Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000172-18.2021.4.03.6007

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: ELCI MARIA MACHADO

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO MENESES ECHEVERRIA DE LIMA - MS14456-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000172-18.2021.4.03.6007

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: ELCI MARIA MACHADO

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO MENESES ECHEVERRIA DE LIMA - MS14456-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

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R E L A T Ó R I O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por ELCI MARIA MACHADO em face de sentença (ID 257385589) que julgou improcedente a ação anulatória de ato administrativo em epígrafe, mantendo a apreensão do seu veículo automotor, conduzido pelo seu filho que transportava mercadorias de origem estrangeira em desacordo com a determinação legal. No r. pronunciamento apelado, consignou o juízo de origem que é pouco crível a versão da parte autora de que desconhecia o uso do seu veículo em posse do seu filho e do seu empregado para introdução irregular de mercadorias em território nacional, uma vez que se trata de bem de significativo valor financeiro. Ressaltou também que não há provas que corroborem as alegações autorais de que permitiu o uso do veículo de boa-fé.

Alega a parte apelante (ID 257385600), em síntese, que: (i) o seu filho, Marcos Junior Machado da Sena, no dia 07/10/2020, sem a sua anuência, pegou seu veículo emprestado para deslocar-se até a cidade de JARU/RO com o fito de visitar familiares, acompanhado de JAILSON CLEMENTE FERREIRA e DOUGLAS SILVA RODRIGUES, e foi flagrado transportando ilicitamente mercadorias de origem estrangeira; (ii) em afronta ao art. 5, inciso LV, da Constituição Federal, e artigo 369, do Código de Processo Civil, o juízo “a quo” decidiu antecipadamente a lide, omitindo-se quanto à produção da prova oral, violando o princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla-defesa, caracterizando nulidade processual absoluta. Por fim, pugna, pelo provimento do recurso de apelação para, preliminarmente, anular a sentença recorrida por ofensa aos princípios processuais acima elencados e, no mérito, declarar a nulidade do ato administrativo que declarou o perdimento do seu veículo automotor e determinar a restituição do referido bem automotor.

Em suas contrarrazões (ID 257385603), a União Federal advoga pelo não provimento do recurso de apelação e pela manutenção integral da r. sentença proferida.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000172-18.2021.4.03.6007

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

APELANTE: ELCI MARIA MACHADO

Advogado do(a) APELANTE: MARCELO MENESES ECHEVERRIA DE LIMA - MS14456-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

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V O T O

 

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): No presente caso, a parte autora, proprietária do automóvel apreendido, ajuizou a presente ação anulatória em face do ato administrativo que determinou a aplicação da pena de perdimento ao seu veículo. No momento da abordagem realizada pelas autoridades brasileiras, tal bem estava a ser usado pelo seu filho para transportar mercadorias de origem estrangeira em desacordo com a determinação legal, com o intuito comercial, conforme confessado pelo condutor.

Na r. sentença apelada, em síntese, o C. Juízo de Origem destacou a fragilidade na argumentação expendida pela parte autora de que desconhecia a finalidade do uso do seu veículo pelo seu filho de introduzir mercadorias estrangeiras no Brasil, uma vez que conhece a loja do filho e a  atividade comercial desenvolvida por esse.

Em face da r. decisão, a parte autora interpôs recurso de apelação, alegando, em síntese, ter agido de boa-fé e que desconhecia a intenção do seu filho de praticar a infração aduaneira enquanto esse estava em posse do automóvel e o conduzia. Pugna, preliminarmente, pela anulação da sentença por ofensas aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa em razão do indeferimento da prova oral pleiteada e, no mérito, pela declaração de nulidade do ato administrativo que declarou o perdimento do seu veículo automotor e pela restituição desse bem.

Registre-se, por oportuno, que o presente recurso foi inicialmente sobrestado em razão de afetação ao Tema Repetitivo n. 1.041 do E. STJ, cuja controvérsia discutia a possibilidade de aplicação da pena de perdimento do veículo de transporte seja de passageiros ou de carga ao transportador, proprietário ou possuidor - em decorrência de ilícitos praticados por terceiros.

Todavia, a Primeira Seção daquela Corte Superior cancelou o referido tema por ausência de amostras recursais com aderência às teses propostas, cessando os fundamentos que justificavam a suspensão do presente feito, razão pela qual foi levantado o sobrestamento anteriormente determinado, retomando-se o regular prosseguimento do processo em epígrafe.

Sempre controvertida a questão da possibilidade de revisão judicial de ato administrativo.

Em se tratando de ato de natureza vinculada, incumbe ao administrador observar fielmente os requisitos legais para a sua prática, sem espaço para deliberação individual sobre a sua conveniência e oportunidade, atuação sempre sujeita ao controle jurisdicional.

Todavia, em se tratando de ato administrativo de natureza discricionária – portanto, que comporta margem de avaliação pela Administração sobre o seu conteúdo –, não cabe ao Poder Judiciário, a princípio, substituir a avaliação do administrador público sobre as medidas que julgar adequadas, desde que seu ato esteja devidamente motivado, cumpra a sua finalidade e não ultrapasse os limites impostos pelas leis ou atos regulamentares.

Importante ressaltar que a motivação exige pertinência fática e jurídica com o ato praticado pelo administrador, não podendo subsistir quando ficar evidente a dissociação com um ou outro, circunstância que converteria a discricionariedade administrativa em arbitrariedade estatal.

Em outras palavras, são passíveis de revisão ou anulação judicial os atos administrativos que falhem em sua motivação, se desviem da sua finalidade ou ultrapassem os limites legais.

O que não cabe ao Poder Judiciário é substituir a avaliação do administrador quanto à conveniência e oportunidade de atuar, segundo os critérios que entender razoáveis, estando o ato devidamente motivado e cumprindo a sua finalidade, dentro dos limites estabelecidos em lei.

A presente controvérsia consiste em verificar se o indeferimento da prova oral requerida pela autora caracterizou nulidade processual e se a aplicação da pena de perdimento do veículo, usado pelo filho do proprietário para transportar mercadorias estrangeiras, é legítima.

Consta do TERMO DE QUALIFICAÇÃO E INTERROGATÓRIO n° 781360/2020 2020.0101944-SR/PF/MS do condutor do veículo, MARCOS JUNIO MACHADO DE SENA (fl. 7 do ID 257385508), filho da proprietária do veículo, o qual estava acompanhado de Jailson Clemente Ferreira (empregado da proprietária do veículo) e Douglas Silva Rodrigues.

 

“(...)

QUE Jailson era contratado de sua mãe como motorista particular; QUE adquiriu os celulares em várias lojas da cidade de Pedro Juan Caballero, pagando entre trinta e nove e quarenta e um mil reais pelos mesmos; QUE adquiriu 43 celulares das marcas APPLE e XIAOMI; QUE montou uma loja on-line para vender celulares; QUE anuncia os celulares no Mercado Livre, OLX e Instagram; QUE também faz vendas pelo aplicativo Whatsapp; QUE esses celulares já haviam sido encomendados por amigos da cidade de Jaru/RO; QUE vende os celulares por valores que variam entre mil e duzentos e mil e quinhentos reais, dependendo da marca; QUE tem um lucro de oitenta a cem reais por aparelho; QUE só vende celulares; QUE no mês passado Douglas veio de Jaru para fazer cursos profissionalizantes de barbearia; QUE Douglas hospedou-se na sua casa; QUE na data de hoje viajou para Jaru juntamente com Douglas e Jailson; QUE Jailson hospeda-se em sua casa desde que mudou-se de Jaru; QUE Jailson adquiriu os medicamentos esteróides anabolizantes em Pedro Juan Caballero para uso próprio; QUE Jailson faria uso dos produtos durante uma semana que estaria em Jaru, juntamente com um amigo de nome Henrique que já pratica hipertrofia muscular; QUE não sabe quanto Jailson pagou pelos produtos; QUE saíram de Ponta Porã hoje por volta das cinco horas da manhã; QUE viajava no veículo de sua mãe; QUE quando passava por Coxim/MS foi abordado por policiais rodoviários federais; QUE forma encontrados os celulares que transportava no porta malas e embaixo dos bancos dianteiros (...)” (negritei)

 

De início, tem-se que não merece acolhimento a preliminar de cerceamento de defesa arguida pela autora, em razão do indeferimento da prova oral requerida por essa. Conforme orientação do E. STJ atinentes às regras processuais trazidas pelo CPC, perfilhada reiteradamente por esta C. 3ª Turma do TRF-3, cabe ao Juiz decidir sobre a conveniência da produção de provas no caso concreto. Nesse termos, "o magistrado é o destinatário das provas, cabendo-lhe apreciar a necessidade de sua produção, sendo soberano para formar seu convencimento e decidir fundamentadamente, em atenção ao princípio da persuasão racional" (AgInt no REsp n. 2.077.630/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024).

No mesmo sentido, “como se sabe, o destinatário da prova é o juiz, que tem capacidade para avaliar, dentro do quadro probatório existente, quais diligências serão úteis ao bom desenvolvimento do processo, e quais diligências serão meramente protelatórias, nos termos dos art. 370 e 371 do Código de Processo Civil” (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000133-24.2013.4.03.6125, Rel. Desembargadora Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 08/04/2025, DJEN DATA: 11/04/2025).                            

O mesmo pode ser dito sobre o julgamento antecipado de mérito, técnica que norteia a marcha processual em atenção adequada aos princípios da eficiência e da razoável duração do processo previstos no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal e art. 4º do Código de Processo Civil.  Destarte, se inoportuna a dilação probatória em instrução processual, o juiz pode lançar mão desta medida procedimental antecipatória, não havendo que se falar em nulidade processual.

In casu, o argumento de que a prova oral é necessária para elucidação das questões de fato em exame foi construído de forma frágil, uma vez que sequer foram apontados quais provas da materialidade reunida seriam reforçadas ou quais pontos argumentativos seriam corroborados pelo depoimento requerido pela demandante, razão pela qual não merece prosperar a alegação de ocorrência de cerceamento de defesa. Além disso, também não foram enumerados eventuais prejuízos experimentados pela parte demandante em razão da não realização da prova requerida, o que impede o reconhecimento da suscitada nulidade.

Por último, as confissões realizadas pelo condutor do veículo perante as autoridades brasileiras, no momento da abordagem, não seriam desconsideradas por simples pedido da parte autora apenas pela realização de um novo depoimento. Destarte, não se observa afronta ao art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, e artigo 369, do Código de Processo Civil, bem assim não restou demonstrada a violação ao princípio do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Passa-se ao exame de mérito do recurso de apelação cível.

À parte proprietária imputa-se a infração tipificada nos arts. 673 e 674 do Decreto nº 6.759/09 (Regulamento Aduaneiro) sujeita às penalidades dispostas nos seus arts. 675 688 e 689, as quais devem ser aplicadas separada ou cumulativamente, e de forma graduada, a teor dos arts. 677, 678 e 690 do decreto mencionado. Disposições semelhantes são observadas nos arts. 95, 96 e 104 do Decreto-Lei 37/66. Citam-se as referidas redações:

 

“(...)

Art. 673.  Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte de pessoa física ou jurídica, de norma estabelecida ou disciplinada neste Decreto ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-lo (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 94, caput).

Parágrafo único.  Salvo disposição expressa em contrário, a responsabilidade por infração independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, da natureza e da extensão dos efeitos do ato (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 94, § 2º).

Art. 674.  Respondem pela infração (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 95):

I - conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra para sua prática ou dela se beneficie;

II - conjunta ou isoladamente, o proprietário e o consignatário do veículo, quanto à que decorra do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes;

III - o comandante ou o condutor de veículo, nos casos do inciso II, quando o veículo proceder do exterior sem estar consignado a pessoa física ou jurídica estabelecida no ponto de destino;

IV - a pessoa física ou jurídica, em razão do despacho que promova, de qualquer mercadoria;

V - conjunta ou isoladamente, o importador e o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por conta e ordem deste, por intermédio de pessoa jurídica importadora (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 95, inciso V, com a redação dada pela Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 78); e

VI - conjunta ou isoladamente, o importador e o encomendante predeterminado que adquire mercadoria de procedência estrangeira de pessoa jurídica importadora (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 95, inciso VI, com a redação dada pela Lei no 11.281, de 2006, art. 12).

Parágrafo único.  Para fins de aplicação do disposto no inciso V, presume-se por conta e ordem de terceiro a operação de comércio exterior realizada mediante utilização de recursos deste, ou em desacordo com os requisitos e condições estabelecidos na forma da alínea “b” do inciso I do § 1o do art. 106 (Lei nº 10.637, de 2002, art. 27; e Lei nº 11.281, de 2006, art. 11, § 2º).

Art. 675.  As infrações estão sujeitas às seguintes penalidades, aplicáveis separada ou cumulativamente (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 96; Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, arts. 23, § 1º, com a redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002, art. 59, e 24; Lei no 9.069, de 1995, art. 65, § 3o; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 76):

I - perdimento do veículo;

II - perdimento da mercadoria;

III - perdimento de moeda;

IV - multa; e

V - sanção administrativa.

Art. 676.  A aplicação das penalidades a que se refere o art. 675 será proposta por Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. (Redação dada pelo Decreto nº 7.213, de 2010).

Art. 677.  Compete à autoridade julgadora (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 97):

I - determinar a pena ou as penas aplicáveis ao infrator ou a quem deva responder pela infração; e

II - fixar a quantidade da pena, respeitados os limites legais.

(...)

Art. 680.  Se do processo se apurar responsabilidade de duas ou mais pessoas, será imposta a cada uma delas a pena relativa à infração que houver cometido (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 100).

(...)

Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário

(...)

V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade;

(...)

IV - existente a bordo do veículo, sem registro em manifesto, em documento de efeito equivalente ou em outras declarações;

(...)

Art. 689. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 105 ; e Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, caput e § 1º, este com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59):

I - em operação de carga ou já carregada em qualquer veículo, ou dele descarregada ou em descarga, sem ordem, despacho ou licença, por escrito, da autoridade aduaneira, ou sem o cumprimento de outra formalidade essencial estabelecida em texto normativo;

(...)

IV - existente a bordo do veículo, sem registro em manifesto, em documento de efeito equivalente ou em outras declarações;

(...)

Art. 690. Aplica-se ainda a pena de perdimento da mercadoria de procedência estrangeira encontrada na zona secundária, introduzida clandestinamente no País ou importada irregular ou fraudulentamente (Lei nº 4.502, de 1964, art. 87, inciso I).”

Parágrafo único. A pena a que se refere o caput não se aplica quando houver tipificação mais específica neste Decreto.

(...)”

 

“Decreto-Lei 37/1966

(...)

Art.95 - Respondem pela infração: 

I - conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra para sua prática, ou dela se beneficie; 

II - conjunta ou isoladamente, o proprietário e o consignatário do veículo, quanto à que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes; 

Art. 96. As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente: 

I - perda do veículo transportador; 

II - perda da mercadoria; 

III - multa; 

IV - proibição de transacionar com repartição pública ou autárquica federal, empresa pública e sociedade de economia mista. 

 (...)

Art.104 - Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos: 

(...) 

V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção; 

 

Da leitura dos dispositivos citados, depreende-se, a partir de interpretação literal, que o proprietário deve responder pela infração que decorra do uso do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes, e que a responsabilidade pela infração independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, da natureza e da extensão dos efeitos do ato.

Ao analisar a possibilidade de aplicação do perdimento do veículo usado na prática de ilícito fiscal, o E. STJ conferiu interpretação aos dispositivos supracitados, reduzindo o alcance desses, de modo a considerar necessária a demonstração da responsabilidade do proprietário do automóvel, a qual, por sua vez, permite o afastamento da presunção da boa-fé desse.

Tal entendimento perseguiu a mesma orientação hermenêutica da súmula 138 do extinto Tribunal Federal de Recursos “A pena de perdimento de veículo, utilizado em contrabando ou descaminho, somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do seu proprietário na prática do ilícito". Esse posicionamento também tem sido perseguido por esta C. 3ª Turma do TRF-3 e pelo STJ. Confiram-se precedentes no sentido esposado:

 

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PENA DE PERDIMENTO. COMPROVAÇÃO DE QUE O VEÍCULO UTILIZADO É DE PROPRIEDADE DO CONDUTOR. SÚMULA 7/STJ. PROVIMENTO NEGADO.

1. É legítima a decretação da pena de perda de veículo apreendido em fiscalização aduaneira em razão da introdução irregular de mercadoria estrangeira no território nacional, na hipótese em que for configurada a participação direta do proprietário do veículo na consumação do ilícito fiscal. Precedentes.

2. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem reconheceu que o veículo apreendido pelo transporte de mercadorias irregularmente internalizadas no Brasil era conduzido por seu proprietário de fato, pois, apesar de o veículo encontrar-se registrado no Departamento de Trânsito (DETRAN) em nome de seu irmão, ora recorrente, há provas de que o veículo foi cedido ao condutor e da reiteração na prática infracional. Entendimento diverso, conforme pretendido, implicaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, circunstância que redundaria na formação de novo juízo acerca de fatos e provas.
Incidência no presente caso da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

3. Agravo interno a que se nega provimento.”

(AgInt no REsp n. 1.775.536/SC, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 20/5/2024); (negritei)

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PENA DE PERDIMENTO. VEÍCULO TRANSPORTADOR. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. ART. 535 DO CPC/1973) NÃO CONFIGURADA.

1. Trata-se de ação que busca desconstituir acórdão que afastou a pena de perdimento de veículo transportador de mercadorias estrangeiras desacompanhadas de documentação legal.

2. Não configurada a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.

3. Não se vislumbra, nos presentes autos, nenhum indício de que a empresa Viação Canindé Ltda. tenha alguma responsabilidade sobre as mercadorias trazidas pelos diversos passageiros, cujo ônibus, foi regularmente fretado por terceiro.

4. A Jurisprudência do STJ está assentada na impossibilidade de aplicação da pena de perdimento do veículo transportador quando não comprovada a responsabilidade e a má-fé do proprietário do veículo.

5. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ.

6. Recurso Especial não provido.”

(REsp n. 1.637.846/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe de 19/12/2016); (negritei)

 

"DIREITO ADUANEIRO E TRIBUTÁRIO. INTRODUÇÃO IRREGULAR DE MERCADORIA ESTRANGEIRA. PENA DE PERDIMENTO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR. POSSIBILIDADE. PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE. NECESSIDADE DE CONJUGAÇÃO COM AS DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS DA APREENSÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1.  A questão devolvida a esta E. Corte diz respeito ao cabimento da pena de perdimento do veículo automotor utilizado na prática de ilícito fiscal.

2. Extrai-se da análise do Decreto-Lei 37/1966 (arts. 95, 96 e 104), do Decreto-Lei 1.455/1976 (art. 24) e do Decreto-Lei 6.759/2009 (arts. 674 e 688) que a aplicação da pena de perdimento em razão do cometimento de ilícito fiscal deve levar em conta, na análise do caso concreto, a eventual reincidência na conduta infracional a justificar o afastamento da presunção de boa-fé do proprietário, assim como a gravidade do fato e proporcionalidade entre o valor da mercadoria e do veículo apreendidos.

3. Semelhante interpretação foi conferida pelo extinto Tribunal Federal de Recursos na edição da Súmula 138: “A pena de perdimento de veículo, utilizado em contrabando ou descaminho, somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do seu proprietário na prática do ilícito".

4. É no mesmo sentido a jurisprudência do STJ e desta C. Turma (AgInt no AREsp 863.425/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 30/05/2019 / TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000367-92.2019.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 04/03/2021, Intimação via sistema DATA: 09/03/2021 / TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000280-61.2018.4.03.6004, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 02/06/2020, Intimação via sistema DATA: 05/06/2020).

5. Nos termos da jurisprudência citada, o princípio da proporcionalidade não é absoluto e deve ser conjugado com as demais circunstâncias específicas de cada apreensão.

6. No caso vertente, não há dúvida que o veículo em questão transportava a mercadoria apreendida e era conduzido por Paulo Cezar dos Santos, empregado da pessoa jurídica A.A.P. Marcato, titularizada pelo filho dos impetrantes — Anderson Paolo Pardo Marcato — e administrada pelos ora apelantes. Como bem observado pelo Juízo a quo, o fisco demonstrou de forma suficiente para infirmar a presunção de boa-fé dos proprietários que estes atuam há tempos e de forma organizada no ramo do transporte rodoviário, tendo se envolvido mais de uma vez com infrações semelhantes. Nesse sentido, os documentos ID 310207795 e ID 310207796 esmiuçam as ligações entre os familiares, seus veículos e processos administrativos anteriores. Restam afastadas, portanto, a presunção de boa-fé e a incidência do princípio da proporcionalidade.

7. Apelação desprovida. Majorados para 11% os honorários advocatícios de sucumbência fixados na sentença, mantida a base de cálculo."

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000933-52.2021.4.03.6006, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 24/03/2025, DJEN DATA: 27/03/2025); (negritei)

 

“PROCESSUAL CIVIL. ADUANEIRO. TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. PERDIMENTO DE VEÍCULO. TEMA 1.041/STJ. NÃO APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO. EMPRESA LOCADORA PROPRIETÁRIA DO VEÍCULO APREENDIDO. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO NÃO DEMONSTRADA. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ. ATO ADMINISTRATIVO DE PERDIMENTO DE VEÍCULO. ANULAÇÃO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. 

1. Cinge-se a controvérsia dos autos no cabimento da pena de perdimento de veículo automotor, de propriedade de locadora de veículos, utilizado para o cometimento de ilícito aduaneiro.   

2. Considerando que a presente ação objetiva a anulação de ato administrativo de perdimento de veículo e fora ajuizada por empresa com atividade preponderante voltada à locação desse tipo de bem móvel, o Tema nº 1.041/STJ não se aplica ao caso em análise.

3. A pena de perdimento de veículo, prevista na legislação aduaneira e aplicada pela Receita Federal do Brasil, constitui uma sanção decorrente de condenação em processo administrativo-fiscal, pela prática de ilícitos graves, como contrabando e descaminho, dentre outros, que geram danos ao erário.

4. A aplicação da pena de perdimento de veículo está disciplinada no inciso V do artigo 104 do Decreto-Lei nº 37/66, nos artigos 23, 24 e 27 do Decreto-Lei nº 1.455/1976 e no inciso V do artigo 688 do Decreto-Lei nº 6.759/2009. Por sua vez, os agentes do crime e sua responsabilização estão especificados nos artigos 94 e 95 do Decreto-Lei nº 37/66 e no artigo 674 do Decreto-Lei nº 6.759/2009.

5. No que tange à responsabilidade do proprietário do veículo automotor utilizado na prática do ato ilícito aduaneiro foi editada a súmula nº 138 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “A pena de perdimento de veículo, utilizado em contrabando ou descaminho, somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do seu proprietário na prática do ilícito".

6. No caso concreto, depreende-se dos documentos acostados aos autos que no dia 15 de março de 2021, a parte autora, pessoa jurídica, proprietária do veículo da marca RENAULT, modelo Logan Zen16CVT, cor branca, Placa QXG0849, Chassi nº 93Y4SRZHXLJ067834, celebrou um contrato de locação nº 10840401 deste veículo com a pessoa física, Sr. Rodrigo da Silva, que indicou o Sr. Filipe Graciano, como motorista adicional, com data prevista de término, em 17 de março de 2021 (ID 263422133). Relata a parte autora, na inicial, que na data do término do contrato de locação, referido veículo, de sua propriedade, não foi devolvido à sua posse direta, na data e local definidos nos termos do contrato, e que foi surpreendida com a notícia da apreensão deste. Do auto de infração e apreensão de veículo juntado ao presente feito, nº 0810500-84798/2021, lavrado em 05 de julho de 2021 (ID 263422137), verifica-se que, no dia 16 de março de 2021, foi feita a apreensão do veículo em questão, na posse do motorista indicado como adicional, Sr. Filipe Graciano, que o utilizou para a prática do ilícito fiscal de transporte mercadorias de origem estrangeira, desacompanhadas de documentação comprobatória de sua importação regular no país. Consequentemente, foi aplicada pela Receita Federal do Brasil a pena de perdimento do veículo apreendido, de propriedade da parte autora, conforme o Despacho Decisório nº 052/GAB/DRF/PPE, de 12 de novembro de 2021 (ID 263422138).

7. Cumpre analisar, no presente feito, a responsabilidade da parte autora, locadora de veículos, no cometimento da citada infração aduaneira. De acordo com o §2º do artigo 688 do Decreto nº 6.759/2009: “Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito”. (g.n.)

8. Trata-se a parte autora de empresa que tem como atividade preponderante a locação de veículos automotores, atuando, de forma regular e com fins lucrativos, em diversas cidades brasileiras.

9. Relevante, por certo, que a parte autora já esteve envolvida em outros ilícitos semelhantes, em razão de sua atividade desenvolvida, sendo notória a grande quantidade de registros de infrações fiscais dessa natureza, com esse modus operandi. Ou seja, um agente criminoso usufruindo de um bem alheio para o cometimento de delito. Nessa circunstância, não se pode afastar, desde logo, a boa-fé da parte autora no negócio jurídico celebrado, de modo que o fato desta não ter realizado prévia consulta ao sistema de Comunicação e Protocolo - COMPROT, para averiguar o histórico de antecedentes criminais dos seus consumidores, antes de efetivar o negócio jurídico, não permite que lhe seja estendida a responsabilidade pelo ilícito fiscal, por ausência de previsão legal. Ademais, a recusa do aluguel do veículo ao consumidor, em caso de localização de antecedente criminal, configuraria prática abusiva, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 39 CDC).

10. Do conjunto probatório carreado aos autos, depreende-se que a parte autora, em que pese ser proprietária do veículo apreendido, estava exercendo suas atividades de forma regular, não restando comprovada a sua atuação no ilícito aduaneiro de internalização de mercadorias estrangeiras desprovidas de documentação fiscal, nem mesmo restou demonstrado o seu conhecimento sobre a possibilidade de uso ilegal do veículo pelo condutor-locatário, que foi flagrado na posse das mercadorias apreendidas.

11. Não restando comprovada a responsabilidade da parte autora, proprietária do veículo apreendido, na prática do ilícito aduaneiro, deve ser anulado o ato administrativo de perdimento do veículo de marca RENAULT, modelo Logan Zen16CVT, cor branca, Placa QXG0849, Chassi nº 93Y4SRZHXLJ067834, aplicado no auto de infração e apreensão de veículo nº 0810500-84798/2021 (ID 263422137). Cumpre observar que não há notícia nos autos de que o veículo apreendido foi leiloado pela Autoridade Fazendária no curso do presente feito.

12. Invertido o ônus sucumbencial e arbitrado os honorários advocatícios no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo com o escalonamento de seus incisos, que deverá incidir sobre o valor da causa, devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção).

13. Apelação da parte autora provida.”

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001040-35.2022.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 20/05/2024, DJEN DATA: 23/05/2024); (negritei)

 

Desse modo, as circunstâncias deixam entrever que a parte proprietária tinha conhecimento do uso do seu veículo pelo seu filho para fins ilícitos.

Isso porque a conduta se deu em estado de trânsito para o estrangeiro que exige tempo considerável para sua realização, que inclui o tempo de ida e volta do exterior, além do interregno para escolher e comprar as mercadorias.

O trânsito para o estrangeiro exige um longo tempo para sua realização e a disponibilidade do veículo de alto valor econômico ao motorista condutor. O filho da proprietária, por sua vez, que conduzia o automotor, possui uma loja e vende celulares no Brasil e os bens apreendidos estão relacionados com o próprio objeto social do seu comércio e, na oportunidade, foi realizada uma compra de R$ 39.000,00, na companhia de terceiro que presta serviços para a sua mãe.

Acertada, portanto, resta a conclusão tomada pelo C. Juízo de Origem, segundo o qual "(...) vale observar, ainda, que os fatos determinantes no convencimento do julgador foram a efetiva pratica do crime de descaminho cometido por filho e por empregado da autora, que se utilizavam do veículo da autora; que o filho montou loja online para vender celulares no Mercado Livre, OLX, Instagram e WhatsApp; que a atividade do filho ocorria dentro da residência da autora, era corriqueira e tratava-se de sua fonte de renda; que a despeito do veículo estar em nome da autora o domínio do bem pertencia à família; nessas circunstâncias, se considerou pouco crível a versão de que a Autora desconhecia o ato ilícito praticado e que estivesse de boa-fé."

Desta forma, não há como presumir a boa-fé da demandante no caso em apreço, e restou demonstrado o consentimento da parte proprietária do automóvel acerca do cometimento dos ilícitos fiscais e a responsabilidade desta pelas infrações aduaneiras.

Ademais, a utilização de veículo de pessoa amiga ou do núcleo familiar, para evitar a perda do veículo, figura conhecida como “mero garante” em caso de apreensão, é estratégia comum que tem sido averiguada e apurada pelas autoridades da Aduana Brasileira. A grande quantidade de mercadorias traduz a destinação comercial, como reconheceu o condutor no momento da apreensão.

Destarte, não há como afastar a responsabilidade da parte proprietária, a qual não se desincumbiu de demonstrar que desconhecia o uso do veículo para tal finalidade, tendo trazido apenas alegações vagas acerca da sua desinformação. Por conseguinte, merece ser mantida a conclusão de responsabilidade da parte autora tomada pela Administração, cujos atos gozam de presunção de legitimidade e veracidade, a qual não foi afastada por prova inequívoca em sentido contrário. Por conseguinte, a aplicação da referida pena de perdimento do automóvel constitui medida legítima.

Assim, a apelação interposta pela parte administrada não deve ser provida e deve ser mantida a aplicação da pena de perdimento do veículo.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação do particular.

É como voto.



E M E N T A

 

 

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. INDEFERIMENTO DA PRODUÇÃO DE PROVA ORAL. JUÍZO É O DESTINATÁRIO DAS PROVAS.  NEGATIVA JUDICIAL MOTIVADA NA AUSÊNCIA DE UTILIDADE DE EVENTUAL OITIVA. PREJUÍZO NÃO ALEGADO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO. TÉCNICA ASSOCIADA AO JUÍZO DE CONVENIÊNCIA PROBATÓRIA. AMPLA-DEFESA E CONTRADITÓRIO OBSERVADOS. IMPORTAÇÃO CLANDESTINA DE GRANDE QUANTIDADE DE MERCADORIAS. EVIDÊNCIA DA DESTINAÇÃO COMERCIAL DA CARGA. CONDUTOR QUE ASSUMIU A FINALIDADE DE REVENDA. APREENSÃO DOS BENS E DO VEÍCULO. ART. 674, II, DO DECRETO Nº 6.759/09. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. PARTE QUE CONSENTIU COM A INFRAÇÃO. PENA DE PERDIMENTO DO VEÍCULO LEGÍTIMA.

- Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedente a ação proposta pela parte autora, no qual se pleiteava a restituição de carro automóvel, em razão da importação e do transporte de mercadorias estrangeiras clandestinamente. Na abordagem, o condutor confessou o intuito comercial dos bens apreendidos.

- A controvérsia reside em verificar se houve nulidade processual em razão do indeferimento da prova oral pleiteada, com ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e, no mérito, se a parte proprietária do veículo pode ser responsabilizada pela infração em razão do uso do seu automóvel para a prática de ilícito fiscal.

- Conforme orientação do E. STJ e da C. 3ª Turma do TRF-3 atinentes às regras processuais trazidas pelo CPC, cabe ao Juiz decidir sobre a conveniência da produção de provas no caso concreto, uma vez que é o destinatário das provas, sendo soberano para formar seu convencimento e decidir fundamentadamente, em atenção ao princípio da persuasão racional. Precedentes.

- O julgamento antecipado de mérito norteia a marcha processual em atenção adequada aos princípios da eficiência e da razoável duração do processo previstos no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal e art. 4º do Código de Processo Civil.  Destarte, se inoportuna a dilação probatória em instrução processual, o juiz pode lançar mão desta medida procedimental, não havendo que se falar em nulidade processual.

- O argumento de que a prova oral é necessária para elucidação das questões de fato em exame foi construído de forma frágil, uma vez que sequer foram apontadas quais provas da materialidade reunida seriam reforçadas ou quais pontos argumentativos seriam corroborados pelo depoimento/oitiva requeridos, razão pela qual não merece prosperar a alegação de ocorrência de cerceamento de defesa.

- Não foram enumerados eventuais prejuízos experimentados pela parte demandante em razão da não realização da prova oral requerida. As confissões realizadas pelo condutor do veículo perante as autoridades brasileiras, no momento da abordagem, não seriam desconsideradas por simples pedido da parte autora apenas pela realização de um novo depoimento.

- Ao analisar a possibilidade do perdimento do veículo usado em ilícito fiscal, o E. STJ firmou entendimento de que é necessária a responsabilidade do proprietário do automóvel, que permite o afastamento da presunção da boa-fé. Tal entendimento persegue a mesma orientação hermenêutica da súmula 138 do extinto Tribunal Federal de Recursos e tem sido adotado por esta C. 3ª Turma do TRF-3.

- As circunstâncias deixam entrever que a parte proprietária tinha conhecimento do uso do seu veículo pelo seu filho para fins ilícitos. Isso, porque a conduta se deu em estado de trânsito para o estrangeiro que exige tempo considerável para sua realização, que inclui o tempo de ida e volta do exterior, além do interregno para escolher e comprar as mercadorias.

- O filho da proprietária, por sua vez, que conduzia o automotor, possui uma loja e vende celulares no Brasil e os bens apreendidos estão relacionados com o próprio objeto social do seu comércio e, na oportunidade, foi realizada uma compra de alto valor na companhia de terceiro que presta serviços à parte proprietária.

- A materialidade infracional reunida, aliada à sucessão dos fatos narrados pelo agente de fiscalização, ratifica o uso do referido veículo pelo filho da parte autora para a prática de infração fiscal e, no caso, restou demonstrado que a parte proprietária concorreu para a prática do ato infracional.

- Não há como presumir a boa-fé da demandante no caso em apreço, e restou demonstrado o consentimento da parte proprietária do automóvel acerca do cometimento dos ilícitos fiscais e a responsabilidade desta pelas infrações aduaneiras.

- A utilização de veículo de pessoa amiga ou do núcleo familiar, para evitar a perda do veículo, figura conhecida como “mero garante” em caso de apreensão, é estratégia comum que tem sido averiguada e apurada pelas autoridades da Aduana Brasileira. A grande quantidade de mercadorias traduz a destinação comercial, como reconheceu o condutor no momento da apreensão.

- Deve ser mantida a conclusão de responsabilidade da parte autora tomada pela Administração, cujos atos gozam de presunção de legitimidade e veracidade, a qual não foi afastada por prova inequívoca em sentido contrário. A aplicação da referida pena de perdimento do automóvel constitui medida legítima.

- Apelação do particular não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RUBENS CALIXTO
Desembargador Federal