APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5024687-95.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: ROBERTO MICHAEL SCHAEFER
Advogado do(a) APELANTE: MARISTELA ANTONIA DA SILVA - SP260447-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
INTERESSADO: CONCRETMAX LTDA.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5024687-95.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: ROBERTO MICHAEL SCHAEFER Advogado do(a) APELANTE: MARISTELA ANTONIA DA SILVA - SP260447-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança impetrado por ROBERTO MICHAEL SCHAEFER, em face do PROCURADOR FEDERAL DA FAZENDA NACIONAL EM SÃO PAULO, objetivando o cancelamento do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR) nº 000.027.434.965-6 e a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários relacionados na CDA nº 70622008963-24, com relação ao impetrante, até o julgamento definitivo desta ação. A sentença denegou a segurança, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Custas pela parte impetrante. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei n° 12.016/09. Apela a parte impetrante reitera os termos da inicial. Sustenta, em síntese, a necessidade de procedimento formal de desconsideração da personalidade jurídica para que lhe possa ser imputado débito da empresa. Alega a inconstitucionalidade da Portaria n. 948/2017, pois a PGFN não possui competência para atribuir responsabilidade ao sócio pelos débitos da empresa. Além disso ofende o art.18 da Lei n. 9.784/99 e viola o contraditório e a ampla defesa. Requer a reforma da sentença para concessão da ordem de cancelamento do PARR. Com contrarrazões. O Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito. É o relatório.
INTERESSADO: CONCRETMAX LTDA.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5024687-95.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: ROBERTO MICHAEL SCHAEFER Advogado do(a) APELANTE: MARISTELA ANTONIA DA SILVA - SP260447-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O É certo que a Administração Pública deve ter atuação que possibilite ao cidadão defender-se ante a possibilidade de prática ou de expedição de atos que venham a produzir efeitos na sua esfera de direitos, como forma de melhor atender à necessidade de transparência e lisura no exercício das atribuições dos entes públicos. A possibilidade de defesa nos processos administrativos deve ser ampla, nos termos da Carta Magna e compreende todos os momentos processuais, desde o início do processo até o momento de sua execução, incluindo a possibilidade de recurso das decisões tomadas. O artigo 20-D, inciso III da Lei nº 10.522/2002, autoriza a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa da União, confira: Art. 20-D. Sem prejuízo da utilização das medidas judiciais para recuperação e acautelamento dos créditos inscritos, se houver indícios da prática de ato ilícito previsto na legislação tributária, civil e empresarial como causa de responsabilidade de terceiros por parte do contribuinte, sócios, administradores, pessoas relacionadas e demais responsáveis, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá, a critério exclusivo da autoridade fazendária (Incluído pela Lei nº 13.606, de 2018) I - notificar as pessoas de que trata o caput deste artigo ou terceiros para prestar depoimentos ou esclarecimentos; (Incluído pela Lei nº 13.606, de 2018) II - requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Lei nº 13.606, de 2018) III - instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não, observadas, no que couber, as disposições da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999. (Incluído pela Lei nº 13.606, de 2018) Outrossim, a Portaria PGFN nº 948/2017 que regulamenta o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR), para fins de apuração da responsabilidade de terceiros pela prática da infração à lei consistente na dissolução irregular de pessoa jurídica devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN, assim dispõe. Art. 2º O Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade - PARR será instaurado por iniciativa da unidade descentralizada da PGFN responsável pela cobrança de débito inscrito em dívida ativa em face de pessoa jurídica devedora. Parágrafo único. O procedimento será realizado contra o terceiro cuja responsabilidade se pretende apurar e deverá indicar especificamente os indícios da ocorrência da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, devendo conter, no mínimo, as seguintes informações: I - identificação da pessoa jurídica cuja dissolução irregular é apontada; II - identificação do terceiro em face do qual o procedimento foi instaurado; III - elementos de fato que caracterizaram a dissolução irregular da pessoa jurídica; IV - fundamentos de direito da imputação da responsabilidade pela dívida ao terceiro; e V - discriminação e valor consolidado dos débitos inscritos em dívida ativa objeto do procedimento. Nesse contexto, a instauração do processo administrativo de responsabilidade de terceiros, previamente a qualquer demanda judicial, encontra respaldo na legislação, sendo aplicada nos casos de indícios ou efetiva constatação de dissolução irregular da empresa devedora. A Portaria em questão permite a juntada de documentos com a impugnação a fim de afastar a conclusão no sentido da dissolução irregular da pessoa jurídica e/ou a responsabilidade do sócio ou terceiro pelos créditos tributários (art.3º e 4º), oportunizando o contraditório e a ampla defesa. O PARR é procedimento administrativo que encontra previsão na legislação destinado a apurar responsabilidade por débito tributário, hipótese que não se confunde com o pedido de redirecionamento em execução fiscal, necessário quando não exista o prévio processo administrativo. Esta Corte Regional já se pronunciou acerca da inexistência de reserva judicial para discussão da matéria, podendo a questão ser analisada na via judicial, para verificação da legalidade do ato administrativo, sob perspectiva formal ou material. Assim, constada a inscrição em dívida ativa do corresponsável tributário, caberá a ele, promover a discussão acerca da ilegalidade de tal inclusão na seara judicial, ocasião em que poderá arguir a existência de vício formal no procedimento de inclusão, como cerceamento de defesa, inexistência de causa de dissolução irregular ou demais situações contempladas pela legislação aptas a afastar tal responsabilidade tributária. Nesse sentido: DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. PORTARIA PGFN 948/2017. PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE (PARR). DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO-GERENTE. FUNÇÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE RESERVA DE JURISDIÇÃO. PREVISÃO LEGAL. ARTIG0 20-D DA LEI 10.522/2002. ARTIGO 2º, § 5º, II, DA LEF. CONSTITUCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE DE IDPJ. 1. O procedimento administrativo de responsabilidade de terceiros (PARR, previsto na Portaria PGFN 948/2017) tem respaldo legal expresso, nos termos do artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002, aplicando-se exclusivamente nos casos de indícios ou efetiva constatação de dissolução irregular de empresas. Trata-se, de fato, de causa suficiente para impor solidariedade pelas dívidas em aberto ao sócio responsável, conforme as teses firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça nos Temas Repetitivos 630 e 981. 2. A responsabilização de terceiros em sede administrativa, previamente a qualquer demanda judicial, não é novidade na praxe fiscal e cotidiano da atividade judiciária, havendo inclusive jurisprudência sedimentada na Corte Superior sobre questões que pressupõem o cabimento de tal prática. Nesta linha, firmou-se entendimento de que, constando da inscrição em dívida ativa o nome do corresponsável tributário, a este cabe, na via judicial, discutir a ilegalidade de tal inclusão, por vício formal no procedimento de inclusão, como cerceamento de defesa, ou por não resultar de situação jurídica contemplada pela legislação como apta a gerar tal responsabilidade tributária. 3. O exame da legislação e jurisprudência não evidencia impedimento à apuração, na instância fiscal, de responsabilidade tributária de terceiro, desde que observadas garantias formais e instrumentais do processo administrativo e, em particular, requisitos legais próprios para imputação de tal espécie de responsabilidade, em especial face às prescrições do Código Tributário Nacional. Não existe, pois, neste âmbito, reserva judicial para discussão da matéria, sem prejuízo do controle judicial do ato praticado pela Administração, sob perspectiva formal ou material, de sorte que pode ser ajuizada demanda para imputar nulidade por cerceamento de defesa ou por ilegalidade da decisão fiscal, ao reconhecer responsabilidade tributária de terceira fora do que previsto no Código Tributário Nacional e legislação específica. 4. A jurisprudência firmada quanto ao mérito próprio do reconhecimento da responsabilidade tributária de terceiro, sem prejuízo de constatações e circunstâncias inerentes à fase administrativa da apuração, permite discussão judicial do ato decisório em si, mas não impede nem cria reserva judicial para tornar inconstitucional ou ilegal o procedimento, quando ainda não ajuizada a dívida. É possível questionar judicialmente a decisão fiscal de redirecionamento administrativo, caso viole os parâmetros, por exemplo, do artigo 135, CTN, ou súmula de jurisprudência da Corte Superior, porém disto não resulta que a previsão, em portaria, de procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade, a ser promovido junto à Procuradoria da Fazenda Nacional, seja, em si, inconstitucional ou ilegal, até porque, a própria legislação contempla, expressamente, tal previsão (para além do mencionado artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002) ao dispor que o termo de inscrição deve conter o nome do devedor e "dos co-responsáveis", assim remetendo à apuração administrativa de tal responsabilidade (artigo 2º, § 5º, II, da LEF). 5. O redirecionamento de cobranças fiscais, em se tratando de contribuinte pessoa jurídica, é usualmente baseado em certidão de oficial de justiça indicando a não localização da devedora no domicílio tributário (por aplicação das Súmulas 435 e Tema Repetitivo 630 do Superior Tribunal de Justiça) ou, alternativamente, por petição fundamentada da exequente informando dados colhidos em sistemas internos (movimentação financeira, pagamento de tributos, declarações de imposto de renda) que evidenciam a existência de dissolução irregular e, comumente, confusão patrimonial. A tentativa de citação judicial frustrada, por não localização da devedora, não é o único caminho hábil a permitir o redirecionamento da cobrança. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. 6. Em tais casos, não se exige da credora a retificação da CDA. O responsabilizado é incluído diretamente no polo passivo da cobrança, sem qualquer substituição ou emenda do título executivo. Assim, trata-se de questão que passa ao largo da vedação constante da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça (como também é o caso em responsabilidade por sucessão. A interpretação que se extrai do entendimento em análise, sempre com vistas a manter coesão e coerência jurisprudencial sobre a matéria (artigo 926 do CPC) é a de que o Superior Tribunal de Justiça admite que, nos casos de responsabilidade tributária indireta por transferência, a imutabilidade do título executivo não seja oponível à satisfação da pretensão fiscal. 7. É razoável que assim seja, inclusive. Do contrário se estaria a chancelar que o descumprimento de obrigações normativas várias (regular extinção da pessoa jurídica, comunicação de atos de sucessão empresarial, observância da autonomia patrimonial e existencial de pessoas jurídicas, dentre tantos exemplos) fosse manejado para desonerar os responsáveis das consequências tributárias legalmente previstas para tais situações, favorecendo a prescrição de dívidas não por inércia da credora, mas por limitação das vias de persecução do direito ventilado. Desta maneira, estar-se-ia reduzindo expressivamente as possibilidades de atuação da Administração para fazer cumprir “dever de bem tributar e fiscalizar” (ADI 2.859, Rel. Min DIAS TOFFOLI, Dje 16/10/2016) lastreado, em princípio, em presunção de higidez e legitimidade. 8. É certo que a responsabilização por transferência decorre de norma apartada da regra-matriz de incidência tributária. Primeiro, há o estabelecimento da relação jurídica obrigacional tributária, pela prática do fato gerador, e por evento posterior e distinto, controlado por hipótese normativa diversa, há responsabilização de sujeitos outros pela prestação pecuniária originalmente devida. Contudo, o que isto significa é, propriamente, a modificação do sujeito passivo da relação obrigacional tributária, a partir de solidarização da dívida. Trata-se de conteúdo expressamente abrangido pela atividade de lançamento (artigo 142 do CTN) e, de igual forma, “o responsável” é, na terminologia do Código Tributário Nacional, “sujeito passivo” (artigo 121 do CTN). Aplica-se, assim, PARR o arcabouço jurisprudencial a respeito de nulidades e prescrição (material e intercorrente) incidentes em casos que tais. Todavia, não se trata de conteúdo em relação ao qual foi aventada causa de pedir ou produzida prova nestes autos, pelo qual não é possível o respectivo exame na espécie. 9. Estabelecido que a responsabilização de terceiros pode ocorrer na via administrativa, por inferências diversas da não localização do devedor no domicílio tributário, e que o redirecionamento de cobrança fiscal em curso é cabível, em que pese a imutabilidade do título executivo, cabe concluir que sob os mesmos parâmetros da solidarização prévia à judicialização da pretensão fiscal (destacadamente a possibilidade de controle judicial a posteriori), nada impede que o Fisco promova retificação de CDA (ato que exsurge pertinente dada a apuração extrajudicial de responsabilidade, a ser submetida a crivo do Judiciário), em cobrança executiva, por força de procedimento de solidarização conduzido ainda que apenas na via administrativa. Vale notar que, de mais a mais, o multimencionado artigo 20-D da Lei 10.522/2002 corrobora expressamente o cabimento do PARR para dívidas ajuizadas, ao apontar que o procedimento de responsabilização de terceiro é possível para "débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não". 10. Considerando a atual suspensão da tese firmada no IRDR1/TRF3 (tema: “O redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica”), por força de recursos interpostos aos Tribunais Superiores (cf. REsp 1.869.867, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 03/05/2021), prevalece a aplicabilidade do entendimento reiterado da Corte Superior de que, em casos de dissolução irregular de empresas, não há desconsideração de personalidade jurídica (com o que é prescindível o IDPJ). Note-se que, em linha de princípio, a instauração de procedimento administrativo prévio à solidarização judicial da dívida, promove fortalecimento da garantia de ampla defesa e contraditório, na medida em que a responsabilização do terceiro ocorre mediante contraditório prévio, em sede administrativa, em adição à possibilidade de discussão judicial (o que é, aliás, o próprio fundamento do IDPJ e da tese firmada no IRDR julgado pelo Órgão Especial deste Tribunal). 11. Em se tratando de investigação que discute o fato deflagrador de responsabilidade de terceiro, e não o próprio crédito, improcede a alegação da impetrante de que o exercício de ampla defesa no PARR é indevidamente restrito. Com efeito, a dívida em si (e mesmo a responsabilização promovida em sede administrativa) podem ser amplamente discutidos em Juízo, como de praxe. A sistemática do Fisco meramente adiciona instâncias de defesa, como visto. 12. O fato de o recurso à decisão inicial proferida no PARR ser apreciado também no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional não importa em violação ao duplo grau de jurisdição. A uma, porque não há que se confundir "instâncias de jurisdição" com "instituições distintas". No PARR, a impugnação é apreciada pelo “Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa” (artigo 5º), ao passo em que o recurso é examinado pelo “Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada, desde que estes não sejam os responsáveis pela iniciativa da cobrança ou pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deverá ser submetido à respectiva autoridade imediatamente superior” (artigo 6º, § 3º), instância e autoridade distinta e, inclusive, dotada de hierarquia superior. Depois, cumpre observar que o duplo grau de jurisdição não é direito do sujeito passivo em sede administrativa (e mesmo judicial), sendo frequentes procedimentos de jurisdição única, validados em jurisprudência. 13. Das peças amealhadas aos autos, verifica-se que o impetrante se defendeu a tempo e modo, inclusive com manejo de recurso julgado regularmente pela autoridade fiscal na instância competente, nos termos do artigo 56 da Lei 9.784/1999, ao qual se remete o artigo 9º da Portaria PGFN 948/2017, bem como o artigo 20-D, da Lei 10.522/2002. No "mérito" do redirecionamento, o comprovante de inscrição e a situação cadastral não afastam contundentemente os indícios de dissolução irregular por omissão de declarações e emissão de certidões de regularidade fiscal desde 2014. Não é raro que a inscrição permaneça ativa, por falta de baixa, ainda que não esteja mais em atividade a pessoa jurídica, em prática que se reconhece como dissolução irregular. Inexistente qualquer controvérsia em relação à condição do agravante de sócio-administrador ao tempo da constatação dos indícios de dissolução irregular (conforme prelecionado no Tema Repetitivo 981 do Superior Tribunal de Justiça, cotejado acima), o reconhecimento da responsabilidade tributária não padece de qualquer vício. 14. Apelação e remessa necessária providas. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5008792-65.2020.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 03/02/2023, Intimação via sistema DATA: 06/02/2023). No caso, após a identificação de indícios suficientes da ocorrência da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, instaurou-se o PARR em detrimento do Impetrante, administrador da Pessoa Jurídica executada. Conforme apontado pela autoridade administrativa, não há qualquer documento registrado perante a Junta Comercial que demonstre o encerramento regular da empresa mediante a equalização das contas da sociedade extinta. A ausência de liquidação caracterizou a dissolução irregular da sociedade e responsabilização do sócio, conforme disposto no art.135, III do CTN. Especificamente quanto à dissolução da sociedade, importante observar que o registro do distrato social na JUCESP é apenas uma das etapas do processo de extinção da empresa, sendo que a pessoa jurídica subsiste até o término da fase de liquidação, a se considerar o disposto no art. 51, caput, do CC. O impetrante foi devidamente notificado acerca da instauração do PARR, sendo-lhe concedido o prazo para impugnação, no entanto, não apresentou defesa. Em relação ao duplo grau de jurisdição não há disposição expressa assegurando o duplo grau de jurisdição na esfera administrativa. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REEXAME DOS PRESSUPOSTOS. INVIABILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPROVAÇÃO DE INTERPOSIÇÃO. PREJUÍZO. INOCORRÊNCIA. FORMAÇÃO DEFICIENTE DA PEÇA RECURSAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. ESFERA ADMINISTRATIVA. GARANTIA DE DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. INEXISTÊNCIA. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283 DO STF. APLICAÇÃO. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo 2). 2. Inexiste violação do art. 535 do CPC/1973 quando o Tribunal de origem enfrenta os vícios alegados nos embargos de declaração e emite pronunciamento fundamentado, ainda que contrário à pretensão da recorrente, como constatado na hipótese. 3. É firme a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça acerca da impossibilidade de rever em recurso especial a existência dos requisitos suficientes para a concessão de medida urgente, em razão do óbice da Súmula 7 do STJ, bem assim da Súmula 735 do STF. 4. Para o STJ, "o decreto de inadmissibilidade do agravo de instrumento, em razão do descumprimento da providência prevista no artigo 526 do CPC de 1973, condiciona-se à constatação do prejuízo da parte agravada" ( AgInt no REsp 1351630/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 10/08/2020, DJe 14/08/2020). 5. No caso, a Corte local decidiu em conformidade com este Tribunal Superior quando entendeu que o propósito daquele dispositivo do CPC/1973 é "facilitar o oferecimento da contraminuta, na medida em que a juntada de cópia do agravo ao processo principal, o interessado não precisa vir ao tribunal para respondê-lo. Mas, no caso, a resposta foi oferecida, inexistindo ofensa ao contraditório, ao direito de defesa". 6. O tema da deficiência na formação do instrumento não foi analisado na origem, porquanto não agitado na contraminuta do agravo, segundo anotado pela Corte de origem, pelo que, no ponto, carece o apelo especial do indispensável prequestionamento (Súmula 282 do STF). 7. Esta Corte Superior possui o entendimento de que não há, na Constituição de 1988, garantia de duplo grau de jurisdição administrativa. 8. A conformidade do acórdão recorrido com a jurisprudência desta Corte Superior enseja a aplicação do óbice de conhecimento estampado na Súmula 83 do STJ. 9. Incide a Súmula 283 do STF, em aplicação analógica, quando não impugnado fundamento autônomo e suficiente à manutenção do aresto recorrido. 10. Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt no REsp: 1650331 SP 2017/0017426-3, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 13/10/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/10/2020) Assim, a despeito de regularmente oportunizado o exercício do contraditório e da ampla defesa, o impetrante (codevedor) não afastou o indício de dissolução irregular, permite concluir que a dissolução da pessoa jurídica executada não observou os ditames legais, autorizando a responsabilização do sócio, logo, não há se falar em cerceamento de defesa. Além disso, a documentação que instruiu o presente mandamus não permite afastar a dissolução irregular da empresa. Cumpre ressaltar que a discussão acerca da efetiva configuração ou não da dissolução irregular da empresa, apta a justificar o redirecionamento da cobrança em face do sócio, nesse caso, demanda a produção de provas, não podendo ser aferida na via estreita do mandado de segurança. Destarte, não merece reparos a sentença. Ante o exposto, nego provimento ao apelo, nos termos da fundamentação. É o voto.
INTERESSADO: CONCRETMAX LTDA.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CANCELAMENTO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE (PARR). SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. NEGADO PROVIMENTO AO APELO.
I. CASO EM EXAME
Trata-se de mandado de segurança impetrado por ROBERTO MICHAEL SCHAEFER, em face do PROCURADOR FEDERAL DA FAZENDA NACIONAL EM SÃO PAULO, objetivando o cancelamento do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR) nº 000.027.434.965-6 e a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários relacionados na CDA nº 70622008963-24, com relação ao impetrante, até o julgamento definitivo desta ação.
A sentença denegou a segurança, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Custas pela parte impetrante. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei n° 12.016/09.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
i) Necessidade de procedimento formal de desconsideração da personalidade jurídica para imputação de débito da empresa ao sócio.
ii) Inconstitucionalidade da Portaria n. 948/2017, pois a PGFN não possui competência para atribuir responsabilidade ao sócio pelos débitos da empresa.
iii) Ofensa ao art.18 da Lei n. 9.784/99 e violação ao contraditório e à ampla defesa.
III. RAZÕES DE DECIDIR
A Administração Pública deve possibilitar ao cidadão defender-se ante a prática ou expedição de atos que venham a produzir efeitos na sua esfera de direitos, atendendo à necessidade de transparência e lisura no exercício das atribuições dos entes públicos.
A defesa nos processos administrativos deve ser ampla, nos termos da Carta Magna, compreendendo todos os momentos processuais, desde o início do processo até sua execução, incluindo a possibilidade de recurso das decisões tomadas.
O artigo 20-D, inciso III da Lei nº 10.522/2002 autoriza a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa da União.
A Portaria PGFN nº 948/2017 regulamenta o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR), permitindo a juntada de documentos com a impugnação a fim de afastar a conclusão no sentido da dissolução irregular da pessoa jurídica e/ou a responsabilidade do sócio ou terceiro pelos créditos tributários.
Nesse contexto, a instauração do processo administrativo de responsabilidade de terceiros, previamente a qualquer demanda judicial, encontra respaldo na legislação, sendo aplicada nos casos de indícios ou efetiva constatação de dissolução irregular da empresa devedora.
A Portaria em questão permite a juntada de documentos com a impugnação a fim de afastar a conclusão no sentido da dissolução irregular da pessoa jurídica e/ou a responsabilidade do sócio ou terceiro pelos créditos tributários (art.3º e 4º), oportunizando o contraditório e a ampla defesa.
O PARR é procedimento administrativo que encontra previsão na legislação destinado a apurar responsabilidade por débito tributário, hipótese que não se confunde com o pedido de redirecionamento em execução fiscal, necessário quando não exista o prévio processo administrativo.
Esta Corte Regional já se pronunciou acerca da inexistência de reserva judicial para discussão da matéria, podendo a questão ser analisada na via judicial, para verificação da legalidade do ato administrativo, sob perspectiva formal ou material.
Assim, constada a inscrição em dívida ativa do corresponsável tributário, caberá a ele, promover a discussão acerca da ilegalidade de tal inclusão na seara judicial, ocasião em que poderá arguir a existência de vício formal no procedimento de inclusão, como cerceamento de defesa, inexistência de causa de dissolução irregular ou demais situações contempladas pela legislação aptas a afastar tal responsabilidade tributária.
No caso, após a identificação de indícios suficientes da ocorrência da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, instaurou-se o PARR em detrimento do Impetrante, administrador da Pessoa Jurídica executada.
Conforme apontado pela autoridade administrativa, não há qualquer documento registrado perante a Junta Comercial que demonstre o encerramento regular da empresa mediante a equalização das contas da sociedade extinta.
A ausência de liquidação caracterizou a dissolução irregular da sociedade e responsabilização do sócio, conforme disposto no art.135, III do CTN.
Especificamente quanto à dissolução da sociedade, importante observar que o registro do distrato social na JUCESP é apenas uma das etapas do processo de extinção da empresa, sendo que a pessoa jurídica subsiste até o término da fase de liquidação, a se considerar o disposto no art. 51, caput, do CC.
O impetrante foi devidamente notificado acerca da instauração do PARR, sendo-lhe concedido o prazo para impugnação, no entanto, não apresentou defesa.
Em relação ao duplo grau de jurisdição não há disposição expressa assegurando o duplo grau de jurisdição na esfera administrativa.
Assim, a despeito de regularmente oportunizado o exercício do contraditório e da ampla defesa, o impetrante (codevedor) não afastou o indício de dissolução irregular, permite concluir que a dissolução da pessoa jurídica executada não observou os ditames legais, autorizando a responsabilização do sócio, logo, não há se falar em cerceamento de defesa.
Além disso, a documentação que instruiu o presente mandamus não permite afastar a dissolução irregular da empresa.
Cumpre ressaltar que a discussão acerca da efetiva configuração ou não da dissolução irregular da empresa, apta a justificar o redirecionamento da cobrança em face do sócio, nesse caso, demanda a produção de provas, não podendo ser aferida na via estreita do mandado de segurança.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Nego provimento ao apelo.
Dispositivos relevantes citados: Artigo 20-D, inciso III da Lei nº 10.522/2002; Artigo 135, III do CTN; Artigo 51, caput, do CC.
Jurisprudência relevante citada: TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5008792-65.2020.4.03.6100; STJ - AgInt no REsp: 1650331 SP 2017/0017426-3.