APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000025-35.2017.4.03.6135
RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: ASSOCIACAO DE MORADORES DO RESIDENCIAL MORRO DAS CANAS
Advogado do(a) APELANTE: MARCELO GOMES FRANCO GRILLO - SP217655-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000025-35.2017.4.03.6135 RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN APELANTE: ASSOCIACAO DE MORADORES DO RESIDENCIAL MORRO DAS CANAS Advogado do(a) APELANTE: MARCELO GOMES FRANCO GRILLO - SP217655-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Trata-se de ação proposta por Associação de Moradores do Residencial Morro das Canas em face da União, com o objetivo de anular débito decorrente da cobrança de taxa de ocupação de imóvel situado no município de Ilhabela, relativo aos anos de 2007 a 2016. O pedido foi julgado improcedente. O autor foi condenado em honorários fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. Contra a decisão, a União interpôs embargos de declaração, os quais foram acolhidos para fins de alteração da redação do dispositivo da sentença, para que passasse a constar o quanto segue (ID 140761760, p. 2): “REVOGO a tutela de urgência concedida, que deixa de produzir efeitos, sendo que os valores em depósito integral nos autos, oportunamente e somente após o trânsito em julgado desta sentença de improcedência, deverão ser utilizados para conversão em renda em favor da União, em pagamento aos valores de taxa de ocupação exercícios de 2007 a 2016." Inconformado, o autor interpôs apelação. Alega que a Lei n. 13.240/2015, que alterou o Decreto-Lei n. 2.398/1987, dispensou “o lançamento e a cobrança de taxas de ocupação, foros e laudêmios incidentes sobre terrenos de marinha e seus acrescidos, os quais estejam inscritos no regime jurídico de ocupação, quando os terrenos que respaldam referidas cobranças estiverem localizados em ilhas oceânicas ou costeiras que sejam sede de Município, desde a data da publicação da Emenda Constitucional nº 46 de 5 de maio de 2005 até a conclusão do processo de demarcação, sem cobrança retroativa por ocasião da conclusão dos procedimentos demarcatórios” (ID 140761756, p. 3). Invoca o princípio da legalidade. Afirma que “as cobranças das taxas de ocupação são ilegais, e ferem frontalmente o princípio constitucional da legalidade, porque não se esteiravam em demarcação oficial da Linha Preamar Média (LPM) de Ilhabela, tendo havido a retroação da cobrança contra legem” (ID 140761756, p. 8). Destaca que a orientação fixada no Tema n. 676, do STF não afasta a aplicação da Lei n. 13.240/2015, pois “quando não existir o referido procedimento demarcatório da Linha Preamar Média (LPM) não deverá haver a incidência de taxas de ocupação ou laudêmios” (ID 140761756, p. 13). Expõe que a questão examinada no Tema n. 676, do STF em nada modifica o disposto na Lei n. 13.240/2015, pois a vedação de cobrança de taxa de ocupação e laudêmio antes do procedimento demarcatório da LPM não caracteriza nenhuma infração às normas que delimitam os domínios da União. Registra que até o ano de 2017 ainda não havia ocorrido a demarcação oficial da LPM no município de Ilhabela. Explica que a sentença também se equivocou ao aplicar a prescrição quinquenal com base no Decreto n. 20.910/1932, uma vez que a ação não é de repetição de indébito, e sim de natureza anulatória, pois o objetivo da demanda é afastar a cobrança retroativa da taxa de ocupação dos anos de 2007 a 2016. Destaca que o lançamento dos débitos foi promovido em 2017, mesmo ano no qual foi ajuizada a presente ação anulatória. Argumenta que a própria apelada confessa que inexistia demarcação da LPM até o ano de 2017, a qual foi homologada apenas em 22/08/2017. Anota que “quando a Emenda Constitucional nº 46 de 2005 excluiu dos bens da União as ilhas oceânicas e costeiras que contenham sede de município deixou de ter parâmetros válidos para a cobrança das taxas de ocupação, uma vez que, antes da aludida Emenda Constitucional, sobre referidas ilhas, em suas totalidades de terras, incidiam taxas de ocupação e laudêmios, sem a necessidade de uma prévia discriminação oficial (demarcação oficial) feita por um procedimento demarcatório que fixasse a Linha Preamar Média (LPM), a qual, por seu turno, já encontra-se fixada na costa de todo o continente brasileiro” (ID 140761756, p. 28). Assevera que, após a EC n. 46/2005, tornou-se necessário realizar “um procedimento demarcatório, que objetivasse o estabelecimento da Linha Preamar Média (LPM) que, horizontalmente, na direção do interior da ilha, fixa-se os terrenos de marinha, a fim de possibilitar a cobrança das taxas de ocupação e laudêmios, sem ferir direitos fundamentais” (ID 140761756, p. 28). Invoca os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. Requer o provimento da apelação para que o pedido seja julgado procedente. Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte. É o relatório. Herbert de Bruyn Desembargador Federal Relator
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000025-35.2017.4.03.6135 RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN APELANTE: ASSOCIACAO DE MORADORES DO RESIDENCIAL MORRO DAS CANAS Advogado do(a) APELANTE: MARCELO GOMES FRANCO GRILLO - SP217655-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Trata-se de apelação na qual se busca afastar a cobrança de taxa de ocupação em relação a imóvel situado no município de Ilhabela nos anos de 2007 a 2016. Primeiramente, merece reforma a sentença quanto ao reconhecimento da prescrição. Com efeito, a ação visa obter a anulação de débitos relativos a taxa de ocupação dos anos de 2007 a 2016, os quais estão sendo cobrados pela apelada, que estabeleceu a data de vencimento de 31/03/2017 (ID 140761604, p. 1/3). Por sua vez, a demanda foi proposta em 29/03/2017 (ID 140761593, p. 1/14). A fim de suspender a exigibilidade do crédito, a autora realizou o depósito judicial da quantia cobrada pela ré, juntando cópia da guia recolhida (ID 140761611). Logo, não há prescrição a ser reconhecida, uma vez que não há pedido voltado a obter a restituição de quantias pagas há mais de 5 (cinco) anos e, tampouco a cobrança da taxa deu-se em período anterior. De outra parte, com relação à taxa de ocupação, procede a pretensão da apelante. O art. 6º-A do Decreto-Lei n. 2.398/1987 -- na redação conferida pela Lei n. 13.139/2015 -- é expresso ao prescrever que, após a entrada em vigor da EC n. 46/2005, não haverá a cobrança de taxa de ocupação em ilhas oceânicas que contenham sede de município até que ocorra a conclusão do processo de demarcação: “Art. 6º-A. São dispensados de lançamento e cobrança as taxas de ocupação, os foros e os laudêmios referentes aos terrenos de marinha e seus acrescidos inscritos em regime de ocupação, quando localizados em ilhas oceânicas ou costeiras que contenham sede de Município, desde a data da publicação da Emenda Constitucional no 46, de 5 de maio de 2005, até a conclusão do processo de demarcação, sem cobrança retroativa por ocasião da conclusão dos procedimentos de demarcação.” Destaco que a orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal com relação ao Tema n. 676 (RE n. 636.199/ES, j. 27/04/2017, DJe 03/08/2017) não é contrária à regra do art. 6º-A do Decreto-Lei n. 2.398/1987, mas antes a confirma. No referido julgamento, decidiu a Corte Suprema: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. BENS DA UNIÃO. ILHAS COSTEIRAS COM SEDE DE MUNICÍPIOS. TERRENOS DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS. APROVEITAMENTO POR PARTICULARES. FORO, LAUDÊMIO E TAXA DE OCUPAÇÃO. EXIGIBILIDADE. ART. 20, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 46/2005. INALTERADO O ART. 20, VII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. PRIMADO DA ISONOMIA. TITULARIDADE DA UNIÃO. 1. Recurso extraordinário em que se pretende ver reconhecida a inexigibilidade do pagamento de foro, laudêmio e taxa de ocupação, tendo em vista o aproveitamento, por particulares, de terrenos de marinha e acrescidos localizados nas ilhas costeiras do Município de Vitória, Espírito Santo. Tema nº 676 de repercussão geral. Controvérsia sobre a situação dominial dos terrenos de marinha e seus acrescidos localizados em ilha costeira com sede de Município, à luz do art. 20, IV, da Constituição da República, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 46/2005. 2. O domínio da União sobre as terras situadas nas ilhas litorâneas (art. 20, IV) foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ACO 317 (Relator Ministro Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, DJ 20.11.1992), resguardada a legitimidade de eventual transferência da titularidade para os Estados, pelos meios regulares de direito (art. 26, II). 3. A alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº 46/2005 criou, no ordenamento jurídico, exceção à regra geral então vigente sobre a propriedade das ilhas costeiras. Com a redação conferida ao art. 20, IV, da Constituição da República pelo constituinte derivado, deixaram de pertencer à União as ilhas costeiras em que sediados entes municipais, expressamente ressalvadas, no novo comando constitucional, as “áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal e as referidas no art. 26, II”, que remanesceram no patrimônio federal. 4. Antes da Emenda Constitucional nº 46/2005, todos os imóveis situados nas ilhas costeiras que não pertencessem, por outro título, a Estado, Município ou particular, eram propriedade da União. Promulgada a aludida emenda, deixa de constituir título hábil a ensejar o domínio da União o simples fato de que situada determinada área em ilha costeira, se nela estiver sediado Município, não mais se presumindo a propriedade da União sobre tais terras, que passa a depender da existência de outro título que a legitime. 5. Controvérsia sobre a exegese de norma erigida pelo constituinte derivado. Interpretação sistemática do art. 20, IV e VII, da Constituição da República. Concepção hermenêutica da Constituição como um todo orgânico, conjunto coerente de normas, vinculantes e compatíveis entre si. A EC nº 46/2005 não alterou o regime patrimonial dos terrenos de marinha, tampouco dos potenciais de energia elétrica, dos recursos minerais, das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e de nenhum outro bem arrolados no art. 20 da CF. 6. Conformação do conteúdo e alcance da Emenda Constitucional nº 46/2005 ao primado da isonomia, princípio informador – a um só tempo – dos âmbitos de elaboração, interpretação e aplicação da lei. Ausente fator de discrímen a legitimar a geração de efeitos desuniformes, no tocante ao regramento dos terrenos de marinha e acrescidos, entre municípios insulares e continentais, incide sobre ambos, sem distinção, o art. 20, VII, da Constituição da República. 7. Tese firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal: Ao equiparar o regime jurídico-patrimonial das ilhas costeiras em que sediados Municípios àquele incidente sobre a porção continental do território brasileiro, a Emenda Constitucional nº 46/2005 não interferiu na propriedade da União, nos moldes do art. 20, VII, da Constituição da República, sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos situados em ilhas costeiras sede de Municípios, incólumes as relações jurídicas daí decorrentes. 8. Conclusão que não implica afirmar ilegítimos inconformismos quanto à aplicação do regramento infraconstitucional pertinente e aos procedimentos adotados pela Secretaria de Patrimônio da União, matérias que, todavia, não integram o objeto deste apelo extremo e cujo exame refoge à competência extraordinária desta Corte. Procedem da legislação infraconstitucional as dificuldades práticas decorrentes (i) da opção legislativa de adotar a linha do preamar médio de 1831 como ponto de referência para medição dos terrenos de marinha (Decreto-lei nº 9.760/1946), e (ii) das transformações, naturais ou artificiais, ocorridas ao longo dos anos, como os aterramentos e as alterações do relevo acumuladas. Não guardam relação com a alteração promovida pela EC nº 46/2005, e não foram por ela solucionadas. 9. Recurso extraordinário conhecido e não provido.” Extrai-se, ainda, do voto da E. Ministra Relatora Rosa Weber: “A alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº 46/2005 criou, no ordenamento jurídico, exceção à regra geral então vigente sobre a propriedade das ilhas costeiras. Com a redação conferida ao art. 20, IV, da Lei Maior pelo constituinte derivado, deixaram de pertencer à União as ilhas costeiras em que sediados entes municipais, expressamente ressalvadas, no novo comando constitucional, as “áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal e as referidas no art. 26, II”, que remanesceram no patrimônio federal. (...) De fato, sobrevindo a aludida emenda constitucional, não mais se presume a propriedade da União sobre terras localizadas nas ilhas em que contida sede de Município. Dito de outro modo, após a EC nº 46/2005, deixa de constituir título hábil a ensejar o domínio da União o simples fato de que localizada, determinada área, em ilha costeira, se nela estiver sediado Município. Nessas circunstâncias, a propriedade da União sobre determinada área dependerá, logicamente, da existência de outro título que a legitime. (...) 7. Para o devido equacionamento da presente controvérsia, no entanto, é necessário ter presente o art. 20, VII, da Constituição da República, cuja redação, dada pelo constituinte originário, a incluir, entre os bens da União, “os terrenos de marinha e seus acrescidos”, foi mantida mesmo após o advento da Emenda Constitucional nº 46/2005. Assim, a EC nº 46/2005 em nada alterou o regime jurídico-constitucional dos terrenos de marinha. (...) 8. Segundo a legislação em vigor de regência do instituto (arts. 2º e 3º do Decreto-lei nº 9.760/1946), são conceituados como terrenos de marinha os inseridos na projeção espacial que, medida a partir da linha do preamar-médio (média do nível máximo das mares) no ano de 1831, se projeta por 33 (trinta e três) metros em direção à terra, sejam eles (a) situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagos, até onde se faça sentir a influência das marés; ou (b) os que contornam as ilhas situadas em zonas onde se faça sentir a influência das marés. Por terrenos de marinha acrescidos, a seu turno, se entendem “os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha”. (...) Com a Emenda Constitucional nº 46/2005, as ilhas costeiras em que situada a sede de Município passam a receber o mesmo tratamento da porção continental do território brasileiro no tocante ao regime de bens da União, nem mais nem menos. Foi, de fato, o princípio da isonomia a ratio essendi das propostas de emenda à Constituição que deram origem à Emenda Constitucional nº 46/2005 (PEC nº 575/1998 na Câmara dos Deputados e PEC nº 15/2004 no Senado Federal). (...) A isonomia aspirada pelo constituinte derivado operou-se em prestígio da autonomia municipal preconizada na Carta de 1988 e cuidou de equiparar o regime jurídico-patrimonial das ilhas costeiras em que sediados Municípios àquele incidente sobre suas porções continentais, favorecendo a promoção dos interesses locais e o desenvolvimento da região.” Portanto, como se observa, as ilhas que abrangem sede de município deixaram de ser automaticamente consideradas como patrimônio da União após a entrada em vigor da EC n. 46/2005, passando a se submeter à regra geral do art. 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946, segundo a qual são “terrenos de marinha” as porções de terra situadas a 33 (trinta e três) metros de distância da linha do preamar-médio (LPM). No presente caso, verifica-se que o procedimento demarcatório da LPM no município de Ilhabela foi aprovado pela SPU apenas em 22/08/2017 (ID 140761696, p. 1). Logo, é de rigor a reforma da sentença, para que seja reconhecida a nulidade da cobrança da taxa de ocupação referente aos anos de 2007 a 2016. No mesmo sentido: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. TERRENO PRESUMIDAMENTE DE MARINHA. PRETENSÃO À DEMARCAÇÃO DA LINHA DO PREAMAR MÉDIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS N. 283 E 284 DO STF. INTERESSADO COM DOMICÍLIO CERTO. NECESSIDADE DE CITAÇÃO PESSOAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. I - Na origem, trata-se de ação declaratória pleiteando a retirada do ônus no registro de imóveis RIPs n. 1110100347-63 e 3110100348-44, respectivamente, diante da incerteza relativa a qual parte do imóvel seria alodial e qual parte seria de propriedade da União, e se existiria naquele imóvel parte de terreno da União e, alternativamente, requer sua condenação à obrigação de fazer, por meio de demarcação da linha de preamar média, para identificar qual parte do imóvel do requerente seria de propriedade da União. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, para condenar a União em obrigação de demarcar a linha preamar média dos imóveis constantes dos RIPs n. 31110100347-63 e 3110100348-44, identificando, por conseguinte, os terrenos de marinha e alodiais, acaso existentes. No Tribunal a quo, a sentença foi reformada em parte para ajustar para um ano o prazo estipulado de apresentação de cronograma e conclusão do trabalho. (...) IV - Ademais, também é entendimento firme nesta Corte Superior de que a União "pode realizar cobrança de taxa de ocupação de terrenos de marinha, porém, após a conclusão de procedimento demarcatório regular, observando-se a imprescindibilidade da notificação pessoal do proprietário com residência certa para a validade do procedimento administrativo da SPU", o que não ocorreu in casu (REsp n. 1.205.573/SC, relator Ministro Mauro Campbell). Nesse sentido: REsp n. 1.784.891/ES, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/3/2019, DJe de 23/4/2019 e AgInt no REsp n. 1.908.041/PE, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 17/5/2021, DJe de 19/5/2021. V - Agravo interno improvido.” (STJ, AgInt no REsp n. 2.114.793/SE, 2ª Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, v.u., j. 08/04/2024, DJe 11/04/2024, grifos nossos) “APELAÇÃO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO. TEMA 676. REPERCUSSÃO GERAL. NÃO APLICÁVEL NO CASO CONCRETO. ART. 6º-A DO DECRETO-LEI Nº 2.398/87. ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI Nº 13.240/2015. NORMA PROCESSUAL. RETROATIVIDADE EXPRESSA. RESTITUIÇÃO DE TAXA DE OCUPAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se, na origem, de ação ordinária de repetição do indébito de taxa de ocupação e laudêmio movida por Paulo Ricardo Torres Pereira contra a União Federal. 2. A discussão no presente caso diz respeito a cobrança de taxa de ocupação antes da conclusão dos procedimentos de demarcação da LPM na região de Ilhabela/SP referente aos exercícios financeiros de 2005 a 2017. 3. Não se desconhece a decisão do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Recurso Extraordinário 636.199/ES pela sistemática da repercussão geral (Tema 676), que fixou a seguinte tese: “A Emenda Constitucional nº 46/2005 não interferiu na propriedade da União, nos moldes do art. 20, VII, da Constituição da República, sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos situados em ilhas costeiras sede de Municípios”. Ocorre que a discussão travada nestes autos não fere o decidido pelo STF no referido julgamento. 4. De acordo com o princípio do tempus regit actum, a obrigação deve respeitar a legislação vigente à época do fato, e isso se aplica tanto para a obrigação tributária quanto para a civil e/ou administrativa. 5. A norma insculpida no art. 6º-A do DL nº 2.398/87 possui natureza de norma processual, que são aquelas meramente instrumentais e que conferem ao titular de um direito material recorrer ao Poder Judiciário para valer um direito seu que não foi respeitado. 6 Referido artigo trouxe em sua redação previsão expressa de retroatividade, desde a edição da EC nº 46/2005, alcançando, dessa forma fatos anteriores à sua vigência, de modo que nesse caso não há que se falar em violação ao ato jurídico perfeito, direito adquirido e a coisa julgada, conforme sustenta a apelante. 7. No presente caso a demarcação da região de Ilha Bela/SP foi aprovada em 22.08.2017. Nessa hipótese, os valores cobrados a título de taxa de ocupação cobrados anteriormente a esta data devem ser objetos de restituição, observada a prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto n. 20.910/32. 8. Apelação desprovida.” (ApCiv n. 5006849-13.2020.4.03.6100, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Audrey Gasparini, v.u., j. 07/10/2024, DJe 10/10/2024, grifos nossos) Diante da procedência do pedido inicial, condeno a União em honorários advocatícios fixados no percentual mínimo de cada faixa de valor aplicável, observado o escalonamento previsto nos incisos I a V do § 3º do artigo 85 do CPC, adotando-se como base de cálculo o valor atualizado da dívida considerada indevida. Ante o exposto, dou provimento à apelação. É o meu voto. Herbert de Bruyn Desembargador Federal Relator
E M E N T A
TAXA DE OCUPAÇÃO. PRETENSÃO ANULATÓRIA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. MUNICÍPIO DE ILHABELA. ART. 6º-A DO DECRETO-LEI N. 2.398/1987. COBRANÇÃO ANTERIOR À CONCLUSÃO DO PROCESSO DEMARCATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Afastada a prescrição. A demanda, proposta em 29/03/2017, visa obter a anulação de débitos relativos a taxa de ocupação dos anos de 2007 a 2016, sendo que, em relação a todos estes, a apelada estabeleceu a data de vencimento de 31/03/2017. Não há pedido de restituição de quantias pagas há mais de 5 (cinco) anos.
2. O art. 6º-A do Decreto-Lei n. 2.398/1987, na redação conferida pela Lei n. 13.139/2015, é expresso ao prescrever que, após a entrada em vigor da EC n. 46/2005, não haverá a cobrança de taxa de ocupação em ilhas oceânicas que contenham sede de município até que ocorra a conclusão do processo de demarcação.
3. A orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal com relação ao Tema n. 676 não é contrária à regra do art. 6º-A do Decreto-Lei n. 2.398/1987. Como se extrai do voto da E. Min. Relatora Rosa Weber, “Com a Emenda Constitucional nº 46/2005, as ilhas costeiras em que situada a sede de Município passam a receber o mesmo tratamento da porção continental do território brasileiro no tocante ao regime de bens da União, nem mais nem menos.”
4. As ilhas que abrangem sede de município deixaram de ser automaticamente consideradas como patrimônio da União após a entrada em vigor da EC n. 46/2005, passando a se submeter à regra geral do art. 2º do Decreto-Lei n. 9.760/1946, segundo a qual são “terrenos de marinha” as porções de terra situadas a 33 (trinta e três) metros de distância da linha do preamar-médio (LPM).
5. O procedimento demarcatório da LPM no município de Ilhabela apenas foi aprovado pela SPU em 22/08/2017. Sentença reformada para que seja reconhecida a nulidade da cobrança da taxa de ocupação referente aos anos de 2007 a 2016.
6. Apelação provida.