Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002233-60.2005.4.03.6115

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: MARISE MARGARETH SAKURAGUI, COMPANHIA HABITACIONAL REGIONAL DE RIBEIRAO PRETO

Advogado do(a) APELANTE: STANLEY JOSE MONTEIRO PEDRO - SP64439
Advogado do(a) APELANTE: GILIAN ALVES CAMINADA - SP362853-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MARISE MARGARETH SAKURAGUI, COMPANHIA HABITACIONAL REGIONAL DE RIBEIRAO PRETO, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: STANLEY JOSE MONTEIRO PEDRO - SP64439
Advogado do(a) APELADO: ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA - SP189220-A
Advogado do(a) APELADO: GILIAN ALVES CAMINADA - SP362853-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002233-60.2005.4.03.6115

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: MARISE MARGARETH SAKURAGUI, COMPANHIA HABITACIONAL REGIONAL DE RIBEIRAO PRETO

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Advogado do(a) APELANTE: GILIAN ALVES CAMINADA - SP362853-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MARISE MARGARETH SAKURAGUI, COMPANHIA HABITACIONAL REGIONAL DE RIBEIRAO PRETO, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: STANLEY JOSE MONTEIRO PEDRO - SP64439
Advogado do(a) APELADO: ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA - SP189220-A
Advogado do(a) APELADO: GILIAN ALVES CAMINADA - SP362853-A

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR: 

Trata-se de recursos de apelação interpostos por Marise Margareth Sakuragui e Companhia Habitacional Regional de Ribeirão Preto (COHAB-RP) contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, formulado em ação revisional de contrato ajuizada em face do COHAB-RP e da Caixa Econômica Federal.

A autora não foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios (arbitrados em R$ 1.000,00 – artigo 20, §§ 3º e 4º, artigo 21, parágrafo único do CPC/73) por ser beneficiária da justiça gratuita (ID 87538236, pág. 30).

Em suas razões recursais, Marise Margareth Sakuragui sustenta a ocorrência de anatocismo em razão da aplicação da metodologia de cálculo denominada método Francês de Amortização (Tabela Price). Insurge-se também contra a forma de amortização adotada no contrato (com correção da dívida e posterior amortização, agravando a capitalização de juros). Ademais, alega que o reajuste das parcelas de restituição do financiamento foi feito aleatoriamente pelo apelado, que desconsiderou o Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional. Discorre, ainda, sobre a formação de contrato casado em relação ao seguro obrigatório e defende a inconstitucionalidade do Decreto Lei nº 70/66 (ID 87538236, pág. 43/61).

Por outro lado, e em síntese, a Companhia Habitacional Regional de Ribeirão Preto aponta contradição na sentença em relação ao percentual dos encargos mensais e ao saldo devedor do CES, indicado em 5%, quando, na realidade, os percentuais aplicados: inicialmente fixado em 1,15%, foi posteriormente ajustado para 1,125% mediante retificação contratual, e, a partir de julho de 1999, passou a ser de 1,05%. Diante disso, a COHAB argumenta não haver fundamento para recálculo dos valores contratados, tampouco para restituição de supostos pagamentos a maior (ID 87538236, pág. 65/68).

Intimadas, as partes apresentaram as contrarrazões (ID 87538236, pág. 106/110, pág. 111/113 e pág. 120/121).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002233-60.2005.4.03.6115

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: MARISE MARGARETH SAKURAGUI, COMPANHIA HABITACIONAL REGIONAL DE RIBEIRAO PRETO

Advogado do(a) APELANTE: STANLEY JOSE MONTEIRO PEDRO - SP64439
Advogado do(a) APELANTE: GILIAN ALVES CAMINADA - SP362853-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MARISE MARGARETH SAKURAGUI, COMPANHIA HABITACIONAL REGIONAL DE RIBEIRAO PRETO, UNIÃO FEDERAL

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Advogado do(a) APELADO: ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA - SP189220-A
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V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR:

Trata-se de controvérsia atinente ao pedido de provimento judicial para a revisão de cláusulas de contrato mútuo habitacional, especialmente quanto ao reajuste de prestações pelo PES/CP, exclusão do coeficiente de equiparação salarial (CES), recálculo do saldo devedor, devolução em dobro, reajuste do seguro e declaração de ilegalidade da aplicação do DL 70/66 aos contratos do SFH. 

Consta dos autos que Marise Margareth Sakuragui firmou em 01 de outubro de 1997 o “Instrumento Particular de Venda e Compra, com Garantia Hipotecária, Cessão e Outras Avenças” com a Companhia Habitacional Regional de Ribeirão Preto, agente financeiro integrante do Sistema Financeiro de Habitação e atrelado à política nacional de habitação do antigo Banco Nacional de Habitação -BNH. A previsão de financiamento foi de R$ 20.530,94, prazo de amortização de 293 meses, taxa de juros nominal de 5,5% (efetiva de 5,640%) e sistema de amortização pela Tabela Price-TP (ID 87538232, pág. 56).

Foram levantadas, no bojo da ação judicial proposta em face do COHAB e da CEF, questões atinentes à: ocorrência de anatocismo em razão da Tabela Price, forma de amortização e forma de reajuste das parcelas de restituição do financiamento, contrato casado em relação ao seguro obrigatório e inconstitucionalidade do Decreto Lei nº 70/66.

A sentença de primeiro grau, considerou indevido o índice do CES aplicado na primeira prestação do financiamento, julgando a lide nos seguintes termos (ID 87538236, pág. 4/30):

 

(...) Observo que o contrato prevê que o CES a incidir na primeira prestação do financiamento seria de 5% (fis. 44), no entanto, a ré aplicou índice correspondente a 15% (item III de manifestação da perita judicial - fis. 473).

Ora, o percentual aplicado pela ré COHAB sequer encontra amparo em ato normativo vigente ao tempo da celebração do contrato (artigo 1°, da Circular BACEN 2.540/95 dc artigo 2°, da Resolução BACEN 2.019/93), de forma que deve prevalecer o Coeficiente de Equiparação Salarial previsto contratualmente, sob pena de violação dos princípios da boa fé objetiva e da força obrigatória dos contratos.

(...)

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo a fase de conhecimento com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso 1, do CPC, para fins de condenar a ré COHAB a proceder a novo cálculo dos encargos mensais e do saldo devedor do financiamento, fazendo incidir na primeira prestação o Coeficiente de Equiparação Salarial - CES correspondente a 5% (cinco por cento). Apurados valores pagos a maior, deverão ser corrigidos monetariamente e empregados na amortização do financiamento até que não haja prestações vencidas e vincendas em aberto, quando o valor remanescente deve ser restituído à autora.

 

1. Recurso da parte autora

1.1  Da capitalização de juros 

Grande controvérsia envolve a interpretação e a aplicação das regras que disciplinam o anatocismo no Brasil. Não raro, defende-se que a legislação pátria proibiria a utilização de juros compostos, juros efetivos ou qualquer mecanismo que envolvesse "capitalização de juros". 

Neste diapasão, estaria configurado o paroxismo de proibir conceitos abstratos de matemática financeira, prestigiando somente a aplicação de juros simples ou nominais, sem necessariamente lograr atingir uma diminuição efetiva dos montantes de juros remuneratórios devidos, já que a maior ou menor dimensão paga a este título guarda relação muito mais estreita com o patamar dos juros contratados que com a frequência com que são "capitalizados". 

Em tempos modernos, a legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática financeira ou a qualquer situação pré-contratual, os quais pressupõem um regular desenvolvimento da relação contratual. 

Como conceito jurídico, as restrições à "capitalização de juros" ou "juros sobre juros" disciplinam as hipóteses em que, já vigente o contrato, diante do inadimplemento, há um montante de juros devidos, vencidos e não pagos que pode ou não ser incorporado ao capital para que incidam novos juros sobre ele. 

Em outras palavras, na data em que vencem os juros, pode haver pagamento e não ocorrerá "capitalização", em sentido jurídico estrito. Na ausência de pagamento, porém, pode haver o cômputo dos juros vencidos e não pagos em separado, ou a sua incorporação ao capital/saldo devedor para que incidam novos juros. Apenas nesta última hipótese se pode falar em "capitalização de juros" ou anatocismo para efeitos legais. 

A ilustrar a exegese, basta analisar o texto do artigo 4º do Decreto 22.626/33, conhecido como "Lei de Usura": 

Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. 

Se a redação da primeira parte do dispositivo não é das mais cuidadosas, a segunda parte é suficiente para delimitar o alcance do conceito e afastar teses das mais variadas em relação à proibição do anatocismo. 

Feitas tais considerações, é de se ressaltar que não há no ordenamento jurídico brasileiro proibição absoluta para a "capitalização de juros" (vencidos e não pagos). As normas que disciplinam a matéria, quando muito, restringiram a possibilidade de capitalização de tais juros em prazo inferior a um ano. 

Desde o artigo 253 do Código Comercial já se permitia a capitalização anual, proibindo-se a capitalização em prazo inferior, restrição que deixou de existir no texto do artigo 1.262 do Código Civil de 1916. O citado artigo 4º do Decreto 22.626/33, conhecido como "Lei de Usura", retoma o critério da capitalização anual. 

A mens legis do art. 4º do Decreto 22.626/33, ao restringir a capitalização nesses termos, é evitar que a dívida aumente em proporções não antevistas pelo devedor em dificuldades ao longo da relação contratual. O dispositivo não guarda qualquer relação com o processo de formação da taxa de juros, como a interpretação meramente literal e isolada de sua primeira parte poderia levar a crer. Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Segunda Seção, EREsp. 917.570/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 4.8.2008 e REsp. 1.095.852-PR, DJe 19.3.2012). 

Desse modo, tem-se o pano de fundo para se interpretar a Súmula 121 do STF: 

É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.(Súmula 121 do STF) 

A súmula veda a capitalização de juros mesmo quando convencionada. Veda a capitalização de juros (vencidos e não pagos), mesmo quando convencionada (em período inferior ao permitido por lei). 

A Súmula 596 do STF, abordando especificamente o caso das instituições financeiras, por sua vez, prevê: 

As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.(Súmula 596 do STF) 

A jurisprudência diverge quanto ao alcance da Súmula 596 do STF no que diz respeito ao anatocismo. De toda sorte, a balizar o quadro normativo exposto, o STJ editou a Súmula 93, segundo a qual a legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros. 

Em outras palavras, nessas hipóteses admite-se a capitalização de juros vencidos e não pagos em frequência inferior à anual, nos termos da legislação específica. As normas legais que disciplinam cada tipo de financiamento passaram a ser um critério seguro para regular o anatocismo. 

Há que se considerar, ainda, que desde a MP 1.963-17/00, com o seu artigo 5º reeditado pela MP 2.170-36/01, já existia autorização ainda mais ampla para todas as instituições do Sistema Financeiro Nacional. A consequência do texto da medida provisória foi permitir, como regra geral para o sistema bancário, não apenas o regime matemático de juros compostos, mas o anatocismo propriamente dito. 

O Supremo Tribunal Federal entendeu que não há inconstitucionalidade na MP 2.170-36/01 em razão de seus pressupostos: 

CONSTITUCIONAL. ART. 5º DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO. 
1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência. 
2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país. 
3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados. 
4. Recurso extraordinário provido. 
(STF, RE 592377 / RS - RIO GRANDE DO SUL, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, 04/02/2015) 

Ressalte-se que a legislação do SFN é especial em relação à Lei de Usura e às normas do Código Civil. 

A reforçar todo o entendimento anteriormente exposto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 539, nos seguintes termos: 

É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. (Súmula 539 do STJ) 

Em suma, não ocorre anatocismo em contratos de mútuo pela simples adoção de sistema de amortização que se utilize de juros compostos. Tampouco se vislumbra o anatocismo pela utilização de taxa de juros efetiva com capitalização mensal derivada de taxa de juros nominal com capitalização anual, ainda quando aquela seja ligeiramente superior a esta. Por fim, a capitalização de juros devidos, vencidos e não pagos é permitida nos termos autorizados pela legislação e nos termos pactuados entre as partes. 

O juízo de origem reconheceu a inexistência de amortização negativa que pudesse caracterizar a capitalização indevida de juros no contrato firmado entre as partes, conforme demonstrado no laudo pericial judicial. Dessa forma, restam desconstituídas as alegações da apelante quanto à alegada prática de anatocismo.

1.2 Do Sistema Price 

O contrato de mútuo é um dos cernes da atividade empresarial praticada pelas instituições financeiras pela qual ofertam quantia em dinheiro em troca de remuneração por juros. Ao efetivar pagamentos parcelados, o mutuário tem de realizar o reembolso do capital que inicialmente lhe foi disponibilizado, além de remunerar o mutuante por meio de juros incidentes em função do tempo necessário para que a dívida seja extinta. 

Três são os sistemas de amortização utilizados com mais frequência pelas instituições financeiras para operacionalizar a atividade: SAC, Sacre e Price. 

Ainda que se entenda que o cálculo dos juros pela Tabela Price implica em capitalização, tratando-se de contrato bancário firmado posteriormente à vigência da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30/03/2000 (em vigor a partir da publicação no DOU de 31/03/2000), por diversas vezes reeditada, a última sob nº 2.170-36, de 23/08/2001, ainda em vigor por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, é lícita a capitalização dos juros, nos termos do artigo 5º. 

Como se vê, a sua utilização não implica, de per si, qualquer irregularidade, sendo ônus da apelante demonstrar a ocorrência de outros fatores que, aliados a este sistema de amortização, supostamente provocaram desequilíbrio contratual. É de se ressaltar que mesmo nos contratos que se desenvolvem com uma grande disparidade entre os índices de correção monetária e os reajustes salariais do mutuário, em regra, há a previsão de cobertura pelo fundo de compensação de variações salariais que garantem o equilíbrio econômico-financeiro da relação obrigacional. 

O mero inadimplemento, reforçado por uma interpretação meramente literal e assistemática da Lei de Usura que questiona a própria lógica dos sistemas de amortização, não é favorável aos direitos do consumidor, ao princípio da transparência e à segurança jurídica, nem é suficiente para obter a revisão de contrato realizado dentro dos parâmetros legais. 

Segue jurisprudência desta Turma a respeito: 

DIREITO PROCESSUAL CIVI. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA. PROVA ESCRITA SUFICIENTE DA DÍVIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.  PROVA PERICIAL DESNECESSÁRIA. APLICABILIDADE DO CDC. NÃO AFASTAMENTO DO ÔNUS PROBATÓRIO DA CONTRATANTE. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ALEGAÇÃO GENÉRICA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. POSSIBILIDADE. JUSTIÇA GRATUITA. DEFERIMENTO PESSOA FÍSICA. HONORÁRIOS RECURSAIS.  

(...) 

- Quanto à aplicação da Tabela Price, anoto que a aplicação do referido sistema de amortização encontra-se expressamente prevista no contrato firmado entre as partes, assim, não há qualquer ilegalidade em sua aplicação. Sua utilização como técnica de amortização não implica capitalização de juros (anatocismo), recaindo sobre o saldo devedor, não tendo sido demonstrada abusividade na sua utilização. A Tabela Price pressupõe, tão somente, o pagamento do valor financiado/emprestado em prestações periódicas, iguais e sucessivas, constituídas por duas parcelas: amortização e juros, a serem deduzidas mensalmente, por ocasião do pagamento. 

(...) 

- Preliminares rejeitadas. Apelação parcialmente provida. 

(ApCiv nº 0025663-03.2016.4.03.6100 – Relator: Desembargador Federal ANTONIO MORIMOTO JUNIOR. 1º Turma. TRF3. Data do julgamento: 26/06/2024) 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA INDEVIDA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL. SUSPENSÃO DE PAGAMENTO DE PARCELAS VINCENDAS. DISCUSSÃO SOBRE JUROS. MÉTODO DE CÁLCULO PELA TABELA PRICE. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DO DIREITO. RECURSO IMPROVIDO. 

(...) 

3. Note-se que o contrato prevê a utilização do Sistema Francês de Amortização, Tabela Price, para o cálculo das prestações do financiamento, sendo que a amortização da dívida ocorre através do pagamento de parcelas em valores iguais, de forma crescente, já que as primeiras prestações priorizam o pagamento dos juros, ocorrendo de forma mais lenta a redução do saldo devedor. Referido sistema de amortização não é ilegal e não enseja, por si só, a incidência de juros sobre juros, conforme entendimento pacífico do STJ. Portanto, não há que se falar em anatocismo, vedado por lei. Precedentes. 

(...) 

6. Agravo de instrumento improvido. 

(AI nº 5011484-96.2023.4.03.0000 – Relator: Desembargador Federal HERBERT CORNELIO PIETER DE BRUYN JUNIOR. 1º Turma. TRF3. Data do julgamento: 03/05/2024) 

Assim, se verifica que não existe vedação legal à utilização da Tabela Price (SFA), do SAC ou do Sacre, pois esses sistemas de amortização não provocam desequilíbrio econômico-financeiro no contrato, enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade, visto que cada um deles possui uma configuração própria de vantagens e desvantagens.  

1.3 Da forma de amortização prevista contratualmente 

Alega o apelante ser indevida a forma de amortização utilizada no contrato em análise com a correção da divida antes da amortização, gerando também a capitalização de juros. Justifica sua tese ao argumento de que a conduta que deveria ter sido utilizada seria oposta, ou seja, primeiro se amortiza parte da divida para somente depois corrigir o saldo devedor. 

A alegação, no entanto, não deve prosperar.

Sobre a irregularidade apontada a perícia judicial assim esclareceu (ID 87538235, pág. 5) :

(...) Atualização do saldo devedor deve ser feita até a data em que for realizada a eventual amortização para que se equipare a expressão monetária dos dois valores (saldo devedor e parcela de amortização), pela simples razão de que a atualização monetária se refere à período anterior à amortização. Se amortizar a prestação paga em saldo devedor cuja expressão monetária encontra-se posicionado lá atrás, antes da atualização monetária, faria com que se desse a ela (parcela de amortização) uma expressão monetária maior do que aquela que ela realmente tem, equiparando-se valores em datas diversas, o saldo devedor lá atrás e a amortização à frente.

Outrossim, não há nada a objetar da sentença que, sobre este ponto, assim considerou:

(...) Quanto à forma de reajustamento do saldo devedor, não segue os preceitos do artigo 6°, alínea c, da Lei 4.380/64, pois foi tacitamente revogado pelo artigo 1°, do Decreto-lei 19/66:

Art. 1° Em todas as operações do Sistema Financeiro da Habitação deverá ser adotada cláusula de correção monetária, de acordo com os índices de correção monetária fixados pelo Conselho Nacional de Economia, para correção do valor das obrigações reajustáveis do Tesouro Nacional, e cuja aplicação obedecerá a instruções do Banco Nacional de Habitação.

Conforme exposto, extinto o Banco Nacional da Habitação, a competência normativa relativa ao funcionamento do Sistema Financeiro da Habitação passou a ser exercida pelo Conselho Monetário Nacional. O Banco Central do Brasil recebeu competência para expedir instruções necessárias à aplicação das normas do SFH (artigo 9°, da Lei 4.595/64, artigo 24, da Lei 8.004/90, e artigo 4°, da Lei 8.100/90, artigo 22, da Lei 8.692/ 93).

A resolução BACEN no 1980/93 tornou público regulamento aprovado pelo Conselho Monetário Nacional, o qual dispõe:

Artigo 20. A amortização decorrente do pagamento de prestações deve ser subtraída do saldo devedor do financiamento depois de sua atualização monetária, ainda que os dois eventos ocorram na mesma data.

Vê-se, pois, que não há qualquer invalidade na forma de amortização prevista contratualmente, eis que foram obedecidos os preceitos normativos vigentes ao tempo da celebração do contrato e não foram violadas quaisquer normas de ordem pública

 

1.4 Do Plano de Equivalência Salarial

O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) foi instituído pelo Governo Federal por meio da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, com o propósito de fomentar e facilitar o acesso à moradia própria e promover políticas habitacionais que atendam às necessidades da população. Nesse esteio, destaca-se o Plano de Equivalência Salarial (PES), amplamente adotado em contratos de financiamento habitacional no país, cujo principal objetivo é garantir que as prestações do financiamento mantenham correspondência com as variações da renda do mutuário, assegurando, assim, o equilíbrio financeiro.

Em breve síntese, o PES funciona como uma forma de atrelamento entre as prestações do financiamento e o salário do devedor. Em vez de serem corrigidas exclusivamente por índices gerais de preços, as prestações são reajustadas com base na evolução salarial do mutuário. Isso permite que as parcelas mantenham um nível de proporcionalidade em relação à capacidade de pagamento do financiado ao longo do tempo.

Dentro desse contexto, foi editada a Resolução nº 36/1969, do Conselho de Administração do BNH,  a quem competia o exercício das atribuições normativas relativas ao SFH, criando o Coeficiente de Equiparação Salarial - CES, cuja ideia era cobrir as diferenças que poderiam advir da adoção de diferentes critérios para correção das prestações e do saldo devedor. Além disso, ao embutir o CES, que continha previsão de inflação futura, objetivou-se que o valor da prestação fosse suficiente ao pagamento integral do mútuo ou para deixar resíduo cujo valor fosse compatível com as disponibilidades do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS.

Cumpre mencionar, por oportuno, que a cobrança do CES foi  efetivamente introduzida na legislação do SFH com a edição da Lei nº 8.962/1993, que prevê, no art. 8º, a incidência do coeficiente nos contratos regidos com cláusula relativa ao PES.

Assim, se o contrato foi celebrado em período anterior ao da vigência desse diploma legal, é imprescindível a existência de cláusula contratual que justifique a cobrança, oferecendo às partes os elementos necessários para delimitar seus direitos e obrigações. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência do C. Tribunal Superior no sentido de que a cobrança do CES, em contratos anteriores à edição da lei nº 8.962/1993, só é válida quando existir expressa previsão contratual.

Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. COEFICIENTE DE EQUIPARAÇÃO SALARIAL. VALOR INICIAL DAS PRESTAÇÕES. SFH. PREVISÃO CONTRATUAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ. PROVIMENTO NEGADO.

1. Inexiste a alegada violação ao art. 535 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 porque a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, é o que se depreende da análise do acórdão recorrido. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o julgado de erro material, omissão, contradição ou obscuridade. Julgamento diverso do pretendido, como neste caso, não implica ofensa ao dispositivo de lei invocado.

2. Está em harmonia com a orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a conclusão veiculada no acórdão prolatado pelo Tribunal de origem sobre ser legal a aplicação do coeficiente de equiparação salarial (CES) para fixar o valor inicial das prestações de financiamentos habitacionais vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), desde que haja previsão contratual para tal.

3. Para este Tribunal, a ausência de enfrentamento pelo Tribunal de origem da matéria impugnada, objeto do recurso, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o acesso à instância especial porque não foi preenchido o requisito constitucional do prequestionamento. Aplicação da Súmula 211/STJ.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp n. 1.453.831/CE, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 18/11/2024, DJe de 22/11/2024.)

Alega o apelante que a sentença merece reforma de modo que se reconheça que o PES deve ser o único critério de reajuste a ser utilizado no contrato. No entanto, compulsando os autos, verifico que o contrato foi firmado em 01 de outubro de 1997, portanto, depois da entrada em vigor da Lei nº 8.692/93, assim, incabível o afastamento do Coeficiente de Equiparação Salarial no caso em análise.

1.5 Da alegação de venda casada de seguro em contratos de financiamento imobiliário

As operações de financiamento imobiliário possuem como condição essencial a contratação, pelos tomadores de financiamento, de seguro contra os riscos de morte e invalidez permanente, nos termos do art. 5º, inciso IV da Lei nº 9.514/97. 

Portanto, a venda conjunta de seguro contra os riscos de morte e invalidez permanente é necessária à contratação, não havendo que se falar em venda casada que consiste, por sua vez, em atrelar o fornecimento de um produto ou serviço a outro, que poderia ser vendido separadamente (o que não é o caso), de forma a compelir o consumidor a aceitá-los em razão de sua necessidade ou vulnerabilidade. 

Transcrevo jurisprudência desta Turma a respeito: 

DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS BANCÁRIOS. REVISÃO. APLICABILIDADE DO CDC. NÃO AFASTAMENTO DO ÔNUS PROBATÓRIO DA CONTRATANTE. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ALEGAÇÃO GENÉRICA. TAXA DE JUROS. EXCESSIVIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. POSSIBILIDADE. SEGURO. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. LEGALIDADE.  

(...) 

- A contratação de seguro é obrigatória quando da celebração de contratos no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação – SFH, por expressa disposição do art. 5º, IV da Lei 9.514/97. Os autores não comprovaram que foram compelidos a contratar o seguro em “venda casada”, sendo que as disposições relacionadas ao seguro também estão expressamente disciplinadas no contrato, inclusive quanto às respectivas condições, pagamento do prêmio e possibilidade de substituição da apólice de seguros pela apólice que for mais conveniente ao mutuário. 

(...) 

-  Apelação não provida. 

(ApCiv nº 5000909-87.2023.4.03.6124. Relator: Desembargador Federal ANTONIO MORIMOTO JUNIOR – 1º Turma – TRF3. Data do julgamento: 12/06/2024. DJEN em: 14/06/2024)(destaquei) 

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PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REVISÃO CONTRATUAL. REGULARIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. SEGURO HABITACIONAL. APELAÇÃO DESPROVIDA. 

(...) 

5. No que diz respeito ao seguro, o artigo 14 da Lei nº 4.380/64 dispõe ser obrigatória a contratação para os imóveis que são objeto de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, conforme artigos 20 e 21 do Decreto-Lei nº 70/1966. 

6. Ainda que seja de livre escolha do mutuário a seguradora que melhor lhe aprouver, cumpria à parte autora demonstrar a recusa do agente financeiro em aceitar a contratação com empresa diversa ou a proposta de cobertura securitária por outra companhia, o que não configura “venda casada”. Precedente. 

7. Se a autora, no momento da contratação, não manifestou a intenção de contratar seguradora de sua escolha, é possível concluir que houve a aceitação da seguradora convencionada, mormente porque as cláusulas do contrato dão ciência aos autores acerca da possibilidade de contratação de seguradora diversa, com o que eles concordaram ao assinar o instrumento contratual. 

(...) 

9. Apelação desprovida. 

(ApCiv nº 5005789-59.2021.4.03.6103. Relator: Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS – 1º Turma – TRF3. Data do julgamento: 29/02/2024. DJEN em: 05/03/2024)(destaquei) 

No tocante às opções de seguro, a Resolução nº 3.811 do Bacen dispõe em seu art. 3º, inciso I, que a instituição integrante do SFH deve ofertar mais de uma opção de apólice de sociedades seguradoras diferentes. Contudo, não há nenhuma comprovação de que tenha sido ofertado apenas uma, não bastando a alegação da parte de que foi compelida a contratar seguro determinado, para infirmar a licitude da contratação. 

Ademais, conforme devidamente consignado pelo juízo a quo, embora a apelante tenha arguido a abusividade dos valores atinentes ao prêmio do seguro, não se desincumbiu do ônus de demonstrar que tais valores se encontram em desconformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis.

 

1.6 Da alegada inconstitucionalidade do Decreto- Lei n. 70/66

Afasta-se, de plano, qualquer argumento quanto a inconstitucionalidade das disposições do Decreto-lei n. 70/66, pois há muito declarado constitucional pelo STF.

Vejamos: 

"EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI Nº 70/66. CONSTITUCIONALIDADE. Compatibilidade do aludido diploma legal com a Carta da República, posto que, além de prever uma fase de controle judicial, conquanto a posteriori, da venda do imóvel objeto da garantia pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais adequados. Recurso conhecido e provido." (RE n. 223.075/DF, Relator Ministro ILMAR GALVÃO, j. em 23/06/1998, DJ 06/11/1998). 

Nesse sentido, transcrevo julgado proferido por esta Corte Regional: 

CONSTITUCIONAL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL PREVISTA PELA LEI N. 9.514/97. INADIMPLEMENTO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ABUSIVIDADE NO PROCEDIMENTO PREVISTO NA LEI 9.514/97. NÃO COMPROVADA DE VIOLAÇÃO DAS NORMAS PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DIREITO DE PREFÊNCIA DE AQUISIÇÃO DO BEM. INOVAÇÃO RECURSAL. HONORÁRIOS MAJORADOS. 

1. A alienação fiduciária representa espécie de propriedade resolúvel, de modo que, conforme disposto pela própria Lei n. 9.514/97, inadimplida a obrigação pelo fiduciante a propriedade se consolida em mãos do credor fiduciário e posterior leilão público para a alienação do imóvel. 

2. Afasta-se de plano a inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista pela Lei n. 9.514/97, a semelhança do que ocorre com a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei n. 70/66 de há muito declarada constitucional pelo STF. Precedentes. 

3. Há de se destacar que a garantia da apreciação de lesão ou ameaça a direito pelo Poder Judiciário, consagrada no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, não deve ser entendida como impedimento de execução de cláusulas contratuais pela via extrajudicial. 

4. Evidentemente, o devedor fiduciário não fica impedido de levar a questão ao conhecimento do Judiciário, ainda que já concretizada a consolidação da propriedade em mãos do credor fiduciário, caso em que eventual procedência do alegado resolver-se-ia em perdas e danos. Precedente. 

(...)

18. Apelação parcialmente conhecida e, na parte conhecida, não provida.(ApCiv - APELACAO CIVEL /SP 0022491-87.2015.4.03.6100/Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA Data do Julgamento: 10/03/2022 Data da Publicação/ Fonte - DJEN DATA: 14/03/2022) 

Vale mencionar que a possibilidade da execução de cláusulas contratuais, pela via extrajudicial prevista no Decreto- Lei n. 70/66, não afasta a garantia de apreciação de lesão ou ameaça a direito pelo Poder Judiciário, consagrada no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988. 

Ou seja, o devedor fiduciante não fica impedido de levar a questão ao conhecimento do Judiciário, ainda que já concretizada a consolidação da propriedade em mãos do credor fiduciário, quando constatar o descumprimento das cláusulas contratuais ou irregularidades no procedimento de consolidação da propriedade. 

 

2. Recurso da Companhia Habitacional Regional de Ribeirão Preto - COHAB-RP

Alega a COHAB-RP que o saldo devedor do CES indicado em 5% é equivocado, pois, na realidade, os percentuais aplicados: inicialmente fixado em 1,15%, foi posteriormente ajustado para 1,125% mediante retificação contratual, e, a partir de julho de 1999, passou a ser de 1,05%. Diante disso, a COHAB argumenta não haver fundamento para recálculo dos valores contratados, tampouco para restituição de supostos pagamentos a maior.

Consta do laudo pericial a seguinte resposta quanto ao quesito formulado pela Cohab (ID 87538235, pág. 13):

23) Qual o percentual de Coeficiente de Equiparação Salarial -CES pactuado entre as partes e cobrado pela Cohab/RP durante o financiamento?

Reposta: de acordo com o contrato juntado às fis. 44, o CES era de1,05 (5%).

A Caixa Econômica Federal apresentou manifestação contrária às conclusões constantes no laudo pericial, inclusive no que se refere à resposta ao quesito de nº 23. Em complementação ao referido laudo, a perita judicial prestou os seguintes esclarecimentos (ID 87538235, pág. 86):

A Ré-Caixa discorda da resposta dada ao quesito 23 formulado pela Ré- Cohab, visto que respondeu que o percentual aplicado à prestação foi de 5%, informando que o percentual correto, pactuado no contrato foi de 15%.

Cumpre informar que o quadro resumo parte integrante do contrato juntado a fi. 44 informa que o percentual do CES pactuado foi de 5%. Entretanto, de acordo com as informações abaixo, o CES aplicado foi de 15%:

Os dados do contrato original são:
Valor financiado                                                  R$20.530,94 (PV)
Prazo de amortização da divida                         293 meses (n)
Taxa mensal de juro                                           5,5%+ 12 = 0,4583% (i)
Valor da parcela                                                 R$ 127,49(pmf)
CES I5%                                                            R$19,12
Valor da parcela + CES                                     R$146,61

O percentual do CES informado pela Cohab no contrato e nas planilhas de evolução do financiamento informam que foi de 5%. Assim, a perícia retifica o laudo pericial concluindo que apesar de estar sendo informando o percentual de 5% relativo ao CES, a Ré-Cohab aplicou o percentual de 15% sobre o valor da primeira parcela.

 

Malgrado as alegações da COHAB em sentido contrário, no caso dos autos, a prova técnica foi elaborada de forma diligente e conclusiva, por profissional equidistante das partes, de modo que se mostrou suficiente para a formação do convencimento do Juízo a quo. Saliente-se que o laudo foi submetido ao crivo do contraditório e a apelante não logrou comprovar a alegada injustiça na decisão lançada, de modo que a sentença deve ser mantida para que a apelante proceda ao recálculo do saldo devedor fazendo incidir na primeira parcela o percentual do CES efetivamente acordado, ou seja, de 5%.

Por fim, com o intuito de demonstrar a inexistência de valores residuais a serem adimplidos, a apelante anexou novos documentos aos autos, alegando que a ausência de manifestação anterior acerca do laudo pericial decorreu de falha no recebimento de suas intimações. Ocorre que, à luz do entendimento pacificado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, é admissível a juntada de documentos em sede recursal, desde que tais elementos não sejam essenciais à formação do juízo de mérito na instância originária, que se assegure o contraditório e que não se evidencie má-fé processual — requisitos que, in casu, não se encontram devidamente preenchidos. Isso porque os documentos apresentados, conforme afirma a própria apelante, servem para corroborar sua tese, de forma que sua apresentação tardia carece de justificativa idônea.

Assim, impõe-se o não conhecimento dos referidos documentos, ante a ausência de comprovação hábil da razão da juntada extemporânea. 

A este respeito, vejamos:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO FUNDADA EM CONTRATO DE ARRENDAMENTO. JUNTADA DE DOCUMENTO EM APELAÇÃO. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
1. A apresentação de documentos novos em grau de apelação é admitida quando não se tratar de documento indispensável à propositura da ação, não houver indício de má-fé e for oportunizada à parte contrária a manifestação sobre eles, garantindo-se o contraditório.
2. O contrato de arrendamento poderá não ser considerado documento essencial quando o feito for instruído com outros documentos comprobatórios da existência do título executivo, tais como a escritura pública de cessão de direitos creditórios, a matrícula do imóvel objeto de garantia hipotecária e a matrícula do imóvel objeto dessa garantia.
3. Quando a parte recorrente não apresenta nenhuma razão jurídica capaz de alterar o entendimento sobre a causa, a decisão deverá ser mantida por seus próprios fundamentos.
4. Agravo interno desprovido.
(AgInt nos EDcl no REsp n. 1.912.540/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 9/9/2024, DJe de 12/9/2024.)

 

Dessa forma, inexistem razões para a reforma da sentença de primeiro grau que deve ser mantida por seus próprios fundamentos. 

Por fim, incabível a majoração da verba honorária, considerando que a sentença foi proferida nos termos do Código de Processo Civil de 1973, quando ainda não havia previsão de majoração da verba honorária recursal. 

Ante o exposto, nego provimento às apelações.

É como voto.


 

 


 

 

 


 

 



E M E N T A

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. REAJUSTE DE PRESTAÇÃO. COEFICIENTE DE EQUIPARAÇÃO SALARIAL (CES). TABELA PRICE. ALEGAÇÃO DE VENDA CASADA. INCONSTITUCIONALIDADE DO DL N. 70/66 AFASTADA. RECURSOS NÃO PROVIDOS.

I. Caso em exame

1. Ação revisional ajuizada por mutuária com pedido de recálculo das prestações de contrato habitacional firmado com base no Sistema Financeiro da Habitação – SFH. Objetivada a exclusão do CES, revisão do sistema de amortização (Tabela Price), devolução de valores, questionamento sobre a legalidade da contratação de seguro obrigatório e a inaplicabilidade do DL 70/66. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos para reconhecer como devida a aplicação do CES correspondente a 5% na primeira parcela.

II. Questão em discussão

1. Há múltiplas questões em discussão:
(i) saber se há anatocismo na utilização da Tabela Price;
(ii) saber se a forma de amortização aplicada gerou capitalização indevida;
(iii) saber se o Coeficiente de Equiparação Salarial – CES foi aplicado corretamente;
(iv) saber se houve venda casada na contratação do seguro habitacional;
(v) saber se é constitucional a aplicação do Decreto-Lei nº 70/66.

III. Razões de decidir

1. A adoção da Tabela Price, por si só, não caracteriza capitalização indevida de juros, sendo sistema de amortização legalmente aceito e previsto contratualmente.

2. A forma de amortização seguida obedece aos normativos vigentes, com correção do saldo devedor anterior à amortização, sendo adequada segundo a perícia técnica.

3. O CES aplicado superou o percentual contratualmente previsto (5%), configurando descumprimento contratual e ensejando recálculo, como bem analisado na sentença.

4. A contratação de seguro habitacional é legal e obrigatória no SFH, não havendo elementos que comprovem a ocorrência de venda casada.

5. A alegação de inconstitucionalidade do DL 70/66 foi afastada à luz da jurisprudência consolidada do STF, que reconhece a constitucionalidade da execução extrajudicial nos termos do referido diploma legal, não existindo óbice ao exercício do contraditório e ampla defesa.

IV. Dispositivo e tese

1. Apelações conhecidas e não providas.

Tese de julgamento: “1. A adoção da Tabela Price não configura, por si só, capitalização indevida de juros. 2. A aplicação do CES deve respeitar o percentual pactuado contratualmente. 3. A contratação de seguro habitacional no SFH é legal e não configura venda casada. 4. A execução extrajudicial prevista no DL 70/66 é constitucional.”

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXV; Lei nº 9.514/1997, art. 5º, IV; Lei nº 8.692/1993, art. 8º; DL nº 70/1966, arts. 20 e 21.
Jurisprudência relevante citada: STF, RE nº 223.075/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 23.06.1998; STJ, AgInt no REsp nº 1.453.831/CE, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, j. 18.11.2024.


 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RENATO BECHO
Desembargador Federal