APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000076-75.2013.4.03.6102
RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO
APELANTE: MARIO AUGUSTO DE CAMPOS, RONALDO MARTINS DE OLIVEIRA, GRACILIANO ABADE DE CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: SERGIO LUIZ RIBEIRO - SP100474-A
APELADO: JANE MARA DE ALMEIDA GUILHEN, WELLINGTON DINIZ MONTEIRO, ALBERTO PAULO VASQUEZ, JOSE GIACOMO BACCARIN, SÃO MARTINHO TERRAS IMOBILIÁRIAS S/A, MARCO AURELIO PILLA SOUZA, FUNDACAO INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SAO PAULO JOSE GOMES DA SILVA, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA
Advogado do(a) APELADO: NEIDE CAETANO IMBRISHA - SP60799-A
Advogados do(a) APELADO: ANDRE CAMERLINGO ALVES - SP104857-A, MARCO ANTONIO GARCIA LOPES LORENCINI - SP104335
Advogado do(a) APELADO: CELSO PEDROSO FILHO - SP106078-A
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA CECILIO DE BARROS - SP173301
Advogado do(a) APELADO: RAIMUNDO NONATO TRAVASSOS SOUZA - SP132506-N
Advogado do(a) APELADO: FABIO AUGUSTO ROSTON GATTI - SP173943-A
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: UNIÃO FEDERAL
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000076-75.2013.4.03.6102 RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO APELANTE: MARIO AUGUSTO DE CAMPOS, RONALDO MARTINS DE OLIVEIRA, GRACILIANO ABADE DE CARVALHO Advogado do(a) APELANTE: SERGIO LUIZ RIBEIRO - SP100474-A APELADO: JANE MARA DE ALMEIDA GUILHEN, WELLINGTON DINIZ MONTEIRO, ALBERTO PAULO VASQUEZ, JOSE GIACOMO BACCARIN, SÃO MARTINHO TERRAS IMOBILIÁRIAS S/A, MARCO AURELIO PILLA SOUZA, FUNDACAO INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SAO PAULO JOSE GOMES DA SILVA, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA Advogado do(a) APELADO: NEIDE CAETANO IMBRISHA - SP60799-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora): Trata-se de Apelação interposta por MÁRIO AUGUSTO DE CAMPOS, RONALDO MARTINS DE OLIVEIRA e GRACILIANO ABADE DE CARVALHO (ID 90507032 – pp. 05/65) contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP que, nos autos de ação popular por eles ajuizada, declarou extinto o processo sem resolução do mérito em relação a José Giácomo Baccarin, Marco Aurélio Pilla Souza, Jane Mara de Almeida Guilhen, Wellington Diniz Monteiro e Alberto Paulo Vasquez e à União, com fundamento no art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil e, quanto ao INSTITUTO DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA, à FUNDAÇÃO INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SÃO PAULO “JOSÉ GOMES DA SILVA” - ITESP e à USINA SÃO MARTINHO, julgou improcedentes os pedidos, com resolução do mérito, nos termos delimitados na decisão saneadora em ID 90502878 – pp. 3/11. Deixou-se de condenar os autores em custas processuais e honorários advocatícios, diante da ausência de má-fé, nos termos do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal. A sentença foi submetida ao reexame necessário, nos termos do art. 19 da Lei n. 4.717/1965 (ID 90502881 – pp. 105/124). Sustenta, preliminarmente, a nulidade da sentença, entendendo-a extra petita, porquanto o Juízo de primeiro grau teria se valido de fundamento correspondente a causa de pedir não ventilada pelas partes, qual seja, a menção à dominialidade envolvendo a área, ao apreciar a questão atinente à ausência de legitimidade passiva da União para figurar na lide. Aduz que não formulou pedido de anulação de ato ou de processo administrativo vinculados ao Contrato de Assunção de Dívidas celebrado entre a Companhia Paulista de Ativos, a Ferrovia Paulista S/A e o Banco do Estado de São Paulo - BANESPA ou, tampouco, quanto à transferência do domínio de 19 (dezenove) hortos florestais da extinta FEPASA/RFFSA para o Estado de São Paulo e, posteriormente, ao INCRA ou, ainda, aos resultados decorrentes da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. Afirma, portanto, que tais questões seriam estranhas ao processo e que não teriam sido observadas diversas garantias processuais. Alega que a União seria parte legítima para figurar no polo passivo da presente ação, assim como o INCRA e seus dirigentes (art. 6º da Lei n. 4.717/1965). Afirma que a União consta como proprietária na matrícula do imóvel em questão, integrado ao seu patrimônio por força da sucessão da extinta Rede Ferroviária Federal – RFFSA (Lei n. 11.483/2007). Acrescenta não existir ato registral a demonstrar a transferência da aludida propriedade ao domínio do Estado de São Paulo, ou seja, à Fundação ITESP, o que significa que a transferência teria se dado de forma precária. Assevera que por meio do Termo de Autorização de Guarda Provisória, firmado em 10.12.2009, a Superintendência do Patrimônio da União – SPU teria transferido ao INCRA a guarda precária e provisória do imóvel rural denominado Horto Florestal Guarany, objetivando a execução de programa de reforma agrária. No que diz respeito ao mérito da ação, aponta que os contratos firmados entre os assentados do Projeto de Assentamento Horto Guarany e a Usina São Martinho configuram-se, em verdade, em contratos de arrendamentos - o que é vedado pela legislação - travestidos de contratos de compra-e-venda e fornecimento de cana-de-açúcar, com anuência expressa da Fundação ITESP e omissão do INCRA. Entende que a sentença recorrida é contrária às provas constantes dos autos, restando evidente que a Usina São Martinho seria a única beneficiária do programa de assentamento em questão. Diante da omissão quanto à fiscalização da destinação das verbas designadas para reforma agrária, suscita a necessidade de ressarcimento ao erário, sendo o INCRA e a Fundação ITESP solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação, tendo em vista a ocorrência de desvio de finalidade. Requer o provimento do recurso para anular a parte da sentença, na qual se extrapolou a causa de pedir posta nos autos, para reconhecer a legitimidade passiva da União para figurar na ação, bem como que a propriedade e domínio do Horto Florestal Guarany são da União, e, ainda, para reformar a sentença para: i) declarar a nulidade dos contratos celebrados entre a Usina São Martinho e os beneficiários do projeto de assentamento em questão, bem como os contratos de aditamento ao contrato particular de venda e compra de cana-de-açúcar, a partir do início dos contratos, além de valor pela utilização indevida da área devidamente apurado em regular liquidação de sentença; ii) condenar a Usina São Martinho a devolver aos cofres públicos os valores decorrentes da nulidade contratual reconhecida; iii) condenar a Usina São Martinho e a Fundação ITESP em obrigação de não fazer, consistente na vedação à celebração de contratos que utilizem área destinada a reforma agrária, sob pena de multa diária; iv) condenar o INCRA a fazer o levantamento da situação ocupacional do Projeto de Assentamento Horto Guarany, com a retomada das parcelas identificadas com irregularidades, dando-se a devida destinação e v) condenar os apelados em perdas e danos pelas ações e omissões praticadas quanto ao Programa Nacional de Reforma Agrária. Intimados, os apelados apresentaram contrarrazões ao recurso: i) Jane Mara de Almeida Guilhen e Wellington Diniz Monteiro (ID 90507032 – pp. 68/76) – pleiteiam, em caso de provimento do recurso, o julgamento e provimento do agravo retido interposto em ID 90502878 – pp. 61/65, no qual se alega a inépcia da inicial, bem como a sua ilegitimidade passiva; ii) INCRA (ID 90507032 – pp. 77/79) – pleiteia, na mesma hipótese, o julgamento e provimento do agravo retido interposto em ID 90502878 – pp. 56/60, no qual se alega a sua ilegitimidade passiva, bem como requer a denunciação da lide ao seu ex-Superintendente Regional em São Paulo; iii) Alberto Paulo Vasquez (ID 90507032 – pp. 90/92); iv) Giacomo Baccarin (ID 90507032 – pp. 93/99); v) São Martinho S.A. (ID 90507032 – pp. 100/115) pleiteia, em caso de provimento do recurso, o julgamento e provimento de seu agravo retido interposto em ID 90502878 – pp. 34/42, no qual se alega a inépcia da inicial, a falta de interesse processual para o ajuizamento da ação popular, tendo em vista a ausência de indicação de ato administrativo passível de anulação, bem como a ocorrência de prescrição ou decadência; vi) Marco Aurélio Pilla Souza (ID 90507032 – pp. 120/134); e vii) Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo – ITESP (ID 90507032 – pp. 135/142 e ID 90507033 – pp. 01/09). O Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento da apelação, apenas para que se reintegre a União Federal na lide, mantendo-se, no entanto, a sentença de improcedência do pedido inicial (ID 90233344 – pp. 06/18). Os autos foram remetidos para julgamento neste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região em 07 de abril de 2017, tendo sido redistribuídos para este gabinete em 06 de março de 2023. É o relatório.
Advogado do(a) APELADO: CELSO PEDROSO FILHO - SP106078-A
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA CECILIO DE BARROS - SP173301
Advogado do(a) APELADO: RAIMUNDO NONATO TRAVASSOS SOUZA - SP132506-N
Advogado do(a) APELADO: FABIO AUGUSTO ROSTON GATTI - SP173943-A
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO GARCIA LOPES LORENCINI - SP104335
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000076-75.2013.4.03.6102 RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO APELANTE: MARIO AUGUSTO DE CAMPOS, RONALDO MARTINS DE OLIVEIRA, GRACILIANO ABADE DE CARVALHO Advogado do(a) APELANTE: SERGIO LUIZ RIBEIRO - SP100474-A APELADO: JANE MARA DE ALMEIDA GUILHEN, WELLINGTON DINIZ MONTEIRO, ALBERTO PAULO VASQUEZ, JOSE GIACOMO BACCARIN, SÃO MARTINHO TERRAS IMOBILIÁRIAS S/A, MARCO AURELIO PILLA SOUZA, FUNDACAO INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE SAO PAULO JOSE GOMES DA SILVA, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA Advogado do(a) APELADO: NEIDE CAETANO IMBRISHA - SP60799-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora): I – DAS PRELIMINARES APRECIADAS EM PRIMEIRO GRAU NO DESPACHO SANEADOR (ID 90502878 – pp. 3/11) Inicialmente, é relevante relatar que o Juízo de primeiro grau, ao promover o saneamento do processo (ID 90502878 – pp. 3/11), dentre outras determinações, apreciou preliminares, bem como delimitou os pedidos inicialmente apresentados no ajuizamento da ação para: a) afastar a alegação de prescrição; b) reconhecer a legitimidade passiva do INCRA, da União, de Marco Aurélio Pilla Souza, Jane Mara de Almeida Guilhen e Wellington Diniz Monteiro; c) rejeitar a alegação apresentada pelo INCRA de litisconsórcio passivo necessário com seu ex-Superintendente Regional, Raimundo Pires Silva, assim como o pedido de denunciação da lide em relação a ele; d) indeferir o pedido, formulado pela União, de citação da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, assim como do IBAMA, tendo em vista que os atos administrativos, objeto da presente ação, teriam sido atribuídos à Fundação ITESP e ao INCRA, os quais possuem autonomia administrativa e financeira; e) rejeitar a preliminar de litisconsórcio passivo necessário formulada pela União em relação aos ocupantes da área; f) acolher a alegação de ausência de interesse processual apresentada pela Fundação ITESP, por Marco Aurélio Pilla Souza e pela Usina São Martinho quanto ao pedido de decretação de nulidade dos contratos firmados entre os assentados e a Usina São Martinho, tendo em vista que o fim da ação popular é corrigir um ato da administração, restando rejeitada, portanto, a alegação de litisconsórcio necessário com os assentados; g) rejeitar a alegação de inépcia da inicial apresentada pela União, por Jane Mara de Almeida Guilhen, por Wellington Diniz Monteiro e pela Usina São Martinho; h) excluir do pedido da ação popular a questão atinente ao registro e averbação das áreas ambientais do assentamento, por ser esta objeto da Ação Civil Pública n. 0008935-85.2010.4.03.6102, ajuizada pelo Ministério Público Federal; e i) rejeitar a alegação de inadequação da via processual eleita. Neste momento processual, conforme anteriormente relatado, consta dos autos a interposição de agravos retidos pela União (ID 90502878 – pp. 56/60), por Usina São Martinho (ID 90502878 – pp. 34/42), pelo INCRA (ID 90502878 – pp. 56/60), bem como por Jane Mara de Almeida Guilhen e Wellington Diniz Monteiro (ID 90502878 – pp. 61/65). Na sentença, o r. Juízo alterou seu posicionamento quanto a algumas das preliminares mencionadas, reconhecendo a ilegitimidade passiva de José Giácomo Baccarin, Marco Aurélio Pilla Souza, Jane Mara de Almeida Guilhen, Wellington Diniz Monteiro, Alberto Paulo Vasquez, bem como da União (art. 485, VI, CPC). Ainda na sentença, afastou-se a alegação de cumulação indevida de pedidos apresentada pela Usina São Martinho, bem como de que a disputa relativa à propriedade do Horto Florestal Guarany entre a União e o Estado de São Paulo, bem como da posse entre o INCRA e a Fundação ITESP seriam questões prejudiciais à análise do mérito. No que se refere à discussão envolvendo a propriedade, concluiu que foi resolvida no âmbito do Processo n. 04977.010850/2008-03, perante a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF. Quanto à posse, entendeu tratar-se de questão de fato envolvendo a Fundação ITESP e o INCRA, razão pela qual o mérito foi apreciado em relação a ambos os entes. II - DAS PRELIMINARES DE NULIDADE ARGUIDAS NA APELAÇÃO II.1 – DA ALEGAÇÃO DE SENTENÇA EXTRA PETITA Os apelantes apontam a nulidade da sentença, a qual decorreria da utilização de fundamento não constante na causa de pedir remota ou próxima da pretensão posta nos autos, qual seja, a discussão envolvendo a dominialidade do bem imóvel em questão. A alegação de nulidade não deve ser acolhida. O vício decorrente da ausência de correlação entre o pedido e o que foi apreciado na sentença é assim conceituado por Cássio Scarpinella Bueno: (...) Quando a sentença vai além do pedido, isto é, quando a sentença dá ao autor (ou ao réu, em reconvenção) mais do que pediu, quantitativa ou qualitativamente, é ela ultra petita. A sentença que concede ao autor (ou ao réu, em reconvenção) providência não pleiteada (de natureza ou objeto diverso do requerido) é extra petita. Trata-se, nesse caso, de dar ao autor coisa diversa da que pediu ou, até mesmo, de julgar pedido diverso daquele trazido ao Estado-juiz pelo autor. Quando a sentença deixa de apreciar algum pedido formulado pelo autor, inclusive um dos pedidos cumulados ou parcela de pedido, é ela infra ou citra petita (...). Cabe destacar que a ocorrência de decisão extra ou ultra petita no sentido discutido neste número pressupõe que o direito material imponha iniciativa da parte para formular, ao Estado-juiz, pedido de tutela jurisdicional, em situações em que prevalece, portanto, o “princípio dispositivo”. Sempre que o plano material autorizar a atuação de ofício do magistrado (“princípio inquisitório”), os defeitos apontados devem ser afastados. O que se deve observar, em tais casos, é a prévia observância do contraditório para permitir que os sujeitos do processo se manifestem sobre a matéria, evitando o proferimento de decisões “surpresa” que levem em conta no julgamento questões estranhas ou novas ao debate ocorrido no processo até aquele instante. Decisão proferida ao arrepio dos princípios constitucionais destacados incide em error in procedendo, merecendo ser invalidada por infração aos arts. 6º e 10 e não por violação ao art. 460 (BUENO, Cassio S. Curso sistematizado de direto processual civil: procedimento comum, processos nos tribunais e recursos. v.2. 12. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2023. E-book. p.181. ISBN 9786553624627. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786553624627/. Acesso em: 10 fev. 2025). Desse modo, o fato de a discussão envolvendo a titularidade da propriedade da área objeto de assentamento não ter sido veiculada na inicial não torna a sentença extra petita, uma vez que nela foram apreciados estritamente os pedidos veiculados na inicial, excluindo-se aqueles mencionados no despacho saneador, conforme relatado. Ademais, a situação referente à dominialidade foi objeto de debate nos autos, não se podendo alegar surpresa ou desconhecimento dos fundamentos apontados na sentença, tendo sido, portanto, submetida ao contraditório. Nesse ponto, pontua-se que, contrariamente ao afirmado pelos apelantes, o fato de não terem eles participado das tratativas na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública - CCAF, em relação às quais sequer possuiriam interesse jurídico processual, e de seu resultado ter sido utilizado como fundamentação na sentença, não representa ofensa ao contraditório ou imbui de nulidade a sentença. Assim, não há que se falar em sentença extra petita, afastando-se a alegação de nulidade veiculada no recurso. II.2 – DA ALEGAÇÃO DE LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO Os apelantes pleiteiam a reforma da sentença no que tange à exclusão da União do polo passivo da lide, por ilegitimidade. Em seu parecer, o Ministério Público Federal concorda com tal preliminar. É certo que a pretensão posta nos autos diz respeito à alegada irregularidade advinda dos assentamentos promovidos pela Fundação ITESP, do Estado de São Paulo, a despeito de se tratar de imóvel da União, destinado à reforma agrária. Por tal razão, os apelantes pleiteiam a condenação em obrigação de não fazer, ou seja, que a Fundação ITESP não realize novos contratos de assentamento ou de compra e venda de cana-de-açúcar, estabelecendo-se, ainda, valores a título de perdas e danos. A esse respeito, entendo assistir razão aos apelantes, na medida em que, levando-se em consideração o teor da matrícula do imóvel (ID 90230694 – pp. 104/106), bem como o da Lei n. 11.483/2007, em contrapartida aos pedidos formulados na inicial, é certo que o teor da decisão exarada dos presentes autos repercutirá na esfera jurídica da União. Sob tal perspectiva, a questão envolvendo a efetiva propriedade do imóvel diz respeito ao mérito da pretensão posta na presente ação, de forma que, com fundamento na teoria da asserção, deve a União figurar no polo passivo da demanda. Sublinhe-se não haver prejuízo para a sua inclusão no presente julgamento, porquanto a União figurou nesta posição processual durante toda a tramitação em primeiro grau, tendo sido, inclusive, intimada da sentença ora recorrida. Assim, acolho a preliminar suscitada pelos Apelantes, para determinar a inclusão da União no polo passivo da presente ação. Anoto, outrossim, que deixo de apreciar o agravo retido interposto pela União, tendo em vista que, intimada da sentença (ID 90507032 – p. 66), não apresentou contrarrazões de apelação deixando, portanto, de dar cumprimento ao § 1º do art. 523 do Código de Processo Civil de 1973. II.3 – DA ALEGAÇÃO DE LEGITIMIDADE PASSIVA DO INCRA Em análise à preliminar de legitimidade passiva do INCRA, dela não conheço, tendo em vista que a autarquia federal figura no polo passivo da presente demanda. II.4 – DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS PESSOAS FÍSICAS INDICADAS NA INICIAL No que se refere às pessoas físicas, ratifica-se a exclusão de José Giácomo Baccarin, Marco Aurélio Pilla Souza, Jane Mara de Almeida Guilhen, Wellington Diniz Monteiro e Alberto Paulo Vazques do polo passivo da presente lide. Conforme bem mencionado na sentença, na inicial da ação popular não foram imputadas condutas ilegais direcionadas especificamente a esses agentes públicos, sendo que Marco Aurélio Pilla Souza, Diretor Executivo da Fundação ITESP apenas deu cumprimento à Portaria n. 77/2004 da fundação e os demais, então Superintendentes do INCRA no Estado de São Paulo, não tiveram relação direta com os atos veiculados na presente ação. Ainda a esse respeito, nos termos constantes da sentença, acima de tudo, não há qualquer indício de que esses agentes públicos tenham se beneficiado de alguma forma e diretamente dos atos impugnados e essa condição é indispensável para responsabilização do servidor público (art. 4.717, art. 6º, § 1º) (ID 90502881 – p. 113). Da análise da inicial, bem como das razões recursais, depreende-se que não houve a impugnação específica aos fundamentos da sentença, ou a descrição das condutas praticadas pelos agentes públicos indicados pelos apelantes no polo passivo da demanda. Com efeito, é relevante trazer ao presente voto, os fundamentos para a pretensão trazida na apelação: “(...) 2.1 – Os Superintendentes do INCRA que por ação e/ou omissão autoriza/permite os atos ora impugnados, contribuindo para as ilegalidades perpetradas e lesivas ao patrimônio público, bem como a moralidade administrativa. (...) 3.1 – O Diretor Executivo da Fundação ITESP, Marco Pilla que por ação e/ou omissão autoriza/permite os atos ora impugnados, contribuindo para as ilegalidades perpetradas e lesivas ao patrimônio público, bem como a moralidade administrativa (ID 90507032 – pp. 32/33). Na inicial, a imputação de condutas aos agentes públicos deu-se de forma idêntica (ID 90230694 – pp. 13/15). Assim, entendo que, embora o art. 6º, caput, da Lei n. 4.717/1965 (Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo) seja amplo, exige-se um mínimo de descrição das condutas omissivas ou comissivas atribuídas aos agentes públicos que permitam a correspondente responsabilização pelo ato lesivo ao patrimônio público. No contexto apresentado, mantém-se a exclusão dos mencionados agentes públicos do polo passivo da presente ação popular. III – DO MÉRITO Passando-se ao exame do mérito, tem-se que a área em questão pertencia à Ferrovia Paulista S/A - FEPASA, sucedida pela RFFSA por meio da Lei Estadual n. 9.343/1996. Consta dos autos, especialmente das alegações finais apresentadas pela União em primeiro grau (ID 90502881 – pp. 40/46), que, em 11.05.1999, a RFFSA permitiu à Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania, por meio da Fundação ITESP, o uso do bem, objetivando a implantação de um projeto de assentamento na área. Por meio do Decreto Estadual n. 45.083/2000, autorizou-se o recebimento do bem pela Fazenda do Estado de São Paulo. No ato por meio do qual se deu a permissão de uso, estabeleceu-se que o assentamento seria realizado com base na Lei Estadual n. 4.957/1985, cabendo à RFFSA as providências quanto às medidas administrativas e judiciais necessárias à desocupação da área para a implementação do projeto. Ocorre que, com o advento da Lei n. 11.483/2007, a RFFSA foi extinta, tendo sido o seu patrimônio não operacional incorporado à União, cabendo à SPU a respectiva administração. Infirmou-se nos autos, ainda, que todo o imbróglio jurídico envolvendo a propriedade da área foi objeto de apreciação na Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Federal - CCAF, cujo resultado foi assim noticiado (ID 90502878 – pp. 66/67): (...) informaram que já se encontra pacificado o entendimento de que os 19 Hortos de que cuida o processo em curso na CCAF, inclusive o Horto Guarany, pertencem ao Estado de São Paulo. Discute-se agora a regularização dessas áreas. O INCRA deseja permanecer com as áreas nas quais já fixou assentamentos, e para tanto será necessário compensar financeiramente o Estado. No caso do Horto Guarany, há um assentamento do INCRA em área de reserva ambiental, razão pela qual se está discutindo a possibilidade de o INCRA compensar a área de reserva ocupada por outra(s), bem como a possibilidade de um desmembramento das áreas ocupadas pelo assentamento estadual e do INCRA. Sublinhe-se que, conforme anteriormente exposto, a presente ação popular veiculava, ainda, questões concernentes a danos ambientais resultantes do projeto de assentamento em discussão, o qual não teria observado o regramento atinente à área de preservação permanente existente na área. Todavia, por meio do despacho saneador proferido em ID 90502878 – pp. 3/11, tais pedidos foram excluídos da lide, uma vez que já seriam objeto de impugnação e debate na Ação Civil Pública n. 0008935-85.2010.4.03.6102, em curso na 2ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP. Em face de tal decisão, não houve a interposição de recurso. Assim, dada a situação de dominialidade do imóvel, corrobora-se a fundamentação trazida na sentença, ou seja, de que diante do reconhecimento pela União de que a propriedade em questão seria de titularidade do Estado de São Paulo, estando, ainda, em curso, a regularização quanto à posse da área, não se reconhece qualquer irregularidade ou nulidade decorrente da implementação do projeto de assentamento pela Fundação ITESP, entidade estadual. O contexto fático apresentado permite aferir que no Horto Florestal Guarany existem assentamentos estabelecidos pela Fundação ITESP, relacionados a autorizações de uso dos imóveis rurais e transferências de domínio realizadas pelo INCRA, por meio de reforma agrária. Conforme anteriormente exposto, a regularização da área está sendo realizada, uma vez que o assentamento do INCRA está possivelmente localizado em área ambiental, estando em andamento um acordo de compensação ambiental. Relembre-se, outrossim, que a ação popular se destina à anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio dos entes elencados no art. 1º da Lei n. 4.717/1965, não havendo, portanto, vício passível de tal reconhecimento pelo simples fato de a Fundação ITESP ter sido responsável pela condução dos assentamentos. Pelo contrário, conforme exposto, a atuação da fundação pública de direito público (in https://portaldatransparencia.gov.br/pessoa-juridica/03598715000186?paginacaoSimples=true&tamanhoPagina=&offset=&direcaoOrdenacao=asc&colunasSelecionadas=linkDetalhamento%2Corgao%2CunidadeGestora%2CnumeroLicitacao%2CdataAbertura&id=1220168 – acesso em 10.02.2025) mencionada decorre da situação dominial vinculada ao imóvel. Como reforço à situação de regularização que passa pelo imóvel, transcrevo excerto da sentença que bem resume a questão: (...) Conforme reunião realizada em julho de 2014 (fls. 2442/2446), o local onde estão as famílias assentadas pelo Incra será desmembrado do Horto Guarany mediante compensação da área. A questão, contudo, ainda não foi definitivamente resolvida, o que legitima a posse do Incra e seu interesse na demanda. Outrossim, conforme afirmado pela fundação Itesp em contestação (fls. 2033/2048), há utilização de recursos federais pelos assentados, o que também não pode ser olvidado. Reforma agrária é competência da União, que a implanta mediante transferência de domínio da terra. Os estados, e o Estado de São Paulo em particular, podem fazer política agrária com a valorização e aproveitamento de recursos fundiários, o que consiste na autorização de uso dos imóveis rurais, sem que haja a transferência de domínio. Atualmente essas duas realidades (reforma e política agrária) convivem no Projeto de Assentamento Horto Guarany, conforme o assentamento tenha sido realizado pelo Incra ou pelo Itesp (ID 90502881 – pp. 117/118). Quanto a esse ponto, sublinhe-se que o resultado obtido no Processo n. 0000437-38.2013.4.03.6120, mencionado nas razões recursais (ID 90507032 – p. 48), é nesse mesmo sentido. Confira-se: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. POLÍTICA AGRÁRIA PROMOVIDA PELA FUNDAÇÃO ITESP. ASSENTAMENTO RURAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INCRA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Inicialmente, rejeito a alegação do caráter de imprescritibilidade da ação popular, pois a interpretação conferida à imprescritibilidade, para o possível ressarcimento ao erário, refere-se a situações especialíssimas para atos de improbidade administrativa, ou seja, para ilícitos civis; para ações administrativas praticadas com essas características, sendo desarrazoado atribuir à relação jurídica em pauta, originada de um assentamento supostamente irregular, por ocupação precária pelo qual seus possuidores praticaram cultivo em desconformidade com as regras do Projeto de Reforma Agrária, a conotação de ilícito civil, para ao final atribuir ao ato a natureza de imprescritível. 2. No caso, tendo em vista que os créditos foram concedidos em 18/07/2003, 05/12/2005 e 12/12/2007 a corré Iraci de Rotilde Barbosa, e a presente ação proposta em 22/01/2013, tem-se caracterizada a prescrição (artigo 21 da Lei 4.717/1965). 3. Pretende o autor popular discutir a ilegalidade e lesividade de negócios jurídicos relativos à propriedade e transferência, mediante ressarcimento de benfeitorias, no lote 24 do Projeto de Assentamento Bueno de Andrada destinado à reforma agrária, assim como exploração, mediante contrato de arrendamento agrícola, com usina para plantio de cana de açúcar. 4. A Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - ITESP, pessoa jurídica de direito público, criada pela Lei Estadual 10.207/1999, instituída pelo Decreto Estadual 44.294/1999, tem por objetivo planejar e executar as políticas agrária e fundiária no âmbito do Estado (artigo 2º da Lei Estadual 10.207/1999), tendo como uma de suas finalidades implantar assentamentos de trabalhadores rurais, em conformidade com a Lei Estadual 4.957/1985 (dispõe sobre planos públicos de valorização e aproveitamento dos recursos fundiários), e legislação complementar. 5. Desse modo, politica agrária é, na verdade, a ação do Poder Público no meio agrário, no sentido de estabelecer a melhor forma de distribuição, uso e exploração da terra, a concessão dos recursos e instrumentos necessários, visando a organização da produção, a comercialização da produção, a produtividade, a preservação ambiental, o desenvolvimento sócio-econômico do meio rural e o bem estar da coletividade. Como se observa, a política agrária e fundiária deve ser feita com imóveis rurais incorporados ao patrimônio do Estado de São Paulo, e, no caso dos autos, o Projeto de Assentamento Bueno de Andrada foi instalado no imóvel rural de propriedade da Fazenda do Estado de São Paulo, conforme escritura pública registrada no Cartório do Segundo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Araraquara. 6. A exploração dos lotes pelos trabalhadores rurais beneficiários dos assentamentos é feita através de termo de autorização de uso ou simplesmente permissão de uso, sem que exista qualquer tipo de transferência de domínio para os assentados rurais. Ou seja, a Fazenda do Estado de São Paulo continua sendo a legítima proprietária do imóvel rural do PA Bueno de Andrada. 7. O texto constitucional garante o direito de propriedade, porém, este direito encontra-se mitigado, na medida em que a propriedade terá que atender a sua função social (art. 5º, XXIII), sob pena de o proprietário ficar sujeito à desapropriação para fins de reforma agrária. Além disso, a propriedade volta a ser incluída entre os princípios da ordem econômica, que têm por fim "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social" (art. 170, III). De acordo com a Magna Carta, em seu artigo 186, para que a propriedade rural cumpra sua função social, ela tem que atender, simultaneamente, a cinco requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis; preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 8. Em não sendo cumprida a função social da propriedade rural, o artigo 184 da Constituição Federal impõe a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação de seu valor real, resgatáveis no prazo de até 20 (vinte) anos, a partir do segundo ano de sua emissão, em percentual proporcional ao prazo, de acordo com os critérios estabelecidos nos incisos I a V, § 3º, do artigo 5º da Lei 8.629/1993. 9. Como se observa, é nítido e claro que o ITESP ao promover assentamentos rurais, com imóvel rural público de propriedade da Fazenda do Estado de São Paulo, não está promovendo a reforma agrária, como supõe o autor popular, pois tal instituto pressupõe desapropriação de imóveis rurais que não estão cumprindo sua função social (artigo 184, CF), hipótese que não alcança a presente ação. 10. Assim, os trabalhadores rurais beneficiários de assentamentos implementados pelo ITESP são selecionados através de procedimento público, disciplinado pela Lei Estadual 4.957/1985, na qual será concedida a outorga de permissão de uso ao imóvel, sem qualquer transferência de domínio. 11. No caso, o senhor José Aparecido da Silva, ex-marido da corré Iraci Derotilde Barbosa, foi convocado a participar do sorteio de lote no Projeto Bueno de Andrada, em 20/08/1997, tendo sido contemplado com o lote 24 do referido projeto, com a emissão do termo de autorização de uso, originando o PROC/ITESP 527/97, em 20/11/1997. Na sequência, o senhor José Aparecido da Silva requereu a desistência do referido lote, informando que estava separado da sua esposa, a qual consta o nome no cadastro, deixando sua ex-esposa e filhos no lote, em 11/03/1998. Diante dessa desistência, o procedimento 527/97 foi reautado, tendo sido formado o PROC/ITESP 206/98, em nome da corré Iraci Derotilde Barbosa, e diante de sua situação regular perante o ITESP, foi enviado o feito à Coordenadoria para assinatura do termo de autorização de uso. Na sequência, o termo de autorização de uso foi assinado pela corré Iraci Derotilde Barbosa, em 26/05/1998. 12. No termo de autorização de uso do lote 24, não existe transferência de propriedade, mas mera concessão de liberalidade e a título precário, com prazo inicial de vigência de 3 (três) anos, ou até a sua revogação, com a reversão da área ao Estado, legitimo proprietário, em caso de descumprimento das suas cláusulas. Inclusive, é dever do beneficiário explorar pelo menos 50% da parte agricultável com gêneros de primeira necessidade, além de poder contratar financiamentos junto às instituições de crédito. Para operacionalizar a exploração dos lotes e proporcionar ocupação estável do beneficiário, a Fundação ITESP regulamentou através da Portaria 75/2002, posteriormente revogada pela Portaria 77/2004, o cultivo de culturas agroindustriais nos assentamentos, em conformidade com a Lei Federal 8.171/1991 e Lei Estadual 4.957/1985. 13. Cumpre destacar que a Portaria ITESP 77/2004 disciplina o limite máximo de exploração do lote, da seguinte forma: "As culturas para fins de processamento industrial poderão, a requerimento do interessado, ser implantadas nos lotes com área de até 15 (quinze) hectares, ocupando até 50% (cinquenta por cento) da área total, e, nos lotes com área superior a 15 (quinze) hectares, ocupando até 30% (trinta por cento) da área total" (artigo 2º). 14. Assim, o contrato agrícola de plantio de cana-de-açúcar firmado entre a corré Usina Maringá Indústria e Comércio Ltda e a corré Iraci foi objeto de diversas reuniões na Subdelegacia Regional do Trabalho de Araraquara, na qual participaram, além dos referidos corréus, o ITESP, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego, e Sindicatos Rurais da Região de Araraquara, com o objetivo de viabilizar da melhor forma possível o processamento dos contratos de plantio, não se cogitando em arrendamento rural. 15. Não merece prosperar, outrossim, a alegação de inadmissibilidade da monocultura, no caso exclusivo de cana de açúcar, sob o argumento de que esse fato desvirtuaria as finalidades do PA Bueno de Andrada, como supõe o autor popular. A exploração do lote, suas especificações, é disciplinada em Portaria do Instituto, a quem compete acompanhar e avaliar o cumprimento dos requisitos especificados pelo ordenamento, não estando, nesse ponto, comprovado qualquer tipo de prejuízo aos cofres públicos, aspecto, aliás, de forma irrepreensível foi abordado pela r. sentença de primeira instância. 16. Em 12/04/2005, a corré Iraci requereu a desistência do lote 24, nos termos da Portaria ITESP 50/2004, tendo sido elaborado laudo de vistoria pelo ITESP constatando a realização de benfeitorias não reprodutivas e reprodutivas, instruído com fotografias e planilhas, em 22/08/2005. Intimada a corré Iraci para formalizar a irrevogável desistência do lote, protocolou pedido de arquivamento da desistência anteriormente solicitada, tendo sido acolhido, com arquivamento do referido procedimento em 10/10/2005. Em 31/08/2006, a corré solicitou novo pedido de desistência do lote, tendo sido atualizado o laudo de vistoria, em 04/09/2006. No entanto, intimada, a corré novamente se arrependeu, tendo sido arquivado o processo. Por fim, houve novo pedido de desistência, em 27/11/2009, e elaboração de novo laudo de vistoria do ITESP, que, após ciência e concordância, houve homologação do Laudo de Avaliação de Benfeitorias, em 28/01/2010. 17. Convocados os corréus João Soares dos Santos Sobrinho e Luciana Aparecida de Azevedo dos Santos, devidamente inscritos no cadastro para seleção de beneficiários de assentamentos estaduais, manifestaram interesse nas benfeitorias existentes no lote 24 do PA Bueno de Andrada, em 06/05/2010 e consequentemente no lote. Tendo a corré a Iraci formalizado a desistência do referido lote, em 12/07/2010, comprovando a quitação dos financiamentos rurais adquiridos perante o Banco do Brasil, ocasião em que João e Luciana foram convocados a ocuparem o lote 24 do PA Bueno de Andrada, no prazo improrrogável de 48 horas. 18. Em 23/08/2010, a corré Iraci renunciou a eventuais direitos e desobrigou-se de eventuais obrigações decorrentes do contrato firmado perante a Usina Maringá Ind. Com. LTDA, assumidos pelos requeridos João e Luciana, mediante aditamento ao contrato agrícola de plantio de cana-de-açúcar. Destaco, ainda, que referido contrato é fiscalizado pelo ITESP e, na oitiva da testemunha do senhor Mauro, supervisor da Fundação, disse que a usina encaminha a minuta do contrato e o projeto para avaliação do corpo técnico e da assessoria jurídica da ITESP, que pode determinar a readequação ou aprovar, anuindo com o contrato, por isso, não há ilegalidade nenhuma no aditamento. Em 08/02/2011, os requeridos João e Luciana foram notificados, para regularização da documentação, informando o período que continuaria trabalhando registrado o corréu João ou cópia da CPTS com a baixa do último emprego. No entanto, foi apurada a falta de baixa na CTPS. 19. Extrai-se dos depoimentos pessoais dos corréus João e Luciana, prestados em audiência, que estavam cadastrados há 14 anos no INCRA e, mais recentemente, no ITESP, e quando foram convocados em razão da disponibilidade do lote 24, o corréu João comprometeu-se a dar baixa na CTPS e sair do trabalho. Reconheceram, também, que se ausentarem do lote, devido a problemas de saúde da corré Luciana. Em 13/04/2011, houve o primeiro pedido de desistência de João e Luciana, por motivos de saúde. Na sequência, em 01/06/2011, laudo de vistoria do ITESP atestando que estes estavam ocupando o lote com a família, tendo sido apurado plantação de cana em 6 hectares e pastagens nos 6 hectares restantes. 20. Por fim, em 12/01/2012, houve o segundo pedido de desistência do lote do João e Luciana, reiterando os motivos de saúde, juntando documentos médicos. O laudo de vistoria ITESP atesta que somente o corréu João estava morando no lote, emitindo parecer favorável à desistência pelo técnico responsável, uma vez que a "família não se adaptou em morar no lote", em 31/01/2012, seguem-se o Termo de Homologação de Avaliação de Benfeitorias, em 20/12/2012, e, por fim, o Termo de Desistência do Lote, assinado pelos requeridos João e Luciana, em 04/04/2013, tendo sido convocados novos beneficiários. 21. Percebe-se da narrativa fática que, apesar de não constar exatamente qual a data de ingresso dos requeridos João e Luciana no lote, e qual o tempo efetivo de permanência, fato é que houve comprovação de que o estiveram ocupando, com realização de benfeitorias, depois constatadas em laudo de vistoria do ITESP, de modo que podiam desistir a qualquer tempo, da terra. Por isso, não há ilegalidade no procedimento em questão. Acrescento, apenas, que o artigo 12, I e II, da Lei Estadual 4.957/1985, e cláusulas do termo de convocação e permissão estabelecem apenas que o beneficiário deve ter domicílio no lote e explorá-lo direta e pessoalmente, não sendo a existência de registro na CTPS causa impeditiva de nele ingressar. 22. Apesar do ITESP, ter dado tempo para que o requerido João regularizasse sua situação cadastral, o que não se concretizou e, por motivos de saúde ou até por não ter se adaptado com a família no lote e, por isso, requereu a desistência, não se caracteriza ausência de atuação da fundação estadual, ao contrário, restou comprovado que o ITESP acompanhou de perto a situação do lote 24, na tentativa de regularizar a situação dos beneficiários. 23. Não restou caracterizada irregularidade na exploração e transferência do lote 24, uma vez que foram observadas, pela Fundação ITESP, as regras da legislação estadual de regência, em conformidade com a Constituição e legislação federal aplicáveis. 24. Em relação ao INCRA, cumpre destacar que, apesar de ter reconhecido o PA Bueno de Andrada, por meio da Portaria 55/1999, tal procedimento não o torna responsável pela politica de assentamento promovida pela Fundação ITESP em imóvel rural da Fazenda do Estado de São Paulo, pois, como já constatado, não houve reforma agrária. Sobre o financiamento rural, destaco que a corré Iraci obteve financiamento do PRONAF, no entanto, quando da desistência do lote 24, comprovou a liquidação dos financiamentos rurais adquiridos perante o Banco do Brasil, conforme ofício juntado da própria instituição financeira. Em relação aos corréus João e Luciana não houve concessão de financiamento do PRONAF, uma vez que não preenchiam os requisitos legais. 25. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2093556 - 0000437-38.2013.4.03.6120, Rel. JUÍZA CONVOCADA ELIANA MARCELO, julgado em 28/01/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/02/2016) Cumpre mencionar que o AREsp n. 882.285/SP, igualmente mencionado nas razões recursais não se refere ao acórdão transcrito, mas a decisão decorrente de Agravo de Instrumento, no curso daquela ação, anterior ao julgado apontado. No presente caso, a pretensão dos apelantes envolve a sua discordância quanto à implementação de assentamentos pelo ente estadual, cuja discussão está correndo paralelamente a este feito, sem imputações de irregularidades, mas, sim, de atribuições decorrentes da discussão jurídica envolvendo a dominialidade da área. Assim, a sentença em análise está em consonância com os precedentes desta Corte. II.2 – DOS PEDIDOS DE CONDENAÇÃO DA FUNDAÇÃO ITESP EM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER No que diz respeito aos contratos de “venda e compra de cana-de-açúcar e outras avenças” (ID 90230605 – pp. 32/43 e ID 90233342 – pp. 31/77), relembre-se que não se está a analisar a nulidade dos contratos firmados entre os assentados e a Usina São Martinho, tendo em vista a exclusão do pedido, por ocasião do saneamento do presente feito, em primeiro grau conforme relatado (ID 90502878 – pp. 3/11), sem que se tenha interposto recurso. Assim, não conheço do pedido de declaração de nulidade dos contratos, com fixação de valor indenizatório decorrente do uso indevido da área. O que resta é a análise dos pedidos: i) de condenação da Usina São Martinho e da Fundação ITESP em obrigação de não fazer, consistente na vedação à celebração de contratos que utilizem área destinada a reforma agrária, sob pena de multa diária; ii) de condenação do INCRA ao levantamento da situação ocupacional do Projeto de Assentamento Horto Guarany, com a retomada das parcelas identificadas com irregularidades, dando-se a devida destinação; e iii) condenação dos apelados em perdas e danos pelas ações e omissões praticadas quanto ao Programa Nacional de Reforma Agrária. No contexto apresentado, a apreciação dos contratos de “compra e venda de cana-de-açúcar” dar-se-á em termos gerais, para que se verifique se a alegação de que se trataria de acordos simulados procede, procedendo-se, então, à análise do pedido de condenação em obrigação de não fazer. Os apelantes questionam a monocultura de cana-de-açúcar produzida nos lotes, bem como a sua destinação total à Usina São Martinho, o que representaria, em verdade, um contrato de arrendamento, o qual não é permitido no momento do assentamento (art. 94 da Lei n. 4.504/1964 e art. 21 da Lei n. 8.629/1993). Como bem apontado na sentença, o arrendamento é igualmente vedado pela legislação estadual, art. 12 da Lei do Estado de São Paulo n. 4.957/1985, assim como a parceria, exceto entre os membros do lote. Entretanto, do exame de tais contratos extrai-se que a área de produção de cana-de-açúcar corresponde ao limite de 50% (cinquenta por cento) do lote (cláusula 2ª), veda-se a terceirização da mão-de-obra, exceto a destoca e o enleiramento (cláusula 3ª, parágrafo terceiro). Dispõem, ainda, os parágrafos primeiro e segundo da cláusula 3ª que caso os assentados não possuam imediato subsídio técnico, mecânico ou financeiro, a compradora poderá subsidiar a sua implementação, fornecendo-lhes mudas, adubos e herbicidas, cujos valores serão descontados da compra de cana-de-açúcar. Tal característica, como bem apontado na sentença, assemelha-se mais a um contrato de fornecimento. Acrescenta-se que, conforme consta do contrato, tal auxílio será prestado de forma a capacitar tecnicamente o assentado, para que possa realizar diretamente o serviço. Assim, contrariamente aos precedentes desta Corte Regional nos quais houve a anulação dos contratos de assentamento, em ações individuais, não há, no presente caso, a previsão de assunção da produção pela compradora, ou seja, a Usina, caso o vendedor/fornecedor não dê conta da produtividade acertada. Além disso, em tais precedentes, a área prevista no contrato para o plantio era de até 80% do lote. Confira-se, a título de exemplo: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ASSENTAMENTO PARA PROGRAMA DE REFORMA AGRÁRIA. ARRENDAMENTO A TERCEIRO. MONOCULTURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. DESCUMPRIMENTO DAS DIRETRIZES DO PROGRAMA DE REFORMA AGRÁRIA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DO INCRA PROVIDAS. 1. O Decreto nº 59.428/66 regulamenta as condições para a reforma agrária e, em seu artigo 77, prevê as causas de rescisão do contrato de assentamento. O artigo 21 da Lei nº 8.629/93, com redação vigente à época da celebração, estabelece as obrigações que o assentado assume e que devem estar previstas no contrato de assentamento, ao passo que o artigo 22 prevê a obrigatoriedade de constar no contrato a rescisão do contrato e retorno do imóvel ao INCRA no caso de descumprimento dessas obrigações. E o artigo 94 da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) veda o arrendamento a terceiros. 2. No caso dos autos, as partes firmaram Contrato de Colonização e/ou Assentamento em 08/031991, por meio do qual o Sr. João Vicente dos Santos adquiriu a Lote Parcela nº 90 do Projeto de Assentamento Bela Vista do Chibarro, localizado em Araraquara/SP, destinando ao desenvolvimento de atividades agrárias, conforme do contrato de assentamento juntado às fls. 11/14. 3. Depreende-se dos autos que não restou cabalmente comprovado que o autor tornou-se elemento de perturbação para o desenvolvimento dos trabalhos de colonização do Projeto, pois o único documento juntado é o relatório elaborado pelo próprio INCRA. Entretanto, há provas de que o autor arrendou grande parte do seu lote para a Usina Zanin de Açúcar e Álcool Ltda. promover cultivo de monocultura de cana-de-açúcar em área extensa, infringindo a obrigação de explorar direta e pessoalmente em regime de economia familiar e a vedação de arrendar o lote a terceiros. Isso porque o "compromisso particular de produção e comercialização de cana-de-açúcar do projeto independência 2001", firmado com a Usina Zanin em 20/1/2000, prevê a produção de cana-de-açúcar no lote do autor. No mesmo sentido, o Relatório Técnico do Lote n. 90 do Projeto de Assentamento Bela Vista do Chibarro (fls. 120/125) confirma a existência de plantação de cana-de-açúcar em grande parte do lote do autor. E, conforme bem fundamentado pela MM. Magistrada a quo, o contrato em questão possui natureza de arrendamento, tendo em vista que autoriza a Usina a executar a produção de cana-de-açúcar com mão-de-obra de terceiros (configurando cessão de uso e gozo de imóvel rústico), sendo que é a Usina quem arca com o adiantamento dos custos. Ademais, apesar das notas fiscais de fls. 29/57 indicarem a existência de plantação de outros legumes e verduras, é importante destacar dois pontos: (1) em primeiro, tais notas referem-se aos anos de 1993 a 1994 e 2005 a 2008. E, considerando que o período do contrato de assentamento abrange de 1991 a 2001, verifica-se que o autor plantou itens distintos da cana-de-açúcar apenas nos primeiros anos de assentamento. De 1994 até o fim do período contratual em 2001, não há prova de que a plantio tenha sido diversificado. (2) em segundo, o Relatório Técnico do Lote n. 90 do Projeto de Assentamento Bela Vista do Chibarro (fls. 120/125) aponta que tais plantações representam apenas 0,5 alqueire, área muito inferior à utilizada na produção de cana-de-açúcar. Portanto, conclui-se que houve o descumprimento por parte do Assentado, ora Apelado, das obrigações relativas previstas no Contrato de Colonização e/ou Assentamento e na legislação citada, tais como: (1) sistema de Arrendamento/Parceria com a Usina Zanin de Açúcar e Álcool Ltda., vedado pelo artigo 94 do Estatuto da Terra e artigo 3º do Decreto n. 59.566/66; (2) cultivo de monocultura de cana-de-açúcar; (3) deixar de cultivar o lote em regime de economia familiar. 4. Ocorre que a MM. Magistrada a quo, apesar de entender pela ocorrência de descumprimento do contrato pelo parceleiro/assentado e pela configuração de causa de rescisão, considerou que seria possível, com fundamento na teoria do fato consumado e diante da omissão da administração em fiscalizar as atividades realizadas no assentamento em tempo hábil para que fossem sanadas as irregularidades, reconhecer o direito do autor à obtenção do título definitivo sobre o imóvel, condicionando-o, porém, à cessação/rescisão do contrato de arrendamento/parceria com a Usina Zanin e ao pagamento dos débitos do autor. Sem razão a Magistrada. Não há fundamento no ordenamento jurídico para se afastar a rescisão do contrato de assentamento por descumprimento das condições pelo assentado/parceleiro. Em verdade, a legislação é tão assertiva quanto à rescisão do contrato de assentamento como consequência para o descumprimento que prevê a obrigatoriedade de se constar no contrato esta implicação (Lei nº 8.629/93, art. 22), criando tanto uma obrigação legal quanto contratual, e não deixando margem para atuação discricionária. Ademais, nos termos do art. 2º da Lei nº 4.504/64, é assegurado o "acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social", de modo que, uma vez descumpridas as finalidades da reforma agrária, não faz sentido afastar a rescisão do contrato de assentamento com fundamento na teoria do fato consumado, em prejuízo de terceiros que poderiam vir a ser assentados no lote e promover adequadamente a função social, atendendo aos objetivos da reforma agrária. Do mesmo modo, a omissão da administração em fiscalizar as atividades desenvolvidas pelos assentados e notificá-los em tempo hábil para sanar as irregularidades também não pode conduzir à conclusão de que deve ser afastada a rescisão do contrato de assentamento, pois o assentado estava ciente das obrigações assumidas, eis que, além de previstas na legislação, constavam expressas no contrato por ele assinado. Este é o entendimento já adotado por esta E. Primeira Turma em caso idêntico, em que se reformou a sentença que havia julgado parcialmente procedente o pedido para condenar o INCRA a outorgar à Autora a Escritura definitiva de domínio da Parcela n. 74 do Assentamento Bella Vista do Chibarro, localizado em Araraquara, desde que fossem quitados de todos os débitos dos parceleiros/assentados. 5. Interposto o recurso sob a égide do CPC/1973, deixo de aplicar o artigo 85 do Novo Código de Processo Civil, porquanto a parte não pode ser surpreendida com a imposição de condenação não prevista no momento em que recorreu, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica. Assim, devem ser observadas as disposições do art. 20, §§3º e 4º, Código de Processo Civil de 1973. E, tratando-se de processo em que a União é parte, os honorários devem ser fixados por equidade. No caso dos autos, reformada para julgar improcedente o pedido, o autor deve ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais), a ser devidamente atualizados, tendo em vista a natureza da causa e o trabalho exigido, sobretudo durante a instrução. 6. Remessa oficial e apelação do INCRA providas. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0011004-70.2009.4.03.6120, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 06/04/2021, DJEN DATA: 09/04/2021) De outro lado, em hipóteses como a dos presentes autos, consta decisão desta Corte na qual se mantém os contratos de assentamento, a despeito da monocultura, justamente, porque não se estende por todo o lote. Confira-se: APELAÇÃO CÍVEL. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. CONCESSÃO DE TÍTULO DE DOMÍNIO DEFINITIVO. BENEFICIÁRIA DE CONTRATO DE ASSENTAMENTO. CUMPRIMENTO DAS CLÁUSULAS RESOLUTIVAS NO PRAZO DECENAL. RESIDÊNCIA NA AGROVILA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NA ÁREA DE SAÚDE EM FAVOR DA COMUNIDADE. POSSIBILIDADE. CULTIVO DE CANA-DE-AÇÚCAR NO ASSENTAMENTO NÃO VIOLA OS PRINCÍPIOS DA REFORMA AGRÁRIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO PELO LOTE DEVE SER FIXADO PELO INCRA. RECURSO PROVIDO. (...) 14. Em relação à alegada irregularidade em razão do cultivo de cana-de-açúcar em 47,9% da área total do lote, o próprio INCRA assinalou, em sua contestação, que tem ciência da importância do cultivo de cana-de-açúcar na região do estado de São Paulo, razão pela qual não é sua intenção "proibir, de forma intransigente, a cultura de cana-de-açúcar no assentamento, mas zelar para que a produção de cana se dê em conformidade com a legislação agrária e ambiental em vigor, objetivando, em apertada síntese, que os assentados explorem pessoalmente as terras que lhe foram cedidas, não pratiquem a monocultura e, ao mesmo tempo, não degradem as áreas de preservação permanente de seus lotes (...) Nesse sentido, o INCRA vem atuando junto aos assentados e à Usina em processo de adequação do uso da área em que se situa o assentamento". 15. Da análise dos documentos acostados aos autos, observa-se que o cultivo de cana na propriedade da apelante é realizado dentro dos parâmetros mencionados pelo INCRA. Isso porque não houve degradação de área de preservação permanente, tampouco há que se falar em monocultura de cana-de-açúcar, já que consta no relatório técnico do próprio INCRA, decorrente de vistoria efetuada em 03/2010, que na referida propriedade também há o cultivo de abacaxi, milho, mamão, manga, graviola, limão, banana, maracujá, abóbora, mandioca e um canteiro de hortaliças, sendo reconhecido expressamente no laudo referente à vistoria de 05/2012 que "o lote apresenta características básicas de agricultura familiar". 16. Alie-se a isso o fato de que, em 2004 a autarquia deu início ao Programa de Recuperação do Assentamento - PRA, através do qual foram apuradas irregularidades em diversos lotes do Assentamento Bela Vista do Chibarro, acarretando a abertura de processos administrativos e, em alguns casos, o posterior ajuizamento de ações de reintegração de posse, não sendo nenhuma dessas demandas ajuizadas em face da apelante. 17. Com efeito, nos autos do Procedimento Administrativo nº 1.34.017.000104/2004-33, instaurado para apurar irregularidades no Assentamento Bela Vista do Chibarro, mormente aquelas relacionadas ao arrendamento de lotes a terceiros para o cultivo de cana-de-açúcar, o Ministério Público Federal, em despacho datado de agosto de 2009, assinalou que o referido cultivo no assentamento não viola os preceitos constitucionais e legais da reforma agrária. 18. Desta feita, por todos os ângulos analisados, não se vislumbra qualquer violação às cláusulas resolutivas do contrato de assentamento por parte da beneficiária, ora apelante. Ainda que assim não fosse, os relatórios técnicos do INCRA juntados aos autos se referem a vistorias realizadas em 2010 e 2012 no lote da apelante, de modo que ambos são extemporâneos ao prazo decenal em que vigentes as cláusulas resolutivas do contrato em questão, qual seja, de 1999 a 2009. (...) 23. Apelação a que se dá provimento. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1882211 - 0011228-08.2009.4.03.6120, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, julgado em 10/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/04/2018) Em complemento, é relevante sublinhar que a Fundação ITESP participou da celebração dos contratos, bem como previu a observância aos contratos de assentamento, assim como às correspondentes previsões legais. Acrescentou-se, ainda, que qualquer alteração em relação à situação constante do contrato de compra-e-venda, sujeitar-se-ia à anuência da Fundação ITESP (cláusula 26). Mencione-se, outrossim, que na sentença, faz-se referência, ainda, à cláusula 15, a qual prevê que o assentado, vendedor, é responsável pela fiscalização da lavoura de cana-de-açúcar, respondendo exclusivamente pelos danos que eventualmente ocorrer, inclusive ambientais. Há, ainda, a cláusula 7ª, que estabelece o preço de venda de acordo com a pesagem da cana, demonstrando que o parâmetro seria a efetiva produção, contrariamente ao afirmado pelos apelantes, que afirmam que o valor da venda seria pré-estabelecida. Tampouco se trataria de parceria agrícola, a qual prevê uma maior distribuição de riscos, incompatível com as cláusulas anteriormente mencionadas. No que tange à situação de monocultura, é relevante a transcrição da sentença (ID 90502881 – p. 123): (...) De qualquer forma, quer se trate de compra e venda, quer se trate de fornecimento, não há vedação que impeça seja firmado com os assentados do Incra ou do Itesp. É verdade que a monocultura de cana-de-açúcar não seria o ideal, mas atinge cinquenta por cento das parcelas, sobrando terra para outras culturas. Além disso, é a realidade da região. Não se pode impor a assentados que, com dificuldades, lutam para sobreviver e se inserir no mercado agrícola, também a luta contra a monocultura, particularmente, de cana-de-açúcar. Assim, contrariamente ao que alegam os apelantes, não se vislumbra uma simulação de compra-e-venda, não havendo, portanto, fundamento jurídico para a pretendida condenação do ITESP, bem como da Usina São Martinho em obrigações de não fazer decorrentes de alegadas infrações ao regramento trazido pela Lei n. 8.629/1993. Mencione-se, ainda, que o precedente referente ao Processo n. 0011004-70.2009.4.03.6120, mencionado nas razões recursais (ID 90507032 – p. 44) teve a sentença de procedência revertida por ocasião do julgamento do correspondente recurso (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0011004-70.2009.4.03.6120, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 06/04/2021, DJEN DATA: 09/04/2021). De outro lado, o Processo n. 0008935-85.2010.4.03.6102, igualmente mencionado nas razões recursais, tem por objeto a responsabilização ambiental, a qual não faz parte do objeto da presente ação. É caso, portanto, de manutenção da sentença de improcedência. Incabível a condenação de honorários recursais, por força da previsão do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição da República. Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DO AGRAVO RETIDO interposto pela União, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO REEXAME NECESSÁRIO e à APELAÇÃO somente para acolher a preliminar suscitada pelos Apelantes, determinando-se a inclusão da União no polo passivo da presente ação popular, e JULGO PREJUDICADOS os agravos retidos interpostos por Usina São Martinho, INCRA, Jane Mara de Almeida Guilhen e Wellington Diniz Monteiro, nos termos da fundamentação. É o voto.
Advogado do(a) APELADO: CELSO PEDROSO FILHO - SP106078-A
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA CECILIO DE BARROS - SP173301
Advogado do(a) APELADO: RAIMUNDO NONATO TRAVASSOS SOUZA - SP132506-N
Advogado do(a) APELADO: FABIO AUGUSTO ROSTON GATTI - SP173943-A
Advogado do(a) APELADO: MARCO ANTONIO GARCIA LOPES LORENCINI - SP104335
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. ASSENTAMENTOS RURAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. IMPROCEDÊNCIA.
I. Caso em exame
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente ação popular ajuizada objetivando anular os contratos de assentamento, bem como os de compra e venda de cana-de-açúcar realizados pela Fundação ITESP em área que seria de domínio da União, bem como a imposição de obrigações de não fazer à fundação, bem como à Usina São Martinho, além da condenação em perdas e danos pelas irregularidades existentes no assentamento em questão.
II. Questão em discussão
As questões em discussão são: (i) se a sentença proferida extrapolou os pedidos iniciais (sentença extra petita); (ii) se a União deveria integrar o polo passivo da lide; (iii) a legitimidade passiva do INCRA e de agentes públicos envolvidos no assentamento; e (iv) a possibilidade de condenação da Fundação ITESP, bem como da Usina São Martinho em obrigações de não fazer.
III. Razões de decidir
Não se verifica nulidade por sentença extra petita, pois a decisão respeitou os limites da lide e não surpreendeu as partes, que tiveram ampla oportunidade de se manifestar.
A União deve integrar o polo passivo, uma vez que a discussão sobre a dominialidade da área e as consequências jurídicas das decisões proferidas na CCAF afetam diretamente seus interesses patrimoniais.
O INCRA permanece no polo passivo, pois figura como responsável pela implementação da reforma agrária na área, não havendo interesse recursal quanto a tal ponto. Contudo, mantém-se a exclusão dos agentes públicos por ausência de imputabilidade direta de atos irregulares.
Os contratos de fornecimento e compra e venda de cana-de-açúcar firmados entre os assentados e a Usina São Martinho não configuram arrendamento ou parceria irregular, estando de acordo com a legislação vigente e sendo compatíveis com a autonomia econômica dos assentados.
Ausência de fundamento jurídico para condenação da Fundação ITESP em obrigação de não fazer, visto que os assentamentos e as atividades econômicas vinculadas estão sendo conduzidos dentro dos limites normativos aplicáveis.
IV. Dispositivo e tese
Pedido improcedente. Apelação e reexame necessário parcialmente providos. Agravo retido não conhecido. Agravos retidos prejudicados.
Tese de julgamento: "1. A União deve integrar o polo passivo da ação popular quando há discussão sobre bens de sua propriedade e atos administrativos a ela relacionados. 2. A exclusão de agentes públicos do polo passivo é justificável na ausência de indicação específica de condutas irregulares praticadas por eles. 3. Contratos de fornecimento agrícola firmados por assentados com terceiros não configuram arrendamento irregular quando observam os limites legais. Impossibilidade de análise individual. Impossibilidade de condenação de obrigação de não fazer"
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXXIII; Lei n. 4.717/1965, art. 6º; Lei n. 8.629/1993, art. 21.
Jurisprudência relevante citada: TRF-3, ApelRemNec n. 0000437-38.2013.4.03.6120, Rel. Juíza Convocada Eliana Marcelo, j. 28.01.2016; TRF-3, ApelRemNec n. 0011004-70.2009.4.03.6120, Rel. Des. Federal Hélio Egydio de Matos Nogueira, j. 06.04.2021.