RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5009346-02.2022.4.03.6303
RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: JUCELIA EDNALVA MARQUES
Advogados do(a) RECORRENTE: MARCO ANTONIO BARBOSA DE OLIVEIRA - SP250484-N, ROSEDSON LOBO SILVA JUNIOR - AL14200-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5009346-02.2022.4.03.6303 RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: JUCELIA EDNALVA MARQUES Advogados do(a) RECORRENTE: MARCO ANTONIO BARBOSA DE OLIVEIRA - SP250484-N, ROSEDSON LOBO SILVA JUNIOR - AL14200-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da r. sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido para condenar o INSS a reconhecer e averbar como tempo especial os períodos de 19/07/1990 a 15/08/1998 e 06/12/1999 a 18/12/2009, bem como, para revisar a aposentadoria implantada em favor da parte autora. Em suas razões recursais, a parte autora requer em preliminar, a concessão da gratuidade da justiça e o cerceamento de defesa, pela não produção da prova pericial. No mérito, requer o reconhecimento da especialidade dos períodos indicados na inicial, em que trabalhou como recepcionista em hospital, exposta a agentes biológicos, diante do contato com doentes infectocontagiosos de forma habitual e permanente. Por estas razões, pretende a reforma da r. sentença ora recorrida. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5009346-02.2022.4.03.6303 RELATOR: 40º Juiz Federal da 14ª TR SP RECORRENTE: JUCELIA EDNALVA MARQUES Advogados do(a) RECORRENTE: MARCO ANTONIO BARBOSA DE OLIVEIRA - SP250484-N, ROSEDSON LOBO SILVA JUNIOR - AL14200-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS V O T O Da Gratuidade da Justiça: O procedimento nos Juizados Especiais é gratuito em primeiro grau de jurisdição, conforme estabelecido no art 54 da Lei 9.099/95 (“O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas e despesas”). Já em segundo grau de jurisdição, a situação é diferente. Para a interposição do recurso inominado contra a sentença, salvo os casos de concessão de gratuidade de justiça ao recorrente, exige-se o recolhimento de custas (art. 54, parágrafo único da Lei 9.099/95). E, se o recorrente for vencido em grau recursal, estará sujeito ao pagamento de honorários ao advogado do recorrido. Nos termos do art. 98 e 99 do CPC o pedido de gratuidade da justiça poderá ser formulado pela parte, que deverá comprovar a situação de insuficiência de recursos para pagamento das custas, despesas processuais e os honorários advocatícios. Com o advento do novo CPC basta a afirmação da parte requerente de sua “insuficiência de recursos” para o deferimento do pleito, sendo que tal alegação goza de presunção de veracidade. E o § 20, do referido artigo dispõe que: “O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos”. Por outro lado, a Lei nº 10.537, de 27/08/2002, alterando o artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, passou a prever, no seu parágrafo terceiro, a concessão do benefício da justiça gratuita aos que receberem salário até 40% do valor do teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, conforme segue: Art. 790. (...) § 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017). Tal parâmetro instituído na seara trabalhista pode servir de base, por analogia, para a concessão do benefício da gratuidade judiciária nos demais campos de atuação do Poder Judiciário, como neste Juizado Especial Federal, sendo neste sentido o Enunciado nº 52 aprovado no IV Encontro de Juízes Federais de Turmas Recursais e Juizados Especiais Federais (JEF) da 3ª Região (Enunciado nº 4215851/2018), realizado nos dias 25 e 26 de outubro de 2018, no auditório do JEF/SP: “o critério fixado no artigo 790, § 3º, da CLT pode ser utilizado como parâmetro para apreciação da gratuidade de justiça no âmbito dos Juizados Especiais Federais” . Do cerceamento ao direito de defesa – Realização de Perícia: Inicialmente, quanto à alegação de cerceamento ao direito de produzir prova, levantada pela parte autora, não a verifico no caso concreto. A parte autora não trouxe aos autos qualquer elemento que indique a recusa da(s) empresa(s) em fornecer o(s) formulário(s) ou que o preenchimento ocorreu de forma equivocada. Conforme alude o artigo 370 do Código de Processo Civil, caberá ao juiz determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, podendo indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Ainda, o artigo 373 do mesmo Codex prevê que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito. Ademais, o Enunciado nº 147 FONAJEF esclarece que “A mera alegação genérica de contrariedade às informações sobre atividade especial fornecida pelo empregador, não enseja a realização de novo exame técnico”). E ainda, o Enunciado nº 203 FONAJEF dispõe: “Não compete à Justiça Federal solucionar controvérsias relacionadas à ausência e/ ou à inexatidão das informações constantes de PPP e/ou LTCAT para prova de tempo de serviço especial”. Portanto, eventual alegação de que as informações atestadas nos formulários divergem da realidade laboral da parte autora consiste em controvérsia a ser discutida pela Justiça do Trabalho, conforme se depreende do artigo 114 da Constituição Federal. A exibição de documentos que corroborem a exposição a agentes nocivos envolve a relação de trabalho existente entre a parte autora e seu empregador, sendo litígio estranho àquele travado com o INSS para o reconhecimento de labor especial (vide decisão monocrática no Conflito de Competência nº 158.443 – SP, Relator Ministro Moura Ribeiro, publicado em 15/06/2018). Na mesma linha, o TST já reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para declarar que a atividade laboral prestada por empregado é nociva à saúde e obrigar o empregador a fornecer a documentação hábil ao requerimento da aposentadoria especial (TST – AIRR – 60741-19.2005.5.03.0132, 7ª Turma, Rel. Min. Convocado Flávio Portinho Sirangelo, DJE 26.11.2010). E ainda, cito o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Acaso entenda, o empregado, que as informações inseridas nos documentos se encontram incorretas, deverá, antecedentemente ao ajuizamento da demanda previdenciária, aforar ação trabalhista, no intuito de reparar o equívoco no preenchimento documental” (STJ. AREsp 1861568. Relator: Ministro Humberto Martins. Data da Publicação: 27/05/2021)”. Na mesma linha, recentemente o Superior Tribunal de Justiça assim dispôs: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PEDIDO DE FORNECIMENTO DE PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO. CONTROVÉRSIA DERIVADA DO VÍNCULO TRABALHISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. (STJ, CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 189692 - SP (2022/0201596-3), MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Publicação: 30/03/2023) Assim, inviável a realização de perícia no estabelecimento do empregador a fim de se apurar eventual agente nocivo no ambiente laboral, visto que ou já foi apresentado o formulário PPP nos autos (ou deveria ter sido juntado pela parte autora), e, como dito, não há prova nos autos de que o mesmo foi preenchido incorretamente. Do mesmo modo, inviável a reabertura da instrução processual, a fim de se apurar eventual agente nocivo no ambiente laboral, através de expedição de ofícios, ainda mais quando a parte é assistida por profissional habilitado, que tem capacidade de obter a documentação necessária através das vias próprias, instruindo devidamente a ação com a documentação pertinente para a comprovação do seu direito. Desse modo, entendo que a r. sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando os documentos apresentados pertinentes a parte autora, revelando-se desnecessária averiguar a especialidade do labor por meio de prova pericial. Do Pedido de Extinção sem mérito: período com conjunto probatório deficiente: Verifica-se que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça fixou posicionamento no Resp 1.352.721-SP (Recurso Especial Representativo de Controvérsia), no sentido de que diante da ausência de conteúdo probatório nas demandas previdenciárias rurais, o feito deve ser julgado sem apreciação do mérito, de modo que a ação possa ser reproposta, caso reúna novos elementos para embasar sua pretensão. Assim, o STJ, no Recurso Repetitivo nº 1.352.721, julgado sob a sistemática dos Recursos Repetitivos, firmou a seguinte tese no Tema 629: “A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa”. O leading case se tratou de reconhecimento de período rural, e não de reconhecimento de período de tempo de contribuição especial, visto que se pretendeu proteger o “hipossuficiente do campo”, que sabidamente tem dificuldades de produzir provas documentais da atividade rural. É importante salientar que a ausência de provas ou a ausência de conjunto probatório, a gerar a extinção do feito sem resolução do mérito, não se confunde com a prova deficiente, inadequadas ou fracas, a gerar a improcedência do pedido, a exemplo do pedido de reconhecimento de tempo especial por exposição a agente nocivo, em que a parte autora somente junta sua CTPS, quando deveria ter juntado o formulário PPP ou documento equivalente. Note-se que o formulário PPP já existia ao tempo da interposição da ação e a parte autora tinha conhecimento de sua existência (pois ele é entregue, ou deveria ser entregue, ao empregado na data do seu afastamento da empresa, ao término do vínculo laboral), não se tratando de prova de difícil acesso ou de difícil obtenção. E ainda, na hipótese do empregador se recusar a fornecer o referido formulário, a controvérsia deve ser dirimida pela Justiça do Trabalho, antes de se ingressar com a ação previdenciária. Desse modo, no caso de pedido de reconhecimento de tempo especial pela comprovação de exposição do trabalhador a agente nocivo, no qual o único documento comprobatório é o formulário (SB-40, DSS-8030 ou PPP) ou o respectivo laudo técnico, se este NÃO foi juntado aos autos, ou mesmo, se foi juntado, mas preenchido de forma incompleta, deficiente ou com irregularidade de informações, gerará, assim, a situação de improcedência do pedido e não a extinção sem resolução do mérito. Da Exposição à Agentes Biológicos: É considerado tempo de serviço em condições especiais o período em que o segurado exerceu atividade exposto a agentes biológicos, assim considerados os trabalhos, de forma permanente, com contato direto com “microorganismos e parasitas infeciosos vivos e suas toxinas”, em a) trabalhos em estabelecimentos de saúde, em contato com pacientes portadores de doenças infecto contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados; b) trabalhos com animais infectados ou para preparo de soro, vacina e outros produtos; c) trabalhos em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo histologia; d) trabalho de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados; e) trabalhos em galerias, fossas, tanques de esgoto; f) esvaziamento de biodigestores; e g) em coletas e industrialização do lixo, relacionados no código 1.3 do Anexo I, do Decreto 53.831 de 1964 e do Decreto 83.080 de 1979 e no código 3.0.0, do Anexo IV, dos Decretos 2.172 de 1997 e no Decreto 3.048 de 1999. Assim, de acordo com a legislação previdenciária, consideram-se agentes biológicos: bactérias, fungos, protozoários, parasitas, vírus e outros que tenham a capacidade de causar doenças ou lesões em diversos graus nos seres humanos e que pode ser chamados de patógenos. A metodologia de avaliação dos agentes biológicos, portanto, será sempre qualitativa. Com relação ao caráter exemplificativo do rol das atividades expostas a agentes biológicas acima descritas, a Turma Nacional de Uniformização firmou a seguinte tese: “a) para reconhecimento da natureza especial de tempo laborado em exposição a agentes biológicos não é necessário o desenvolvimento de uma das atividades arroladas nos Decretos de regência, sendo referido rol meramente exemplificativo; b) entretanto, é necessária a comprovação em concreto do risco de exposição a microorganismos ou parasitas infectocontagiosos, ou ainda suas toxinas, em medida denotativa de que o risco de contaminação em seu ambiente de trabalho era superior ao risco em geral, devendo, ainda, ser avaliado, de acordo com a profissiografia, se tal exposição tem um caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independentemente de tempo mínimo de exposição durante a jornada” (TEMA 205 TNU). Dessa forma, para que reste configurado o risco aumentado de contágio no exercício de qualquer atividade em que haja exposição a agentes biológicos, é necessário que esse risco seja de intensidade semelhante àquele verificado nas atividades descritas no código 3.0.1 do Anexo IV do Decreto n. 3.048/1999. Outrossim, conforme assentado pela TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 3ª REGIÃO, é necessário deixar claro que o mero exercício de atividade laboral dentro de ambiente hospitalar não significa, necessariamente, que o segurado encontrava-se exposto ao contato com agentes biológicos no exercício de qualquer atividade desempenhada no nosocômio (TRU da 3ª Região - Pedido de Uniformização Regional n. 0000227-79.2015.4.03.9300, Relator: Juiz Federal UILTON REINA CECATO, Data do Julgamento: 19/04/2016, Data da Publicação: 02/05/2016). No que se refere a habitualidade e permanência, a jurisprudência do STJ e da TNU apontam a desnecessidade de que a exposição a agentes biológicos ocorra durante toda a jornada de trabalho para o reconhecimento da especialidade, bastando, no caso de exposição eventual, desde que verificado, no caso concreto, se a natureza do trabalho desenvolvido (p.ex.: manuseio de materiais contaminados, contato com pacientes com doenças contagiosas) e/ou o ambiente em que exercido (p.ex.: estabelecimento de saúde ou manuseio de esgoto ou lixo) permitem concluir pelo constante risco de contaminação. Neste tema, a TNU, no julgamento do PEDILEF 0501219-30.2017.4.05.8500/SE, de 23/05/2019, ao se deparar sobre a questão se há necessidade ou não de se comprovar a habitualidade e a permanência da exposição aos agentes biológicos, fixou a seguinte tese. “Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada” (TEMA 211 TNU). No que se refere à tecnologia de proteção, a Resolução nº 600 de 2017, expedida pelo INSS (atualizada pelo Despacho Decisório nº 479/DIRSAT/INSS, de 25/09/2018), chamada de Manual da Aposentadoria Especial, prevê que em se tratando de agentes biológicos, deve constar no PPP informação sobre o EPC, a partir de 14 de outubro de 1996 e sobre EPI a partir de 03 de dezembro de 1998. No referido Manual de Aposentadoria Especial, aprovado nos termos da Resolução nº 600 do INSS, de 10/08/2017 (atualizado de 2018), consta ainda que: “o raciocínio que se deve fazer na análise dos agentes biológicos é diferente do que comumente se faz para exposição aos demais agentes, pois não existe “acúmulo” da exposição prejudicando a saúde e sim uma chance de contaminação.” Ressalto que a Resolução nº 600 de 2017, prevê que, considerando-se tratar-se de risco biológico, o EPI deverá eliminar totalmente a probabilidade de exposição, evitando a contaminação dos trabalhadores por meio do estabelecimento de uma barreira entre o agente infectocontagioso e a via de absorção (respiratória, digestiva, mucosas, olhos, dermal). Caso o EPI não desempenhe adequadamente esta função, permitindo que haja, ainda que atenuadamente a absorção de microorganismos pelo trabalhador, a exposição estará efetivada, podendo-se desencadear a doença infecto-contagiosa. Neste caso, o EPI não deverá ser considerado eficaz. O Superior Tribunal de Justiça, julgou o Tema 1.090, de forma muito semelhante ao julgamento do Tema 213 da TNU acima citado, no seguinte sentido: I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido. II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI. III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor. Assim, em se tratando de agentes nocivos biológicos, a constatação da eficácia do EPI, deverá se dar por meio da análise da profissiografia e dos demais documentos acostados ao processo, analisando-se o caso em concreto, salientando-se que, assim como a exposição ao agente ruído, a exposição a agentes biológicos pode configurar hipóteses excepcional, na qual, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial deve ser reconhecido. Do caso concreto: Primeiramente, no que se refere ao pedido de concessão da gratuidade da justiça, verifica-se no extrato do CNIS, que a parte autora recebe de aposentadoria a remuneração de aproximadamente R$ 2.600,00. Conforme se verifica, o limite do teto do Regime Geral da Previdência Social para o ano de 2024, é R$ 7.786,02 (de acordo com a tabela do INSS 2024 alterada conforme Portaria Interministerial MPS/MF nº 26, de 10/01/2024). Sendo assim, 40% desse valor corresponde a R$ 3.114,40. Portanto, concluiu-se que a remuneração mensal da parte autora não superou o limite de 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, nos termos do art. 790 da CLT, sendo viável a concessão da gratuidade da justiça, devendo ser alterada r. sentença nesta parte. No mais, restam afastadas as preliminares de cerceamento de defesa, bem como, o pedido de extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos da fundamentação apresentada nos primeiros tópicos desta decisão. Passo a análise do mérito propriamente dito. No presente caso, a parte autora requer o reconhecimento da especialidade dos períodos de 19/07/1990 a 15/08/1998 e 06/12/1999 a 18/12/2009. Pois bem. No que se refere ao período de 19/07/1990 a 15/08/1998, foi anexado aos autos o formulário PPP (ID), no qual consta que a parte autora laborou na SOCIEDADE CAMPINEIRA DE EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO HOSPITAL E MATERNIDADE CELSO PIERRO, exercendo a atividade de “recepcionista”, no setor: recepção, estando exposto a agentes biológicos (vírus, fungos e bactérias). Consta uso de EPI eficaz (com indicação de C.A.s). Não consta a indicação de responsável técnico pelos registros ambientais no período de labor (com registro no órgão de classe), no entanto, consta que os ambientes e os lay outs não sofreram alterações (permaneceram inalterados). Consta assinatura do representante legal da empresa, com indicação do NIT e carimbo do empregador. Na profissiografia consta que: “Verificar no sistema os leitos disponíveis..., providenciar emissão de relatórios diários..., identificar pacientes/clientes com solicitações de internações..., executar atividades de recepção..., emitir fichas...registrar em livro próprio do serviço todas as intercorrências..”. Primeiramente, reconheço a regularidade do formulário PPP, uma vez que, há assinatura do representante legal da empresa, com carimbo e NIT do empregador, e, embora não consta a indicação de responsável técnico no período de labor, há declaração do empregador informando que não houve alteração no ambiente de trabalho e no lay out da do hospital, cumprindo, assim, o Tema 208 da TNU. Com relação aos agentes nocivos, verifica-se que o PPP descreve que a parte autora esteve exposta a agentes biológicos (vírus, fungos e bactérias). No entanto, pela descrição das suas atividades na profissiografia, pode-se constatar que muito embora a parte autora exercesse sua atividade em estabelecimento saúde, a sua atividade principal era eminentemente administrativa (como recepcionista), não havendo descrição que manuseava materiais contaminados, sendo que apenas de forma esporádica e eventual mantinha contato com pacientes portadores de doenças infecto contagiosas, conforme descrito no código 1.3 do Anexo I, do Decreto 83.080 de 1979 e no código 3.0.0, do Anexo IV, dos Decretos 2.172 de 1997 e no Decreto 3.048 de 1999. Portanto, não é qualquer contato com agentes biológicos que enseja a especialidade do período, mas sim, o contato de forma habitual e permanente, o que não é o caso presente. É importante ressaltar que a multiplicidade de tarefas desenvolvidas pela parte autora e o caráter essencialmente administrativo das tarefas demonstram a impossibilidade de atestar a habitualidade e permanência da exposição aos agentes biológicos. Nesse sentido, o PPP indica na profissiografia atividades essencialmente administrativas, o que demonstra que a parte autora não permanecia durante a jornada de trabalho em contato com pacientes com doenças infectocontagiosas ou manuseava materiais contaminados, tais como os profissionais da saúde médicos e enfermeiros. Cumpre ressaltar, ainda, que a exposição ao agente nocivo não precisa ocorrer ao longo de toda a jornada de trabalho, mas precisa se mostrar indissociável da prestação de serviço executada, bem como, precisa se demonstrar que o risco de contaminação era superior ao risco em geral, o que não se comprovou no caso em concreto, a teor do Tema 205 da TNU. Portanto, não ficou configurada a exposição habitual e permanente, não ocasional nem intermitentes ao agente agressivo em questão (biológico), de forma que não se pode enquadrar os períodos em comento no item 1.3.2, do quadro anexo, do Decreto 53.831/64 e 1.3.2 do Decreto 83.080/79, bem como no item 3.0.1 do Decreto 2.172/97, 3048/99 e 4.882/03. Ademais, no caso da recepcionista de hospital, entende-se que o EPI utilizado, se mostra eficaz para afastar a exposição aos agentes nocivos. Vejamos a jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização, no mesmo sentido: “(....) No caso em apreço, a decisão impugnada não pode ser considerada teratológica ou ilegal, senão vejamos. O acórdão recorrido nos autos do processo n.º 1011152-76.2018.4.01.3801/MG não reconheceu a especialidade dos períodos laborados pela parte autora, postulados naquela demanda, de acordo com a integralidade das informações constantes na documentação profissional acostada aos autos. Leia-se trecho da decisão proferida na origem: "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. ATIVIDADE INSALUBRE. SUBMISSÃO A AGENTES BIOLÓGICOS. EXIGÊNCIA NORMATIVA DE CONTATO COM PACIENTES ACOMETIDOS DE DOENÇAS INFECTOCONTAGIOSAS E/OU MATERIAIS CONTAMINADOS. ATIVIDADE DE RECEPCIONISTA. AUSENTE SUJEIÇÃO EFETIVA AO AGENTE NOCIVO. JULGAMENTO DA TNU NO PEDILEF Nº 0501219-30.2017.4.05.8500/SE (TEMA 211). 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor contra sentença que não reconheceu o exercício de atividade especial no período de 16/06/1981 a 31/12/1984. 2. A insalubridade decorrente da submissão do trabalhador aos agentes biológicos está prevista no item 1.3.2 do Anexo ao Decreto nº 53.831/64, no item 1.3 do Anexo I c/c item 2.1.3 do Anexo II ao Decreto nº 83.080/79 e no item 3.0.1 do Anexo IV aos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99, e se conecta, fundamentalmente, ao labor habitual e permanente em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas ou o manuseio de materiais contaminados. 3. No julgamento do PEDILEF nº 0501219-30.2017.4.05.8500 (Tema 211), a TNU fixou a seguinte tese: "Para aplicação do artigo 57, § 3º da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada." (destaquei) 4. O PPP de ID 14645732 informa que o autor exerceu a atividade de recepcionista no Hospital de Misericórdia de Santos Dumont no período de 16/06/1981 a 31/12/1984, estando submetido aos agentes biológicos vírus, bactérias e parasitas infectocontagiosos. Consta que sua atividade consistia em "fazer o atendimento ao público, marcar consultas, encaminhar acidentados até a sala de emergência, realizar internações, operar sistema informatizado, fazer e receber ligações." 5. Ora, trata-se de função típica da atividade meio e, no contexto em que era exercida, pode-se cogitar, quanto muito, no contato eventual com os agentes mencionados e em patamares não hábeis a caracterizar a nocividade de que trata a legislação previdenciária para fins de reconhecimento da natureza especial. 6. Destaca-se que os agentes biológicos foram descritos sem que houvesse dado que os relacionasse objetivamente à atividade da parte autora. Logo, descabe o enquadramento do período em tela. 7. (....). 8. Recurso inominado desprovido. Condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, ficando suspensa a execução porquanto lhe foram deferidos os benefícios da assistência judiciária. ACÓRDÃO Decide a 1ª Turma Recursal de Juiz de Fora NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO INOMINADO, nos termos do voto do relator." (grifei). Assim, Turma Recursal de origem, com base no contexto fático-probatório, concluiu que a parte autora não faz jus à averbação pleiteada em seu pedido de uniformização, tendo em vista que as provas colacionadas não foram suficientes para comprovar a especialidade do labor. Sob essa perspectiva, nota-se que o acórdão recorrido está conforme o entendimento da TNU. Incide, pois, a Questão de Ordem n. 13/TNU ("Não se admite o Pedido de Uniformização, quando a jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais se firmou no mesmo sentido do acórdão recorrido"). Outrossim, a pretensão de alterar as conclusões da origem implica vedada revisão de provas. É o que enuncia a Súmula n. 42/TNU: "Não se conhece de incidente de uniformização que implique reexame de matéria de fato". Segundo se denota a partir da documentação constante deste e dos processos relacionados, o acórdão da Turma Recursal de origem deixou de reconhecer a especialidade do período postulado pela parte autora, valorando devidamente o PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário) e cotejando o agente nocivo informado de acordo com a diversidade de atividades realizadas pela parte autora, igualmente indicadas na documentação profissional, para inferir a ausência de risco efetivo de contágio por exposição a agentes biológicos. E, nos moldes referidos na decisão impetrada, este colegiado possui jurisprudência no sentido de exigir "a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada." (PEDILEF nº 0501219-30.2017.4.05.8500 - Tema 211) Portanto, a decisão impugnada não se evidencia teratológica, ilegal ou abusiva, razão pela qual reconheço a inadequação da via eleita e extingo o feito, nos termos do art. 10 da Lei n. 12.016/2009. Não há condenação ao pagamento de honorários, conforme o disposto no art. 25 da Lei n. 12.016/09. Sem custas. Ante o exposto, indefiro a inicial, nos termos do art. 330, I, c/c 485, I, e denego a segurança, com fulcro no art. art. 6º, § 5º, da Lei n. 12.016/2009. Intime-se a parte impetrante e o Ministério Público Federal. Certificado o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos. (MS - MANDADO DE SEGURANÇA 5000111-18.2021.4.90.0000, SUSANA SBROGIO GALIA - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, 09/07/2021.) Desse modo, é inviável o reconhecimento da especialidade do período ora analisado. Do mesmo modo, inviável também o reconhecimento da especialidade do período de 06/12/1999 a 18/12/2009, uma vez que não foi anexado aos autos o respectivo formulário PPP, comprovando a eventual exposição a agentes nocivos, sendo certo que a empresa MOTOROLA INDUSTRIAL LTDA, é empresa que se encontra ativa, não havendo impedimentos para o fornecimento de formulários ou documentos equivalentes. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso da parte autora para o fim de conceder o benefício da gratuidade da justiça. No mais, permanece a r. sentença tal como lançada. Considerando que o(a) Recorrente foi vencido(a) em parte do pedido, deixo de condená-lo(a) ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, visto que somente o(a) Recorrente integralmente vencido(a) faz jus a tal condenação, nos termos do Enunciado nº 99 do FONAJEF e do Enunciado nº 15 do II Encontro dos Juizados Especiais Federais e Turmas Recursais da 3ª Região. (“O provimento, ainda que parcial, de recurso inominado afasta a possibilidade de condenação do recorrente ao pagamento de honorários de sucumbência”). É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. AFASTAR ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. EXPOSIÇÃO A AGENTE BIOLÓGICO. ATIVIDADE DE RECEPCIONISTA. AUSÊNCIA DE HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA DA EXPOSIÇÃO. EXERCÍCIO DE FUNÇÕES TÍPICAS ADMINISTRATIVAS. ATIVIDADE MEIO. APLICAÇÃO DO TEMA 205 E 211/TNU. AFASTAR APLICAÇÃO DO TEMA 629 DO STJ.
1.Trata-se de recurso interposto pela parte autora em face da sentença que julgou improcedente o pedido.
2. Afastar o cerceamento de defesa, a teor do Enunciado nº 203 FONAJEF que dispõe: “Não compete à Justiça Federal solucionar controvérsias relacionadas à ausência e/ ou à inexatidão das informações constantes de PPP e/ou LTCAT para prova de tempo de serviço especial”.
3. Afastar a especialidade da atividade de recepcionista em hospital, tendo em vista que, embora a atividade fosse realizada em estabelecimento de saúde, a exposição a agentes biológicos se deu de forma eventual e esporádica, por se tratar de atividades tipicamente administrativas (atividade meio), que não tinha contato com materiais contaminados, e, quando muito, tinha contato eventual com pacientes infectocontagiosos. Reconhecer a ausência de habitualidade e permanência da exposição, a teor do Tema 205 e 211 da TNU. Aplicação de precedente da TNU sobre o tema (MS - 5000111-18.2021.4.90.0000).
4. Afastar a aplicação do Tema 629 do STJ. Conceder a gratuidade da justiça.
5. Recurso da parte autora que se dá parcial provimento.