APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000020-26.2024.4.03.6116
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ROSEMEIRE MORGADO PESSOA
Advogado do(a) APELANTE: RICARDO SALVADOR FRUNGILO - SP179554-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000020-26.2024.4.03.6116 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: ROSEMEIRE MORGADO PESSOA Advogado do(a) APELANTE: RICARDO SALVADOR FRUNGILO - SP179554-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LUCIANA ORTIZ (RELATORA): Trata-se de apelação interposta contra sentença que, nos autos de concessão de benefício por incapacidade, INDEFERIU a petição inicial, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais, suspensa a execução, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita. Em suas razões de recurso, sustenta a parte autora que instruiu o feito com procuração assinada pela curadora e termo de curatela provisória. Requer, assim, a reforma do julgado, com o afastamento da inépcia da inicial e o prosseguimento do feito. Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional. Nesta Corte, a D. Representante do Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso. É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000020-26.2024.4.03.6116 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: ROSEMEIRE MORGADO PESSOA Advogado do(a) APELANTE: RICARDO SALVADOR FRUNGILO - SP179554-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LUCIANA ORTIZ (RELATORA): Em razão de sua regularidade formal, recebo o recurso, nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015. Dispõe o Código de Processo Civil: "Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial." No caso, a sentença apelada indeferiu a petição inicial e julgou extintoo feito, sem resolução do mérito, tendo em vista que a parte autora, embora regularmente intimada, deixou de emendar a petição inicial, com a juntada de procuração assinada pela autora e pela curadora provisória, na condição de assistente, como determinado pelo MM. Juízo de origem. Embora não tenha apresentado a procuração, na forma determinada pelo MM. Juízo de origem, a parte autora instruiu o feito com procuração assinada pela curadora provisória (ID316533302) e termo de nomeação da curadora provisória (ID3166533303 e ID3163533304), os quais, no caso específico destes autos, bastam para formalizar a sua representação processual. De acordo com o Código Civil de 2002, após as alterações introduzidas pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), apenas os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes (artigo 3º). Com a nova redação do Código Civil, aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade e os ébrios habituais e os viciados em tóxico passaram a ser considerados relativamente incapazes (artigo 4º, III). Por conseguinte, para que possam estar em juízo, em regra, os absolutamente incapazes devem ser representados por seus pais, por tutores ou curadores, e os relativamente incapazes apenas assistidos, nos termos do artigo 71 do CPC/2015. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao excluir, do rol dos absolutamente incapazes, aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil, assim como aqueles que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade, pretende assegurar, em seu artigo 84, o direito das pessoas com deficiência ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas. No entanto, o referido estatuto estabelece (i) que, "quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei" (parágrafo 2º), (ii) que "a definição de curatela da pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível" (parágrafo 3º) e (iii) que "a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direito de natureza patrimonial e negocial" (artigo 85, caput). Como se vê, a lei prevê casos em que os relativamente incapazes poderão ser representados em juízo pelos seus curadores. Nesse sentido, o Código Civil estabelece, em seu artigo 1.767, que estão sujeitos à curatela "aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade" (inciso I), hipótese nas quais se pode incluir aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem discernimento para a práticas dos atos da vida civil. Portanto, há que se analisar, caso a caso, para verificar o grau de incapacidade e determinar se a pessoa com deficiência mental tem, ou não, condições de exprimir sua vontade, e se o impedimento é provisório ou definitivo. Nesse sentido, já decidiu esta Colenda Turma: "PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELAS DEFENSORIAS PÚBLICAS - SUPOSTA EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE CURATELA, PELO INSS, PARA CONCESSÃO E PAGAMENTO DE BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - INTERESSE COLETIVO - INEXISTÊNCIA DE POLÍTICA DELIBERADA NA ÓRBITA DO INSS - IMPROCEDÊNCIA. 1 - Entre as diversas medidas legislativas tomadas com vistas à observância desse desiderato maior, a Lei Federal nº 13.146/2015 (conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência), promoveu avanços na direção da inserção social plena das pessoas com deficiência. Nessa linha, dentre outras garantias, a aludida norma fixou a atenção integral à saúde em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, com garantia de acesso universal e igualitário (art. 18); o aperfeiçoamento dos sistemas educacionais, com vistas a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena (art. 28, inc. II); o direito ao trabalho de livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas (art. 34). 2 - Quanto à capacidade para os atos da vida civil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência modificou os arts. 3º e 4º do Código Civil, retirando as pessoas com enfermidade ou doença mental do rol dos absolutamente incapazes. Com efeito, foi atribuído maior autonomia a tais pessoas, restando, dessa forma, não estando mais vinculado o transtorno mental a situação de incapacidade. Nessa toada, preceitua o art. 84 da Lei Federal nº 13.146/2015 que: “a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”. 3 - Todavia, essa mudança legislativa não implica considerar que a pessoa com deficiência, a depender de sua peculiar situação, não possa sofrer limitação de sua capacidade. Nesse tópico, a teor do §1º do mencionado art. 84: “quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”. Portanto, conforme bem concluiu a r. sentença monocrática, “em nosso entender, o que o Estatuto vez foi retirar a presunção de incapacidade absoluta das pessoas com enfermidade ou doença mental, tornando a análise casuístnão estou convencido da existência de uma política institucional deliberada na órbita do INSS, ainda que “não oficial”, destinada a violar direitos ou prejudicar as pessoas com deficiência. Em meu sentir, o bojo documental trazido aos autos não autoriza conclusão de tamanha gravidade. Em suma, tenho que a parte autora não se desincumbiu do ônus de demonstrar sua assertivas, em obediência ao estatuído no art. 373, I, do Código de Processo Civil, não obstante serem louváveis os esforços engendrados com esse desiderato. 4 - Chama a atenção a análise numérica levada a efeito pela E. Magistrada sentenciante quando concluiu que, de todas as solicitações de curatela atendidas pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo (planilha id. 3898336 - Pág. 2), no período de 16.03.2016 a 29.03.2016, apenas 1/5 (um quinto) ou 20% (vinte por cento) foram encaminhadas pelo INSS, e, mesmo assim, sem comprovação clara de que as ditas solicitações se encontrem diretamente relacionadas com as alegações da exordial. 5 - Preliminares rejeitadas. Apelação e remessa oficial desprovidas." (TRF 3ª Região, ApCiv nº 5009576-89.2017.4.03.6183, Relator Juiz Federal Convocado Marcelo Guerra, Intimação via sistema em 07/03/2023) No caso, há fortes indícios de que a parte autora é incapaz para os atos da vida civil, tanto que o Juízo de interdição nomeou a filha dela como curadora provisória com poderes para atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (ID316533303). Ademais, depreende-se, destes autos, que a parte autora é pessoa idosa (70 anos) e, conforme relatórios médicos que instruem a petição inicial, é portadora de deficiência mental, decorrente de Esquizofrenia (F20) e Epilepsia (G40), que acarretam problemas cognitivos, de memória, atenção e raciocínio lógico (ID316533236 e ID316533250). Não é, pois, o caso de se exigir de uma pessoa, nessas condições, que assine uma procuração, tão somente para formalizar a sua representação processual, sem a qual ficaria impedida de pleitear judicialmente benefício previdenciário que é imprescindível para a sua manutenção. A exigência de formalismo excessivo de pessoas com deficiência representa violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, da dignidade da pessoa humana e do acesso à justiça, não se justificando o indeferimento da inicial quando há, como no caso dos autos, elementos mínimos para o exercício regular do contraditório. Assim, embora o processo de interdição ainda não tenha sido concluído, a procuração assinada pela curadora provisória e o termo de nomeação da curadora provisória devem ser considerados suficientes para formalizar a representação processual, não podendo subsistir, com esse fundamento, a sentença que declarou inepta a inicial. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo, para reformar a sentença e determinar a remessa dos autos à Vara de origem, para que se dê prosseguimento ao feito. É COMO VOTO. /gabiv/asato
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. INDEFERIMENTO DA INICIAL POR AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO DA PARTE AUTORA. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL FORMALIZADA POR CURADORA PROVISÓRIA. RELATIVA INCAPACIDADE. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE EXIGÊNCIA FORMAL IRRAZOÁVEL. APELO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação contra sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu o feito, sem resolução do mérito, em ação de concessão de benefício por incapacidade, ao fundamento de ausência de regularização da representação processual, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais, com execução suspensa em razão da gratuidade da justiça.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em definir se a procuração assinada exclusivamente pela curadora provisória, acompanhada do respectivo termo de nomeação, é suficiente para formalizar a representação processual da parte autora, pessoa idosa e portadora de transtornos mentais graves.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O artigo 321 do CPC/2015 exige a emenda da inicial para correção de vícios que dificultem o julgamento do mérito, sendo o indeferimento medida extrema e excepcional.
4. As pessoas com deficiência mental passaram a ser consideradas relativamente incapazes, de acordo com a nova redação do artigo 3º do Código Civil, introduzida pela Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), exigindo-se assistência, e não representação plena, salvo em hipóteses excepcionais.
5. O artigo 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece que a curatela é medida protetiva extraordinária e proporcional às necessidades do caso, admitindo representação processual em situações que envolvam direitos de natureza patrimonial e negocial.
6. Estando a parte autora sujeita a curatela provisória, regularmente nomeada em processo de interdição, e comprovadamente portadora de esquizofrenia e epilepsia, com relatórios médicos que indicam prejuízos cognitivos graves, mostra-se desarrazoada a exigência de outorga de poderes diretamente por ela, em detrimento da curadora provisória.
7. A procuração assinada pela curadora, acompanhada do termo de curatela provisória, é suficiente para a regularidade da representação processual nos termos do artigo 71 do CPC/2015.
8. O indeferimento da inicial, nesse contexto, viola os princípios da dignidade da pessoa humana, do acesso à justiça e da proteção integral da pessoa com deficiência.
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Apelo provido. Sentença reformada.
Tese de julgamento:
1. A curatela provisória formalmente instituída é suficiente para legitimar a atuação processual do curador em nome da pessoa relativamente incapaz, dispensando a assinatura da parte autora na procuração.
2. A exigência de formalismo excessivo em detrimento de pessoas com deficiência viola os princípios constitucionais do devido processo legal, da dignidade da pessoa humana e do acesso à justiça.
3. O indeferimento da inicial só se justifica quando ausentes elementos mínimos para o exercício regular do contraditório, o que não se verifica quando há procuração e termo de curatela provisória.
* * *
Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, arts. 71, 321, 485, I; CC/2002, arts. 3º, 4º, III, e 1.767, I; Lei nº 13.146/2015, arts. 84 e 85.
Jurisprudência relevante citada: TRF3, ApCiv nº 5009576-89.2017.4.03.6183, Rel. Juiz Federal Convocado Marcelo Guerra, j. 07.03.2023.