Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001132-43.2024.4.03.6144

RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ANTONIE DAVID HALLAK GANDICA
REPRESENTANTE: DAILE JAINIA GANDICA RAMIREZ

Advogados do(a) APELADO: PAMELA CAROLINA BUENO DE SOUZA - SP379236, VITORIA DEMETRIO DO NASCIMENTO - SC64000-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001132-43.2024.4.03.6144

RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ANTONIE DAVID HALLAK GANDICA
REPRESENTANTE: DAILE JAINIA GANDICA RAMIREZ

Advogados do(a) APELADO: PAMELA CAROLINA BUENO DE SOUZA - SP379236, VITORIA DEMETRIO DO NASCIMENTO - SC64000-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A Excelentíssima Desembargadora Federal GABRIELA ARAUJO (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS (id 317233559) em face de sentença (id 317233556) que julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal e artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, nos seguintes termos:

“Diante do exposto, procedo ao julgamento na forma que segue:

a-) Resolvo as questões prévias conforme acima fundamentado;

b-) Acolho os pedidos formulados por Antonie David Hallak Gandica em face do INSS, condenando a autarquia em obrigação de fazer consistente na concessão do benefício assistencial NB 710.234.111-4, desde a DER em 29/02/2020, resolvendo-se o feito na forma do artigo 487, I, do CPC;

c-) Acolho os pedido formulados por Antonie David Hallak Gandica em face do INSS, condenando a autarquia em obrigação de fazer consistente no pagamento de valores em atraso relativos à assistência social identificada acima, desde a DER em 29/02/2020 até a data da implantação administrativa do benefício, resolvendo-se o feito na forma do artigo 487, I, do CPC.

Eventuais valores pagos administrativamente pela autarquia deverão ser compensados no momento oportuno, desde que inacumuláveis.

O cálculo dos juros de mora e correção monetária são aplicáveis conforme os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se, a partir da edição da EC 113/2021, a aplicação exclusiva da taxa Selic.

Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em benefício da parte autora, que incidirão pelos percentuais mínimos (artigo 85, § 3º, CPC) sobre o valor da condenação, em razão das realidades estampadas no artigo 85, § 2º do CPC, observada eventualmente a Súmula 111 do c. STJ.

O INSS é isento de custas na forma do artigo 4, I, da Lei 9.289/96, contudo responde por elas na medida de eventual sucumbência quando houver efetivo desembolso pela parte adversa.

Reexame necessário dispensado, embora ilíquida a sentença, conforme entendimento do c. STJ nos autos do RESP 1.735.097. Incidência do artigo 496, § 3º, I, do CPC.”

Em suas razões recursais, requer a autarquia a reforma parcial da sentença, a fim de que o termo inicial do benefício seja fixado na data da intimação do laudo socioeconômico, tendo em vista a divergência entre a composição do grupo familiar indicada no Cadastro Único e aquela verificada na ocasião da perícia.

Com contrarrazões (id 317233568), vieram os autos a este Egrégio Tribunal.

O Ministério Público Federal, em seu parecer (id 323294564), opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001132-43.2024.4.03.6144

RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ANTONIE DAVID HALLAK GANDICA
REPRESENTANTE: DAILE JAINIA GANDICA RAMIREZ

Advogados do(a) APELADO: PAMELA CAROLINA BUENO DE SOUZA - SP379236, VITORIA DEMETRIO DO NASCIMENTO - SC64000-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
  

 

 

V O T O

 

 

A Excelentíssima Desembargadora Federal GABRIELA ARAUJO (Relatora): O recurso de apelação preenche os requisitos normativos de admissibilidade previstos no artigo 1.010 do Código de Processo Civil, e, portanto, é conhecido.

Trata-se de demanda ajuizada em 15/04/2024, por Antonie David Hallak Gandica, representado por sua mãe Daile Jainia Gandica Ramirez, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, retroativo à data do requerimento administrativo formulado em 29/02/2020. Sustenta o autor  que apresenta autismo infantil - CID F84, com comprometimento intelectual, estando incapacitado para o trabalho que lhe garanta a subsistência.

O R. Juízo a quo julgou procedente o pedido, para conceder o benefício na forma postulada.

No presente recurso de apelação, a autarquia requer a reforma parcial da sentença, a fim de que o benefício seja concedido a partir da data da intimação do laudo pericial.

Considerando que o apelo versa apenas sobre o termo inicial, deixo de apreciar o mérito relativo aos requisitos para a concessão do benefício assistencial, passando a analisar a matéria objeto do recurso interposto.

Entendo que não assiste razão ao apelante.

Sustenta o INSS que no Cadastro Único, em 04/02/2020 (id 317233427 - Pág. 6), a mãe do autor informara como componentes do grupo familiar: ela (Daile Jainia Gandica Ramirez), o autor (Antonie David Hallak Gandica) e o outro filho mais velho (Jorge Antonio Hallak Gandica). Contudo, quando da visita da assistente social (id 317233545), foram indicados apenas o autor e a genitora.

Considerando-se, portanto, que a nova composição da família implicaria em alteração da renda per capita de seus membros, tendo em vista que o irmão Jorge possuiria rendimentos, requer a autarquia que o termo inicial do benefício assistencial seja fixado na data da intimação do estudo socioeconômico.

Realizado o estudo socioeconômico em 06/06/2024  (id 317233545), restou consignado que o autor, nascido em 29/08/2005, pessoa dentro do espectro autista e com deficiência intelectual severa, reside com a mãe, Sra. Daile Jainia Gandico Ramirez, vindos da Venezuela há seis anos, em imóvel alugado de três cômodos, em humildes condições de moradia.

A renda familiar é proveniente do valor recebido pelo programa Bolsa Família (R$ 650,00). As despesas foram assim indicadas: aluguel – R$ 600,00, água: R$ 80,00, e energia elétrica – R$ 103,00, sendo que a mãe “Relata que conta com doações de vizinhos e igrejas da região para oferta de alimentos, roupas e moveis usados. Relata que as vezes faz refeições no bom prato. O autor se alimenta na escola”.

A genitora informa, ainda, que “é a única cuidadora do autor [diagnosticado com autismo severo e deficiência intelectual aos dois anos]. O genitor mora na Venezuela e não mantém contato. O Autor tem um irmão de 23 anos que tem autismo leve, mora no bairro e trabalha com atendimento ao cliente”.

Conclui a assistente social que “o requerente ANTONIE DAVID HALLAK GANDICO sobrevive com valor do bolsa família e de doações. Atualmente, se encontra em situação socioeconômica de  miserabilidade. Apresenta fragilidade em suprir as necessidades básicas; alertando para a necessidade de proteção social.”

Assim, a única renda da família seria o valor referente ao Bolsa Família, de R$ 650,00.

Conforme documentos acostados aos autos pela parte autora (id 320243855), o irmão Jorge Antonio Hallak Gandica passou a residir em outro endereço desde abril de 2021.

Note-se que, de acordo com o § 1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, no cálculo da renda familiar para fins de concessão do benefício assistencial, não devem ser considerados os rendimentos das pessoas que não habitam sob o mesmo teto daquele que pleiteia o benefício e tampouco os rendimentos das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam consideradas responsáveis por sua manutenção econômica.

Cabe ressaltar que, em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, consta que o referido irmão do autor possui vínculo empregatício desde 01/06/2021, na empresa Foundever do Brasil Serviços e Tecnologia Ltda. Assim, somente passou a auferir renda quando já não mais habitava com o irmão e a mãe.

Acresça-se que o autor instruiu o feito com o comprovante de registro no Cadastro Único, atualizado em 07/03/2022 (id 317233420 - Pág. 1), constando dois membros como integrantes da família.

Por fim, insta salientar que a situação de miserabilidade enfrentada pelo autor e seu núcleo familiar os coloca em situação de ainda maior vulnerabilidade diante de sua situação de imigrante, aspecto que não pode ser desconsiderado na análise do caso concreto, sendo imprescindível a observância dos princípios que regem a proteção social das pessoas imigrantes no ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido, o artigo 3º, inciso X, da Lei n.º 13.445/2017 (Lei de Migração), assegura inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas, enquanto que o inciso XI garante acesso igualitário e livre a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e, especialmente, a seguridade social.

De igual modo, o artigo 4º, inciso VIII, da Lei de Migração, reafirma que lhes deve ser garantido o devido acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social, nos termos da lei, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória.

De forma que a condição de imigrante do autor, somada à comprovada situação de vulnerabilidade, reforça a necessidade de assegurar-lhe a proteção integral garantida pelo ordenamento jurídico.

Em adição à condição de imigrantes do autor e de sua genitora, a análise do presente feito não pode deixar de observar o quanto disposto no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, anexado à Recomendação CNJ n.º 128/2022 e aprovado pelo Grupo de Trabalho pela Portaria CNJ n.º 27/2021. Tal instrumento deve orientar o Judiciário a considerar as desigualdades sociais e as vulnerabilidades que, por vezes, incidem de forma particular sobre as mulheres.

No caso específico, destaca-se a situação da genitora, que se encontra em país estrangeiro, sem rede de apoio, sem qualquer contato ou recebimento de pensão alimentícia por parte do pai da parte, e impossibilitada de ingressar no mercado de trabalho em razão da responsabilidade exclusiva pelo cuidado do autor.

É notório que grande parte dos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada - BPC são assistidos por mulheres – que exercem um papel de cuidadoras com uma frequência muito maior que os homens o fazem. Assim, essas mulheres se veem impossibilitadas de se manter ou se reinserir no mercado de trabalho, ficando dependentes também do benefício auferido por aquele que necessita de sua ajuda.

Diante desse contexto, é imprescindível que a interpretação dos requisitos legais considere tais circunstâncias, evidenciando-se a necessidade de concessão do benefício assistencial como forma de garantir a efetividade da proteção social, diante da comprovada hipossuficiência e dificuldade de inserção socioeconômica da família. Esse é inclusive um dos objetivos da Política Nacional de Cuidados, instituída pela Lei n.º 15.069/2024, que em seu artigo 4º, incisos I e VI, define:

"Art. 4º São objetivos da Política Nacional de Cuidados:

I - garantir o direito ao cuidado, de forma gradual e progressiva, sob a perspectiva integral e integrada de políticas públicas que reconheçam a interdependência da relação entre quem cuida e quem é cuidado;

(...)

VI - promover o reconhecimento, a redução e a redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado primordialmente pelas mulheres;"

Tal situação de vulnerabilidade torna-se ainda mais latente pelo fato de o autor, como já apontado, ser pessoa totalmente dependente, necessitando de cuidados especiais.

Conforme informou a genitora quando realizada a perícia médica,  "o periciado usa fraldas, não consegue ir no banheiro sozinho durante a noite, mantém isolamento social, sem relações interpessoais, consegue manipular celular colocando vídeos para assistir, porém não consegue usar como dispositivo de comunicação. Não consegue se deslocar sozinho de casa, não consegue preparar sua própria comida, apenas lanches rápidos. Descreve a mãe que ajuda o periciado a se trocar e cuidar de si mesmo. Tem dificuldade de aprendizado com diversas repetências e não sabe ler e escrever corretamente. Descreve dificuldade de interação social com estranhos e até mesmo com familiares" (id 317233548 - Pág. 2).

Neste contexto, ainda que, por hipótese, o irmão do autor continuasse a residir com a família, considerando o seu rendimento de R$ 1.588,50 em junho de 2021 (id  317233560 - Pág. 1), restaria preenchido o requisito da hipossuficiência econômica necessário à concessão do benefício assistencial, pois o artigo 20-B da Lei nº 8.742/93 determina que, na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade, devem ser considerados o grau de deficiência, a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária, o comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos médicos, tratamentos de saúde, fraldas, alimentos especiais e com medicamentos não disponibilizados gratuitamente pelo SUS.

Portanto, não merece reforma a sentença, devendo ser mantido como termo inicial do benefício a data do requerimento administrativo (29/02/2020 – id 317233427 - Pág. 1), uma vez que, à época, encontrava-se preenchido o requisito da hipossuficiência econômica constatado no estudo socioeconômico.

Honorários advocatícios a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código de Processo Civil, e da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, com a majoração recursal prevista no § 11, devendo o percentual ser definido somente na liquidação do julgado.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, e arbitro os honorários advocatícios em sucumbência recursal, na forma da fundamentação.

É o voto.

 

 



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NO ARTIGO 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/1993. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

- O apelo versa apenas sobre o termo inicial, razão pela qual incontroversos os requisitos para a concessão do benefício assistencial ao autor.

- Realizado o estudo socioeconômico em 06/06/2024, restou consignado que o autor, nascido em 29/08/2005, pessoa dentro do espectro autista e com deficiência intelectual severa, reside com a mãe, vindos da Venezuela há seis anos, em imóvel alugado de três cômodos, em humildes condições de moradia, sendo a única renda da família o valor referente ao Bolsa Família, de R$ 650,00. Conforme documentos acostados aos autos pela parte autora, o irmão mais velho passou a residir em outro endereço desde abril de 2021.

- De acordo com o § 1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, no cálculo da renda familiar para fins de concessão do benefício assistencial, não devem ser considerados os rendimentos das pessoas que não habitam sob o mesmo teto daquele que pleiteia o benefício e tampouco os rendimentos das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam consideradas responsáveis por sua manutenção econômica.

- Em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, consta que o referido irmão do autor possui vínculo empregatício desde 01/06/2021. Portanto, somente passou a auferir renda quando já não mais habitava com o irmão e a mãe. Acresça-se que o autor instruiu o feito com o comprovante de registro no Cadastro Único, atualizado em 07/03/2022, constando dois membros como integrantes da família.

- A situação de miserabilidade enfrentada pelo autor e seu núcleo familiar os coloca em situação de ainda maior vulnerabilidade diante de sua situação de imigrante, aspecto que não pode ser desconsiderado na análise do caso concreto, sendo imprescindível a observância dos princípios que regem a proteção social das pessoas imigrantes no ordenamento jurídico brasileiro.

- A Lei n.º 13.445/2017 (Lei de Migração) assegura inclusão social, o acesso igualitário e livre a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e, especialmente, assistência social e previdência social. De forma que a condição de imigrante do autor, somada à comprovada situação de vulnerabilidade, reforça a necessidade de assegurar-lhe a proteção integral garantida pelo ordenamento jurídico.

- Em adição à condição de imigrantes do autor e de sua genitora, a análise do presente feito não pode deixar de observar o quanto disposto no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, anexado à Recomendação CNJ n.º 128/2022 e aprovado pelo Grupo de Trabalho pela Portaria CNJ n.º 27/2021.

- Destaca-se a situação da genitora, que se encontra em país estrangeiro, sem rede de apoio, sem qualquer contato ou recebimento de pensão alimentícia por parte do pai da parte, e impossibilitada de ingressar no mercado de trabalho em razão da responsabilidade exclusiva pelo cuidado do autor.

- É notório que grande parte dos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada - BPC são assistidos por mulheres – que exercem um papel de cuidadoras com uma frequência muito maior que os homens o fazem. Assim, essas mulheres se veem impossibilitadas de se manter ou se reinserir no mercado de trabalho, ficando dependentes também do benefício auferido por aquele que necessita de sua ajuda.

- Imprescindível que a interpretação dos requisitos legais considere tais circunstâncias, evidenciando-se a necessidade de concessão do benefício assistencial como forma de garantir a efetividade da proteção social, diante da comprovada hipossuficiência e dificuldade de inserção socioeconômica da família.

- Esse é inclusive um dos objetivos da Política Nacional de Cuidados, instituída pela Lei n.º 15.069/2024, que em seu artigo 4º, incisos I e VI, define: Art. 4º São objetivos da Política Nacional de Cuidados: I - garantir o direito ao cuidado, de forma gradual e progressiva, sob a perspectiva integral e integrada de políticas públicas que reconheçam a interdependência da relação entre quem cuida e quem é cuidado; (...) VI - promover o reconhecimento, a redução e a redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado primordialmente pelas mulheres;

- Neste contexto, ainda que, por hipótese, o irmão do autor continuasse a residir com a família, considerando o seu rendimento, restaria preenchido o requisito da hipossuficiência econômica necessário à concessão do benefício assistencial, pois o artigo 20-B da Lei nº 8.742/93 determina que, na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade, devem ser considerados o grau de deficiência, a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária, o comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos médicos, tratamentos de saúde, fraldas, alimentos especiais e com medicamentos não disponibilizados gratuitamente pelo SUS.

- Não merece reforma a sentença, devendo ser mantido como termo inicial do benefício a data do requerimento administrativo (29/02/2020), uma vez que, à época, encontrava-se preenchido o requisito da hipossuficiência econômica constatado no estudo socioeconômico.

- Honorários advocatícios a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código de Processo Civil, e da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, com a majoração recursal prevista no § 11, devendo o percentual ser definido somente na liquidação do julgado.

- Apelação do INSS não provida.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
GABRIELA ARAUJO
Desembargadora Federal