economia familiar, não pode ser admitido nas outras hipóteses de segurados rurícolas, como empregado rural, trabalhador rural eventual ou avulso. Isso porque, nessas hipóteses, o exercício de atividade rural é situação individual do trabalhador, cujas consequências jurídicas não se estendem obrigatoriamente a seus familiares. O segundo limite está relacionado aos marcos temporais existentes na legislação previdenciária. No caso, o art. 16, I da Lei n. 8213/91 indica que o vínculo familiar, em relação ao filho de segurado, é mantido apenas até que este complete 21 anos. Após essa idade, para fins previdenciários, há uma presunção absoluta de que o filho já não compõe o núcleo familiar. Assim sendo, é razoável que o interessado possa se valer de prova documental que indique seus genitores como rurícolas apenas até a ocasião em que tenha completado 21 anos de idade. Ainda em relação aos marcos temporais existentes na legislação previdenciária, e que devem ser necessariamente observados pelo julgador, observo que em sua redação original o art. 11, VII da Lei n. 8213/91 considerava como segurado apenas o filho maior de 14 anos de segurado especial, critério alterado para 16 anos com a edição da Lei n. 11.718/2008. Essa limitação temporal, contudo, submetida a análise de adequação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, foi considerada inválida, conforme comprova a ementa do julgamento em questão: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORAL POR CRIANÇA OU ADOLESCENTE. ART. 7º, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA. I - O art. 7°, XXXIII, da Constituição Federal não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral. Regra constitucional que busca a proteção e defesa dos trabalhadores não pode ser utilizada para privá-los dos seus direitos, inclusive, previdenciários. Precedentes. II - Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa (art. 1.021, § 4°, do CPC). (RE 1225475 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 21/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 04-02-2021 PUBLIC 05-02-2021). Referida decisão do STF serviu de fundamento para o julgamento do PEDILEF n. 5008955-78.2018.4.04.7202 pela TNU (julgado em 23/06/2022), culminando na adoção da seguinte tese: É possível o cômputo do tempo de serviço rural exercido por pessoa com idade inferior a 12 (doze) anos na época da prestação do labor campesino (Tema 219). Feitas essas considerações, a análise da pretensão de reconhecimento de atividade rural para a concessão ou revisão de aposentadoria por tempo de contribuição deve observar as seguintes premissas: - todo o trabalho rural anterior à edição da Lei n. 8213/91 deve ser considerado, independentemente de recolhimento de contribuições previdenciárias, salvo para efeito de carência; - o trabalho rural posterior à edição da Lei n. 8213/91 somente será considerado, para qualquer efeito, mediante o recolhimento de contribuições previdenciárias, inclusive o trabalho rural exercido em regime de economia familiar; - a ausência de recolhimento de contribuições previdenciárias a cargo do empregador não é óbice para o reconhecimento do tempo de atividade rural, para todos os efeitos; - é indispensável o início de prova material para comprovação da atividade rural; - a prova material não precisa cobrir todo o período de postulado, desde que seja corroborada por outros elementos probatórios convincentes; - é possível a utilização de prova material em nome de parentes, quando o período de atividade rural alegado ocorreu em regime de economia familiar, devendo ser corroborada por prova testemunhal; - a prova documental em nome de genitores somente poderá ser utilizada se relativa a período no qual o interessado ainda não computava 21 anos de idade; - é possível o reconhecimento de trabalho em regime de economia familiar alegadamente desenvolvido com menos de 12 anos de idade. Passo à análise do caso concreto. Em relação ao período de atividade rural reconhecido em sentença, rejeito os recursos das duas partes. Inicialmente, verifica-se que na sentença fixou-se como termo inicial a data de 01/01/1978, e não 01/03/1977 como pleiteado pelo autor. Como fundamentação para esta decisão, consignou-se expressamente: "As testemunhas inquiridas – Ademilson de Oliveira Santos e Antônio Galdino dos Santos –, em linhas gerais, corroboraram o histórico de trabalhador rural do autor e família de 1978 até quando ele passou a trabalhar na cidade. [...] Sendo assim, conjugando-se as provas e dados dos autos, viável o reconhecimento da atividade rural do autor de 1978, não há testemunhas para corroborar período anterior, a 28/02/1984, dia anterior à formalização de contrato de trabalho na cidade." (id. 315297027, pág. 3) De fato, a jurisprudência tem entendimento pacificado no sentido de que é possível considerar período anterior ao início de prova material, desde que haja prova testemunhal convincente a respeito, conforme estabelece a Súmula n. 577 do STJ, referida na fundamentação. Assim sendo, sem razão o réu em seu recurso, haja vista a existência de prova testemunhal convincente sobre a atividade rural exercida desde 1978. No entanto, no caso em apreço, a magistrada sentenciante, após valorar o conjunto probatório, inclusive a prova testemunhal produzida, concluiu expressamente pela ausência de elementos suficientes para reconhecer o período anterior a 1978, destacando que "não há testemunhas para corroborar período anterior" - sendo este o elemento crucial para a determinação do termo inicial. Ademais, compulsando as razões recursais apresentadas pelo autor, nota-se que não houve impugnação específica deste fundamento central da sentença. O recorrente limitou-se a argumentar genericamente que "as testemunhas inquiridas foram firmes, coerentes e confirmaram que o segurado laborou na lavoura como diarista juntamente com sua família" (id. 315297139, pág. 7), sem, contudo, indicar precisamente em que ponto do depoimento as testemunhas teriam confirmado o trabalho rural em período anterior a 01/01/1978, nem contestar diretamente a conclusão da julgadora de que não havia testemunhas para corroborar o período anterior. Portanto, mantém-se o termo inicial determinado em sentença (01/01/1978), pois o fundamento específico que embasou tal fixação - ausência de testemunhas para corroborar período anterior - não foi adequadamente impugnado no recurso da parte autora, não permitindo a reforma neste ponto. Em relação à impossibilidade de reconhecimento como tempo de contribuição de período de aviso prévio indenizado (03/05/2019 a 01/07/2019), o recurso do réu deve ser acolhido. Isso porque sua pretensão está em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão controvertida. De fato, no julgamento do Tema n. 1238, o STJ fixou a seguinte tese: Não é possível o cômputo do período de aviso prévio indenizado como tempo de serviço para fins previdenciários. Assim sendo a sentença deve ser reformada nesse ponto. Por fim, analiso o recurso do autor no ponto que postula o reconhecimento como atividade especial do período de 01/6/2006 a 27/12/2007. Nesse ponto, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, que ora transcrevo: Segundo a inicial, pretende o autor o reconhecimento da especialidade do período em que laborou na empresa Adasebo Indústria e Comércio de Produtos Animais Ltda. Com vistas à comprovação da nocividade, há nos autos Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP – ID. 271660082 - págs. 5/6), carimbado e assinado pelo responsável da empresa em 27/12/2007, com menção ao profissional encarregado pelo registro ambiental, mas sem a indicação do período de abrangência do laudo técnico, atestando que o autor, no cargo de “alimentador de linha de produção”, período de 01/06/2006 a 27/12/2007, sujeitou-se aos seguintes fatores de risco: Ergonômicos: postura de trabalho, levantamento e transporte de peso e esforço físico intenso, os quais não são considerados agentes agressores para fins previdenciários. Físicos: ruído de intensidade de 84,2 dB(A), inferior ao limite de tolerância para o período analisado – até 85 decibéis. Biológicos: ossos e couros, sem eficácia do EPI. Em relação aos agentes biológicos, sustenta o autor que a exposição se daria em face da manipulação de resíduos de animais deteriorados, portadores de doenças infecto-contagiosas, enquadrando-se a atividade no Código 3.1.1, item “d”, Anexo IV, do Decreto 3.048/99. Sem razão ao autor. Primeiro, porque o PPP, no caso, não se presta como prova plena da atividade em ambiente nocivo, porquanto não está devidamente preenchido, faltando o período de abrangência do LTCAT. E oportunizado prazo para a vinda aos autos do laudo técnico (ID. 274960456), o autor permaneceu silente. No mais, as atividades ditas como nocivas pelo referido item referem-se aos trabalhos de “exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados”. Tomando-se as tarefas e funções descritas na profissiografia, competia ao autor alimentar a linha de produção, isto é, abastecer o maquinário com os insumos alimentícios, considerando que a empregadora (Adasebo) é do ramo de indústria alimentícia, ainda que para animais. Dessa forma, considerando que o autor manipulava carnes (animais) para consumo, os quais não poderiam estar contaminados com agentes patológicos, entendo que não havia risco superior ao ordinário no manuseio de tais carnes cruas, de modo a caracterizar a especialidade do trabalho. Considerando o quanto decidido, a análise do tempo contributivo da parte autora deve observar a seguinte planilha: Dessa forma, o autor faz jus à aposentação em DER reafirmada para 14/05/2023, data posterior ao ajuizamento desta ação. Face ao exposto, dou parcial provimento ao recurso da parte ré para afastar o reconhecimento de tempo de contribuição no período de 03/05/2019 a 01/07/2019, nego provimento ao recurso do autor e, por consequência, altero a DIB do benefício concedido em sentença para 14/05/2023, mantida no mais a decisão recorrida. Deixo de condenar a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95 e conforme entendimento desta 3ª Turma Recursal, em razão da ausência de atuação do procurador da parte contrária em segundo grau (não apresentação de contrarrazões). É o voto.
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO INOMINADO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. ATIVIDADE ESPECIAL. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
I. CASO EM EXAME
Recursos inominados interpostos por ambas as partes contra sentença que: (i) reconheceu a atividade rural do autor como segurado especial de 01/01/1978 a 28/02/1984; (ii) reconheceu para fins previdenciários os contratos de trabalho do autor de 01/06/1984 a 30/06/1984, 01/07/1990 a 04/03/1991, 27/04/1992 a 11/05/1992 e 22/11/1999 a 28/12/2000; (iii) concedeu ao autor aposentadoria por tempo de contribuição conforme art. 17 das regras de transição da EC 103/2019.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO
2. As questões em discussão consistem em saber: (i) se há prova suficiente para reconhecer o período de atividade rural pretendido pelo autor (01/03/1977 a 28/02/1984); (ii) se o aviso prévio indenizado pode ser considerado como tempo de contribuição; e (iii) se o trabalho exercido na empresa Adasebo Ind. e Com. de Produtos Animais Ltda. pode ser reconhecido como atividade especial.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O reconhecimento de atividade rural para fins previdenciários exige início de prova material corroborado por prova testemunhal convincente, podendo esta comprovar período anterior ao documento mais antigo apresentado, conforme Súmula 577 do STJ.
A prova testemunhal produzida nos autos confirmou o trabalho rural do autor apenas a partir de 01/01/1978, não havendo elementos para comprovar atividade anterior a esta data.
Conforme entendimento firmado pelo STJ no julgamento do Tema n. 1238, não é possível o cômputo do período de aviso prévio indenizado como tempo de serviço para fins previdenciários.
Para reconhecimento da especialidade de atividade com exposição a agentes biológicos, o PPP deve estar devidamente preenchido e indicar exposição habitual e permanente a agentes nocivos. No caso, além de o PPP não indicar o período de abrangência do LTCAT, a atividade descrita não se enquadra no código 3.1.1, item "d", Anexo IV, do Decreto 3.048/99, pois não se tratava de manipulação de resíduos de animais deteriorados.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Recurso do INSS parcialmente provido para afastar o cômputo do período de aviso prévio indenizado (03/05/2019 a 01/07/2019). Recurso do autor improvido. DIB alterada para 14/05/2023.
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.213/91, arts. 11, VII, 16, I, 39, II, 55, §§ 2º e 3º, 108; EC 103/2019, art. 17; Decreto 3.048/99, Anexo IV, Código 3.1.1, item "d". Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 554; STJ, Súmula 149; STJ, Súmula 577; STJ, Tema 1238; STF, RE 1225475 AgR; TNU, Tema 219 (PEDILEF 5008955-78.2018.4.04.7202).