AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5031372-17.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: LARISSA SPINA PINI
Advogado do(a) AGRAVANTE: TAIS COUTINHO MODAELLI - SP378767-A
AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5031372-17.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: LARISSA SPINA PINI Advogado do(a) AGRAVANTE: TAIS COUTINHO MODAELLI - SP378767-A AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO: Trata-se de agravo de instrumento interposto por LARISSA SPINA PINI contra decisão proferida nos autos de ação ordinária que move contra a UNIÃO FEDERAL. Sustenta a agravante, em breve síntese, que foi diagnosticada com depressão de natureza grave decorrente de episódios de assédio moral e sexual sofridos no ambiente de trabalho. Afirma que em razão da suspensão do seu soldo, precisou interromper o tratamento psiquiátrico, não possuindo condições financeiras para arcar com as despesas médicas. Alega que a sua saúde e a de seu filho recém-nascido está em risco. Aduz que a Lei nº 13.954/2019 e a Constituição Federal resguardam a gestante do licenciamento no período de gravidez, sendo o seu licenciamento, portanto, ilegal. Pugna pela concessão de tutela de urgência para que seja reintegrada ao Exército com a manutenção do tratamento médico. O pedido de tutela antecipada foi deferido. Contra essa decisão, a UNIÃO FEDERAL interpôs contraminuta ao agravo e agravo interno, no qual alega, em resumo, a inexistência da probabilidade do direito, ao se considerar a prorrogação do tempo de serviço da autora se encerrou em 31/01/2023, de modo que a partir de 01/02/2023 passou à condição de adida apenas para tratamento de saúde. Aduz que a gravidez ocorreu durante a adição da autora. Alega que a autora não requereu administrativamente a licença-gestante. Afirma inexistir nexo causal entre a doença e o serviço militar. Alega que não há perigo na demora capaz de justificar a concessão de tutela. A autora apresentou contraminuta ao agravo interno interposto pela UNIÃO FEDERAL. Memoriais apresentados pela UNIÃO FEDERAL e pela parte-agravante. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5031372-17.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: LARISSA SPINA PINI Advogado do(a) AGRAVANTE: TAIS COUTINHO MODAELLI - SP378767-A AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO: No presente caso, nenhuma das partes trouxe qualquer argumento apto a infirmar o entendimento já manifestado na decisão que apreciou o pedido antecipação de tutela. Passo a transcrever os fundamentos da decisão por mim lavrada: Versa o presente caso sobre a eventual estabilidade da servidora pública militar temporária em razão da gestação e parto. O art. 142, §3º, VIII, da Constituição Federal estabelece: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (...) § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (...) VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no art. 37, inciso XVI, alínea "c"; Já o referido inciso XVIII do art. 7º da Constituição assim dispõe: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; Nessa mesma toada, no art. 10 do ADCT do diploma constitucional é trazida a seguinte disposição acerca das trabalhadoras gestantes: Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: (...) II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: (...) b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. A Lei nº 13.109/2015, por sua vez, dispõe sobre a licença à gestante e à adotante, as medidas de proteção à maternidade para militares grávidas e a licença-paternidade, no âmbito das Forças Armadas: Art. 1º Será concedida licença à gestante, no âmbito das Forças Armadas, conforme o previsto no inciso XVIII do art. 7º da Constituição Federal , para as militares, inclusive as temporárias, que ficarem grávidas durante a prestação do Serviço Militar. § 1º A licença será de 120 (cento e vinte) dias e terá início ex officio na data do parto ou durante o 9º (nono) mês de gestação, mediante requerimento da interessada, salvo em casos de antecipação por prescrição médica. § 2º A licença à gestante poderá ser prorrogada por 60 (sessenta) dias, nos termos de programa instituído pelo Poder Executivo federal. (...). Por fim, o C. STF, quando do julgamento do RE 842844/SC (Tema 542), fixou a seguinte tese: A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado, nos termos dos arts. 7º, XVIII; 37, II; e 39, § 3º; da Constituição Federal, e 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. No caso dos autos, a agravante narra ser 2º Tenente do Exército, tendo sido alocada nas dependências da Escola Preparatória de Cadetes do Exército – EsPCEx. Afirma que em abril de 2022 contraiu depressão após grave episódio de assédio moral e sexual. Alega ter sido ilegalmente licenciada enquanto ainda estava gravida e em tratamento médico. A decisão agravada foi proferida com base nos seguintes fundamentos: LARISSA SPINA PINI, qualificada na inicial, propôs a presente ação de procedimento comum, com pedido de tutela de urgência, em face de UNIÃO FEDERAL, objetivando provimento jurisdicional para determinar o restabelecimento do salário da requerente, até sua plena recuperação, até a sua plena recuperação, sob pena de multa por descumprimento. Alega a autora, em síntese, é 2º Tenente do Exército Brasileiro, tendo sido alocada nas dependências da Escola Preparatória de Cadetes do Exército - EsPCEx, mais especificamente no setor de Aprovisionamento da Divisão. Argumenta que, em abril de 2022, a requerente experimentou um severo adoecimento psíquico, especificamente no que tange a um transtorno de natureza mista, caracterizado por componentes ansiosos e depressivos, os quais necessitam ser ajustados periodicamente por seu médico para garantir a continuidade do tratamento e preservar sua vida e a saúde de seu bebê, visto que está gestante. Relata que o quadro clínico da requerente teve início após um grave episódio de assédio sexual e moral ocasionado por seus superiores durante meses enquanto atuava como segunda tenente do exército. Defende a Administração Militar, em evidente tentativa de furtar-se da sua responsabilidade, determinou o licenciamento da requerente das fileiras do Exército, prejudicando a continuidade do seu tratamento, visto que não terá mais como arcar com as despesas médicas necessárias para restauração de sua saúde. Com a inicial vieram os documentos. Justiça gratuita indeferida no ID 339896486. A parte autora noticiou a interposição do recurso de agravo de instrumento, ao qual foi proferida decisão que concedeu a justiça gratuita à demandante (ID 342886009). Vieram os autos conclusos. É o relatório. Decido. Pleiteia a parte autora a concessão de provimento jurisdicional para determinar o restabelecimento do salário da requerente, até sua plena recuperação, até a sua plena recuperação, sob pena de multa por descumprimento. Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a tutela de urgência poderá ser concedida desde que existam elementos que evidenciem a probabilidade do direito (fumus boni juris) e o perigo de dano irreparável ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). Examinando o feito, especialmente no que atine aos documentos constantes na inicial, não verifico, neste momento, elementos que evidenciem a probabilidade do direito alegado pela parte autora. Não é possível a este Juízo, na atual fase processual e mediante análise da documentação contida nestes autos, constatar a ocorrência de eventuais irregularidades ou ilegalidades praticadas pelo réu. Portanto, não restou comprovada, de plano, a irregularidade na conduta realizada pelo réu. Não é possível admitir, de imediato, que a conduta do réu não foi pautada nos parâmetros legais. A questão aqui trazida só poderá ser aclarada com a instrução do processo, na formação do contraditório, não se verificando, portanto, o fumus boni iuris. A contestação a ser apresentada poderá trazer elementos que esclareçam circunstâncias essenciais ao deslinde da questão ora debatida. Sendo assim, não vislumbro a presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito alegado pela autora. Pelo exposto, INDEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA pretendida. Cite-se. Extrai-se da fundamentação do ato administrativo que determinou o licenciamento do Exército (id. 309863183) que a agravante, ao longo do ano de 2023, apresentou quadro depressivo grave, tendo, por meio de sucessivas inspeções de saúde, sido reiteradamente reconhecida a sua invalidez temporária (incapacidade para atividades militares e civis) pelo Hospital Militar de Área de São Paulo (HMASP). Em razão da persistência do quadro de invalidez temporária da agravante, houve a interposição de recurso administrativo por parte do Comando da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), contra a inspeção de saúde realizada em 12/01/2024. Com isso, fora marcada, em três diferentes oportunidades, nova consulta para avaliar o quadro da autora, em grau recursal. Contudo, a agravante não compareceu nas consultas marcadas, bem como não acatou ordem expressa do Comando para apresentar-se no local de trabalho no dia 18/04/2024 (id. 309863183 – fl. 5). Diante da ausência nas referidas consultas, a administração militar resolveu por não acatar as justificativas apresentadas pela agravante apresentadas ao HMASP, em razão de o seu vínculo ser com a EsPCEx, bem como de o atestado médico ter sido apresentado com data posterior a da consulta. O Comando fundamentou, ainda, a rejeição das justificativas no fato de não obstante os argumentos da agravante de que possui quadro depressivo grave e ostenta a condição de gestante, tais circunstâncias não impediriam a realização de nova inspeção de saúde e o desenvolvimento de atividades rotineiras no labor (id. 309863183 – fl. 6). Desse modo, considerando a recusa das justificativas apresentadas pela agravante, a administração militar reconheceu o abandono de tratamento (Art. 110, inciso VI, alínea “c” da Portaria DGP/C Ex nº 461, de 20 de setembro de 2023), tendo, em razão disso, determinado o licenciamento da agravante a contar de 11/06/2024, com base no disposto no Art. 430, inciso II, § 2º, inciso III do RISG. Compulsando os autos, verifica-se dos laudos médicos, relativos ao estado de saúde da agravante, o seguinte: - Laudo da Ginecologista Dra. Juliana Sandler datado de 06/08/2024 (id. 337020663 dos autos subjacentes): Eu, Juliana Camargo Giordano Sandler, médica, CRM/SP 119.977, diante da expressa concordância da mesma, atesto que mantenho o acompanhamento médico pré-natal, em seguimento ambulatorial sob minha supervisão, com periodicidade mensal, desde 27 de Fevereiro de 2024, da Sra. LARISSA SPINA PINI, CPF: 378.544.798-10, nascida em 01/04/1990, casada, militar, residente na Avenida Miruna, 1.000 (casa), CEP: 04084-003 - São Paulo-SP. Na sua primeira consulta comigo, às 9 semanas de gestação, a Sra Larissa relatou estar em seguimento psiquiátrico desde Abril/2022, após ter vivenciado eventos traumatizantes em seu ambiente de trabalho. Larissa relata ter ficado 5 dias internada na enfermaria de psiquiatria antes da gestação. Durante nossos encontros relata sempre muita preocupação com o assédio moral de seus superiores, encontra-se chorosa e fragilizada. Está em uso de sertralina 50 mg, rivotril 10 gotas e quetiapina 25. Apresenta histórico familiar de eclâmpsia (refere que sua mãe teve eclâmpsia nas duas gestações). Oriento prevenção para eventos hipertensivos na gestação devido seu histórico familiar: uso de carbonato de cálcio, realização de atividade física e evitar situações estressantes que possam ser desencadeadoras de picos hipertensivos. Em consulta de rotina pré-natal, em 04/07/2024, às 27 semanas de gestação, referiu dois picos hipertensivos, sensação de mal estar e taquicardia, desencadeados após o bloqueio de seu holerite pela fonte pagadora. Após avaliação física e laboratorial, foi orientada a repouso e monitoramento da pressão arterial diária. Sua última consulta, em 01/08/2024, às 31 semanas de gestação, estava emocionalmente instável, referindo muito medo com relação ao seu destino profissional. Seu pré-natal está evoluindo sem alterações clínicas maternas ou fetais até o momento, contudo, as questões psíquicas estão cada vez mais intensas, como a dificuldade em conexão com a gestação, o choro fácil, inapetência, ansiedade e insônia. O quadro psiquiátrico da paciente é preocupante, não só no que diz respeito ao desenvolvimento do final do seu pré-natal e parto, como sua passagem pelo período puerperal. A literatura médica relaciona eventos psiquiátricos como depressão grave e ansiedade como fatores de risco para prematuridade e outros desfechos perinatais negativos: internação em UTI materna e neonatal, desmame precoce e até morte. A melhora do quadro psíquico de Larissa é muito importante para seu bem estar fisco e emocional e para evitar maiores riscos de desfechos perinatais negativos. - Laudo do Psiquiatra Dr. Luis Estevão Jock Piva datado de 25/07/2024 (id. 337019671 dos autos subjacentes): Eu, LUIS ESTEVÃO JOCK PIVA, médico, CRM/SP 209376, diante de expressa concordância abaixo, atesto que mantenho o acompanhamento médico e tratamento medicamentoso em psiquiatria e saúde mental em seguimento ambulatorial sob minha supervisão com periodicidade mensal desde 15 de agosto de 2023 da Sra. LARISSA SPINA PINI, CPF: 378.544.798-10, nascida em 01/04/1990, casada, militar, residente na Avenida Miruna, 1.000 (casa), CEP: 04084-003 - São Paulo-SP. A paciente procurou auxílio psiquiátrico já no início do ano de 2022, após eventos traumatizantes (abuso e assédio moral e físico recorrente) ocorridos em ambiente de trabalho. Fatores estes acima citados foram determinantes e suscitaram a manifestação de sintomas ansiosos e depressivos de grau grave, os quais afirmo, estão diretamente relacionados com os eventos traumatizantes ocorridos em sua atividade laboral. Apresenta sintomas crônicos de humor lábil, hipotímico, disfórico, anedonia, avolição, apatia, sentimento de culpa intensa, pensamentos intrusivos, paranoicos e negativos; fadiga, agorafobia, parassonias (insônia/ terror noturno, agitação), episódios dissociativos (desrealização e despersonalização), estafa física e psíquica, principalmente ao lidar com questões laborais; portanto, o quadro clínico/psiquiátrico permanece sem remissão adequada até esse momento. A paciente relata fatores desencadeadores dos sintomas supracitados, tais como: situações sociais, questões relacionadas ao contexto militar (símbolos nacionais, fardamento militar, notícias relacionadas), indivíduos do sexo masculino que sejam difíceis de serem identificáveis, entre outros fatores que suscitam o surgimento de tais sintomas. (...) De acordo com avaliação médica contínua e conforme a Classificação Internacional de Doenças – Décima Primeira Edição (CID-11), afirmo que os sintomas clínicos vigentes são compatíveis com o Transtorno de Estresse Pós-Traumático Complexo (TEPT Complexo) e Síndrome de Burnout e Esgotamento. CID-11: 6B41 / QD85. Sendo assim, recomendo que a paciente mantenha o acompanhamento médico e tratamento medicamentoso em psiquiatria e saúde mental por tempo indeterminado até remissão total dos sintomas vigentes. Bem como, atesto que a paciente encontra-se incapacitada de retornar à sua atividade laboral. Com efeito, analisando os fatos expostos e considerando se tratar de análise perfunctória, típica deste momento processual, denota-se que a agravante apresenta quadro depressivo grave, que conforme apontado pelo próprio Hospital Militar de Área de São Paulo, resultou no reconhecimento de sua invalidez temporária durante todo o ano de 2023, a qual se estendeu ao início do ano de 2024, ao se considerar a inspeção de saúde ocorrida em 12/01/2024 em que foi afastada por mais 60 dias (id. 309863183 – fl. 2). Nesse sentido, os laudos médicos apresentados pela agravante, datados de julho e agosto de 2024, constituem fortes indícios de que a gravidade de seu quadro psiquiátrico de incapacidade temporária para atividades civis e militares reconhecido pelo HMASP, não havia se alterado quando do seu licenciamento, ocorrido em 11/06/2024. Verifica-se, ainda, que a agravante, quando de seu licenciamento, ostentava a condição de gestante, fazendo jus, como visto, à estabilidade prevista no art. 10, II, do ADCT, na linha do entendimento exarado no Tema 542 pelo C. STF. Assim, tem-se que, nessa análise inicial, o ato administrativo de licenciamento motivado por normas infralegais parece ter violado garantia constitucionalmente prevista e reiterada pela tese fixada em sede de repercussão geral pelo C. STF de que a trabalhadora gestante possui direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável. O fato de a agravante, que padece de quadro depressivo grave, não ter se apresentado à nova perícia, em grau recursal, não é suficiente para afastar a proteção dada, pela Constituição Federal, à mulher gestante, ao se considerar os valores promovidos pela referida Carta de proteção à igualdade de gênero (isonomia), à maternidade e ao próprio nascituro. Ademais, verifica-se que a gravidez da agravante demandava especial cuidado, em atenção ao seu delicado quadro de saúde. Nessa esteira, conforme muito bem ponderado pelo C. STF quando do julgamento do já mencionado Tema 542, a relevância da proteção à maternidade na ordem jurídica vigente impõe ao intérprete, dentre as diversas alternativas hermenêuticas possíveis, optar por aquela que confira máxima efetividade às finalidades perseguidas pelo Texto Constitucional. Veja-se, nesse sentido, o entendimento deste Tribunal: AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR TEMPORÁRIA. MATERNIDADE POR SUBSTITUIÇÃO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ARTIGO 10 DO ADCT. PROTEÇÃO À FAMÍLIA E À CRIANÇA. MANUTENÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA PELO D. JUÍZO A QUO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União contra a decisão que, em sede de mandado de segurança, deferiu o pedido liminar para determinar que a autoridade impetrada reintegre a impetrante aos quadros da FAB, durante toda a gestação de seu (sua) filho (a) no útero de sua irmã. 2. Alega a agravante, em síntese, que, na maternidade por substituição, o embrião é implantado no útero de terceira pessoa, de modo que a mãe biológica não passa pela gestação e, nessa condição, o ordenamento jurídico tutela somente a mãe por substituição. Sustenta que inexiste no ordenamento jurídico ato normativo que possa embasar o pedido da agravada e que a Administração Pública deve ater-se ao princípio da legalidade. Requer a concessão de efeito suspensivo e, ao final, a reforma da decisão agravada. 3. De início, observa-se que, na ação mandamental, a impetrante busca ordem judicial no sentido de se determinar à autoridade impetrada a sua reintegração ao serviço ativo, assegurando a sua permanência nos quadros da FAB, durante toda a gestação de seu(sua) filho(a) no útero de sua irmã. 4. Consta que a impetrante, ora agravada, serviu à Força Aérea Brasileira no período compreendido entre 01/02/2010 a 30/01/2018, data em que foi licenciada do serviço ativo, por conclusão do tempo a que se obrigou servir. Por conseguinte, foi incluída na Reserva da Aeronáutica, nos termos do artigo 94, §1°, da Lei n. 6.880/80. 5. Ocorre que, desde 2014, realizava tratamento gestacional pelo método de fertilização por transferência de embriões a uma doadora temporária de útero (sua irmã), obtendo êxito em setembro de 2017. Diante disso, em 02 de janeiro de 2018, requereu administrativamente a estabilidade provisória, sendo-lhe negada, com fundamento de inexistência de previsão legal. 6. Nesse contexto, assevera-se que, nos termos do artigo 10, II, “b”, do ADCT, é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Tal instituto jurídico, ao garantir a estabilidade provisória no emprego, visa à proteção da família e, especialmente, da criança, atendendo ao estabelecido nos artigos 226 e 227 da CF, não se tratando, portanto, de um benefício concedido à mãe. 7. Ademais, a condição de servidora provisória ostentada pela agravada não pode ser fator limitante ao referido direito, ante à relevância da proteção à maternidade e ao nascituro. Precedentes. 8. A interpretação restritiva do texto constitucional, no sentido de que a garantia provisória de emprego é um direito somente da gestante, não se aplicando, no caso, à mãe biológica, por se tratar de “barriga de aluguel”, não se coaduna com o princípio da igualdade, bem como viola a própria finalidade da norma, que é o bem-estar da criança. 9. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, no julgamento do Recurso Ordinário n. 0002715-88.2011.5.02.0053, reconheceu a estabilidade provisória no emprego a um homem, em relação homoafetiva, cujos filhos foram gerados através de “barriga de aluguel” (TRT 2ª Região - 17ª Turma, Recurso Ordinário n° 0002715-88.2011.502.0053 Desembargadora MARIA DE LOURDES ANTONIO, publicação em 06/02/2015). 10. Ausentes a lesão grave ou de difícil reparação que poderiam derivar da decisão agravada, pois, conforme consignado pelo D. Juízo a quo, “no caso de denegação da segurança, basta que a militar seja novamente afastada, resolvendo-se a questão em termos financeiros, o que, todavia, não ocorre com a vida da criança”. Efeito suspensivo indeferido. 11. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5006567-10.2018.4.03.0000, Rel. VALDECI DOS SANTOS, julgado em 18/08/2022, Intimação via sistema DATA: 22/08/2022) AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRORROGAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO. LICENÇA DO SERVIÇO MILITAR. ESTADO GRAVÍDICO. FATD. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos da Ação Ordinária ajuizada na origem, indeferiu o pedido de tutela de urgência.Alega a agravante que foi licenciada do serviço militar, de forma imotivada, arbitrária, ilegal e abusiva, tendo sido vítima da prática de assédio moral e manobras ilegais para prejudicar direito legítimo. Argumenta, ainda, que não poderia ser dispensada das Forças Armadas por se encontrar em estado gravídico, violando o princípio da moralidade administrativa previsto no artigo 37, além da dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, ambos da Constituição Federal. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece em seu artigo 10 o seguinte: ‘’Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966; II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato; b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.’’ Ao enfrentar o tema, o C. STJ tem decidido que a proteção da mulher em estado gravídico se aplica no caso de servidora designada temporariamente para o exercício de função pública. Neste sentido: STJ, Segunda Turma, AgInt no AREsp 1067476/SP, Relatora Ministra Assusete Magalhães, DJe 13/09/2018.Agravo de instrumento provido. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5001911-73.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 06/01/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 13/01/2020) Destarte, identificados os requisitos legais (probabilidade do direito e perigo na demora), DEFIRO o pedido de tutela antecipada para determinar a reintegração da agravante ao Exército, na condição de adida, com o pagamento dos soldos devidos desde o licenciamento. Ademais, ao contrário do exposto pela UNIÃO FEDERAL, em sede agravo interno, o fato de a autora ter sido mantida na condição de adida não impede que usufrua de seu direito constitucional à licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, na esteira do entendimento exarado pelo C. STF. Ainda, deve-se frisar que o seu licenciamento ocorreu apenas em 11/06/2024, momento no qual a autora já estava gravida. Por conseguinte, ausente qualquer motivo para alteração, entendo que a decisão deve ser mantida. Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento interposto para determinar a reintegração da agravante ao Exército, na condição de adida, com o pagamento dos soldos devidos desde o licenciamento e nego provimento ao agravo interno.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR MILITAR. MILITAR TEMPORÁRIO. GESTANTE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. ESTABILIDADE. TEMA 542 DO STF. LICENCIAMENTO. ILEGALIDADE.
- O C. STF, quando do julgamento do RE 842844/SC (Tema 542), fixou a seguinte tese: A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado, nos termos dos arts. 7º, XVIII; 37, II; e 39, § 3º; da Constituição Federal, e 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
- No caso dos autos, a agravante narra ser 2º Tenente do Exército, tendo sido alocada nas dependências da Escola Preparatória de Cadetes do Exército – EsPCEx. Afirma que em abril de 2022 contraiu depressão após grave episódio de assédio moral e sexual. Alega ter sido ilegalmente licenciada enquanto ainda estava gravida e em tratamento médico.
- A agravante, quando de seu licenciamento, ostentava a condição de gestante, fazendo jus, como visto, à estabilidade prevista no art. 10, II, do ADCT, na linha do entendimento exarado no Tema 542 pelo C. STF.
- O ato administrativo de licenciamento motivado por normas infralegais parece ter violado garantia constitucionalmente prevista e reiterada pela tese fixada em sede de repercussão geral pelo C. STF de que a trabalhadora gestante possui direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável.
- O fato de a agravante, que padece de quadro depressivo grave, não ter se apresentado à nova perícia, em grau recursal, não é suficiente para afastar a proteção dada, pela Constituição Federal, à mulher gestante, ao se considerar os valores promovidos pela referida Carta de proteção à igualdade de gênero (isonomia), à maternidade e ao próprio nascituro. Ademais, verifica-se que a gravidez da agravante demandava especial cuidado, em atenção ao seu delicado quadro de saúde.
- Agravo de instrumento provido para determinar a reintegração da agravante ao Exército, na condição de adida, com o pagamento dos soldos devidos desde o licenciamento. Agravo interno desprovido.