APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001784-33.2022.4.03.6111
RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO
APELANTE: ADEMIR ALVES DA SILVA, IRENE DEBORA DE ARAUJO SILVA
Advogado do(a) APELANTE: JOSIANE CRISTINA FERNANDES - SP302863-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: MARCELO SOTOPIETRA - SP149079-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001784-33.2022.4.03.6111 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: ADEMIR ALVES DA SILVA, IRENE DEBORA DE ARAUJO SILVA Advogado do(a) APELANTE: JOSIANE CRISTINA FERNANDES - SP302863-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: MARCELO SOTOPIETRA - SP149079-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Trata-se de apelação em face de sentença proferida em ação ordinária ajuizada por ADEMIR ALVES DA SILVA e IRENE DÉBORA DE ARAÚJO SILVA em face de CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF) objetivando a revisão de cláusulas de contrato de mútuo de financiamento imobiliário com alienação fiduciária em garantia, celebrado em 30/05/2012. Alega a parte autora a nulidade de cláusula contratual, com o pedido de revisão do contrato e repetição de indébito, postulando que o saldo devedor seja corrigido pelo IPCA-E a partir de março de 2020, com exclusão da taxa de administração e postula a inversão do ônus da prova. Em decisão de ID 295356349 foi concedido os benefícios da gratuidade de justiça aos autores. Citada a CEF, apresentou contestação (ID 1 295356350), aduzindo o descumprimento do disposto no artigo 330, §2º, do CPC e requereu a improcedência da ação. Proferida sentença (ID 295356373), o juízo a quo julgou improcedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do CPC. Condenou os autores ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa, observada a suspensão de exigibilidade na forma do art. 98, §3º, do CPC. Em suas razões recursais, a parte autora pleiteia a revisão contratual, considerando dificuldades financeiras na pandemia de covid19, devendo ser considerada a teoria da imprevisão. Afirma que o saldo devedor deve ser corrigido pelo IPCA-E a partir de março de 2020, bem como requer a exclusão da taxa de administração, bem como alega cerceamento de defesa, tendo em vista a necessidade de prova pericial para demonstrar a onerosidade excessiva (ID 295356375). Apresentadas contrarrazões pela CEF, aduzindo que a sentença deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos (ID 295356379). Subiram os autos a este e. Tribunal Regional Federal e vieram conclusos. É o relatório. vmn
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001784-33.2022.4.03.6111 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: ADEMIR ALVES DA SILVA, IRENE DEBORA DE ARAUJO SILVA Advogado do(a) APELANTE: JOSIANE CRISTINA FERNANDES - SP302863-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: MARCELO SOTOPIETRA - SP149079-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Tempestivo o recurso e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade recursal, passo ao exame da insurgência propriamente dita, considerando a matéria objeto de devolução. A controvérsia versa sobre a revisão de cláusulas contratuais em contrato de financiamento imobiliário com garantia por alienação fiduciária, em razão de dificuldades financeiras enfrentadas durante a pandemia da Covid-19, devendo ser aplicada, no caso, a teoria da imprevisão. Sustenta-se que o saldo devedor deve ser corrigido pelo IPCA-E a partir de março de 2020, além de se requerer a exclusão da taxa de administração. Alega-se, ainda, cerceamento de defesa, ante a necessidade de produção de prova pericial destinada a demonstrar a ocorrência de onerosidade excessiva. Do cerceamento de defesa - prova pericial Não assiste razão ao apelante quanto ao cerceamento ao direito de defesa em virtude da não realização de prova pericial para a devida apuração do valor do débito cobrado. O art. 355 do CPC permite ao magistrado julgar antecipadamente a causa e dispensar a produção de provas quando a questão for unicamente de direito e os documentos acostados aos autos forem suficientes ao exame do pedido. Por sua vez, o art. 370 do CPC/15 confere ao magistrado a possibilidade de indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias, bem como determinar a realização das provas necessárias à instrução do processo, independente de requerimento, caso se mostrem efetivamente necessárias ao deslinde da questão. No caso dos autos, verifica-se que os valores, índices e taxas que incidiram sobre o valor do débito estão bem especificados, e que a questão relativa ao abuso na cobrança dos encargos contratuais é matéria exclusivamente de direito, que não depende de auxílio de perito contábil, mas apenas de interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes e do ordenamento jurídico. Com efeito, o perito não tem atribuição ou incumbência para interpretar o ordenamento jurídico e apurar eventual cobrança de juros remuneratórios abusivos, vedação de capitalização da taxa de juros remuneratórios e limitação dos juros remuneratórios, sendo tal apuração incumbência do próprio Magistrado. Consequentemente, desnecessária a realização de prova pericial. Nesse sentido é o entendimento esposado por esta e. Corte Regional: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À MONITÓRIA. CHEQUE EMPRESA CAIXA, GIROCAIXA FÁCIL E CARTÃO DE CRÉDITO. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA. PROVA ESCRITA SUFICIENTE DA DÍVIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA DE DIREITO. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Controvérsia sobre a existência de prova suficiente da dívida (inépcia da inicial) e a ocorrência de cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova pericial contábil. 2. A autora apresentou o instrumento assinado pelos réus, os extratos e faturas que comprovam a utilização do limite, a disponibilização do crédito e o uso do cartão, além dos demonstrativos de atualização dos débitos, de modo que a ação está instruída com todos os documentos hábeis a demonstrar o crédito em favor da CEF, conforme exige o art. 700, caput e § 2º, I, do CPC. 3. A existência de prova escrita da dívida e de cláusulas contratuais abusivas é matéria de direito que prescinde de prova pericial e pode ser verificada mediante simples análise dos documentos juntados em cotejo com a norma aplicável à espécie. Nesse caso, o indeferimento da produção de prova, à luz do art. 370 do CPC, não implica cerceamento de defesa. 4. Apelação não provida. (ApCiv nº 5009805-59.2021.4.03.6102, 1ª Turma, Rel. Des. Federal Wilson Zauhy Filho, v.u., j. 14/03/2023, DJe 19/04/2023, grifos nossos) PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM EMBARGOS À MONITÓRIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA À PESSOA FÍSICA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO CDC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO IMPROVIDA. I - In casu, a declaração de hipossuficiência foi infirmada pela apresentação dos demonstrativos de pagamento do apelante, os quais revelam que os rendimentos são suficientes para o pagamento das custas, despesas e honorários advocatícios processuais. II - A simples oposição de embargos à monitória não é suficiente para o deferimento de produção de prova pericial. O juízo a respeito do ônus da prova envolve também o juízo a respeito das teses e do pedido formulado pela parte Ré. Considerando as alegações do apelante e a configuração do caso em tela, não se vislumbra cerceamento de defesa. (...) VII - No caso em tela, a embargante limitou-se a questionar a validade das cláusulas contratadas, as quais são regulares. Ademais, não logrou demonstrar que a CEF deixou de aplicar as cláusulas contratadas ou que sua aplicação provocou grande desequilíbrio em virtude das alterações das condições fáticas em que foram contratadas, apresentando fundamentação insuficiente para a produção de prova pericial. VIII – Apelação improvida. (ApCiv nº 5002865-74.2019.4.03.6126, 1ª Turma, Rel. Des. Federal Valdeci dos Santos, v.u., j. 28/05/2021, DJe 02/06/2021, grifos nossos) Ademais, verifico que na contestação apresentada pela CEF, foi acostado aos autos planilha de evolução da dívida (ID 295356353) e demonstrativos de débito (ID 295356354), referente ao contrato de financiamento imobiliário com garantia fiduciária, pactuado em 30/05/2012. Assim, afasto a alegação de cerceamento de defesa, tendo em vista que a parte ré acostou aos autos documentos suficientes para o julgamento da lide, não sendo necessária a prova pericial. Da teoria da imprevisão Alega a parte apelante que a inadimplência se deu por força maior, nos termos do artigo 393 do Código Civil, devendo ser aplicada a Teoria da Imprevisão e onerosidade excessiva em razão dos efeitos da pandemia. Cumpre ressaltar que, não existe, lastro jurídico na pretensão deduzida, tendo em vista que diante da excepcionalidade da situação gerada pela pandemia, a legislação adotou as medidas pertinentes para disciplina das relações jurídicas e, portanto, inviável cogitar de decisão judicial para regular o que cabe ao legislador tratar de forma isonômica. Assim, não é possível, reconhecer desequilíbrio contratual, imprevisão ou força maior para dispensar apenas a parte apelante de cumprir termos do contrato, reduzindo taxas de juros e alterando forma de pagamento de prestações expressamente avençadas no contrato com imposição de oneração contratual apenas à contraparte. Tal situação não é capaz de recompor nem garantir equilíbrio contratual, mas, ao contrário, produz incerteza jurídica e oneração exclusivamente a uma das partes da relação contratual. A pandemia covid-19 impactou indistintamente os mais diversos agentes e setores econômicos, não podendo, assim, servir de justificativa para apenas dispensar devedores fiduciantes dos vínculos contratuais, sem considerar os riscos sistêmicos de tais soluções, sobretudo no sensível e complexo mercado de crédito e financiamento. Portanto, o desequilíbrio contratual não se dissocia do contexto generalizado de crise sanitária e econômica e, por tal motivo, não pode gerar reconhecimento de oneração apenas para um dos contratantes, em detrimento de cláusulas firmadas entre as partes no exercício direto da liberdade econômica de contratar. A propósito, assim já decidiu a Turma: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PRIVADO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. PANDEMIA. FORÇA MAIOR. TEORIA DA IMPREVISÃO. REEQUILÍBRIO CONTRATUAL. REDUÇÃO DE TAXAS DE JUROS. ALTERAÇÃO DE FORMA DE PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. RISCO SISTÊMICO DE SOLUÇÕES INDIVIDUALIZADAS A PROBLEMAS DE GENERALIZADO EFEITO SOCIAL E ECONÔMICO. SUCUMBÊNCIA. 1. Não procede reconhecer desequilíbrio contratual, imprevisão ou força maior para dispensar tomador de empréstimo do cumprimento dos termos do contrato, reduzindo taxas de juros e alterando forma de pagamento de prestações contratada com imposição de oneração apenas à parte contrária, em detrimento do regime jurídico consolidado no princípio da liberdade de contratar e negociar. Tal situação não é capaz de recompor nem garantir equilíbrio contratual, mas, ao contrário, produz incerteza jurídica e oneração excessiva e exclusiva a uma das partes da relação contratual. 2. A pandemia impactou indistintamente diversos agentes e setores econômicos, não podendo, assim, servir de justificativa para apenas dispensar devedores fiduciantes dos vínculos contratuais, sem considerar riscos sistêmicos de tais soluções, sobretudo no sensível e complexo mercado de crédito e financiamento. 3. Diante da excepcionalidade da situação gerada, a legislação adotou medidas pertinentes à disciplina de relações jurídicas, de forma a garantir tratamento equilibrado e isonômico, no que pertinentes ao contexto. Ao contrário de situações específicas, que não recebem tratamento legal próprio, exigindo, assim, exame caso a caso da configuração da hipótese legal de força maior e do seu impacto em relações contratuais, a pandemia global em referência ensejou adoção de políticas públicas excepcionais no enfrentamento da disseminada crise sanitária e econômica, levadas a efeito para garantir segurança jurídica e isonomia para superação de dificuldades vividas por toda a sociedade. 4. Não se vislumbra na espécie excepcionalidade concreta para respaldar intervenção judicial com imposição à contraparte da solução preconizada, pois, além da genérica alegação de desequilíbrio contratual, não provou a autora que a ré deixou de cumprir com as obrigações que lhe cabiam antes, durante ou depois da pandemia, de maneira a justificar que lhe seja imposto o ônus de suportar o prejuízo da revisão proposta na presente ação. 5. Quanto à verba honorária foi fixada na origem, não sendo possível afirmar que não houve grau de zelo profissional a justificar a aplicação do percentual utilizado, ou que equivale a valores exorbitantes, dado que os percentuais são previstos expressamente em lei, pelo que inviável a reforma nos termos postulados. Pela sucumbência recursal, a parte apelante deve suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, no equivalente a 3% do valor da causa atualizado, a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância de origem. 6. Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007943-59.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 06/07/2023, DJEN DATA: 10/07/2023) PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO MONITÓRIA. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. CUMULAÇÃO DE JUROS REMUNERATÓRIOS E MORATÓRIOS. POSSIBILIDADE. LIMITE LEGAL À TAXA DE JUROS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TEORIA DA IMPREVISÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. I - Esta Primeira Turma, na esteira de outros julgados deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, adota o entendimento de que a atualização da dívida segue os parâmetros adotados em contrato até a data de seu efetivo pagamento. Não é razoável a alteração daqueles parâmetros sem fundamentos que a justifiquem. Portanto, a aplicação dos juros de mora e correção monetária deve seguir os parâmetros estabelecidos no contrato pactuado entre as partes. (...) VI - Em relação à suposta onerosidade do contrato em virtude da crise sanitária referente à pandemia do novo coronavírus, importante frisar que o poder judiciário não pode intervir nas relações contratuais e estabelecer novas regras às partes contratantes. Por certo, o momento vivido pelo País, consistente na grave crise social e econômica, decorrente da pandemia de COVID-19 se reflete em várias áreas. Todavia, inexiste fundamentação legal para alterar as condições pactuadas pelas partes e afastar os efeitos contratuais da mora. VII - No caso em tela, a embargante limitou-se a questionar a validade das cláusulas contratadas, as quais são regulares. Ademais, não logrou demonstrar que a CEF deixou de aplicá-las ou que sua aplicação provocou grande desequilíbrio em virtude das alterações das condições fáticas em que foram contratadas. Em suma, na ausência de comprovação de abuso ou desequilíbrio contratual, não havendo qualquer ilegalidade nas cláusulas contratadas, não há que se falar em excesso de execução, não assistindo razão à embargante. VIII - Observe-se, também, que, como bem posto pelo julgador de primeiro grau, o índice de correção monetária (IGP-M) adotado pela instituição financeira consta expressamente na Cláusula Décima Oitava, 18.6, do Contrato de Prestação de Serviços de Administração dos Cartões de Crédito CAIXA – Pessoa Jurídica. IX - Apelação improvida. Honorários advocatícios majorados para 11%, sobre a mesma base de cálculo fixada na r. sentença,nos termos do art. 85, § 11 do CPC. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002158-14.2021.4.03.6134, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 10/03/2023, DJEN DATA: 15/03/2023) No caso dos autos, a parte apelante se restringiu a tecer considerações genéricas sobre excesso de cobrança, sem sequer apresentar o valor que reputa devido, tampouco há na exordial planilha de cálculo, bem como se limitou a alegações genéricas sobre a redução de renda decorrente da pandemia de covid-19, não se podendo presumir a onerosidade excessiva apenas pela ocorrência desse evento, restando inviável a aplicação da norma prevista no art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não constam nos autos a prova de onerosidade excessiva por fato superveniente. No REsp 945.166, o Relator Ministro Luis Felipe Salomão, observou que a resolução contratual pela onerosidade excessiva exige a superveniência de evento extraordinário, impossível de antever pelas partes, não bastando alterações que se inserem nos riscos ordinários. Ademais, o C. Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento no sentido de que a pandemia do coronavírus não constituiu fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial do contrato, ressaltando que, para a revisão do contrato com base nas teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva, previstas no Código Civil, exige-se ainda que o fato (superveniente) seja imprevisível e extraordinário, e que desse fato, além do desequilíbrio econômico-financeiro, decorra situação de vantagem extrema para uma das partes. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CONTRATUAL. PANDEMIA DA COVID-19. CDC. REDUÇÃO DO VALOR DAS MENSALIDADES ESCOLARES. SUPRESSÃO DE DISCIPLINAS E VEICULAÇÃO DAS AULAS PELO MODO VIRTUAL. SERVIÇO DEFEITUOSO E ONEROSIDADE EXCESSIVA. INEXISTÊNCIA. QUEBRA DA BASE OBJETIVA DO NEGÓCIO JURÍDICO. ART. 6º, INCISO V, DO CDC. EXIGÊNCIA DE DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO IMODERADO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO FORNECEDOR. IRRELEVÂNCIA. OBSERVÂNCIA AOS POSTULADOS DA FUNÇÃO SOCIAL E DA BOA-FÉ CONTRATUAL. SITUAÇÃO EXTERNA. REPARTIÇÃO DOS ÔNUS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO APTO À REVISÃO DO CONTRATO NA HIPÓTESE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. As vertentes revisionistas no âmbito das relações privadas, embora encontrem fundamento em bases normativas diversas, a exemplo da teoria da onerosidade excessiva (art. 478 do CC) ou da quebra da base objetiva (art. 6º, inciso V, do CDC), apresentam como requisito necessário a ocorrência de fato superveniente capaz de alterar – de maneira concreta e imoderada – o equilíbrio econômico e financeiro da avença, situação não evidenciada no caso concreto. Precedentes. 2. O STJ de há muito consagrou a compreensão de que o preceito insculpido no inciso V do art. 6º do CDC exige a "demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor" (REsp n. 417.927/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/5/2002, DJ de 1/7/2002, p. 339.) 3. Nesse contexto, a revisão dos contratos em razão da pandemia não constitui decorrência lógica ou automática, devendo ser analisadas a natureza do contrato e a conduta das partes – tanto no âmbito material como na esfera processual –, especialmente quando o evento superveniente e imprevisível não se encontra no domínio da atividade econômica do fornecedor. 4. Os princípios da função social e da boa-fé contratual devem ser sopesados nesses casos com especial rigor a fim de bem delimitar as hipóteses em que a onerosidade sobressai como fator estrutural do negócio – condição que deve ser reequilibrada tanto pelo Poder Judiciário quanto pelos envolvidos, – e aquelas que evidenciam ônus moderado ou mesmo situação de oportunismo para uma das partes. 5. No caso, não houve comprovação do incremento dos gastos pelo consumidor, invocando-se ainda como ponto central à revisão do contrato, por outro lado, o enriquecimento sem causa do fornecedor – situação que não traduz a tônica da revisão com fundamento na quebra da base objetiva dos contratos. A redução do número de aulas, por sua vez, decorreu de atos das autoridades públicas como medida sanitária. Ademais, somente foram inviabilizadas as aulas de caráter extracurricular (aulas de cozinha experimental, educação física, robótica, laboratório de ciências e arte/música). Nesse contexto, não se evidencia base legal para se admitir a revisão do contrato na hipótese. 6. Recurso especial não provido. (STJ; REsp 1.998.206; DF; Quarta Turma; Rel Min. Luis Felipe Salomão; DJE 14/06/2022) No REsp 1.321.614, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, cujo voto prevaleceu no colegiado, ponderou que a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes das circunstâncias vigentes à época do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva), que comprometa o valor da prestação, demandando tutela jurisdicional específica. Outrossim, as cláusulas dispostas no contrato em discussão, à luz da legislação de regência, não demonstram, em princípio, a excessiva onerosidade, sem a efetiva comprovação dos fatos alegados. Dos juros contratuais No que tange a taxa de juros, dispõe o art. 192 da CF/88 com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 40/2003: “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”. A citada emenda revogou o § 3º do art. 192, que previa que as taxas de juros reais não poderiam ser superiores a 12% ao ano, sob pena da cobrança superior a este limite ser enquadrada como crime de usura, punido nos termos que a lei determinar. A Lei Complementar regulamentadora, entretanto, nunca foi editada. Sobre a matéria, o c. STF editou a súmula vinculante nº 07, que dispõe: “A norma do §3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”. A Lei da usura (Decreto nº 22.626/33) dispõe sobre os juros nos contratos e veda expressamente a incidência de taxas superiores a 12% ao ano e juros compostos, de acordo com os arts. 4º e 5º e não se aplica às instituições financeiras por força da Lei 4.595/64, que dispõe sobre política e as instituições bancárias, monetárias e creditícias, excluindo a aplicação nas operações e serviços bancários do limite de juros previstos da Lei da Usura, e fixando que devem ser observadas as normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional – CMN e Banco Central – BACEN. Vejamos as disposições: “Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: (...) IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover” Confirmando a inaplicabilidade da Lei de Usura, sobreveio a súmula 596 do C. STF, in verbis: “As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”. Com isso se conclui que não há impedimento legal para cobrança de taxa de juros superior a 12% ao ano quando se trata de instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional – SFN. Neste sentido foi o julgamento do REsp repetitivo nº 1.061.530/RS de relatoria da Min. Nanci Andrighi, julgado em 22/10/2008, cujo informativo segue abaixo transcrito: “No julgamento de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC), confirmou-se a pacificação da jurisprudência da Segunda Seção deste Superior Tribunal nas seguintes questões. Quanto aos juros remuneratórios: 1) as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Dec. n. 22.626/1933), como já dispõe a Súm. n. 596-STF; 2) a simples estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano não indica abusividade; 3) são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/2002; 4) é admitida a revisão das taxas de juros em situações excepcionais, desde que haja relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) esteja cabalmente demonstrada, diante das peculiaridades do caso concreto. Quanto à configuração da mora: 1) afasta a caracterização da mora a constatação de que foram exigidos encargos abusivos no contrato, durante o período da normalidade contratual; 2) não afasta a caracterização da mora quando verificada a simples propositura de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. Quanto aos juros moratórios: nos contratos bancários não alcançados por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. Quanto à inscrição em cadastro de inadimplentes: 1) a abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: a) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; b) ficar demonstrada que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; c) for depositada a parcela incontroversa ou prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; 2) a inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção. Quanto às disposições de ofício: é vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários. A Min. Relatora e o Min. Luís Felipe Salomão ficaram vencidos nesse específico ponto. Anote-se, por último, que as questões a respeito da capitalização dos juros e a comissão de permanência não foram tratadas. REsp 1.061.530-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008”. Sobreveio a súmula 382 do c. STJ, segundo a qual “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”. O entendimento é repetido ainda hoje nos julgamentos do C. STJ, vejamos: “79210510 - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. VIOLAÇÃO. ARTS. 394, 396 E 591 DO CC E 525, § 1º, DO CPC. CERCEAMENTO DE DEFESA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. AUSÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO PERMITIDA. NÃO PROVIMENTO. 1. A ausência de pertinência temática entre o dispositivo legal tido por violado e razões levantadas no Recurso Especial ou os fundamentos do acórdão de segundo grau atrai o disposto no verbete n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. "A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP nº 1.061.530/RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, submetido ao regime dos recursos repetitivos, firmou posicionamento do sentido de que: (1) as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933) - Súmula nº 596/STF; (2) a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; (3) são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591, c/c o art. 406 do CC/2002; e, (4) é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, haja vista as peculiaridades do julgamento em concreto. " (AgInt no AREsp n. 1.148.927/MS, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 22/3/2018, DJe de 4/4/2018.) 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ; AgInt-AREsp 2.091.280; Proc. 2022/0078732-1; RJ; Quarta Turma; Relª Min. Maria Isabel Gallotti; DJE 11/04/2023)” Embora a Súmula nº 121 do Supremo Tribunal Federal tenha estabelecido ser vedada “a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”, a Corte Constitucional, posteriormente, editou outro entendimento por meio da Súmula nº 596, já mencionada:"as disposições do Dec. n. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional". O c. STF editou a súmula 121 segundo a qual “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”. Posteriormente editou a já citada súmula 596, indicando que “As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”. Foi editada a Medida Provisória nº 1.963-17/2000, reeditada por medidas provisórias posteriores até a MP nº 2.170-36/2001, passando a autorizar de forma expressa a capitalização de juros, foi, desde que pactuada, nos moldes do art. 5º. A norma foi objeto do Tema 33 de repercussão geral do c. STF que resultou na edição da Tese a seguir indicada: “Os requisitos de relevância e urgência previstos no art. 62 da Constituição Federal estão presentes na Medida Provisória 2.170-36/2001, que autoriza a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional”. Abaixo a ementa do citado julgamento: “10274250 - CONSTITUCIONAL. ART. 5º DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO. 1. A jurisprudência da suprema corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência. 2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país. 3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados. 4. Recurso extraordinário provido. (STF; RE 592377; Tribunal Pleno; Rel. Des. Marco Aurélio; Julg. 04/02/2015; DJE 20/03/2015; Pág. 65)”. Corroborando o entendimento, é a redação da súmula 539 do c. STJ, in verbis: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada”. E o julgamento do REsp repetitivo nº 973.827/RS de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/08/12, abaixo transcrito: “EMENTA. CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros. 2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de "taxa de juros simples" e "taxa de juros compostos", métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933. 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC: - "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." - "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada". 4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios. 5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da abusividade das cláusulas contratuais questionadas. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido”. No caso dos autos, depreende-se que os autores celebraram em 30/05/2012, com a empresa Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária, o instrumento particular com força de escritura pública de compra e venda e financiamento com constituição de alienação fiduciária em garantia, emissão de cédula de crédito imobiliário e outras avenças, pelo valor de R$ 95.000,00, sendo R$ 48.500,00 com recursos próprios e R$ 46.500,00 com recurso de financiamento, sob as seguintes condições: prazo de pagamento de 360 meses, taxa de juros efetiva de 11,5000% ao ano e taxa de juros nominal de R$ 10,9350% ao ano, sistema de amortização pela Tabela Price, com índice de reajuste mensal IGP-M (FGV), conforme consta da cláusula 7 (ID 295356337 – fl. 06). Assim, quanto a alegação de que o saldo devedor deve ser corrigido pelo IPCA-E a partir de março de 2020, não deve prosperar, visto que não foi o pactuado entre as partes. Ademais, não há prova de cobrança perpetrada pela CEF que não esteja prevista expressamente no contrato ou dissociada das práticas normais ou taxas médias do mercado de financiamento imobiliário. A parte apelante estava ciente, desde a contração, de todos os encargos legais que seriam cobrados, inexistente irregularidade que possa resultar na alteração das bases da negociação, em atenção à segurança jurídica. Não se vislumbra cobrança de juros ou forma de cálculo de amortização em desacordo com as práticas usuais do mercado, nem prática abusiva, no particular. Da taxa de administração Em relação à taxa de administração, importa observar que o Banco Central do Brasil – BACEN editou a Resolução nº 4.676, de 31/07/2018, que dispõe, dentre outros assuntos, sobre os integrantes do sistema financeiro imobiliário, ao qual também se insere o contrato ora analisado. Conforme disposto no item G.4. do contrato, a Tarifa de Administração Mensal, é no importe de R$ 23,04 mensais (ID 295356337 – fl. 06). No contrato, a referida taxa está prevista, dentre outros dispositivos ao longo do contrato, na Cláusula 4.5 – “O valor da Tarifa de Administração Mensal do Contrato será reajustado no mês de janeiro de cada ano, mediante aplicação da variação do IGP-M, da Fundação Getúlio Vargas (ID 295356337 – fl. 18). A partir desse cenário, percebe-se que a taxa de administração encontra fundamento em lei e foi prevista contratualmente, não havendo que se falar em abusividade a ser reparada judicialmente. Não é outro o entendimento do C. STJ e desta E. Turma: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL. COBRANÇA DE TAXAS DE ADMINISTRAÇÃO E DE RISCO DE DE CRÉDITO. FINANCIAMENTOS CONTRAÍDOS JUNTO À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. RECURSOS DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. CONSELHO CURADOR. ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA PREVISTA EM LEI. ABUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR E FUNDAMENTO EM LEI. 1. Ação ajuizada em 13/07/07. Recurso especial interposto em 08/05/15 e atribuído ao gabinete em 25/08/18. 2. Ação civil pública ajuizada sob o fundamento de existir abusividade na cobrança de taxa de administração e taxa de risco de crédito em todos os financiamentos habitacionais, na qual se requer a suspensão da cobrança e a devolução aos mutuários dos valores indevidamente pagos. 3. O propósito recursal consiste em definir sobre a legalidade da cobrança de taxa de administração e taxa de risco de crédito do agente operador, nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), entre mutuários e a Caixa Econômica Federal (CEF). 4. O FGTS é regido por normas e diretrizes estabelecidas por um Conselho Curador, composto por representação de trabalhadores, empregadores e órgãos e entidades governamentais, na forma estabelecida pelo Poder Executivo. Já a gestão da aplicação do fundo é efetuada pelo Ministério da Ação Social, cabendo à CEF o papel de agente operador, nos termos do art. 4º, da Lei 8.036/90. 5. Por ordem de estrita legalidade foi atribuída a competência ao Conselho Curador do FGTS (CCFGTS) de estabelecer as diretrizes e os programas de alocação de todos os recursos do FGTS, em consonância com a política nacional de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana estabelecidas pelo Governo Federal. 6. Além de acompanhar e avaliar a gestão econômica e financeira dos recursos, bem como os ganhos sociais e o desempenho dos programas aprovados, compete ao Conselho Curador fixar as normas e valores de remuneração do agente operador e dos agentes financeiros (art. 5º, I, II, VIII, da Lei 8.036/90). 7. A previsão em contrato da taxa de administração e da taxa de risco de crédito encontra fundamento em lei e, uma vez informada ao consumidor, não há se falar em abusividade a ser reparada judicialmente. 8. Recurso especial conhecido e não provido”. (REsp n. 1.568.368/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/12/2018, DJe de 13/12/2018.) PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REVISÃO CONTRATUAL. REGULARIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. SEGURO HABITACIONAL. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. O contrato é um negócio jurídico bilateral que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando com isso obrigações aos envolvidos. 2. A cobrança da taxa de administração está prevista no contrato livremente pactuado entre as partes, incluindo-se nos acessórios que compõem o encargo mensal, além de não contrariar norma de ordem pública, não havendo, portanto, que se falar em abusividade. 3. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, ao se debruçar sobre a questão, firmou entendimento no sentido de que a própria lei atribuiu competência ao conselho curador do FGTS para estabelecer as diretrizes e os programas de alocação de todos os recursos do fundo, competindo ao referido conselho fixar normas e valores de remuneração do agente operador e dos agentes financeiros. 4. A referida taxa, ademais, pode ser cobrada no valor de até R$ 25,00 por mês, exclusivamente nas operações com pessoas físicas, nos termos do art. 38 da Resolução nº 702, de 04.10.2012, do Conselho Curador do FGTS e do art. 14, II da Resolução CMN nº 4.676, de 31.07.2018. 5. No que diz respeito ao seguro, o artigo 14 da Lei nº 4.380/64 dispõe ser obrigatória a contratação para os imóveis que são objeto de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, conforme artigos 20 e 21 do Decreto-Lei nº 70/1966. 6. Ainda que seja de livre escolha do mutuário a seguradora que melhor lhe aprouver, cumpria à parte autora demonstrar a recusa do agente financeiro em aceitar a contratação com empresa diversa ou a proposta de cobertura securitária por outra companhia, o que não configura “venda casada”. Precedente. 7. Se a autora, no momento da contratação, não manifestou a intenção de contratar seguradora de sua escolha, é possível concluir que houve a aceitação da seguradora convencionada, mormente porque as cláusulas do contrato dão ciência aos autores acerca da possibilidade de contratação de seguradora diversa, com o que eles concordaram ao assinar o instrumento contratual. 8. Não obstante tratar-se de contrato de adesão, inexiste qualquer dificuldade na interpretação das cláusulas contratuais. Só caberia a mitigação do princípio do “pacta sunt servanda”, com adoção da Teoria da Imprevisão, que autoriza a revisão das obrigações previstas em contrato, se demonstrado que as condições econômicas do momento da celebração se alteraram de tal maneira, em razão de algum acontecimento inevitável, que passaram a gerar para o mutuário extrema onerosidade e para o credor excessiva vantagem, o que não é o caso dos autos. 9. Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5005789-59.2021.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 29/02/2024, DJEN DATA: 05/03/2024) Não havendo prova de cobrança abusiva, ficam afastados os pedidos de restituição. Dessa forma, verifico que as razões recursais não trazem elementos concretos capazes de justificar a reforma da sentença impugnada, não merecendo reparos o entendimento exarado pelo c. juízo a quo. Dos honorários sucumbenciais Em razão da sucumbência recursal, instituída no artigo 85, §11, do CPC/2015, desprovido o apelo, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2% (dois por cento), restando sua execução suspensa por ser a parte apelante beneficiária da justiça gratuita. Dispositivo Ante o exposto, nego provimento à apelação, observada a majoração recursal acima explicitada. Consigno que a oposição de embargos declaratórios infundados pode ensejar aplicação de multa nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC. É o voto.
E M E N T A
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. TEORIA DA IMPREVISÃO. PANDEMIA DE COVID-19. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. PROVA PERICIAL. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. . RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de revisão de cláusulas de contrato de financiamento imobiliário com alienação fiduciária em garantia. O apelante sustenta dificuldades financeiras decorrentes da pandemia de covid-19 e requer a aplicação da teoria da imprevisão para revisão das cláusulas contratuais, com correção do saldo devedor pelo IPCA-E a partir de março de 2020, exclusão da taxa de administração e limitação dos juros remuneratórios. Alega, ainda, cerceamento de defesa em razão do indeferimento de prova pericial para demonstrar onerosidade excessiva.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há três questões em discussão: (i) definir se houve cerceamento de defesa pelo indeferimento de prova pericial para apuração da onerosidade excessiva; (ii) estabelecer se a pandemia de covid-19 justifica a aplicação da teoria da imprevisão para revisão das cláusulas contratuais; e (iii) determinar a legalidade da taxa de administração e dos juros remuneratórios pactuados.
III. RAZÕES DE DECIDIR
O indeferimento da prova pericial não configura cerceamento de defesa quando a matéria discutida é exclusivamente de direito e os documentos constantes nos autos são suficientes para a análise do pedido, nos termos dos arts. 355 e 370 do CPC. A interpretação das cláusulas contratuais e a legalidade dos encargos não dependem de prova técnica, sendo competência do magistrado decidir sobre a matéria.
A pandemia de covid-19, por si só, não caracteriza fato imprevisível e extraordinário apto a justificar a revisão contratual com base na teoria da imprevisão ou na onerosidade excessiva. O impacto econômico da crise sanitária foi generalizado, e não há fundamento jurídico para dispensar unilateralmente o devedor fiduciário do cumprimento das obrigações pactuadas, sob pena de violação da segurança jurídica e do equilíbrio contratual.
A taxa de administração está prevista no contrato e possui respaldo na Resolução nº 4.676/2018 do Banco Central do Brasil, não havendo abusividade que justifique sua exclusão.
A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não caracteriza abusividade, conforme Súmula nº 382 do STJ. A Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933) não se aplica às instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, conforme Súmula nº 596 do STF. A capitalização de juros com periodicidade inferior à anual é permitida quando expressamente pactuada, conforme RE 592.377 (Tema 33 do STF) e Súmula nº 539 do STJ.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
O indeferimento de prova pericial não caracteriza cerceamento de defesa quando a questão em debate for exclusivamente de direito e os documentos constantes dos autos forem suficientes para o julgamento.
A pandemia de covid-19, por si só, não justifica a revisão judicial de cláusulas contratuais com base na teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva, sendo necessária a comprovação específica do desequilíbrio econômico-financeiro e da extrema vantagem de uma das partes.
A taxa de administração prevista contratualmente, desde que fundamentada em norma aplicável, não caracteriza abusividade.
A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano não é, por si só, abusiva, e a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual é permitida nos contratos celebrados com instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, desde que expressamente pactuada.
Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, arts. 355 e 370; CC/2002, arts. 393 e 6º, V; Resolução nº 4.676/2018 do BACEN.
Jurisprudência relevante citada: STF, Súmulas nº 121 e 596; STJ, Súmula nº 382; STJ, REsp 1.998.206, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14.06.2022; STF, RE 592.377, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 20.03.2015 (Tema 33); STJ, REsp repetitivo nº 1.061.530/RS, Rel. Min. Nanci Andrighi, julgado em 22.10.2008; TRF-3, ApCiv nº 5007943-59.2021.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Luis Carlos Hiroki Muta, julgado em 06.07.2023.