Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5041303-56.2024.4.03.6301

RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP

RECORRENTE: DANIEL ANACLETO FERREIRA VIEIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) RECORRENTE: DOUGLAS AZEVEDO DE ABREU - RS125230-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

RELATÓRIO

 

Trata-se de ação de conhecimento pela qual DANIEL ANACLETO FERREIRA VIEIRA, segurado da Previdência Social, pleiteou junto ao INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) a correção dos salários de contribuição no período de 01/07/1994 a 30/04/2021, para incluir as parcelas recebidas em dinheiro sob as rubricas Vale Refeição (VR), Vale Alimentação (VA) e Vale Alimentação II, durante o período em que laborou na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), com reflexos nos cálculos da renda mensal inicial (RMI) de sua aposentadoria por tempo de contribuição (NB 201.643.925-9, DIB 30/04/2021).

Na petição inicial (id 313563807, pág. 1-18), o autor argumentou ser titular de aposentadoria por tempo de contribuição, concedida em 30/04/2021, com renda mensal inicial de R$ 2.867,36. Afirmou que sempre recebeu verbas a título de auxílio-alimentação durante o vínculo empregatício com os Correios, iniciado em 20/12/1991, e que tais valores deveriam integrar o salário de contribuição para fins de cálculo de sua aposentadoria.

O autor destacou que realizou prévio requerimento administrativo de revisão, protocolado em 13/08/2024 sob o nº 1901860373, requerendo expressamente a correção dos salários de contribuição para inclusão do vale-alimentação. Defendeu que, independentemente do requerimento administrativo, há notória recusa da administração em incluir o auxílio-alimentação no salário de contribuição, o que tornaria dispensável tal requisito, conforme entendimento firmado no Tema 350 do STF.

Para comprovar seus argumentos, o autor juntou aos autos fichas financeiras relativas ao período laborado, além de relatórios emitidos pelos Correios sobre os valores recebidos a título de auxílio-alimentação. Explicou que, no período de 07/1994 a 12/2001, as fichas financeiras apresentavam apenas os descontos de coparticipação do empregado (códigos 054064/VA e 054075/VC), mas que, considerando o percentual de desconto (5%, 10% ou 15%, conforme a referência salarial), era possível calcular o valor total recebido. A partir de 01/2002, os valores totais recebidos estavam representados pelos códigos 057060 (Vale Alimentação), 057040 (Vale Cesta/Vale Alimentação II) e 057080 (Vale Refeição).

O INSS apresentou contestação (id 313563883, pág. 1-15), alegando prescrição quinquenal, requerendo a renúncia expressa ao valor excedente ao teto do JEF, e defendendo que o auxílio-alimentação/vale-refeição possui natureza indenizatória, conforme previsto em acordo e/ou convenção coletiva de trabalho, não integrando o salário de contribuição. Argumentou que os acordos coletivos dos carteiros estabelecem que os benefícios alimentares não possuem natureza remuneratória e exigem coparticipação dos empregados. Subsidiariamente, caso reconhecido o direito à revisão, defendeu que os efeitos financeiros deveriam ser fixados na data do pedido de revisão administrativo ou da citação, e não retroativamente à data de início do benefício.

Em sentença (id 313563904, pág. 1-10), o juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar o INSS a: a) incluir nos salários de contribuição as parcelas recebidas a título de "Vale Alimentação – Total" (período de janeiro/2002 a março/2021), "Vale Refeição – Total" (competências de setembro/2004 e novembro/2005) e "Vale Alimentação2 – Total" (período de janeiro/2002 a março/2021); b) revisar a renda mensal da aposentadoria; e c) pagar os atrasados devidos desde a DIB, respeitada a prescrição quinquenal. Contudo, considerou apenas o período a partir de janeiro/2002, baseando-se no "Relatório de Empregado por Rubrica e Período – Versão Congelada" fornecido pelos Correios, e não considerou os períodos anteriores por entender que as fichas financeiras não permitiam concluir com exatidão quais os valores efetivamente pagos em cada competência.

O INSS interpôs recurso inominado (id 313563905, pág. 1-9) reiterando os argumentos da contestação quanto à natureza indenizatória do auxílio-alimentação estabelecido em acordo ou convenção coletiva de trabalho e reforçando o pedido de que, na hipótese de manutenção da condenação, os efeitos financeiros fossem fixados a partir do pedido de revisão administrativo ou da citação, e não retroativamente à DIB.

O autor também recorreu (id 313563910, pág. 1-9), insurgindo-se contra a parcial procedência e solicitando a reforma da sentença para reconhecer o direito à inclusão das rubricas controversas também no período de 07/1994 a 12/2001. Argumentou que os valores recebidos nesse período poderiam ser apurados mediante cálculo aritmético, considerando o percentual de desconto de coparticipação (5%), multiplicando-se por 100 e dividindo-se pelo percentual para encontrar o valor total recebido a título de auxílio-alimentação.

Em contrarrazões (id 313563986, pág. 1-12) ao recurso do INSS, o autor reforçou os argumentos quanto à legitimidade do pedido, citando o Tema 244 da TNU, decisões do STJ e a Súmula 67 da TNU. Destacou a realização de prévio requerimento administrativo (protocolo nº 1901860373) e a notória recusa do INSS em considerar a natureza salarial do auxílio-alimentação, o que afastaria a aplicação do Tema 1.124 do STJ, permitindo que os efeitos financeiros retroagissem à data de concessão do benefício.

É o relatório.

 

 

 

 


 

VOTO

 

Os recursos não comportam acolhimento.

Adoto como razão de decidir os fundamentos da sentença, que esgotam a matéria discutido. Transcrevo:

A parte autora requer a revisão da RMI do seu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/201.643.925-9, mediante a inclusão no salário de contribuição das parcelas recebidas em dinheiro a título de auxílio-alimentação (VR – Vale Refeição; VA – Vale Alimentação; e Vale Alimentação II) no período de 01/07/1994 a 30/04/2021, em que trabalhou na “Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT”.

O caso em questão passa pela análise de duas questões fundamentais:

a) a questão de direito atinente à discussão acerca do reconhecimento da natureza remuneratória ou indenizatória das rubricas controversas; 

b) a questão de fato, perquirindo-se qual montante foi pago ao empregado em razão das rubricas controversas.

No que tange à questão de direito, entendo que a tese proclamada pela parte autora deve ser acolhida.

Estabelece a Constituição Federal:

“Art. 2011, §11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

No caso concreto, a parte autora comprova ter sido empregada dos Correios durante o período controverso e, portanto, sua vinculação à empresa pública era regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto nº 5452/1943), que dispõe expressamente que verbas alimentares pagas em pecúnia fazem parte do salário: 

 

“Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações "in natura" que a empresa, por fôrça do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

 

Desde já, assevero que não se aplica ao caso dos autos a isenção prevista no artigo 22, §1º, da Lei nº 8.460/92 - atinente ao auxílio-alimentação pago no âmbito do serviço público (cujo pagamento possui caráter indenizatório).

 

Prosseguindo, observo que o Decreto nº 3.048/1999 define o salário de contribuição: 

“Art. 214. Entende-se por salário-de-contribuição: 

I - para o empregado e o trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; 

(...) 

§ 9º Não integram o salário-de-contribuição, exclusivamente: 

(...) 

III - a parcela in natura recebida de acordo com programa de alimentação aprovado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos termos da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976

(...) 

VI- a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria; 

(...) 

XII- os valores correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante da de sua residência, em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego; 

(...)"

 

Não se menospreze que é a partir do salário de contribuição que se apura a renda mensal dos benefícios previdenciários. Acerca do cálculo do salário de benefício, dispõe a Lei nº 8213/91:

 

“Art. 29. O salário-de-benefício consiste: (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99) 

I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99) 

II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99) 

(...) 

§ 2º O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição na data de início do benefício. 

§ 3º Serão considerados para cálculo do salário-de-benefício os ganhos habituais do segurado empregado, a qualquer título, sob forma de moeda corrente ou de utilidades, sobre os quais tenha incidido contribuições previdenciárias, exceto o décimo-terceiro salário (gratificação natalina). (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 1994) 

(...)”

 

Nesta senda, as parcelas atinentes à auxílio-alimentação (ou similares) pagas in natura (ou seja, quando a empresa fornece a própria alimentação) não possuem natureza salarialContrario sensu, as parcelas pagas em dinheiro ou qualquer outra forma (como vale, cartão magnético ou ticketpossuem natureza salarial, integrando a base de cálculo da contribuição previdenciária.

O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, caso o auxílio-alimentação seja pago habitualmente e na forma de pecúnia (estando ou não a empregadora inscrita em Programa de Alimentação do Trabalhador aprovado pelo Ministério do Trabalho), a parcela em questão passa a ser base de incidência da contribuição previdenciária. Confira-se:

 

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE.AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. PAGAMENTO REALIZADO EM ESPÉCIE E COM HABITUALIDADE. COMPOSIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. (...). O auxílio-alimentação, quando pago em espécie e com habitualidade, assume feição salarial, passando a integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária. (...) (STJ-1a.T, AgInt no REsp 1660232 / PI, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe 29/05/2017) 

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. TRIBUTÁRIO.CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. FÉRIAS GOZADAS. DÉCIMO-TERCEIRO SALÁRIO.AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. AUXÍLIO QUEBRA DE CAIXA. INCIDÊNCIA. (...). No que concerne ao auxílio-alimentação, não há falar na incidência de contribuição previdenciária quando pago in natura, esteja ou não a empresa inscrita no PAT. No entanto, pago habitualmente e em pecúnia, há a incidência da contribuição. (...). (AgInt no REsp 1621787/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 15/12/2016, DJe 19/12/2016) 

 

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUXÍLIO-CRECHE. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO IN NATURA. PAGAMENTO EM PECÚNIA.DESCONTOS PARCIAIS PARA CUSTEIO OPERACIONAL. INCIDÊNCIA SOBRE AS DIFERENÇAS DAS DESPESAS. 

(...) 

2. Conforme entendimento deste Superior Tribunal, o pagamento in natura do auxílio-alimentação não se sujeita à incidência de contribuição previdenciária por não se revestir de natureza salarial, independentemente de inscrição no Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT. Por outro lado, quando pago habitualmente e em pecúnia, incide a referida contribuição. 

3. Na hipótese que se apresenta, a alimentação é fornecida pelo próprio empregador, havendo um desconto no salário do empregado, destinado ao ressarcimento da empresa empregadora pela despesa operacional com o fornecimento da alimentação. Em casos semelhante a este, o STJ já decidiu que a contribuição previdenciária deverá incidir sobre a diferença entre os valores efetivamente destinados ao custeio da alimentação e os descontos realizados nos vencimentos do trabalhador. 

(...) 

(REsp 1072245/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, 2ª Turma, julgado em 08/11/2016, DJe 14/11/2016). 

  

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TESE NÃO PREQUESTIONADA. INOVAÇÃO RECURSAL. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. PAGAMENTO EM PECÚNIA FEITO PELA EMPRESA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. 

(...) 

2. A jurisprudência deste STJ é no sentido de que o auxílio-alimentação, quando pago habitualmente e em pecúnia, integra a base de cálculo da contribuição previdenciária, esteja ou não a empresa inscrita no PAT. Precedentes. 

(...) 

(AgRg no REsp 1449369/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 01/03/2016, DJe 08/03/2016). 

 

Assim sendo, encontra-se pacificado o entendimento de que rubricas como o vale-refeição/vale-alimentação e outras similares, quando recebidas em pecúnia pelos funcionários celetistas, devem ser consideradas como verba remuneratória e, portanto, passam a integrar o salário de contribuição. Nesse sentido, cito a Súmula 67 da TNU:

 

“O auxílio-alimentação recebido em pecúnia por segurado filiado ao Regime Geral da Previdência Social integra o salário de contribuição e sujeita-se à incidência de contribuição previdenciária”

 

Sem prejuízo, o valor decorrente de eventual coparticipação do empregado sobre vale-alimentação e rubricas similares não deve ser excluído da base de cálculo da contribuição previdenciária. A questão foi estampada no informativo do STJ nº 712 de 11/10/2021 e tem amparo no seguinte julgado:

 

“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL. VALORES DESCONTADOS DOS EMPREGADOS. COPARTICIPAÇÃO VALE-TRANSPORTE. TOTAL DAS REMUNERAÇÕES. VALORES BRUTOS. INCIDÊNCIA.

(...) 

5. Discute-se, entretanto, se o valor correspondente à participação do trabalhador no auxílio-alimentação ou auxílio-transporte, descontado do seu salário, deve ou não integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária, nos termos do art. 22 da Lei 8.212/1991. 

(...) 

8. No caso em questão, o fato de os valores descontados aos empregados correspondentes à participação deles no custeio do vale-transporte, auxílio-alimentação e auxílio-saúde/odontológico ser retida pelo empregador não retira a titularidade dos empregados de tais verbas remuneratórias.  

9. Só há a incidência de desconto para fins de coparticipação dos empregados porque os valores pagos pelo empregador, os quais ingressam com natureza de salário de contribuição, antes se incorporaram ao patrimônio jurídico do empregado, para só então serem destinados à coparticipação das referidas verbas. 

11. Outrossim, os valores descontados aos empregados correspondentes à participação deles no custeio do vale-transporte, auxílio-alimentação e auxílio- saúde/odontológico não constam no rol das verbas que não integram o conceito de salário de contribuição, listadas no § 9° do art. 28 da Lei 8.212/1991. Por consequência, e por possuir natureza remuneratória, devem constituir a base de cálculo da contribuição previdenciária e da RAT a cargo da empresa. 

11. O STJ, quando do julgamento do REsp 1.902.565/PR, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 7.4.2021, fixou que o montante retido a título de contribuição previdenciária compõe a remuneração do empregado, de modo que deve integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, da contribuição ao SAT/RAT (art. 22, II, da Lei 8.212/1991) e das contribuições sociais devidas a terceiros. 

(REsp n. 1.928.591/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 05/11/2021).

 

Em tempo, consigno que eventual omissão do empregador no recolhimento da contribuição previdenciária sobre a verba ora discutida não impede o cômputo da parcela remuneratória no salário-de-contribuição. Ora, o dever fiscal acessório de recolher as contribuições previdenciárias, descontando a cota correspondente da remuneração do empregado a seu serviço, compete exclusivamente ao empregador, incumbindo à fiscalização fazendária exigir do devedor o cumprimento da legislação. Assim, não pode ser exigido do empregado o recolhimento das contribuições sociais/previdenciárias como condição para o reconhecimento do vínculo laboral ou para fins de majoração de sua renda, já que lhe estaria sendo imputado ônus pelo inadimplemento que só se pode atribuir a inércia de terceiro.

Por todo o exposto, reconheço que as rubricas controversas (vale-alimentação, vale-alimentação II, vale-refeição, vale-cesta, etc.) podem ser computadas como salário de contribuição.

Passo, agora à análise da celeuma de fato.

No que se refere à prova da questão de fato (prova dos valores recebidos que devem integrar os salários de contribuição), entendo que deve ser aplicado por analogia o Decreto nº 3.048/99, quando discorre acerca dos documentos que comprovem o tempo de serviço, nos seguintes termos:

   

“Art. 62. A prova de tempo de serviço, considerado tempo de contribuição na forma do art. 60, observado o disposto no art. 19 e, no que couber, as peculiaridades do segurado de que tratam as alíneas "j" e "l" do inciso V do caput do art. 9º e do art. 11, é feita mediante documentos que comprovem o exercício de atividade nos períodos a serem contados, devendo esses documentos ser contemporâneos dos fatos a comprovar e mencionar as datas de início e término e, quando se tratar de trabalhador avulso, a duração do trabalho e a condição em que foi prestado.(Redação dada pelo Decreto nº 4.079, de 2002)   

(...)   

§ 2º Servem para a prova prevista neste artigo os documentos seguintes: (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)   

I - o contrato individual de trabalho, a Carteira Profissional e/ou a Carteira de Trabalho e Previdência Social, a carteira de férias, a carteira sanitária, a caderneta de matrícula e a caderneta de contribuições dos extintos institutos de aposentadoria e pensões, a caderneta de inscrição pessoal visada pela Capitania dos Portos, pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e declarações da Receita Federal; (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)   

II - certidão de inscrição em órgão de fiscalização profissional, acompanhada do documento que prove o exercício da atividade; (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)   

§ 2o Subsidiariamente ao disposto no art. 19, servem para a prova do tempo de contribuição que trata o caput: (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).   

I - para os trabalhadores em geral, os documentos seguintes: (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).   

a) o contrato individual de trabalho, a Carteira Profissional, a Carteira de Trabalho e Previdência Social, a carteira de férias, a carteira sanitária, a caderneta de matrícula e a caderneta de contribuições dos extintos institutos de aposentadoria e pensões, a caderneta de inscrição pessoal visada pela Capitania dos Portos, pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e declarações da Secretaria da Receita Federal do Brasil; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).   

b) certidão de inscrição em órgão de fiscalização profissional, acompanhada do documento que prove o exercício da atividade; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).   

c) contrato social e respectivo distrato, quando for o caso, ata de assembléia geral e registro de empresário; ou (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).   

d) certificado de sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra que agrupa trabalhadores avulsos; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).   

(...)   

§ 3º Na falta de documento contemporâneo podem ser aceitos declaração do empregador ou seu preposto, atestado de empresa ainda existente, certificado ou certidão de entidade oficial dos quais constem os dados previstos no caput deste artigo, desde que extraídos de registros efetivamente existentes e acessíveis à fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social. (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)” – grifo nosso.

 

Com efeito, apenas a CTPS (com o valor de aumento salarial por hora trabalhada e de eventuais benefícios de natureza remuneratória) ou apenas a relação de remunerações não fazem prova do valor pago em cada mês, na medida em que, ao informar o valor global de remuneração paga ao requerente em cada período, sem detalhar os componentes de cada pagamento (ou seja, sem esclarecer, em cada competência, quais parcelas do valor pago compunham salário, extra, adicional, auxílio, férias e outras verbas), resta inviabilizado que se saiba qual o percentual de cada valor que contém natureza remuneratória e qual possui natureza indenizatória. Isso porque nem todos os valores pagos pelo empregador ao empregado compõem o salário de contribuição, de modo que, sequer tendo sido adequadamente discriminadas na inicial quais as verbas comporiam o salário, resta impossibilitada tal tarefa a este Juízo.

Ademais, no que tange a holerites impressos sem que se possa comprovar a contemporaneidade à prestação do labor, em que pese indiquem as competências a que se referem, não se presumem contemporâneos aos fatos, o que impede, até mesmo, a prova da origem e a certeza de ausência de adulteração nos documentos impressos.

Nesta senda, a prova dos fatos controvertidos exige a apresentação de documentos contemporâneos ao labor (como holerites originais), ou da apresentação de documentos oficiais (como a via original ou cópia autenticada da folha do Livro de Registro de Empregados, da Ficha de Registro de Empregados ou de ficha financeira onde se possam constatar os valores pagos e/ou as alterações das remunerações). Em suma, é essencial que sejam trazidos documentos dos quais se depreenda de forma cabal a impossibilidade de lançamentos de valores extemporaneamente e à revelia da realidade.

No caso concreto, para prova dos fatos alegados (quais sejam, os valores recebidos mensalmente a título das rubricas controversas), a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos que não se prestam à prova dos fatos controversos:

 

 

Destarte, como nenhum dos documentos acima assegura com a certeza necessária quais os valores efetivamente pagos ao trabalhador em razão das rubricas controversas, não podem ser admitidos como prova dos fatos controversos.  

De toda sorte, constato que a parte autora acostou aos autos informações oficiais fornecidas pelos Correios, notadamente, o “Relatório de Empregado por Rubrica e Período – Versão Congelada”, referente ao (Id 342144407 – fl. 07):

 

a) “Vale Alimentação – Total”, no período de janeiro/2002 a março/2021;

b) “Vale Refeição – Total”, nas competências de setembro/2004 e novembro/2005;

c) “Vale Alimentação2 – Total”, no período de janeiro/2002 a março/2021;

Registro que os dados entregues pelos Correios foram produzidos em nome da parte demandante (e não de terceiros) e com base no histórico das folhas de pagamento salvas no arquivo informatizado da empresa pública.

Em sua contestação o INSS não indicou expressamente eventuais inconsistências, divergências entre os dados fornecidos (em tabelas e documentos) ou a falta de veracidade do lastro probatório quanto às rubricas controversas. Portanto, o INSS não desconstituiu a legitimidade das informações prestadas pela fonte pagadora nem indicou erros materiais ou divergências/inconsistências nos dados fornecidos pelos Correios.

Com amparo no artigo 62, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considero que as informações oficiais prestadas pelos Correios e emitidas em nome do empregado demandante são suficientes para comprovar a natureza remuneratória das rubricas em discussão apenas nos períodos previstos no “Relatório de Empregado por Rubrica e Período – Versão Congelada” (Id 342144407 – fl. 07), devendo tais valores serem incorporados aos salários de contribuição, bem como sua averbação para todos os fins de direito, especialmente para fins de revisão do benefício de aposentadoria pleiteado na inicial. 

Isto posto, reconheço que houve o pagamento em pecúnia à parte autora das rubricas controversas que constam no “Relatório de Empregado por Rubrica e Período – Versão Congelada, razão pela qual julgo procedente o pedido de retificação dos salários de contribuição no CNIS. Consequentemente, também é procedente o pedido de revisão da renda mensal inicial do benefício previdenciário pago à parte autora.

Em acréscimo, é de se observar que o entendimento da sentença está em consonância com o Tema n. 244 da TNU, cuja tese foi assim redigida:

I) Anteriormente à vigência da Lei n. 13.416/2017, o auxílio-alimentação, pago em espécie e com habitualidade ou por meio de vale-alimentação/cartão ou tíquete-refeição/alimentação ou equivalente, integra a remuneração, constitui base de incidência da contribuição previdenciária patronal e do segurado, refletindo no cálculo da renda mensal inicial do benefício, esteja a empresa inscrita ou não no Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT;

II) A partir de 11/11/2017, com a vigência da Lei n. 13.416/2017, que conferiu nova redação ao § 2º do art. 457 da CLT, somente o pagamento do auxílio-alimentação em dinheiro integra a remuneração, constitui base de incidência da contribuição previdenciária patronal e do segurado, refletindo no cálculo da renda mensal inicial do benefício, esteja a empresa inscrita ou não no Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT.

Ademais, os efeitos financeiros da revisão devem retroagir à data da concessão do benefício, conforme entendimento da TNU adotado no Tema n. 102, cuja tese prescreve:

Os efeitos financeiros da revisão da RMI de benefício previdenciário devem retroagir à data do requerimento administrativo do próprio benefício, e não à data do pedido revisional.

Por fim, anoto que o Tema n. 1124 do STJ não se aplica à espécie, haja vista que os documentos que comprovam o direito à revisão foram previamente apresentados ao INSS na via administrativa, situação que escapa à indagação do referido tema, ainda com julgamento pendente.

 

Face ao exposto, nego provimento aos recursos. 

Integralmente vencidos os dois recorrentes, aplicável à espécie a tese adotada pela TRU da 3ª Região, nos seguintes termos: No que toca aos honorários de advogado, nos casos em que as partes recorrentes forem vencidas em seus recursos, como a Lei 9.099/1995 é norma especial (que derroga a norma geral do CPC/2015 segundo o princípio lex specialis derogat generali), veda-se condenar quaisquer das partes a esse título com fulcro no artigo 55 da Lei em comento c/c artigo 1° da Lei 10.259/2001. (PUILCiv n. 0007966-78.2018.4.03.6332, 29/11/2023, DJEN DATA: 13/12/2023).

É o voto. 

 

 

 



 

 

EMENTA

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO INOMINADO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO PAGO EM PECÚNIA. REFLEXO NO SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO. RECURSOS DESPROVIDOS.

I. CASO EM EXAME

  1. Recursos inominados contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para incluir nos salários de contribuição do segurado valores recebidos a título de auxílio-alimentação e revisar a renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de contribuição.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. Há duas questões em discussão: (i) saber se as parcelas recebidas em dinheiro sob as rubricas Vale Refeição, Vale Alimentação e Vale Alimentação II possuem natureza remuneratória e devem integrar o salário de contribuição; e (ii) verificar se há prova suficiente dos valores recebidos durante todo o período laboral para inclusão nos salários de contribuição.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. O auxílio-alimentação, quando pago habitualmente e em pecúnia, assume feição salarial e integra a base de cálculo da contribuição previdenciária, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Súmula 67 da TNU.

4. A eventual omissão do empregador no recolhimento da contribuição previdenciária sobre a verba em questão não impede o cômputo da parcela remuneratória no salário de contribuição, pois não pode ser imputado ao empregado ônus pelo inadimplemento atribuível a terceiro.

5. O "Relatório de Empregado por Rubrica e Período – Versão Congelada" fornecido pela empresa é documento idôneo para comprovar os valores recebidos a partir de janeiro/2002, com amparo no artigo 62, §3º, do Decreto nº 3.048/1999. 6. As fichas financeiras apresentadas para o período anterior não permitem concluir com exatidão quais os valores efetivamente pagos, pois exigem cálculos aritméticos que não oferecem certeza necessária sobre os valores recebidos.

6. Os efeitos financeiros da revisão da RMI retroagem à data do requerimento administrativo do próprio benefício, conforme Tema 102 da TNU.

 

IV. DISPOSITIVO E TESE

7. Recursos desprovidos.

 

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, §11; CLT, art. 458; Decreto nº 3.048/1999, arts. 62, §3º, e 214, §9º; Lei nº 8.213/1991, art. 29, §3º.

Jurisprudência relevante citada: Súmula 67/TNU; TNU, Tema 102; TNU, Tema 244; STJ, AgInt no REsp 1.660.232/PI; STJ, AgInt no REsp 1.621.787/RS; STJ, REsp 1.072.245/SP; STJ, AgRg no REsp 1.449.369/SC; STJ, REsp 1.928.591/RS.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento aos recursos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
LEONARDO JOSE CORREA GUARDA
Juiz Federal