APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001358-61.2007.4.03.6102
RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO
APELANTE: SOCIEDADE DIARIO DE NOTICIAS LTDA - ME
Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO AUGUSTO FALEIROS - SP362803-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001358-61.2007.4.03.6102 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: SOCIEDADE DIARIO DE NOTICIAS LTDA - ME Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO AUGUSTO FALEIROS - SP362803-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por SOCIEDADE DIARIO DE NOTICIAS LTDA. em face da sentença que, em ação anulatória ajuizada em face da UNIÃO FEDERAL, julgou improcedente seu pedido de anulação dos débitos fiscais de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS oriundos do procedimento administrativo 10840.003694/20005-11 (MPF 08.1.9.00-2005-00469-9), bem como o seu pedido subsidiário para redução da multa qualificada aplicada nos respectivos lançamentos. Alega, em síntese, que o procedimento administrativo 10840.003694/20005-11 teve como origem a apreensão de notas fiscais em poder da Associação de Ensino de Ribeirão Preto (AERP), realizada no bojo do Procedimento Administrativo 10840.002934/2005 – iniciado pela Receita Federal do Brasil para suspensão desta Associação, posteriormente declarado nulo pelo STJ no RHC 16.414-SP. Sustenta que a ação fiscal relativa à AERP teve origem no Processo Criminal de busca e apreensão 2003.61.02.003308-6, no qual o Ministério Público Federal representou em juízo os interesses fiscalizatórios da União Federal, razão pela qual os processos criminais em face dos sócios da AERP foram arquivados pela 5ª Vara Federal de Ribeirão Preto ante a ilicitude das provas reconhecida pelo STJ. Alega que o processo administrativo objeto da presente ação está contaminado por derivação, não sendo possível o processo criminal ser arquivado e ao mesmo tempo o processo administrativo fiscal prosseguir, uma vez que há correlação entre eles. Em relação à multa, aduz que o percentual aplicado ofende o princípio do não confisco (Constituição Federal, art. 150, IV), pois ultrapassa o próprio bem que pretende tutelar. Requer o provimento do recurso com a consequente “anulação do crédito tributário consubstanciado no Auto de Infração vinculado ao Processo Administrativo n° 10840.003694/2005-11, pelo fato de o lançamento em exame ter como origem o Processo Administrativo n° 10840.002934/2005-61, referente à suspensão da imunidade tributária da AERP, cujas provas, obtidas pelo Ministério Público no interesse da União por meio do Procedimento Criminal n° 2003.61.02.003308-6, foram declaradas ilícitas pela 6° Turma do colendo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do RHC n° 16.414 -SP”. Subsidiariamente, requer seja dado parcial provimento ao recurso para fins de redução do valor da multa aplicada para 20% do valor do tributo apurado. Intimada, a apelada apresentou contrarrazões. Em 11/09/2023, os autos foram redistribuídos para minha relatoria em razão da criação desta unidade judiciária. Conclusos os autos para julgamento, a autora peticionou nos autos noticiando a ocorrência de fatos novos, nos termos do art. 493 do CPC (id 318861705). Intimada, a União Federal apresentou sua manifestação (id 3211436445). É o relatório. Decido.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001358-61.2007.4.03.6102 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: SOCIEDADE DIARIO DE NOTICIAS LTDA - ME Advogado do(a) APELANTE: EDUARDO AUGUSTO FALEIROS - SP362803-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): Cinge-se a controvérsia em definir se houve nulidade no Mandado de Procedimento Fiscal que gerou o processo administrativo 10840.003694/20005-11, relativo ao lançamento de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e contribuição para o financiamento da Seguridade Social (COFINS) em face da apelada nos exercícios de 1999 e 2000, e, caso nã0 tenha ocorrido nulidade, se a multa qualificada de 150%, aplicada por ocasião da atuação fiscal, violou o princípio constitucional da vedação de confisco. Conforme se verifica nos autos, o procedimento de fiscalização da Associação de Ensino de Ribeirão Preto (AERP) – que originou o procedimento de fiscalização da apelante que aqui se discute – foi realizado de forma ilegal. Eis o resumo do ocorrido: 1. Ao receber da Polícia Federal inquérito policial para investigação de eventual crime tributário praticado pela AERP, o MPF declinou da competência para a Justiça Estadual. 2. Ato contínuo, solicitou uma ação fiscal da RFB em face da AERP e seus diretores. 3. A RFB então informou ao MPF que, para obter êxito em uma eventual fiscalização, seria necessária uma diligência “de surpresa” e sigilosa nas dependências da Associação, mediante autorização judicial e com auxílio da Polícia Federal. 4. O MPF então iniciou um procedimento administrativo para apuração de eventual crime contra a ordem tributária e expediu ofício à RFB indagando, dentre outros, quais documentos seriam apresentados mediante autorização judicial para a realização de uma busca-e-apreensão. 5. A RFB responde ao MPF que tais documentos, caso existam, seriam todos aqueles que comprovam a existência de uma contabilidade paralela (“caixa 2”). 6. Em seguida, o MPF iniciou procedimento criminal diverso e solicitou judicialmente a busca-e-apreensão de documentos e arquivos necessários a uma fiscalização na sede da AERP (processo 2003.61.02.003308-6). 7. A medida foi deferida e o material foi apreendido (15 caixas de documentos). 8. Em virtude de medida liminar concedida por este TRF3 no HC 2003.03.00.031711-0 (nº CNJ: 0031711-96.2003.4.03.0000) impetrado pelos sócios da AERP, parte do material apreendido ficou custodiado na Justiça Federal, até que sobreveio decisão de mérito no referido HC, denegando a ordem pleiteada, e tal material foi devolvido à RFB. 9. Embora o STJ tenha posteriormente reformado a decisão do TRF3 no referido HC, nesse ínterim, a RFB permaneceu com os documentos ilegalmente apreendidos e prosseguiu a fiscalização (Mandado de Procedimento Fiscal – MPF n. 08.109.00-2004.00077-0). 10. A RFB então encaminhou uma representação fiscal para fins penais e solicitou, dentre outras diligências, a quebra do sigilo fiscal da AERP e de seus sócios. O MPF requereu as referidas medidas, que foram deferidas no processo 2004.61.02.009386-5. 11. O MPF 08.109.00-2004.00077-0 prosseguiu com a lavratura de um auto de infração, lavrado pela RFB para suspensão da imunidade tributária da AERP, gerando o processo administrativo 10840.002934/2005-61, posteriormente declarado ilícito pelo STJ no RHC 16.414-SP. 12. No bojo do referido MPF n. 08.109.00-2004.00077-0 (que, como visto, foi considerado nulo) foi instaurado um Mandado de Procedimento Fiscal Extensivo (MPF-Ex), no qual as autoridades fiscais efetivaram, em 04/10/2005, a retenção de diversas notas fiscais da apelante, relativos a serviços prestados à AERP, bem como outros 29 documentos. 13. Com base nesses documentos apreendidos, a RFB então abriu um Mandado de Procedimento Fiscal em face da apelante, o MPF 08.1.09.00-2005-00469-9, no qual foram lançados IRPJ, CSLL, PIS e COFINS relativos ao período de 1999 e 2000, objetos do processo administrativo 10840.003694/2005-11, que aqui se discute. Assim, resta evidente que há uma relação de causalidade entre o MPF n. 08.109.00-2004.00077-0 – anulado judicialmente – e o MPF 08.1.09.00-2005-00469-9 (que gerou os lançamentos tributários que aqui se discutem), já que iniciado tão somente em decorrência da documentação apreendida na execução de um Mandado de Procedimento Fiscal Extensivo (MPF-Ex) naquele primeiro MPF. Aliás, se a documentação apreendida na sede da AERP não tivesse sido devolvida à RFB, antes da decisão do TRF3 ser reformada pelo STJ no HC 2003.03.00.031711-0 (vide itens 8 e 9 acima), MPF-Ex sequer teria sido iniciado pelo órgão fiscal. Como forma de melhor ilustrar os fatos, reproduzo abaixo trecho da sentença dos autos da ação anulatória n. 0000667-13.2008.403.6102, proferida pelo douto juízo da 4ª Vara Federal de Ribeirão Preto, em que um dos sócios da AERP (Electro Bonini) pleiteou a nulidade de crédito tributário em seu desfavor, também originado no bojo dessa fiscalização, que relata com maior riqueza de detalhes a ilegalidade da referida fiscalização realizada pela RFB em face da AERP: “Em 14.12.01, a Delegacia da Polícia Federal em Ribeirão Preto instaurou um inquérito policial (n° 2002.61.02.000605-4) para apuração de eventual existência de delito tributário (artigo 1°, da Lei 8.137/90), diante da noticia criminis que recebeu da Agropecuária Nossa Senhora Aparecida de Paraíso Ltda, no sentido de que um empregado da família Bonini teria se apropriado, indevidamente, de R$ 800.000,00 do casal Electro Bonini e Maria Aparecida de Oliveira Bonini (ambos sócios da AERP, mantenedora da UNAERP) (fls. 409/416). Analisando o referido inquérito policial, o MPF manifestou-se, em 16.01.03, pela remessa dos autos à Justiça Estadual, uma vez que não vislumbrou a existência de qualquer lesão contra bens, serviços ou interesses da União a justificar a competência da Justiça Federal (fls. 417/423). A promoção ministerial foi acolhida pelo juízo da 5 Vara Federal local em 07.02.03 (fl. 424). Na mesma data em que se manifestou no Inquérito Policial, o MPF oficiou à Delegacia da Receita Federal em Ribeirão Preto, solicitando a realização de uma ação fiscal em face da AERP e de seus diretores, inclusive, contra o autor (fl. 426). Em resposta, o Chefe da Seção de Fiscalização da Receita Federal em Ribeirão Preto informou, em ofício datado de 04.02.03, que: 'Para que possamos obter êxito nas ações fiscais é necessário que façamos diligência, de surpresa e sigilosa, nas dependências dos locais onde são guardados arquivos e documentos, com objetivo de retenção e apreensão, se for o caso, de documentos que possam contribuir com resultado das ações fiscais. Para tanto, se faz necessário, de autorização judicial e o auxílio da Polícia Federal" (fl. 427). Diante da resposta do fisco, O MPF instaurou, em 13.02.03, um procedimento administrativo para apurar eventual prática delitiva prevista no artigo 1, V, da Lei 8.137/90, em face dos responsáveis pela AERP (fls. 431/432). Sem prejuízo, expediu, em 19.02.03, novo ofício à Delegacia da Receita Federal, solicitando, em síntese, as seguintes informações: a) quais documentos e arquivos da AERP demandariam um requerimento judicial de mandado de busca e apreensão; b) se tais documentos não seriam apresentados no curso regular de uma ação fiscal; e c) se havia alguma disparidade, nos últimos cinco anos, entre as movimentações de contas que a AERP declarou e o valor que recolheu a título de CPMF (fl. 428). Em resposta datada de 25.02.03, a Receita Federal informou que a AERP não havia efetuado recolhimento de CPMF, provavelmente, em razão da sua condição de entidade beneficente da assistência social. Quanto à questão dos documentos que ensejariam a solicitação de uma busca e apreensão, consignou que: "A esse respeito, esclarecemos que, caso existam, os arquivos e documentos ensejadores de uma busco e apreensão seriam todos aqueles que comprovassem a existência de uma contabilidade paralela "Caixa 2", eventualmente mantida pala empresa, os quais, por razões óbvias, não seriam espontaneamente apresentados no curso regular de uma ação fiscal. "(fl. 429) O MPF requereu, então, em 24.03.03, a distribuição de um procedimento criminal diverso (autos n° 2003.61.02.003308-6), com pedido de busca e apreensão de todos os documentos, incluindo arquivos de informática da AERP e dos demais averiguados, por dependência do IP 2002.61.02.000605-4 (fl. 434/450). A distribuição por dependência foi autorizada (fi. 435), sendo que o pedido de busca e apreensão foi deferido em 28.03.03 (fls. 451/452). É importante assinalar - aqui - que naquele momento não havia qualquer procedimento fiscal em curso em relação ao autor. Aliás, nem mesmo em desfavor da AERP, eis que a ação fiscal desta última iniciou-se apenas em 19.03.04(fl. 215). Cumprida a diligência de busca e apreensão, o material apreendido (acondicionado em 15 caixas lacradas) foi entregue à Receita Federal (fl. 453). Posteriormente, por força de liminar proferida no Habeas Corpus n° 2003.03.00.031711-0 (fls. 457/465), três caixas de materiais ficaram custodiadas neste fórum federal (fl. 468). Por fim, com o julgamento do writ pelo TRF desta Região (que denegou a ordem rogada pelos sócios da AERP), as três caixas foram entregues à Receita Federal em 26.02.04 (fl. 472/474). Cumpre aqui registrar que a decisão proferida pelo TRF foi reformada pelo STJ no RHC 16.414. Sobre este ponto, voltarei a falar mais adiante. Alguns meses depois do recebimento dos documentos arrecadados com a busca e apreensão realizada na sede da UNAERP, mais propriamente em 18.08.04, a Delegacia da Receita Federal encaminhou ao MPF uma representação fiscal para fins penais, solicitando o afastamento do sigilo bancário da AERP, da empresa Brasil Grande S/A e de todos os seus sócios (fis. 521/535), incluindo o do autor (conforme se pode verificar da leitura da relação de fl. 533). O MPF ajuizou, então, nova ação cautelar (procedimento criminal diverso n° 2004.61.02.009386-5), requerendo a diligência solicitada pelo fisco (fls. 504/520). (...) Pois bem. A própria reconstituição dos fatos permite concluir, por si só, que o auto de infração do autor está embasado nas informações que o fisco obteve com as duas medidas judiciais (busca e apreensão e afastamento do sigilo bancário), sobretudo, com os documentos apreendidos antes mesmo de qualquer ação fiscal em face do requerente ou da AERP. (...) É óbvio, pois, que as medidas de caráter penal adotadas em desfavor do autor tinham escopo puramente administrativo - tributário. Ainda sobre a natureza das medidas cautelares requeridas pelo Parquet Federal, é importante assinalar que o próprio MPF - ao ser intimado a melhor justificar o pedido de afastamento do sigilo bancário da AERP e de seus sócios - esclareceu que: "Não se trata de investigação direta do Ministério Público Federal. O presente pedido é fruto da absoluta impossibilidade da Receita Federal em concluir a Ação Fiscal já instaurada em virtude do sigilo financeiro dos contribuintes. Apenas e tão-somente há pedido do MPF, vez que a Receita Federal não possui capacidade postulatória e restaram fortemente comprovados nos autos indícios da prática delitiva" (fls. 538/539). Cumpre observar, entretanto, conforme já adiantei acima, que os sócios da AERP questionaram a ordem de busca e apreensão por meio de habeas corpus, sendo que o STJ, em grau de recurso, decidiu que a busca e a apreensão dos documentos não havia se dado de forma lícita e que expedientes próprios de investigação criminal não podem ser usados indevidamente para a definição de créditos tributários. Neste sentido, destaco as seguintes ementas: "Crimes contra a ordem tributária (Lei n 8.137/90). Lançamento definitivo do crédito (condição objetiva de punibilldade). Busca e apreensão (prova ilícita). 1. Nos crimes contra a ordem tributária, a propositura da ação penal, bem como o procedimento prévio investigatório, pressupõe haja decisão final sobre o crédito tributário, o qual se torna exigível somente após o lançamento definitivo. 2. Notícia não há, no caso, de decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário. 3. E necessário, antes, que o procedimento seja unicamente administrativo -fiscal, evitando-se, com isso, que expedientes próprios de investigação criminal sejam indevidamente usados para a definição de créditos tributários. 4. No caso, se não se podia, e, de fato, ainda não se pode, instaurar ação penal, então não foram licitas a busca e a apreensão. 5. Recurso ordinário provido a fim de se determinar sejam devolvidas as coisas de natureza tributária apreendidas em virtude da busca e apreensão." (STJ - RHC 16.414/SP - 60 Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Relator para o acórdão Ministro Nilson Naves, decisão publicada no DJ de 06.04.07, pág. 427, com cópia nestes autos à fl. 477) "Embargos de declaração. Rejeição. Omissão (inexistência). Crimes contra a ordem (tributária (Lei n° 8.137/90). Lançamento definitivo do crédito (condição objetiva de punibilidade). Busca e apreensão (prova ilícita). 1. Somente são admissíveis embargos de declaração em razão da ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão do acórdão (art. 619 do Cód. de Pr. Penal). Se não há omissão a ser suprida, o caso é mesmo de rejeição dos embargos. 2. Nos crimes contra e ordem tributária, a propositura da ação penal, bem como o procedimento prévio investigatório, pressupõe haja decisão final sobre o crédito tributário, o qual se torna exigível somente após o lançamento definitivo. Assim, se não se podia - e, de fato, ainda não se pode - instaurar ação penal, então não foram lícitas a busca e a apreensão. 3. Embargos rejeitados" (STJ-EDcI. no RHC 16.414íSP – 6ª Turma, Relator Ministro Nilson Naves, decisão publicada no DJe de 26.05.08, com cópia nestes autos ti. 633) Desta forma, considerando que as provas utilizadas pelo fisco na constituição do crédito tributário questionado (P.A. 15956.000566/2007-02) decorrem direta ou indiretamente da busca e apreensão considerada ilícita pelo STJ, o acolhimento do pedido deduzido na inicial é medida que se impõe. De fato, não se pode olvidar, conforme acima já enfatizado, que as medidas de natureza penal foram adotadas com objetivo administrativo-fiscal. Logo, a invalidação da busca e apreensão apenas na esfera penal, com aproveitamento de seu resultado para a definição de créditos tributários, equivaleria a abonar a conclusão errada de que os fins teriam justificado os meios ilícitos empregados. Sobre este ponto, é importante assinalar que o Ministro Relator original do RHC 16.41 4/SP votou pelo provimento parcial do recurso, a fim de determinar o trancamento do procedimento investigatório instaurado no âmbito do Ministério Público, mas permitindo a permanência do material apreendido no juízo que deferiu a busca e apreensão, à disposição da autoridade administrativa competente para o procedimento fiscalizatório (fl. 494). No entanto, Sua Excelência foi vencido quanto ao destino do material apreendido, uma vez que, por votação majoritária, a 6 Turma do STJ determinou que fossem devolvidas as coisas de natureza tributária apreendidas aos pacientes (sócios da AERP), com a expressa advertência de que "é necessário, antes, que o procedimento seja unicamente administrativo -fiscal, evitando-se, com isso, que expedientes próprios de investigação criminal sejam indevidamente usados para a definição de créditos tributários" (ver ementa acima transcrita). Cumpre assinalar, ainda, que a alegação da União, de que o crédito tributário não teria sido apurado unicamente nos documentos apreendidos e nas informações obtidas com o afastamento do sigilo bancário do autor, não prospera. À evidência, tal como acima já enfatizei, todas as informações/documentos que a Receita Federal requisitou do requerente após o início da ação fiscal ou obteve de outros órgãos públicos tinham por escopo apenas confirmar as conclusões que já havia firmado com a análise detalhada das diversas caixas apreendidas, contendo diversos documentos, arquivos zips, papéis, pastas, livros e extratos bancários, que foram apreendidos irregularmente, conforme decidiu o STJ. Ademais, o argumento da União foi infirmado pelo próprio servidor da Receita Federal que, conforme acima já enfatizado, disse ao MPF que o único meio de se obter "êxito" em uma ação fiscal contra a AERP e seus sócios seria através de busca e apreensão de documentos. Vale observar, também, que o resultado obtido pela busca e apreensão foi utilizado como fundamento para o pedido judicial de afastamento do sigilo bancário da AERP e de seus sócios. Aliás, uma ação foi distribuída por dependência da outra. É evidente que todas as informações obtidas com a transferência do sigilo bancário do requerente ao fisco derivam da prova ilícita colhida com a busca e apreensão e, obviamente, também não possuem qualquer valor jurídico para atuar na definição de créditos tributários. Por fim, impende destacar que as demais alegações da União, evidentemente, não se prestam a afastar a decisão final proferida pelo STJ no RHC 16.414, incluindo a ordem de restituição das coisas de natureza tributária apreendidas aos pacientes e a consequência lógica desta determinação: impedir o seu uso pela Administração Tributária. Em suma: as provas que embasaram o auto de infração lavrado em desfavor do autor resultam, de forma direta ou derivada, de uma medida cautelar de natureza penal (busca e apreensão) já declarada ilícita pelo Judiciário. Por conseguinte, tais provas não possuem valor jurídico para a definição de créditos tributários." (Processo nº 0000667-13.2008.403.6102, id 319923766 - Págs. 61-72) A sentença acima foi objeto de reforma por este TRF3. No entanto, interposto recurso extraordinário pela parte autora, este foi julgado prejudicado em razão da decisão proferida pelo STF na Rcl 60.918/SP que reconheceu a inadmissibilidade de utilização, também contra o seu autor (um dos sócios da AERP) e em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário, nos termos do entendimento firmado no tema 1238 de sua repercussão geral ("São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário” - ARE 1316369 / DF, publicado em 22/03/23, tema 1238/STF), cuja decisão reproduzo abaixo: “Em decisão da minha lavra, na Reclamação Constitucional nº 60.918, reconheci, de ofício, a inadmissibilidade de utilização contra o ora recorrente (Espólio de Electro Bonini), em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário. Considerando que o presente recurso extraordinário foi interposto contra acórdão proferido nos autos do processo nº 0000667-13.2008.4.03.6102, objeto da supracitada Rcl nº 60.918, entendo por prejudicado o presente apelo extremo. Ante o exposto, julgo prejudicado o recurso extraordinário (RISTF, art. 21, IX). (RE 1.467.143-SP, Decisão Monocrática Min. Dias Toffoli, 14/12/2023) Cumpre frisar que o referido processo n. 0000667-13.2008.403.6102 foi distribuído por dependência ao processo 0013917-84.2006.4.03.6102, em que outra sócia da AERP, Elmara Lúcia de Oliveira Bonini, também discute lançamento contra si realizado nessa fiscalização, tendo obtido a mesma decisão favorável do STF. Tal processo, por sua vez, foi distribuído por dependência ao mandado de segurança 2005.61.02.014191-8, em que a AERP também discute a legalidade do crédito tributário oriundo dessa ação fiscal, constante do processo administrativo 10840.002934/2005-61, que, por sua vez, originou o processo administrativo objeto da presente demanda. Pois bem. A sentença de que aqui se recorre, prolatada em 12/jul/2011 (portanto antes da publicação do acórdão em que foi fixada a tese do tema 1238 da repercussão geral do STF), adotou como premissa o fato de que no mandado de segurança 2005.61.02.014191-8 (numeração CNJ atual: 0014191-82.2005.4.03.6102), a AERP requereu a suspensão – e não a nulidade – do MPF que originou o processo administrativo 10840.002934/2005-61, tendo obtido na sentença, que à época ainda estava pendente de julgamento recursal, provimento parcial para permitir o prosseguimento da fiscalização, com a ressalva de que eventual crédito tributário constituído ficaria com a exigibilidade suspensa “até que sobrevenha decisão final nos feitos em que se questionam as decisões proferidas na esfera penal, com possível reflexo no âmbito administrativo-tributário”. Aqui cabe breve observação: no momento em que a sentença recorrida foi prolatada, tínhamos a declaração de nulidade (reconhecida pelo STJ no RHC 16.414, reproduzido na sentença da ação anulatória n. 0000667-13.2008.403.6102) dos dois processos criminais instaurados para subsidiar a ação fiscal da RFB contra a AERP, a saber: processo 2003.03.00.031711-0 (busca-e-apreensão) e processo 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal). No entanto, o procedimento fiscal em si (processo administrativo 10840.002934/2005-61), foi objeto de impugnação no referido mandado de segurança 0014191-82.2005.4.03.6102, que, à época, não ainda havia sido julgado definitivamente. Ocorre que, posteriormente, a AERP, o espólio de Electro Bonini e o espólio de Maria Aparecida Bonini ajuizaram Reclamação Constitucional no STF (Rcl 60.918/SP), para o fim de requerer a preservação da autoridade daquela Corte Suprema relativamente (i) à decisão proferida nos autos do RHC 16.414/SP; e (ii) ao quanto fixado no Tema de Repercussão Geral nº 1238. Em tal Reclamação, foram proferidas duas decisões monocráticas pelo Ministro Dias Toffoli, a primeira em 30/08/23 (referente ao espólio de Electro Bonini) e a segunda em 10/10/2023 (referente à AERP e ao espólio de Maria Aparecida Bonini), ambas reconhecendo a inadmissibilidade de utilização em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo poder judiciário, nos seguintes termos: “os processos administrativos instaurados contra os ora requerentes - Espólio de Maria Apparecida de Oliveira Bonini e AERP - foram lastreados nas provas cuja utilização reconheci inadmissível em qualquer âmbito para com o reclamante original. Dessa forma, aplica-se o mesmo entendimento por mim exarado anteriormente, no sentido de que: “(...) é inequívoca e flagrante a ilegalidade praticada contra o reclamante, o que autoriza a superação dos óbices em questão. Com efeito, registro que este Supremo Tribunal Federal tem, excepcionalmente, entendido possível assegurar, na esfera cível, os efeitos decorrentes de nulidade de prova obtida em processo penal mediante vício, tal como ocorre no caso dos autos (Pet nº 11.692, Pet nº 11,613, v.g.). Nessa toada, considerado o entendimento firmado pelo Plenário no Tema nº 1238, tenho que é necessário, desde logo, reconhecer a arbitrariedade a que está submetida a parte reclamante, considerados, em especial, os efeitos deletérios que adviriam com o prosseguimento da marcha processual até que os recursos extraordinários já admitidos aportem nesta Corte. Em reforço ao que constatado ictu oculi, reproduzo trecho do voto condutor do Ministro Nilson Naves, Relator do RHC nº 16.414/SP - cujo acórdão já transitou em julgado -, no sentido de que “são insuscetíveis de utilização em processo” judicial as provas obtidas a partir da busca e apreensão reconhecida como ilegal e ilegítima, tudo a ratificar a ilegalidade que venho de referir.” Por fim, ressalto que, como explicitado, é inadmissível a utilização de provas ilícitas nos processos administrativos de qualquer espécie, nos termos do Tema nº 1.238/RG. Ante o exposto, superada qualquer dúvida quanto à imprestabilidade das provas declaradas ilícitas pelo STJ nos autos do RHC nº 16.414/SP e verificada a identidade da situação jurídica, concedo a extensão dos efeitos da decisão por mim proferida nesta Rcl nº 60.918/SP, em 30/8/2023, aos ora requerentes, para reconhecer a inadmissibilidade de utilização, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário.” (STF, Dec. Monocrática Min. Dias Toffoli, Reclamação 60.918, j. em 10/10/23). Com isso, nos autos do mandado de segurança 0014191-82.2005.4.03.6102 (que na época da prolação da sentença recorrida, repita-se, ainda estava pendente de julgamento recursal), o STJ, em 22/04/24, proferiu decisão no Recurso Especial 2010730-SP determinando o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que seja dado cumprimento à decisão proferida pelo STF na referida Reclamação 60.918/SP. Vejamos: “Nesse contexto, diante do reconhecimento da imprestabilidade das provas declaradas ilícitas pelo STJ nos autos do RHC n. 16.414/SP, foi determinado o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que a questão fosse novamente apreciada, com a exclusão das provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário. Ocorre que, em razão do que foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Rcl n. 60.918/SP, não cabe nova apreciação da matéria pelo Tribunal a quo, mas tão somente o cumprimento da determinação da Corte Excelsa. Diante do exposto, acolho os embargos de declaração para determinar o retorno dos autos às instâncias ordinárias a fim de que seja dado cumprimento à decisão proferida na Rcl n. 60.918/SP.” (EDcl no AInt no REsp 2010730-SP, Dec. Monocrática Min. Mauro Campbell Marques, j. em 22/04/24) Com a decisão do STJ, a AERP então apresentou pedido de desistência do recurso extraordinário simultaneamente interposto, o qual foi homologado pela Exmo. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, deste E. TRF3, tendo o referido mandado de segurança, em que se reconheceu a nulidade da utilização das provas obtidas ilicitamente no processo administrativo 10840.002934/2005-61, transitado em julgado em 14/10/2024. Assim, a premissa adotada na sentença recorrida – de que houve apenas a suspensão da exigibilidade do crédito tributário constante no P. A. 10840.002934/2005-61, e não a sua nulidade - não mais prevalece. O STJ e o STF reconheceram que as provas obtidas ilicitamente nos processos criminais 2003.61.02.003308-6 (busca-e-apreensão) e 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal) não somente estão inutilizadas para fins criminais, mas também para qualquer fim, inclusive fiscal, restando nulo o processo administrativo 10840.002934/2005-61, do qual surgiu o Mandado de Procedimento Extensivo, que gerou a apreensão dos documentos da apelante, dando início ao processo administrativo 10840.003694/20005-11, que aqui se pretende anular. No Direito Brasileiro, vigora a teoria dos "frutos da árvore envenenada", segundo a qual provas derivadas de provas ilícitas também são consideradas ilícitas e, portanto, inválidas. Como visto, antes mesmo de se iniciar a fiscalização tributária contra a AERP, seus sócios e a própria apelante, foram ajuizadas medidas cautelares de processos criminais para a apuração de crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, I) que se prestaram, na verdade, a dar subsídios a uma ação fiscal da RFB. De acordo com a Súmula Vinculante 24, “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”. Assim, a medida cautelar no processo criminal 2003.61.02.003308-6 (busca-e-apreensão) subverteu a ordem dos fatos, pois não havia, à época, crime algum a ser investigado, já que sequer havia se iniciado o Mandado de Procedimento Fiscal. Por essa razão, decidiu o STJ que “nos crimes contra a ordem tributária, a propositura da ação penal, bem como o procedimento prévio investigatório, pressupõe haja decisão final sobre o crédito tributário, o qual se torna exigível somente após o lançamento definitivo. Assim, se não se podia -e, de fato não se pode - instaurar ação penal, então não foram lícitas a busca e a apreensão” (EDcl. No RHC 16.414, Sexta Turma, Relator Ministro Nilson Naves, DJe de 26/05/2008). Não há no caso, portanto, uma fonte independente pela qual foram extraídas as informações que deram origem ao procedimento administrativo que constitui o objeto do presente recurso. O próprio relatório fiscal que dá sustentação ao Auto de Infração da apelante não deixa dúvidas: “1 - Em procedimento de fiscalização na empresa Associação de Ensino de Ribeirão Preto, estes AFRFs lograram encontrar centenas de notas fiscais emitidas pela contribuinte Sociedade Diário de Notícias Ltda (...)” (id 90300736 - Pág. 62). Cumpre observar, ainda, que o caso em análise é substancialmente semelhante ao julgado pelo STF no ARE 1316369 / DF, em que se fixou tese no sentido de que “são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário” (tema 1238/STF). Naquele caso, analisou-se uma situação em que o órgão de defesa da concorrência (CADE) constatou a existência de determinado Cartel que teria causado significativo prejuízo para economia pública, com base em evidências colhidas pelo próprio órgão que tiveram origem, direta ou indiretamente, em dados e documentos obtidos em processo criminal de interceptação telefônica que não observou os pressupostos legais e, assim, foram tidos como ilícitos pelo STJ ao proferir o acórdão no HC 190.334 -SP. Na ocasião, a Suprema Corte interpretou o art. 5º, LIV, da Constituição Federal (princípio do devido processo legal) à luz do caso concreto, e assim decidiu: “Repercussão geral em recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Administrativo. Processo administrativo. Condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, em face de empresa do ramo de gases industriais e medicinais, por suposta formação de cartel. 2. Com fundamento no art. 323-A do RISTF, é possível conferir maior alcance para a decisão a ser tomada no Plenário Virtual, evitando-se o estreitamento da deliberação a um aspecto preliminar, relativo ao reconhecimento da existência de repercussão geral da matéria. 3. A experiência desta Suprema Corte permite que se avance nas discussões, para reafirmar a jurisprudência consolidada sobre o tema, no sentido da inadmissibilidade, em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo Poder Judiciário. 4. Não é dado a nenhuma autoridade pública valer-se de provas ilícitas em prejuízo do cidadão, seja no âmbito de judicial, seja na esfera administrativa, independentemente da natureza das pretensões deduzidas pelas partes. 5. Impossibilidade de valoração e aproveitamento, em desfavor do cidadão, de provas declaradas nulas em processos judiciais. Precedentes. 6. Jurisprudência do Tribunal no sentido da admissibilidade, em processos administrativos, de prova emprestada do processo penal, desde que produzida de forma legítima e regular, com observância das regras inerentes ao devido processo legal. 7. Repercussão geral reconhecida. 8. Flagrante ilicitude das provas utilizadas no julgamento realizado pelo CADE. Acórdão recorrido reconhece que a condenação imposta no âmbito administrativo baseou-se em provas que tiveram origem, direta ou indiretamente, em interceptações telefônicas declaradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça. 9. Não há espaço para acolher as teses defendidas pela autarquia, as quais conduziriam a um indevido aproveitamento de provas ilícitas em processo de fiscalização inaugurado para apuração de suposta formação de cartel. Acolher semelhante raciocínio corresponderia a um grave atentado contra a literalidade do art. 5º, inciso LVI, da Constituição da República, que preconiza a inadmissibilidade, no processo, de provas obtidas com violação a normas constitucionais ou legais. Além disso, ensejaria uma afronta ao entendimento sedimentado nesta Corte, que estabelece limites rígidos para o uso de prova emprestada em processos administrativos. 10. Reafirmação da jurisprudência consolidada do Tribunal. Não provimento ao recurso extraordinário. 11. Fixação da tese: “São inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário.” (STF no ARE 1316369 / DF, Redator para o Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. em 8/12/2022, grifos meus). Assim, tem-se que o processo administrativo 10840.003694/20005-11, objeto do presente recurso de apelação, é oriundo do MPF 08.1.9.00-2005-00469-9, que foi iniciado em virtude da apreensão de documentos da apelada em poder da AERP no Mandado de Procedimento Fiscal Extensivo (MPF-Ex) realizado no bojo do MPF n. 08.109.00-2004.00077-0, cuja nulidade foi reconhecida no Mandado de Segurança 0014191-82.2005.4.03.6102 (que à época da prolação da sentença recorrida ainda não havia sido decidido em grau recursal), no RHC 16.414, na Reclamação 60.918 e nos EDcl no AInt no REsp 2010730-SP. Tal nulidade foi reconhecida em razão da ilicitude dos procedimentos criminais 2003.61.02.003308-6 (busca-e-apreensão) e 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal), utilizados exclusivamente para fins fiscais. Ao reconhecer a nulidade de tal procedimento fiscal, o próprio Supremo Tribunal Federal invocou, na Reclamação 60.918, o teor do tema 1238 de sua repercussão geral, em que, analisando caso paradigma substancialmente semelhante, fixou tese no sentido de que “são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário”. Por fim, verifica-se que outros processos administrativos fiscais oriundos da mesma ação fiscal da RFB também foram anulados judicialmente pelas Cortes Superiores, a exemplo dos anulações fiscais nº 0013917-84.2006.4.03.6102 e nº 0000667- 13.2008.4.03.6102 ajuizadas pelos sócios da AERP, anteriormente mencionadas. Ante o exposto, dou provimento à apelação para anular o crédito tributário oriundo do Auto de Infração vinculado ao Processo Administrativo n° 10840.003694/2005-11. É o voto.
E M E N T A
DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO REALIZADO COM BASE EM DOCUMENTOS APREENDIDOS NA EXECUÇÃO DE PROCESSOS CRIMINAIS E MANDADO DE PROCEDIMENTO FISCAL CONSIDERADOS ILÍCITOS PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DE PROVAS CONSIDERADAS ILÍCITAS PELO PODE JUDICIÁRIO. TEMA 1238/STF. RECURSO PROVIDO.
- Cinge-se a controvérsia em definir se houve nulidade no Mandado de Procedimento Fiscal que gerou o processo administrativo 10840.003694/20005-11, relativo ao lançamento de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e contribuição para o financiamento da Seguridade Social (COFINS) em face da apelada nos exercícios de 1999 e 2000, e, caso nã0 tenha ocorrido nulidade, se a multa qualificada de 150%, aplicada por ocasião da atuação fiscal, violou o princípio constitucional da vedação de confisco.
- Conforme se verifica nos autos, o procedimento de fiscalização da Associação de Ensino de Ribeirão Preto (AERP) – que originou o procedimento de fiscalização da apelante que aqui se discute – foi realizado de forma ilegal.
- Tal procedimento (MPF 08.109.00-2004.00077-0) foi iniciado em face da AERP com base em documentos apreendidos na execução de medidas cautelares penais nos processos 2003.03.00.031711-0 (busca-e-apreensão) e 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal), posteriormente declarados ilícitos pelo STJ no RHC 16.414-SP.
- Antes da declaração de nulidade pelo STJ no referido RHC 16.414-SP – e no decorrer da fiscalização, contudo, os sócios da AERP ajuizaram o HC 2003.03.00.031711-0 (nº CNJ: 0031711-96.2003.4.03.0000) no qual foi concedida medida liminar por este TRF3, e parte do material apreendido ficou custodiado na Justiça Federal, até que sobreveio decisão de mérito por esta Corte no referido HC, denegando a ordem pleiteada, e tal material foi devolvido à RFB.
- Embora o STJ tenha posteriormente reformado a decisão do TRF3 no referido HC, nesse ínterim, a RFB permaneceu com os documentos ilegalmente apreendidos e prosseguiu a fiscalização (Mandado de Procedimento Fiscal – MPF n. 08.109.00-2004.00077-0).
- No bojo do referido MPF n. 08.109.00-2004.00077-0 foi instaurado um Mandado de Procedimento Fiscal Extensivo (MPF-Ex), no qual as autoridades fiscais efetivaram, em 04/10/2005, a retenção de diversas notas fiscais da apelante (SOCIEDADE DIÁRIO DE NOTÍCIAS), relativos a serviços prestados à AERP, bem como outros diversos documentos.
- Com base nesses documentos que foram apreendidos, a RFB então abriu um Mandado de Procedimento Fiscal em face da apelante, o MPF 08.1.09.00-2005-00469-9, no qual foram lançados IRPJ, CSLL, PIS e COFINS relativos ao período de 1999 e 2000, objetos do processo administrativo 10840.003694/2005-11 que aqui se discute.
- Assim, resta evidente que há uma relação de causalidade entre o MPF n. 08.109.00-2004.00077-0 – anulado judicialmente – e o MPF 08.1.09.00-2005-00469-9 (que gerou os lançamentos tributários que aqui se discutem), já que iniciado tão somente em decorrência da documentação apreendida em decorrência da execução de um Mandado de Procedimento Fiscal Extensivo (MPF-Ex) naquele primeiro MPF. Aliás, se a documentação apreendida na sede da AERP não tivesse sido devolvida à RFB, antes da decisão do TRF3 ser reformada pelo STJ no HC 2003.03.00.031711-0, MPF-Ex sequer teria sido iniciado pelo órgão fiscal.
- Ainda, a sentença de que aqui se recorre, prolatada em 12/jul/2011 adotou como premissa o fato de que no Mandado de Segurança 2005.61.02.014191-8 (numeração CNJ atual: 0014191-82.2005.4.03.6102) a AERP requereu a suspensão – e não a nulidade – do MPF que originou o processo administrativo 10840.002934/2005-61, tendo obtido na sentença, que à época ainda estava pendente de julgamento recursal, provimento parcial para permitir o prosseguimento da fiscalização, com a ressalva de que eventual crédito tributário constituído ficaria com a exigibilidade suspensa “até que sobrevenha decisão final nos feitos em que se questionam as decisões proferidas na esfera penal, com possível reflexo no âmbito administrativo-tributário”.
- Aqui cabe um breve parêntesis: no momento em que a sentença recorrida foi prolatada, tínhamos a declaração de nulidade (reconhecida pelo STJ no RHC 16.414) dos dois processos criminais instaurados para subsidiar a ação fiscal da RFB contra a AERP, a saber: processo 2003.03.00.031711-0 (busca-e-apreensão) e processo 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal). No entanto o procedimento fiscal em si (processo administrativo 10840.002934/2005-61), foi objeto de impugnação no referido Mandado de Segurança 0014191-82.2005.4.03.6102, que, à época, não ainda havia sido julgado definitivamente.
- Ocorre que posteriormente a AERP, bem com o espólio de Electro Bonini, e o espólio de Maria Aparecida Bonini, seus sócios, ajuizaram Reclamação Constitucional no STF (Rcl 60.918/SP), para fins de requerer a preservação da autoridade daquela Corte Suprema relativamente (i) à decisão proferida nos autos do RHC 16.414/SP; e (ii) ao quanto fixado no Tema de Repercussão Geral nº 1238.
- Em tal Reclamação, foram proferidas duas decisões monocráticas pelo Ministro Dias Toffoli, a primeira em 30/08/23 (referente ao espólio de Electro Bonini) e a segunda em 10/10/2023 (referente à AERP e ao espólio de Maria Aparecida Bonini), ambas reconhecendo a inadmissibilidade de utilização em qualquer âmbito ou instância decisória, de provas declaradas ilícitas pelo poder judiciário, nos termos do tema 1238 da repercussão geral do STF (“são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário”).
- Com isso, nos autos do Mandado de Segurança 0014191-82.2005.4.03.6102 (que na época da prolação da sentença recorrida, repita-se, ainda estava pendente de julgamento recursal), o STJ, em 22/04/24, proferiu decisão no Recurso Especial 2010730-SP determinando o retorno dos autos às instâncias ordinárias para que seja dado cumprimento à decisão proferida pelo STF na referida Reclamação 60.918/SP.
- Assim, a premissa adotada na sentença recorrida – de que houve apenas a suspensão da exigibilidade do crédito tributário constante no P. A. 10840.002934/2005-61, e não a sua nulidade - não mais prevalece.
- O STJ e o STF reconheceram que as provas obtidas ilicitamente nos processos criminais 2003.61.02.003308-6 (busca-e-apreensão) e 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal) não somente não podem ser utilizadas para fins criminais, mas também para qualquer fim, inclusive fiscal, restando nulo o processo administrativo 10840.002934/2005-61, do qual surgiu o Mandado de Procedimento Extensivo que gerou a apreensão dos documentos da apelante, dando início ao processo administrativo 10840.003694/20005-11 que aqui se pretende anular.
- No direito brasileiro, vigora a teoria dos frutos da árvore envenenada, segundo a qual provas derivadas de provas ilícitas também são consideradas ilícitas e, portanto, inválidas.
- No presente caso, antes mesmo de se iniciar a fiscalização tributária contra a AERP, seus sócios e a própria apelante, foram ajuizadas medidas cautelares de processos criminais para a apuração de crimes contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art. 1º, I) que se prestaram, na verdade, para dar subsídios a uma ação fiscal da RFB. Isto é, o Ministério Público Federal não pretendia, de fato, apurar crime algum, mas tão somente possibilitar a coleta de elementos para que a RFB pudesse efetuar uma fiscalização.
- De acordo com a Súmula Vinculante 24 “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”. Assim, a medida cautelar no processo criminal 2003.61.02.003308-6 (busca-e-apreensão) subverteu a ordem dos fatos, pois não havia, à época, crime algum a ser investigado, já que sequer havia se iniciado o Mandado de Procedimento Fiscal.
- Por essa razão decidiu o STJ que “nos crimes contra a ordem tributária, a propositura da ação penal, bem como o procedimento prévio investigatório, pressupõe haja decisão final sobre o crédito tributário, o qual se torna exigível somente após o lançamento definitivo. Assim, se não se podia -e, de fato não se pode - instaurar ação penal, então não foram lícitas a busca e a apreensão” (EDcl. No RHC 16.414, Sexta Turma, Relator Ministro Nilson Naves, DJe de 26/05/2008).
- Não há no caso, portanto, uma fonte independente pela qual foram extraídas as informações que deram origem ao procedimento administrativo de que aqui se recorre. O próprio do relatório fiscal que dá sustentação ao Auto de Infração da apelante não deixa dúvidas: “1 - Em procedimento de fiscalização na empresa Associação de Ensino de Ribeirão Preto, estes AFRFs lograram encontrar centenas de notas fiscais emitidas pela contribuinte Sociedade Diário de Notícias Ltda (...)” (id 90300736 - Pág. 62).
- O caso em análise é substancialmente semelhante ao entendimento fixado pelo STF no julgamento do tema 1238, ocasião em que a Suprema Corte analisou uma situação em que o órgão de defesa da concorrência (CADE) constatou a existência de determinado Cartel que teria causado significativo prejuízo para economia pública, com base em evidências colhidas pelo próprio órgão que tiveram origem, direta ou indiretamente, em dados e documentos obtidos em processo criminal de interceptação telefônica que não observou os pressupostos legais e, assim, foram tidos como ilícitos pelo STJ ao proferir o acórdão no HC 190.334 -SP.
- Em síntese: o processo administrativo 10840.003694/20005-11, objeto do presente recurso de apelação, é oriundo do MPF 08.1.9.00-2005-00469-9, que foi iniciado em virtude da apreensão de documentos da apelada em poder da AERP no Mandado de Procedimento Fiscal Extensivo (MPF-Ex) realizado no bojo do MPF n. 08.109.00-2004.00077-0, cuja nulidade foi reconhecida no Mandado de Segurança 0014191-82.2005.4.03.6102 (que à época da prolação da sentença recorrida ainda não havia sido decidido em grau recursal), no RHC 16.414, na Reclamação 60.918 e nos EDcl no AInt no REsp 2010730-SP. Tal nulidade foi reconhecida em razão da ilicitude dos procedimentos criminais 2003.61.02.003308-6 (busca-e-apreensão) e 2004.61.02.009386-5 (quebra do sigilo fiscal), utilizados exclusivamente para fins fiscais.
- Ao reconhecer a nulidade de tal procedimento fiscal, o próprio Supremo Tribunal Federal invocou, na Reclamação 60.918, o teor do tema 1238 de sua repercussão geral, em que, analisando caso paradigma substancialmente semelhante, fixou tese no sentido de que “são inadmissíveis, em processos administrativos de qualquer espécie, provas consideradas ilícitas pelo Poder Judiciário”.
- Por fim, verifica-se que outros processos administrativos fiscais oriundos da mesma ação fiscal da RFB também foram anulados judicialmente pelas Cortes Superiores em outros processos, a exemplo das anulatórias fiscais nº 0013917-84.2006.4.03.6102 e nº 0000667- 13.2008.4.03.6102 ajuizadas pelos sócios da AERP, mencionadas no voto condutor deste Acórdão.
- Recurso de apelação provido para anular o crédito tributário consubstanciado no Auto de Infração vinculado ao Processo Administrativo n° 10840.003694/2005-11.