RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5050793-05.2024.4.03.6301
RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: MARIA TERESA ANGERAME
RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5050793-05.2024.4.03.6301 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: MARIA TERESA ANGERAME RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento pela qual a autora busca o restabelecimento do benefício do Programa Bolsa Família. Na petição inicial (id 316162157), a autora alega é pessoa idosa em situação de vulnerabilidade social, encontra-se desempregada, não possui nenhuma fonte de renda e cumpre os requisitos para percepção do benefício. Alega ainda que o benefício foi negado com base em norma infralegal (art. 6º, §2º e §3º da Portaria MDS nº 897/23), que estabelece o limite de 16% de famílias unipessoais beneficiárias do programa em cada município. Defende que a restrição imposta pela União quanto ao limite de 16% de beneficiários na modalidade família unipessoal (conforme Portaria MDS nº 911, de 24 de agosto de 2023) é inconstitucional, ferindo o princípio da vedação à proteção insuficiente e o direito à renda básica de cidadania previsto na Lei nº 10.835/04. Sem determinar a citação da União, o Juízo proferiu sentença (id 316162160, pág. 1-2), extinguindo o processo sem resolução do mérito, por entender que a União seria parte ilegítima para figurar no polo passivo, visto que, em sua interpretação, não compete à União decidir sobre a concessão do benefício, mas sim aos municípios, conforme interpretação da Lei nº 14.284/2021. Ademais, concluiu que, sendo a União parte ilegítima, faleceria competência à Justiça Federal para processamento da demanda. Em 13/01/2025, a DPU interpôs recurso inominado (id 316162161, pág. 1-8), argumentando, em síntese: (i) a aplicação da teoria da asserção para análise das condições da ação; (ii) a legitimidade passiva da União, considerando sua atuação na regulamentação, coordenação e gerenciamento do benefício; (iii) a necessidade de anulação da sentença, com retorno dos autos à origem. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5050793-05.2024.4.03.6301 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: MARIA TERESA ANGERAME RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O recurso comporta acolhimento. No caso concreto, a sentença extinguiu o feito sem resolução de mérito, com os seguintes fundamentos: Preliminarmente, a União Federal é parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda. A discussão travada no presente feito não se relaciona ao ato material de pagamento do benefício “Auxílio Brasil”, mas sim ao reconhecimento do direito à prestação e liberação das quantias para entrega à parte autora. Em que pese o Programa Auxílio Brasil seja mantido pela transferência de recursos da União Federal, não compete à União ou a qualquer de suas autarquias ou empresas públicas decidir sob a concessão do benefício aos requerentes, competindo tal atribuição aos municípios, conforme previsão da Lei nº 14.284/2021: Art. 22. A execução e a gestão do Programa Auxílio Brasil são públicas e governamentais e ocorrerão de forma descentralizada, por meio da conjugação de esforços entre os entes federativos, observados a intersetorialidade, a participação comunitária e o controle social. § 1º A execução e a gestão descentralizadas referidas no caput deste artigo serão implementadas por meio de adesão voluntária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ao Programa Auxílio Brasil. § 2º Até que as adesões de que trata o § 1º deste artigo sejam efetivadas, ficam convalidados os termos de adesão assinados pelos Municípios, pelos Estados e pelo Distrito Federal ao Programa Bolsa Família. Art. 23. (...) § 2º A União transferirá, obrigatoriamente, aos entes federativos que aderirem ao Programa Auxílio Brasil, recursos para apoio financeiro às ações de gestão e execução descentralizada do Programa, desde que alcancem índices mínimos no Índice de Gestão Descentralizada do Programa Auxílio Brasil e do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. § 3º A execução e a gestão descentralizadas a que se refere o caput deste artigo serão implementadas por meio da adesão voluntária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ao Programa Auxílio Brasil. Art. 26. O controle e a participação social do Programa Auxílio Brasil serão realizados, em âmbito local, pelo respectivo conselho de assistência social em conjunto com os conselhos das demais políticas que integram o Programa Auxílio Brasil. Conforme inicial, a discussão travada no presente feito cinge-se à omissão na análise de requerimento ou à negativa da concessão do benefício previsto no Programa Auxílio Brasil – atribuição de responsabilidade dos municípios, e não da União. Logo, a União não é apta a figurar no polo passivo do presente feito, eis que em relação a ela não foi instituída a relação jurídica de direito material controvertida. Registre-se que a questão controvertida não está afeta à hipótese de fraude ou má aplicação de verbas federais geridas de forma solidária entre os entes federativos, o que atrairia o interesse da União, mas tão somente sobre a concessão de benefício cuja responsabilidade está atribuída por lei ao município. Vê-se, assim, que não há motivo algum para que a União figure como ré nestes autos, uma vez que, em que pese disponibilize recursos para o programa, não possui qualquer poder de ingerência na análise do preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício, de modo que é parte ilegítima para figurar no polo passivo desta ação. Assim, não havendo que se falar em interesse da União, falece à Justiça Federal competência para processamento da demanda, que deverá ser proposta perante a Justiça Estadual. Por fim, em se tratando de Juizado Especial Federal, havendo incompetência, é de rigor a extinção do feito, tudo nos termos do Enunciado 24 do FONAJEF (“Reconhecida a incompetência do Juizado Especial Federal, é cabível a extinção de processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 1 da Lei nº 10.259/2001 e do art. 51, III, da Lei nº 9.099/95, não havendo nisso afronta ao art. 12, parágrafo 2, da Lei nº 11.419/06”). Diante do exposto, reconheço a ilegitimidade passiva da União para figurar no polo passivo da presente demanda e, por conseguinte, a incompetência deste Juizado Especial Federal para processar e julgar o presente feito, motivo pelo qual julgo extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil e do enunciado 24 do FONAJEF.. Contudo, entendo de modo diverso. A legitimidade da União é evidente, pois, nos termos da Lei n. 14.601/2023, o Programa Bolsa Família é um programa de políticas pública do Governo Federal, instuído no âmbito do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Além disso, as diretrizes são estabelecidas pela União, bem como o pagamento do benefício advém de dotações orçamentárias da União. Nesse sentido: Lei n. 14.601/2023 Art. 1º Fica instituído o Programa Bolsa Família, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, em substituição ao Programa Auxílio Brasil, instituído pela Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021. [...] § 3º Ato do Poder Executivo federal regulamentará o disposto nesta Lei. [...] Art. 11. As despesas do Programa Bolsa Família serão custeadas pelos seguintes recursos, a serem aplicados na forma prevista na legislação específica e em conformidade com as dotações e as disponibilidades orçamentárias e financeiras: I - dotações orçamentárias da União alocadas ao Programa Auxílio Brasil; II - dotações orçamentárias da União alocadas ao Programa Bolsa Família; e III - outros recursos financeiros de fontes nacionais e internacionais destinados à implementação do Programa Bolsa Família. § 1º O Poder Executivo federal compatibilizará a quantidade de beneficiários e de benefícios financeiros de que trata o § 1º do art. 7º desta Lei com as dotações orçamentárias disponíveis. Assim, considerando que a União é responsável pela operacionalização do programa e o que o ente municipal atua nos termos normativos determinados pelo Poder Executivo Federal, impõe-se o reconhecimento da legitimidade passiva da União. Face ao exposto, dou provimento ao recurso da parte autora para anular a sentença e determinar o prosseguimento do feito. Sem condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, por ser o recorrente vencedor ou apenas parcialmente vencido. É o voto.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO INOMINADO. PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. RECURSO PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Recurso inominado contra sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva da União, em ação que busca o restabelecimento do benefício do Programa Bolsa Família.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se a União é parte legítima para figurar no polo passivo de ação que visa o restabelecimento do benefício do Programa Bolsa Família.
III. Razões de decidir
3. O Programa Bolsa Família é instituído pela Lei n. 14.601/2023 como política pública do Governo Federal, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
4. As diretrizes do programa são estabelecidas pela União, e o pagamento do benefício advém de dotações orçamentárias da União, conforme previsto no art. 11 da Lei n. 14.601/2023.
5. A União é responsável pela operacionalização do programa, e o município atua nos termos normativos determinados pelo Poder Executivo Federal.
IV. Dispositivo e tese
6. Recurso provido para anular a sentença e determinar o prosseguimento do feito.
Dispositivos relevantes citados: Lei n. 14.601/2023, arts. 1º e 11; CPC, art. 485, IV.