Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001305-49.2008.4.03.6004

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: DON SANTOS TRANSPORTES LTDA

Advogado do(a) APELANTE: DIRCEU RODRIGUES JUNIOR - MS7217-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001305-49.2008.4.03.6004

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: DON SANTOS TRANSPORTES LTDA

Advogado do(a) APELANTE: DIRCEU RODRIGUES JUNIOR - MS7217-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):

Trata-se de apelação interposta pela parte autora ação de conhecimento objetivando a anulação do auto de infração lavrado no bojo do processo administrativo n. 10108.000456/2008-91, que aplicou a pena de perdimento sobre veículo apreendido enquanto efetuava o transbordo de mercadorias destinadas à exportação, fora de recinto alfandegado, em consonância com o artigo 104, II, do Decreto-lei n. 37/1966.

A r. sentença julgou improcedente o pedido por entender ter sido comprovada a utilização do veículo em carga e descarga de mercadorias destinadas à exportação fora de recinto alfandegado, em violação ao artigo 104, II, do Decreto-lei n. 37/1966 e artigos 25, I, e 617, II, do Decreto n. 4.543/2002. Custas na forma da lei. Condenou a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, na forma do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73).

Apela o autor alegando que:

- foi contratado pela proprietária da carga para prestar serviço de transbordo das mercadorias, com a garantia de que o procedimento seria efetuado com observância às normas e procedimentos aplicáveis à espécie;

- no momento da apreensão não havia qualquer impedimento à realização da movimentação da carga fora do recinto alfandegado, vez que as mercadorias ainda passariam por vistoria perante as autoridades aduaneiras antes de seguirem ao exterior;

- a pena de perdimento é manifestamente desproporcional quando se leva em consideração o valor do veículo e o valor das mercadorias apreendidas.

Requer seja dado provimento ao recurso para que seja reformada a sentença e julgado procedente o pedido deduzido na petição inicial.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte Regional.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

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 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001305-49.2008.4.03.6004

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: DON SANTOS TRANSPORTES LTDA

Advogado do(a) APELANTE: DIRCEU RODRIGUES JUNIOR - MS7217-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

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V O T O

 

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora):

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de aplicação da pena de perdimento prevista no artigo 104, II, do Decreto-lei n. 37/1966, em relação a veículo apreendido enquanto efetuava o transbordo de mercadorias destinadas ao exterior, fora de recinto alfandegado, inclusive à luz do princípio da proporcionalidade.

Tendo em vista que a sentença objeto do pleito de reforma foi publicada no Diário Eletrônico da 3ª Região antes de 18/03/2016, data da vigência do atual Codex Processual Civil, incidem, no tocante à análise dos requisitos de admissibilidade do recurso interposto, as disposições contidas no Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), conforme Enunciado Administrativo n. 02 do C. STJ,in verbis:

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

A apelação preenche os requisitos de admissibilidade e merece ser conhecida.

A Constituição da República (CR) outorgou à União, nos artigos 22, VIII e 153, I e II, a competência para legislar sobre comércio exterior, bem como para instituir imposto de importação de produtos estrangeiros e de exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados. Além disso, reza o artigo 237 que “A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda”.

Nessa senda, o Decreto-lei n. 37, de 18/11/1966, recepcionado expressamente pelo artigo 34 do ADCT, dispõe sobre o imposto de importação e reorganiza os serviços aduaneiros, estabelecendo em seu artigo 96 as penas aplicáveis às infrações, dentre elas, in verbis:

“Art.96 - As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente:

I - perda do veículo transportador;

II - perda da mercadoria;

III - multa;

IV - proibição de transacionar com repartição pública ou autárquica federal, empresa pública e sociedade de economia mista.”

A pena de perdimento, tal como prevista na legislação aduaneira, configura mecanismo de controle das atividades de comércio exterior e de repressão às infrações de dano ao erário, dentre as quais a importação irregular de mercadorias sem o pagamento dos tributos devidos ou a observância dos procedimentos alfandegários estabelecidos na legislação.

O artigo 104, II, do Decreto-lei n. 37/1966 e os artigos 25, I, e 617, II e § 1º, do Decreto n. 4.543/2002, o Regulamento Aduaneiro vigente à época dos fatos tratados neste feito, disciplinam a pena de perdimento do veículo atrelada à hipótese carga e descarga de mercadoria empregada em operação de comércio exterior nos seguintes termos:

DL n. 37/1966

“Art. 104 - Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos:

(...)

II - quando o veículo transportador efetuar operação de descarga de mercadoria estrangeira ou a carga de mercadoria nacional ou nacionalizada fora do porto, aeroporto ou outro local para isso habilitado;”

 

Decreto n. 4.543/2002

“Art. 25. É proibido ao condutor de veículo procedente do exterior ou a ele destinado:

I - estacionar ou efetuar operações de carga ou descarga de mercadoria, inclusive transbordo, fora de local habilitado; e

(...)

Art. 617. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 104, e Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 24):

(...)

II - quando o veículo transportador efetuar operação de descarga de mercadoria estrangeira ou de carga de mercadoria nacional ou nacionalizada, fora do porto, do aeroporto ou de outro local para isso habilitado;

(...)

§ 1º Aplica-se, cumulativamente ao perdimento do veículo, nos casos dos incisos II, III e VI, o perdimento da mercadoria (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 104, parágrafo único, art. 105, inciso XVII, e Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 23, inciso IV e § 1o, este com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59). (Redação dada pelo Decreto nº 4.765, de 24.6.2003)”

Diversas são as situações punidas com a perda da mercadoria, conforme dispõem o artigo 105, incisos I a XIX, do Decreto-lei n. 37/1966 e o artigo 689, incisos I a XXII, do Regulamento Aduaneiro.

A discussão acerca de eventual violação à legalidade, ao devido processo legal e à proporcionalidade na aplicação da pena de perdimento tem índole infraconstitucional. Precedentes do C. STF: ARE 748.371, Rel. Min. GILMAR MENDES, publ.01/08/2013; ARE 1477412 AgR, Rel. Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, j. 09/04/2024, publ. 22/04/2024.

Corroborando o entendimento quanto à legalidade da aplicação da pena de perdimento de veículo por infração à legislação aduaneira, nas hipóteses descritas nos artigos 104 e 105 do Decreto-lei n. 37/1966, assim tem decidido esta E. Corte Regional:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADUANEIRO. INTRODUÇÃO IRREGULAR DE MERCADORIA ESTRANGEIRA. PENA DE PERDIMENTO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR. NÃO COMPROVAÇÃO DE BOA FÉ. APELAÇÃO DESPROVIDA.

- A legislação aduaneira (artigos 94, 95, 96 e 104 do Decreto-Lei 37/66 e artigos 674 e 688 do Decreto 6.759/2009), prevê que o proprietário e o consignatário do veículo respondem pela infração decorrente do exercício de atividade própria realizada por ele, ou de ação ou omissão de seus tripulantes, com possibilidade de aplicação da pena de perdimento.

- A aplicação da pena de perdimento não é condicionada, pela legislação aduaneira, à comprovação da intenção ou do dolo do proprietário do veículo em lesar o Fisco, podendo ser a responsabilidade tanto por dolo quanto por culpa, nos termos do disposto no Código Tributário Nacional em seu artigo 136: “Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infração da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.”

- Todos os aspectos valorativos do caso e as circunstâncias que envolvem a apreensão do veículo, dentre outros elementos desfavoráveis no contexto fático, não comprovam a boa-fé do proprietário, justificando a incidência da pena de perdimento, posto que, inegavelmente, o veículo de sua propriedade foi utilizado no transporte de mercadorias sem a devida documentação fiscal. Os argumentos trazidos nas razões de apelação não são suficientes a afastar a pena aplicada, a fim de que o veículo seja liberado. Precedentes.

- Recurso de apelação não provido.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5005254-17.2022.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 13/05/2024, Intimação: 15/05/2024)

ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS DESPROVIDAS DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DE SUA REGULAR INTRODUÇÃO NO PAÍS. PENA DE PERDIMENTO. VEÍCULO.  PROPRIETÁRIO/CONDUTOR. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ AFASTADA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NÃO APLICÁVEL. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL PROVIDAS. SEGURANÇA DENEGADA.

1.  Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de liberação de veículo, após o condutor ser surpreendido no transporte de mercadorias, sem documentos que pudessem comprovar sua regular importação.

2. A responsabilidade do proprietário de veículo de passeio apreendido por transportar mercadorias introduzidas clandestinamente no país é diverso da questão abordada no Tema 1.041 do STJ, que trata de veículo de transporte de passageiros ou de carga. Não é pois, caso de sobrestamento do feito.

3. No caso em concreto, de acordo com o auto de infração e apreensão de mercadorias e veículos nº. 0140100-08997/2017, o veículo em tela - avaliado em R$ 20.356,20 (vinte mil, trezentos e cinquenta e seis reais e vinte centavos) - estava sendo utilizado para transportar mercadorias de procedência estrangeira (inclusive armas e munições) desprovidas de documentação comprobatória de sua introdução regular no país, avaliadas em R$ 7.592,77 (sete mil, quinhentos e noventa e dois reais e setenta e sete centavos).

4. Conforme demonstra o Termo de Apreensão nº. 195/2016 de ID 8965776 – fls. 17/18, emitido pela Delegacia da Polícia Federal em Três Lagoas/MS, no momento da abordagem o impetrante não transportava apenas peças para motos, mas também armas e munições (cinco pistolas calibres 9mm e 22, três revolveres calibre 38 e mais 300 munições de diferentes calibres), sendo preso em flagrante por crime de tráfico internacional de arma de fogo.

5. Apesar do impetrante afirmar que as mercadorias apreendidas pertenciam à sua esposa e destinavam à pequena loja de consertos de moto que a mesma possui, consta dos autos que o estabelecimento comercial de CNPJ nº 27.881.665/0001-08, correspondente à atividade de “Comércio e varejo de peças e acessórios para motocicletas”, pertence na verdade ao Sr. Michel Robson Tavares Paiva (ID 8965776 – fls. 12/13). Assim, não há como afastar a relação entre o objeto social da empresa de propriedade do impetrante, com as mercadorias encontradas no interior de seu veículo, com claro intuito comercial.

6. Quanto à questão da proporcionalidade da sanção, prevalece hoje na jurisprudência o entendimento de que deve existir uma equivalência entre o valor das mercadorias apreendidas e o do veículo submetido ao perdimento, somada, ressalte-se, a outros aspectos valorativos do caso em concreto, notadamente a gravidade do fato, a reiteração da conduta e a boa-fé dos envolvidos. Necessário, portanto, se conjugar o princípio da proporcionalidade com outros elementos no exame da pena de perdimento de veículo.

7. Dessa forma, a proporcionalidade entre o valor dos bens e do veículo não é aplicável no presente caso em razão da gravidade da conduta do impetrante. Abstraindo o critério apenas matemático, justifica-se a aplicação do perdimento de veículo no presente caso, uma vez caracterizada a responsabilidade do proprietário-condutor do veículo apreendido, de forma a evitar a reiteração da conduta, pelo menos, com o mesmo veículo. 

8. Apelação e remessa oficial providas.

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5000545-12.2017.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 22/09/2022, Intimação  26/09/2022)

DIREITO TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE PNEUS. REITERAÇÃO DA CONDUTA. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ ELIDIDA. PENA DE PERDIMENTO. POSSIBILIDADE. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

1 - A pena de perdimento de veículos, em razão do cometimento de ilícitos fiscais, encontra-se prevista nos artigos 95, 96 e 104, do Decreto-lei nº 37/66.

2 - Cumpre verificar, no caso concreto, a ocorrência de fatos que comprovem que o proprietário concorreu, de alguma forma, para a prática do ilícito, porque o proprietário tem a obrigação de agir com cautela e evitar a utilização do seu veículo na prática de infrações.

3 - Constatada a ocorrência, em tese, do crime de contrabando ou descaminho em área de fronteira, é dever da autoridade apreender o veículo objeto do ilícito e o encaminhar à Receita Federal do Brasil, para as providências no âmbito administrativo (fiscal), tal qual ocorreu no presente caso.

4 - Na hipótese dos autos, os veículos objetos deste feito foram apreendidos nas circunstâncias descritas no Boletim de Ocorrência nº 2312983170724090000 (ID 52076266), então conduzidos por Willian Aurélio da Silva, em 27/07/2017, tendo sido encontrados instalados 18 pneus de origem estrangeira, sem comprovação de regular importação.

5 - Consta no auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal de mercadorias nº 0145100/SAABA000547/2011 do Processo administrativo nº 10142.720128/2011-93 que o Sr. William Aurélio da Silva, preposto do apelante, já havia sido flagrado em 14/06/2011 conduzindo o Caminhão Scania /T113, placas KUA-1114 acoplado ao semirreboque SR/RANDON placa ANN-6503 transportando 22 pneus novos instalados no conjunto transportador e 04 pneumáticos de veículos de passeio no interior da cabine.

6 - Oportuno também destacar que, conforme o auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal de mercadorias nº 0145300/SANA002003/2015 do Processo administrativo nº 10109.723578/2015-78,em 20/04/2015 foram apreendidos 198 pneus usados provenientes do Paraguaie de importação proibida e 22 pneus novos instalados no conjunto transportador formado pelo semirreboque NOMA/SR3E27, placa HRV-0788 e pelo caminhão trator SCANIA/T113  placas AFN-4758 pertencentes ao ora apelante, a D.B. TRANSPORTES LTDA. ME que na ocasião impetrou um Mandado de Segurança para a restituição de bens, cuja ordem foi denegada.

7 - No caso em tela, ficou demonstrado que tanto a empresa proprietária do veículo como seu condutor já haviam incorrido em autuações análogas, bem como que apreensão anterior, circunstâncias aptas a afastar a boa-fé da ora recorrente.

8 - Considerando a reincidência da prática do ilícito fiscal tanto do condutor quanto do proprietário dos veículos apreendidos, não é passível de ser afastada a pena de perdimento, pois ausente a boa-fé.

9 - Recurso de apelação desprovido. Sentença mantida.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL - 5000239-88.2018.4.03.6006, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, j. 05/12/2019, e - DJF3 11/12/2019)

A responsabilidade pelas infrações cometidas no exercício da atividade aduaneira é atribuída àquele que concorre para a sua prática ou dela se beneficie, consoante dispõe o artigo 95, I, do Decreto-lei n. 37/1966, que contém norma especial de responsabilidade subjetiva.

Esse entendimento, aliás, já estava consagrado no verbete da na Súmula 138 do extinto E. TFR, in verbis: "A pena de perdimento de veículo utilizado em contrabando ou descaminho somente é aplicada se demonstrada a responsabilidade do proprietário na prática do delito".

Nessa senda, a jurisprudência do E. STJ é firme quanto à impossibilidade de aplicação da sanção quando não comprovada a responsabilidade e a má-fé do proprietário do veículo no cometimento da infração ou não verificada a proporcionalidade entre o valor da mercadoria apreendida e o do veículo transportador.

Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados:

ADMINISTRATIVO. MERCADORIAS ESTRANGEIRAS. INTERNAÇÃO IRREGULAR. DESCAMINHO OU CONTRABANDO. VEÍCULO TRANSPORTADOR. LOCADORA DE VEÍCULOS. PROPRIEDADE. PARTICIPAÇÃO NO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA. PENA DE PERDIMENTO. ILEGALIDADE.

1. Só a lei pode prever a responsabilidade pela prática de atos ilícitos e estipular a competente penalidade para as hipóteses que determinar, ao mesmo tempo em que ninguém pode ser privado de seus bens sem a observância do devido processo legal.

2. À luz dos arts. 95 e 104 do DL n. 37/1966 e do art. 668 do Decreto n. 6.759/2009, a pena de perdimento do veículo só pode ser aplicada ao proprietário do bem quando, com dolo, proceder à internalização irregular de sua própria mercadoria.

3. A pessoa jurídica, proprietária do veículo, que exerce a regular atividade de locação, com fim lucrativo, não pode sofrer a pena de perdimento em razão de ilícito praticado pelo condutor-locatário, salvo se tiver participação no ato ilícito para internalização de mercadoria própria, exceção que, à míngua de previsão legal, não pode ser equiparada à não investigação dos "antecedentes" do cliente.

4. Hipótese em que o delineamento fático-probatório contido no acórdão recorrido não induz à conclusão de exercício irregular da atividade de locação, de participação da pessoa jurídica no ato ilícito, nem de algum potencial proveito econômico da locadora com as mercadorias internalizadas.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

(REsp n. 1.817.179/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 17/9/2019, DJe de 2/10/2019.)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. PENA DE PERDIMENTO. TRIBUNAL DE ORIGEM CONSIGNOU TER RESTADO INCONTROVERSO O FATO DO ÔNIBUS TRANSPORTAR DIVERSAS MERCADORIAS COM NÍTIDA DESTINAÇÃO COMERCIAL. A INVERSÃO DO JULGADO IMPLICARIA NOVA INCURSÃO NO ACERVO PROBATÓRIO DOS AUTOS. AGRAVO REGIMENTAL DA EXPRESSO KAIOWA LTDA DESPROVIDO.

1. Consoante se depreende dos autos, apesar do Tribunal de origem não ter se manifestado expressamente acerca dos arts. 73 do Decreto 2.521/98, 739 do CC/2002 e 78 e seguintes do CTN, empregou fundamentação adequada e suficiente para dirimir a controvérsia, desse modo, não há como acolher a alegada ofensa ao art. 535 do CPC.

2. No mais, a decisão proferida pela Corte a quo está em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça de que, para a aplicação da pena de perdimento devem ser levados em consideração a existência de prova da responsabilidade do proprietário na prática do ilícito fiscal, também a razoabilidade e proporcionalidade entre o valor da mercadoria apreendida e o do veículo.

3. Infirmar as conclusões do acórdão implicaria o reexame de fatos e provas, o que é defeso nesta seara recursal, ante o óbice da Súmula 7/STJ.

4. Agravo Regimental da EXPRESSO KAIOWA LTDA desprovido.

(AgRg no REsp n. 1.181.297/PR, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 2/8/2016, DJe de 15/8/2016.)

PROCESSUAL CIVIL. PENA DE PERDIMENTO. VEÍCULO TRANSPORTADOR. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

1. Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado por Gaplan Administradora de Consórcio Ltda., ora recorrida, contra o Delegado da Receita Federal do Brasil em Presidente Prudente - São Paulo, objetivando a concessão da ordem para que a autoridade impetrada lhe restitua veículos apreendidos e sobre o quais incidem decisão determinando o perdimento.

2. Afirma a impetrante que os veículos foram apreendidos por estarem trafegando com mercadorias introduzidas irregularmente no país. Argumenta que é a proprietária dos veículos, que não concorreu para a prática do delito e que é terceira de boa-fé.

3. O Juiz de 1º Grau concedeu a segurança e determinou que a autoridade impetrada devolva os veículos.

4. O Tribunal a quo negou provimento à Apelação do ora recorrente e assim consignou na sua decisão: "Deveras, quanto ao ponto especifico da insurgência, observo que inexistente a comprovação de envolvimento do proprietário do bem na pratica de infração passível de imposição de pena de perdimento, esta não há que ser aplicada." (fl. 262, grifo acrescentado).

5. A jurisprudência do STJ está assentada na impossibilidade de aplicação da pena de perdimento do veículo transportador quando não comprovada a responsabilidade e a má-fé do proprietário do veículo. Nesse sentido: REsp 1.243.170/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18/4/2013; AgRg no REsp 1331644/PA, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 25/10/2012, e REsp 1637846/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 19/12/2016.

6. Esclareça-se que, embora cabível a aplicação da pena de perdimento de veículo objeto de alienação fiduciária utilizado para o ingresso irregular de mercadorias no território nacional, é necessário, também, que seja comprovada a má-fé do proprietário fiduciário do veículo.

7. In casu, o Tribunal a quo afirmou que "não houve a comprovação efetiva da participação do proprietário do veículo nos alegados ilícitos praticados, nem de sua má-fé ou sequer da ciência de que o veículo alienado fiduciariamente estava sendo usado para fins ilícitos." (fl. 256, grifo acrescentado).

8. Portanto, não é possível a aplicação da pena de perdimento dos veículos.

9. No mais, modificar as razões que levaram o Tribunal de origem a concluir pela não aplicabilidade da sanção de perdimento ao caso sob exame, seria necessário revolver o contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.

10. Recurso Especial não provido.

(REsp n. 1.646.654/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9/3/2017, DJe de 19/4/2017.)

Ainda: AgInt no AREsp n. 863.425/SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 27/5/2019, DJe de 30/5/2019; REsp n. 1.637.846/SP, rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/12/2016, DJe de 19/12/2016; DJe de 15/08/2016; AgRg no AREsp n. 614.891/RS, rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 23/2/2016, DJe de 9/3/2016 e AgRg no AREsp n. 723.739/RS, rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 6/10/2015, DJe de 16/11/2015.

Na hipótese que se apresenta, a ação foi ajuizada objetivando a anulação do auto de infração que aparelha o processo administrativo n. 10108.000456/2008-91, que aplicou a pena de perdimento sobre veículo caminhão, marca Mercedez Bens, modelo L 1113, placa BKV 3502, apreendido quando recebia, fora das dependências de unidade alfandegada, carregamento de mercadorias nacionais destinadas ao exterior, conforme previsto no artigo 104, II, do Decreto-lei n. 37/1966.

Consta do auto de infração anexado aos autos (ID 103004266 - Págs. 32/33):

“No dia 18/02/2008, por volta das 14:00 horas, no local conhecido como "atrás do poliesportivo", localizado entre a estação rodoviária e a estação ferroviária da cidade de Corumbá/MS, em ação coordenada pela Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho da 1ª Região Fiscal da Secretaria da Receita Federal do Brasil, uma equipe do Núcleo Operacional de Repressão ao Contrabando e Descaminho de Campo Grande/MS flagrou um transbordo (operação de transferência de carga entre três veículos), objetos da presente ação fiscalizadora.

O veículo que trazia as mercadorias de Mairinque/SP era a carreta Scania bi-trem de placas BXJ 9510, DAO 7373 e DAO 7374. As mercadorias transportadas, não obstante comporem diversos itens, são suplemento de alimentação animal.

Os veículos que receberam a carga acima em decorrência do transbordo foram os seguintes: caminhão Mercedez Benz L 1113 de placas BKV 3502 e caminhão Mercedez Benz L 2013 de placas HRJ 1608.

O transbordo acima referido foi registrado através das fotografias que instruem este Auto de Infração.

Os suplementos da alimentação animal transportados e que eram objetos do transbordo irregular, estavam acobertados por notas fiscais de exportação direta (código CFOP 7101 e 7102) emitidas pela empresa TORTUGA COMPANHIA ZOOTÉCNICA AGRÁRIA e destinava-se a empresa MAIN GENETICS na cidade de Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, como indica o MIC/DTA retido no local, juntamente com as já mencionadas notas fincam de números: 0208040 e 0208041, bem como o número da Declaração de Exportação nelas manuscrita (SD) 208018836011 tratando-se, portanto, de mercadoria destinada a exportação direta cujo transbordo deveria ser realizado no recinto alfandegado especialmente preparado para a movimentação de tais cargas, onde existem os controles necessários e a presença da Receita Federal, que no casa em tela, na cidade de Corumbá. é o porto soco existente (AGESA).

(...)

O motorista Manoel Paulo Reis Peteira da Silva (caminhão de placas BDV 3502) relatou que cm boliviano lhe telefonou pedindo para fazer um transbordo atrás do poliesportivo próximo à rodoviária em razão do que foi para lá e iniciou o transbordo do suplemento mineral que estava sendo transportada por uma carreta bi-trem tendo informado ainda que outro caminhão também recebia a carga (dirigido por Franciney), e que aproximadamente meia hora após o início do transbordo chegou a equipe da Receita Federal.

(...)

Nas declarações prestadas por Recato Esquer que relata ser autônomo e proprietário do caminhão de placas BKV 3502 consta que foi contratado pelos bolivianos donos da carga para fazer o transbordo do suplemento mineral tendo sido informado pelo sr Mauro que a documentação estava regular e portanto o transbordo poderia ser feito, tendo em seguida ido ao local atrás do poliesportivo onde por volta das 14:00 horas teve início o transbordo que foi feito de uma carreta, que veio do estado de SP, para seu caminhão e para outro caminhão (do sr Ney) pois a carreta era bi-trem, o após aproximadamente uma hora do início do transbordo chegou a equipe da Receito Federal.

Os relatos acima transcritos demonstram à exaustão a ocorrência do transbordo, cuja irregularidade decorre, conforme exposto nos dispositivos abaixo transcritos, da localidade onde o referido evento ocorria (local não habilitado pelo RFB).

E o local próximo à estação rodoviária utilizado para a realização de tal transbordo não possui habilitação para a movimentação de cargas nem qualquer espécie de autorização da Secretaria da Receita Federal do Brasil para a movimentação de cargas destinadas à exportação.”

Assim, demonstrada a participação do autor no cometimento da infração, de rigor a aplicação da pena de perdimento sobre o veículo utilizado transbordo da mercadoria nacional destinada ao exterior, fora das dependências de recinto alfandegado, na forma do artigo 104, II, do Decreto-lei n. 37/1966.

Frise-se que a parte autora não juntou aos autos nenhum documento indicativo da regularidade da contratação do frete (conhecimento de transporte, romaneio, nota fiscal das mercadorias, habilitação para efetuar transporte de carga internacional, etc), conforme exige a legislação de regência, inclusive para demonstrar o destino que seria dado à carga, a afastar, por conseguinte, a presunção de boa-fé.

De se observar, ainda, que não se pode admitir a simples alegação de desconhecimento da lei para se eximir do seu cumprimento. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL 5006662-79.2019.4.03.6119, 4ª Turma, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 27/11/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 01/12/2020.

Demais disso, não há desproporcionalidade entre o valor das mercadorias transportadas irregularmente, avaliadas em R$ 19.719,00, e o do veículo apreendido, o qual foi avaliado em R$ 26.203,50 (ID 103004266 - Pág. 35).

Em situações análoga à que ora se apresenta, assim decidiu esta E. Corte Regional:

DIREITO ADUANEIRO. MANDO DE SEGURANÇA. PERDIMENTO. TRANSBORDO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO ADUANEIRA PARA O PROCEDIMENTO. CABIMENTO.

1. Discute-se o direito à anulação da autuação promovida pelos fiscais da Receita Federal, consistente na apreensão do veículo, no qual estavam sendo transportadas mercadorias de propriedade da impetrante, em virtude de transbordo não autorizado, obstando, conseqüentemente, a decisão administrativa que decretou a pena de perdimento daquele bem.

2. Pelo que consta de todo o processado, por iniciativa da impetrante, em virtude de problemas seus, interna corporis, promoveu o transbordo de peças de um navio para o outro, por volta das 22hs:30min., do dia 11 de maio de 1984, sem qualquer ato administrativo que lhe amparasse, operação que destoa das regras aduaneiras ditadas para a hipótese e que só foi detectada pela efetiva e diligente atuação das autoridades aduaneiras locais.

3. Os documentos exigidos pela fiscalização por ocasião da visita aduaneira, consistentes no conhecimento de embarque e manifesto de carga, devem acompanhar todas as cargas comercializadas internacionalmente, independentemente de haver o não o seu desembarque no Porto em que ancora o navio. A transferência, por sua vez, de bens de um local para o outro, como in casu, de um navio para o outro, dependendo da situação, pode ser considerada como trânsito aduaneiro, necessitando de autorização para tal procedimento. Conforme esclarecido, a transferência de peças sobressalentes de um veículo para o outro, da mesma modalidade de transporte, é considerado transbordo, a ser feito por procedimento simplificado.

4. O ato da autoridade não se mostrou arbitrário ou abusivo, considerando que a mercadoria, desacompanhada dos documentos mencionados, induz à conclusão de transporte ou transferência clandestina perante o Porto de atracação. Na hipótese, conforme esclarecido pela autoridade, a relação dos equipamentos transportados não conferiam com o rol daqueles apresentados por ocasião da visita aduaneira.

5. Pueril a alegação de o transporte ter sido feito sem autorização e naquele horário (22h:30min), ante a ausência de expediente para recepcioná-lo, haja vista que a autuação e apreensão só foi possível, em razão do expediente noturno de fiscalização aduaneira. Fato que deveria ser do conhecimento da impetrante, pois atua nesse ramo, sendo inequívoca a irregularidade da sua conduta.

6. A legislação Aduaneira adotou no seu contexto vários tipos de sanções, destinadas não só ao controle administrativo como também ao controle fiscal, dentre eles o de perdimento de bens, introduzida no ordenamento aduaneiro pelo Decreto-Lei n° 1.455/76.

7. Essa sanção, privando bens de particulares,  destina-se a coibir práticas lesivas nas atividades de comércio exterior, não havendo distinção entre a prática com intuito doloso ou de inobservância das regras de controle aduaneiro. São medidas que, embora tenham caráter administrativo, têm uma função social de importância no controle das importações, evitando e reprimindo atos como os de contrabando e descaminho.

8. A jurisprudência já se posicionou pela constitucionalidade do Decreto-Lei n° 1.455/76, que prevê o perdimento de bens importados com infração às normas aduaneiras, em face do disposto no artigo 5°, inciso LVI, da Magna Carta.

9. Apelação improvida.

(TRF 3ª Região, TURMA SUPLEMENTAR DA SEGUNDA SEÇÃO, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 651 - 89.03.002182-7, Rel. JUÍZA CONVOCADA ELIANA MARCELO, julgado em 14/06/2007, DJU DATA:29/06/2007 PÁGINA: 675)

Desta feita, não merece reforma a r. sentença.

Dispositivo

Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.

É o voto.


DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Apelação interposta por Don Santos Transportes Ltda. contra sentença que julgou improcedente o pedido de liberação do veículo marca Mercedes Benz, modelo L1113, placas BKV 3502, bem como fixou os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da causa, na forma do artigo 20 d Código de Processo Civil de 1973 (Id 103004266, p. 90/96).

 

A relator negou provimento ao recurso. Divirjo, todavia, e passo a expor as razões do voto.

 

Dispõe o artigo 104, inciso II, do Decreto-Lei n.º 37/1966, verbis:

 

Art. 104 - Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos:

(...)

II - quando o veículo transportador efetuar operação de descarga de mercadoria estrangeira ou a carga de mercadoria nacional ou nacionalizada fora do porto, aeroporto ou outro local para isso habilitado;

 

O perdimento de bens é a punição mais severa prevista no âmbito do direito aduaneiro e implica perda de bens em processos administrativos de instância única a cargo da própria autoridade que supostamente constatou a infração. Conforme explica Rony Ferreira (in Importação e Exportação no Direito Brasileiro, Coordenador Vladimir Passos de Freitas, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 168): a decretação de perdimento de mercadorias e veículos em matéria aduaneira só pode ocorrer em razão de dano ao erário, e verifica-se que tal sanção tem natureza jurídica mista. Quer dizer, ao mesmo tempo em que é sanção para o autor do ato ilícito, cumpre também a função de ressarcir o Estado pelo dano ao erário oriundo do mesmo ato ilícito.

 

A aplicação da pena de perdimento, como forma de reparação ao erário, somente pode ocorrer quando for comprovado o envolvimento do proprietário do bem na prática da infração. Na lição de Solon Sehn (in Curso de Direito Aduaneiro. 1ª Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 423/424): três são os requisitos cumulativos para a aplicação da pena de perdimento do veículo: (i) os bens transportados devem estar sujeitos à pena de perdimento; (ii) devem pertencer ao proprietário do veículo transportador; e (iii) o proprietário do veículo deve ser responsável na prática do ilícito. Nesse sentido é o entendimento firmado na Súmula nº 138 do TFR e pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: REsp n. 1.371.211/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 02.10.2014, AgRg nos EDcl no REsp 1356544/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 04.04.2013, e AgRg no Ag 1149971/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em 01.12.2009.

 

No caso, o documento (Id 103004266, p. 15) demonstra que a empresa Don Santos Transportes Ltda. é a proprietária do caminhão marca Mercedes Benz, modelo L1113, placas BKV 3502. Afirma a recorrente que foi contratada para prestação de serviço de transbordo e que a sua não realização em local não habilitado é prática comum na cidade, inclusive com conhecimento da autoridade aduaneira. Não obstante sustente a boa-fé ao argumento de que o transbordo fora do recinto alfandegado é prática costumeira, não cabe ao autor alegar o desconhecimento da lei como escusa à prática da infração.

 

Por outro lado, a desproporcionalidade entre o valor dos veículos e das mercadorias descaminhadas é fundamento independente da responsabilidade. Visa a evitar a sanção confiscatória. In casu, os veículos apreendidos foram avaliados pela Receita Federal do Brasil em R$ 26.203,50 e a mercadoria objeto do transbordo estimada em R$ 19.719 (Id 292744026, p. 35), de modo que não é aplicável a pena de perdimento do veículo quando houver desproporção entre o seu valor e o dos bens transportados. Nesse sentido:

 

TRIBUTÁRIO. PERDIMENTO DE VEÍCULO. TRANSBORDO IRREGULAR DE CARGA. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO NÃO COMPROVADA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. APLICABILIDADE.

1. A autoridade alfandegária autuou o recorrido pela conduta prevista no art. 25 do Regulamento Aduaneiro – Decreto nº 4.543/02 e aplicou a pena de perdimento prevista no art. 104, II do Decreto-Lei nº 37/66.

2. A legislação veda que o condutor de veículo destinado ao exterior realize operação de transbordo da mercadoria transportada fora de local habilitado e impõe pena de perdimento ao veículo que efetuar operação de carga de mercadoria nacional em tais situações.

3. No caso dos autos, resta incontroverso que, de acordo com a fiscalização aduaneira, as mercadorias da empresa Tortuga Companhia Zootécnica Agrária, destinadas à exportação, foram descarregadas em recinto não alfandegado e sem autorização, infringindo o Regulamento Aduaneiro.

4. A pena de perdimento é aplicada quando, cumulativamente, o veículo estiver conduzindo mercadoria sujeita a perdimento e as mercadorias pertençam ao responsável pela infração, ou seja, não se trata de responsabilidade objetiva, já que se atribui a responsabilidade apenas aos autores da infração.

5. Das provas carreadas aos autos, não há como afirmar que o proprietário do veículo apreendido tinha conhecimento do ilícito fiscal, o motorista da Scânia bi-trem, placas BXJ 9510, DAO 7373 e DAO 7374, foi orientado por terceiro representante da transportadora boliviana Chaco Sur a aguardar o transbordo da mercadoria naquele local não habilitado.

 6. Conforme a avaliação prevista no Auto de Infração e Apreensão (fls. 41/44 – ID 92611127), foram apreendidas mercadorias valoradas aproximadamente em R$ 40.000,00, enquanto os valores da Scânia bi-trem (cavalo e carreta) está próximo dos R$ 205.000,00, restando configurada a desproporcionalidade entre os referidos valores a justificar a não decretação da pena de perdimento do veículo .

7. Apelo desprovido.

(TRF 3ª Região, Quarta Turma, REO/AC 0000249-73.2011.4.03.6004, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, j. 15.03.2021, destaquei).

 

Por fim, devido à reforma da sentença, é de rigor a reversão da sucumbência, para condenar a União ao pagamento dos honorários advocatícios. Assim, considerados o trabalho realizado, o valor dado à ação (R$ 26.203,50), a natureza da causa, bem como bem como a regra do tempus regit actum, aplicável ao caso concreto  e o disposto no artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, fixo verba honorária em R$ 1.000,00, pois propicia remuneração adequada e justa ao profissional, bem como superior a 1% (um por cento do valor da causa), consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp n. 1.804.691/PA, Primeira Turma, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, j. 10.06.2024 e AgInt no REsp n. 1.688.775/MT, Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 20.05.2024).

 

Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença, julgar procedente o pedido de restituição do veículo marca Mercedes Benz, modelo L1113, placas BKV 3502. Honorários advocatícios como explicitado.

 

É como voto.

 

André Nabarrete

Desembargador Federal

 

[ialima]

 


Autos: APELAÇÃO CÍVEL - 0001305-49.2008.4.03.6004
Requerente: DON SANTOS TRANSPORTES LTDA
Requerido: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

Ementa: TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ADUANEIRO. TRANSPORTE DE MERCADORIA DESTINADA AO EXTERIOR. VEÍCULO. TRANSBORDO REALIZADO FORA DO RECINTO ALFANDEGADO. PERDIMENTO. POSSIBILIDADE. DESPROPORCIONALIDADE NÃO VERIFICADA.

I. Questão em discussão

1 – Cinge-se a controvérsia à possibilidade de aplicação da pena de perdimento prevista no artigo 104, II, do Decreto-lei n. 37/1966, em relação a veículo apreendido enquanto efetuava o transbordo de mercadorias destinadas ao exterior, fora de recinto alfandegado, inclusive à luz do princípio da proporcionalidade.

II. Razões de decidir

2 - A pena de perdimento está prevista na legislação aduaneira como mecanismo de controle das atividades de comércio exterior e de repressão às infrações de dano ao erário, dentre as quais dentre as quais a importação irregular de mercadorias sem o pagamento dos tributos devidos ou a observância dos procedimentos alfandegários estabelecidos na legislação.

3 - O artigo 104, II, do Decreto-lei n. 37/1966 e os artigos 25, I, e 617, II e § 1º, do Decreto n. 4.543/2002, disciplinam a pena de perdimento do veículo atrelada à hipótese carga e descarga de mercadoria fora do recinto alfandegado ou outro local para isso habilitado, em operação de comércio exterior.

4 - A jurisprudência do E. STJ é firme quanto à impossibilidade de aplicação da sanção quando não comprovada a responsabilidade e a má-fé do proprietário do veículo no cometimento da infração ou não verificada a proporcionalidade entre o valor da mercadoria apreendida e o do veículo transportador. Precedentes.

5 – Demonstrada a participação do autor no cometimento da infração, de rigor a aplicação da pena de perdimento sobre o veículo utilizado transbordo da mercadoria nacional destinada ao exterior, fora das dependências de recinto alfandegado, na forma do artigo 104, II, do Decreto-lei n. 37/1966.

6 - A parte autora não juntou aos autos nenhum documento indicativo da regularidade da contratação do frete (conhecimento de transporte, romaneio, nota fiscal das mercadorias, habilitação para efetuar transporte de carga internacional, etc), conforme exige a legislação de regência, inclusive para demonstrar o destino que seria dado à carga, a afastar, por conseguinte, a presunção de boa-fé.

7 - Não se pode admitir a simples alegação de desconhecimento da lei para se eximir do seu cumprimento.

8 - Não há desproporcionalidade entre o valor das mercadorias transportadas irregularmente, avaliadas em R$ 19.719,00, e o do veículo apreendido, o qual foi avaliado em R$ 26.203,50.

III. Dispositivo

9 - Apelação da parte autora desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Na sequência do julgamento, após o voto do Des. Fed. WILSON ZAUHY para finalização nos termos do art. 942 do CPC, foi proclamado o seguinte resultado: a Quarta Turma, por maioria, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto da Des. Fed. LEILA PAIVA (Relatora), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA e o Des. Fed. WILSON ZAUHY, vencido o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, que dava provimento à apelação para reformar a sentença, julgar procedente o pedido de restituição do veículo marca Mercedes Benz, modelo L1113, placas BKV 3502. Honorários advocatícios como explicitado no voto. Fará declaração de voto o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. O Des. Fed. MARCELO SARAIVA e o Des. Fed. WILSON ZAUHY votaram na forma do art. 260, § 1° do RITRF3., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
LEILA PAIVA
Desembargadora Federal