Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006658-02.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO

APELANTE: CLERIO COSTA DE OLIVEIRA, ERICA RIBEIRO DE OLIVEIRA, ANA LUCIA SILVA DA COSTA ALVES, CARLOS ALBERTO ALVES

Advogado do(a) APELANTE: LIGIA MARIA DE FREITAS CYRINO - SP191899-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006658-02.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO

APELANTE: CLERIO COSTA DE OLIVEIRA, ERICA RIBEIRO DE OLIVEIRA, ANA LUCIA SILVA DA COSTA ALVES, CARLOS ALBERTO ALVES

Advogado do(a) APELANTE: LIGIA MARIA DE FREITAS CYRINO - SP191899-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

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R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): 

Trata-se de ação de consignação em pagamento, com pedido de tutela antecipada, proposta originalmente por CLERIO COSTA DE OLIVEIRA e ERICA RIBEIRO DE OLIVEIRA, que tem por objeto contrato de financiamento com a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF para aquisição de imóvel sob regime de alienação fiduciária em garantia.

Na inicial, a parte autora alegou que, em virtude de dificuldades financeiras, tornou-se inadimplente, acarretando a consolidação da propriedade do bem imóvel financiado em favor da CAIXA e a posterior designação de leilões, em relação aos quais afirmou não ter sido intimada pessoalmente.

O juízo a quo, em consideração aos documentos juntados aos autos, determinou a retificação do valor da causa e a inclusão dos contratantes originários do contrato de financiamento celebrado com a CEF, com a devida regularização processual.

Em emenda à inicial, CLÉRIO COSTA DE OLIVEIRA e ERICA RIBEIRO DE OLIVEIRA informaram que a dívida contraída originou-se de instrumento particular de cessão de direitos e obrigações decorrentes do instrumento particular de venda e compra do imóvel, mútuo e alienação fiduciária em garantia pelo Sistema Financeiro de Habitação, com sub-rogação de alienação fiduciária, contraída por CARLOS ALBERTO E ANA LUCIA SILVA DA COSTA ALVES junto à CEF, no montante de R$ 569.600,00.

Asseverou a parte autora que, embora tivesse interesse em purgar a mora no valor de R$ 52.000,00, não obteve êxito nas tratativas junto ao banco réu, que se recusou a aceitar o pagamento da dívida, em decorrência da consolidação da propriedade do imóvel.

Requereu a suspensão da execução em curso, bem como a manutenção da posse do bem imóvel.

O pedido de tutela antecipada foi parcialmente deferido, tendo o juízo a quo autorizado a sustação dos leilões relativos ao imóvel objeto da controvérsia até a realização da audiência de conciliação com a purgação da mora (ID 275697493).

Citada, a CEF ofereceu contestação, defendendo, em síntese, a carência da ação, a regularidade do procedimento de consolidação da propriedade e de execução extrajudicial do bem imóvel e a impossibilidade de purgação da mora após a consolidação da propriedade do bem imóvel (ID 275697501).

Em nova manifestação, a CEF alegou que os coautores Clério Costa e Érica Ribeiro são parte ilegítima para postular o direito em questão, tendo em vista que o contrato de mútuo foi originalmente celebrado com os autores Carlos A. Alves e Ana Lúcia Silva da Costa Alves. Afirmou que o “contrato de gaveta” celebrado entre os coautores não produz efeitos em relação ao banco mutuante, que sequer anuiu aos termos da avença (ID 275697541).

Designada tentativa de acordo, esta restou infrutífera (ID 275697548).

Réplica nos autos (ID 275697553).

Intimadas, as partes não manifestaram interesse na produção de outras provas (ID 275697557/58).

A sentença julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do CPC, em relação aos autores cessionários CLERIO COSTA DE OLIVEIRA e ERICA RIBEIRO DE OLIVEIRA para pleitear eventuais direitos relativamente ao contrato de financiamento originário, bem como julgou improcedente o pedido em relação aos autores ANA LÚCIA SILVA DA COSTA ALVES e CARLOS ALBERTO ALVES, mutuários que celebraram contrato originário com a CEF. Fundamentou o magistrado a quo que, realizada audiência de tentativa de conciliação, a parte autora quedou-se inerte, sem promover o depósito judicial dos valores devidos ou efetuar a purgação da mora. Condenou a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixadas em 10% (dez por cento) sobre o valor da mora a ser purgada nos autos, proveito econômico almejado (art. 85, §2º do CPC), valor a ser atualizado, com juros e correção monetária, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução CJF nº 267/13, que deverá permanecer suspenso, nos termos do §3º, do artigo 98, do CPC, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.

Apelou a parte autora, alegando a legitimidade ativa dos cessionários CLERIO COSTA E ERICA RIBEIRO para que possam efetuar a purgação da mora. No mérito, aduziu que não foi pessoalmente intimada sobre a ocorrência dos leilões, apesar de ter sido regularmente notificada para a purgação da mora. Afirmou que a assinatura do auto de arrematação representa o último momento para purgação da mora pelo devedor. Requereu, ainda, a suspensão da execução e dos efeitos dos leilões e a manutenção da posse do imóvel em favor dos apelantes.

Com contrarrazões.

Em despacho de ID 314840667, este Relator determinou a intimação da CEF para, no prazo de 10 dias, comprovar documentalmente a intimação dos apelantes acerca dos leilões de imóvel.

Em resposta, a CEF alegou que, apesar da consolidação da propriedade do imóvel sub judice, quando ao ajuizamento da ação, os leilões ainda não haviam sido designados. Afirmou, ainda, que, em virtude da concessão de liminar em Primeiro Grau, foi realizada marcação sistêmica para impedir a inclusão do bem em leilões, situação que permanece alterada até o presente momento, conforme documento acostado aos autos (ID 316619995).

Intimada para eventual manifestação, a parte contrária quedou-se inerte.

Vieram os autos à conclusão.

É o relatório. 

 AFS

 

 

 

 

 

 

 


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APELANTE: CLERIO COSTA DE OLIVEIRA, ERICA RIBEIRO DE OLIVEIRA, ANA LUCIA SILVA DA COSTA ALVES, CARLOS ALBERTO ALVES

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V O T O

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): 

A parte autora, alega, em síntese, a legitimidade ativa dos cessionários CLERIO COSTA E ERICA RIBEIRO, possuidores de boa-fé, para que possam efetuar a purgação da mora. No mérito, aduz que não foi pessoalmente intimada sobre a designação dos leilões, apesar de ter sido regularmente notificada para a purgação da mora. Requer, ainda, liminarmente, a suspensão da execução e dos efeitos dos leilões e a manutenção da posse do imóvel em favor dos apelantes.

Da ilegitimidade ativa dos cessionários

Compulsando os autos, verifico que os autores CARLOS ALBERTO ALVES e ANA LUCIA SILVA DA COSTA ALVES firmaram instrumento particular de venda e compra de imóvel, mútuo e alienação fiduciária em garantia pelo SFH com a CEF em 17/10/2014 (ID 275697491), sendo que, posteriormente, em 22/02/2016, os mutuários celebraram contrato particular de cessão de direitos e obrigações com “sub-rogação de alienação fiduciária” com CLERIO COSTA DE OLIVEIRA e ERICA RIBEIRO DE OLIVEIRA, e do qual o banco réu não foi signatário.

O contrato particular de compra e venda celebrado entre o mutuário e o agravante vincula apenas seus signatários e não seria capaz de gerar direitos e deveres de ordem civil nem é oponível à CEF, que não participou nem se obrigou na avença. A força obrigatória dos contratos vincula os contratantes que livremente optaram por estabelecer direitos e obrigações recíprocas, não produzindo efeitos perante terceiros que não anuíram expressamente.

De acordo com o Tema Repetitivo 522 fixado pelo C. STJ, a celebração do “contrato de gaveta” após o dia 25.10.1996 deve ser obrigatoriamente comunicada à instituição financeira, sob pena de o denominado “gaveteiro” ser considerado parte ilegítima para questionar o contrato de financiamento imobiliário de origem. É o caso dos autos.

Portanto, não merece reparo a sentença recorrida no que concerne à ilegitimidade de parte dos cessionários CLERIO COSTA DE OLIVEIRA e ERICA RIBEIRO DE OLIVEIRA.

Da alegada nulidade procedimental

O procedimento de execução extrajudicial está previsto na Lei 9.514/97. Havendo mora por parte do mutuário, o credor promoverá a notificação extrajudicial do devedor para comprovação da mora.    

A notificação é feita para possibilitar ao devedor purgar a mora, no prazo de 15 dias, mediante o pagamento das prestações vencidas e não pagas.   

Art. 26 (...)                                  

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante serão intimados, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do registro de imóveis competente, a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, a prestação vencida e aquelas que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive os tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel e as despesas de cobrança e de intimação.    

Para a consolidação da propriedade em nome da instituição financeira, devem ser observados os requisitos formais do artigo 26, §§ 1º a 3º.   

Transcorrido o prazo para purgação, o oficial do Registro de Imóveis certificará isso e averbará na matrícula do imóvel a consolidação da propriedade em nome do fiduciário.   

Art. 26. (...)   

§ 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.   

O Cartório do Registro de Imóveis, por meio do Oficial respectivo, realiza atos públicos, os quais gozam da presunção de legitimidade, e executa as etapas que obrigatoriamente antecedem à averbação. A presunção de legitimidade da qual goza o ato público é iuris tantum, e poderá ser ilidida durante a instrução do processo de origem em regular procedimento observando o contraditório.    

No caso, o contrato foi firmado pelas partes em 17/10/2014 (ID 275697491) e o inadimplemento é incontroverso nos autos (ID 16631330), o que ensejou a consolidação da propriedade em prol da CEF em 20/12/2018 (ID 275697539), conforme consta na matrícula do imóvel (averbação nº 07). 

Consta na matrícula do imóvel (ID 275697539, averbação nº 07) que os mutuários foram regularmente notificados para purgar a mora e que deixou transcorrer o prazo sem o pagamento, informação que goza de fé pública, nos termos do art. 3º da Lei 8.935/94.

Advirto que, em situações de transferência particular de contrato de financiamento, a intimação para purgar a mora e sobre a designação dos leilões pode ser validamente encaminhada pela CEF ao mutuário originário, considerando que o banco não travou relação contratual com os cessionários e, portanto, não tinha o dever de promover comunicações direcionadas a eles sobre os desdobramentos do contrato.

No que concerne, especificamente, à intimação para os leilões, o §2º do art. 27 da Lei 9.514/97, com redação dada pela Lei 14.711/2023, estabelece:

(...) § 2º-A Para fins do disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo, as datas, os horários e os locais dos leilões serão comunicados ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante, por meio de correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.

No caso dos autos, nenhuma das partes informa as datas dos leilões, e tampouco, apresenta edital comprovando a designação das praças.

De qualquer forma, a decisão liminar proferida em Primeiro Grau em 02/09/2019 determinou a sustação dos leilões relativos ao imóvel até a realização de audiência de conciliação.

Conforme informações prestadas pela CEF (ID 316619995) e das quais não houve discordância da parte contrária, o imóvel em questão sequer chegou a ser ofertado em leilões públicos e houve registros internos para impedir a inclusão do imóvel em leilões, situação que permanece até a atualidade.

Desta forma, diante da ausência de comprovação de nulidades, deve ser atestada a regularidade do procedimento de consolidação da propriedade e de expropriação do bem.

Os atos expropriatórios decorrem do exercício regular do direito da CEF e devem prosseguir para preservar o procedimento complexo de alienação e os interesses legítimos da credora. 

Passo a analisar a viabilidade de purga da mora. 

Da purgação da mora

A purgação era permitida até a assinatura do auto de arrematação, com base no art. 34 do DL 70/1966, aplicado subsidiariamente às operações de financiamento imobiliário relativas à Lei nº 9.514/97.   

A partir da entrada em vigor da Lei 13.465/2017, que alterou dispositivos da Lei 9.514/97 para estabelecer marco expresso para purgação da mora, após a consolidação da propriedade fiduciária, o devedor fiduciante terá tão somente o direito de preferência para adquirir o imóvel.   

"Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora e consolidação da propriedade fiduciária relativos às operações de financiamento habitacional, inclusive as operações do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), sujeitam-se às normas especiais estabelecidas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017) 

(...) 

§ 2º.  Até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, é assegurado ao devedor fiduciante pagar as parcelas da dívida vencidas e as despesas de que trata o inciso II do § 3º do art. 27, hipótese em que convalescerá o contrato de alienação fiduciária." (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017). 

"Art. 27. Consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário promoverá leilão público para a alienação do imóvel, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data do registro de que trata o § 7º do art. 26 desta Lei.     (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023)

(...) 

§ 2º-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao fiducianteo direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado às despesas, aos prêmios de seguro, aos encargos legais, às contribuições condominiais, aos tributos, inclusive os valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes aos procedimentos de cobrança e leilão, hipótese em que incumbirá também ao fiduciante o pagamento dos encargos tributários e das despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, inclusive das custas e dos emolumentos.  "(Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017, e com Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023).

   O C. STJ entende pela aplicação imediata da Lei 13.465/17 aos contratos celebrados antes da sua vigência, vejamos:   

RECURSOS ESPECIAIS. IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. GARANTIA. LEI Nº 9.514/1997. MORA PURGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE APÓS CONSOLIDAÇÃO. PROPRIEDADE. CREDOR FIDUCIANTE. VIGÊNCIA. LEI Nº13.465/2017. ALTERAÇÕES INCORPORADAS. DIREITO DE PREFERÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE. ACÓRDÃO. AFASTAMENTO.  

1. O propósito recursal cinge-se a definir a possibilidade de purgação da mora, nos contratos de mútuo imobiliário com pacto adjeto de alienação fiduciária, submetidos à Lei nº 9.514/1997 com a redação dada pela Lei nº 13.465/2017, nas hipóteses em que a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário ocorreu na vigência da nova Lei.  

2. Não se reconhece a negativa de prestação jurisdicional ventilada quando o Tribunal de origem analisa todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada.  

3. Após a edição da Lei nº 13.465, de 11/7/2017, que introduziu no art. 27 da Lei nº 9.514/1997 o § 2º-B, não se cogita mais da aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966, visto que, consolidada a propriedade fiduciária em nome do credor fiduciário, descabe ao devedor fiduciante a purgação da mora, sendo-lhe garantido apenas o exercício do direito de preferência na aquisição do bem imóvel objeto de propriedade fiduciária. Precedentes.  

4. Recurso Especial adesivo da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MUTUÁRIOS - ABM não conhecido. Parcialmente conhecidos e, na parte conhecida, providos os demais recursos especiais interpostos”.    

(STJ, REsp 1.942.898/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, Segunda Seção, j. em 23/8/2023, DJe 13/9/2023).  

Perfilhando-me a esse entendimento, vinha decidindo que, com as alterações introduzidas pela Lei 13.465/2017 à Lei 9.514/97, apenas nos casos em que a consolidação da propriedade em nome do agente fiduciário ocorresse antes da inovação legislativa, poderia o devedor purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação.   

No entanto, sensível à brilhante fundamentação apresentada no julgamento do Agravo de Instrumento de nº 5014383-67.2023.4.03.0000, relatado pelo Exmo. Desembargador Federal Nelton dos Santos, refleti melhor sobre o tema. Atento à garantia constitucional do ato jurídico perfeito, aderi ao posicionamento no sentido de que a nova lei não se aplica aos contratos firmados antes de sua edição.   

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMÓVEL EM GARANTIA. CONTRATO FIRMADO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 16.465/2017. ATO JURÍDICO PERFEITO. PURGAÇÃO DA MORA. POSSIBILIDADE ATÉ A ASSINATURA DO AUTO DE ARREMATAÇÃO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE PELA CEF. AGRAVO DESPROVIDO.   
1. In casu, o contrato configura ato jurídico perfeito, porquanto aperfeiçoado na vigência da Lei n. 9.514/1997 e antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, o que se deu em 12 de julho de 2017.    
2. O direito de purgar a mora é de natureza substancial ou material, possuindo justamente tal natureza as regras que o consagram, sendo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, por respeito à segurança jurídica, a lei nova não alcança os contratos celebrados anteriormente. Precedentes.   
3. Se, quando da celebração do contrato, o ordenamento vigente assegurava ao devedor fiduciante o direito de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, não é possível ou mesmo razoável que, posteriormente, uma lei nova incida e reduza-lhe o tempo para o exercício daquele direito; e assim o é porque, em cenário jurídico diverso – e, no caso, também adverso –, talvez a parte ora apelante nem mesmo firmasse o contrato.   
4. Para evitar-se a irretroatividade da lei, a única solução aceitável dentro do espectro constitucional, data venia, é a de aplicar-se a lei vigente ao tempo da celebração do contrato, de sorte que, se tal fato deu-se antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, o devedor fiduciário tem direito a purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação; e se tal direito foi-lhe negado, há de ser-lhe assegurado pelo Poder Judiciário.    
5. No caso em apreço, os agravados firmaram o contrato de mútuo com alienação fiduciária em 22.06.2011, com a consolidação da propriedade em favor da agravante, em 18.01.2023.   
6. Conquanto os agravados tenham sido notificados para purgar a mora, o procedimento se deu nos termos da Lei nº 13.465/2017, não aplicável à hipótese dos autos. Com efeito, a possibilidade de purgar a mora deve se estender até a data da assinatura do auto de arrematação, e não até a consolidação da propriedade, como procedeu a Caixa.   
7. Agravo de instrumento desprovido.   (TRF3, AI nº 
5014383-67.2023.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, j. em 31/8/2023, DJEN 5/9/2023).   

Conforme consta na fundamentação do voto proferido pelo Exmo. Des. Fed. Nelton dos Santos, a fim de se prestigiar a garantia fundamental do ato jurídico perfeito, insculpida no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, seria necessário o respeito ao contrato aperfeiçoado na vigência da Lei 9.514/97 e, por conseguinte, firmado antes das modificações trazidas pela Lei 13.465/2017.   

Como razão de decidir e, ainda, a fim de determinar a irretroatividade da Lei 13.465/2017, o Exmo. Des. Fed. Relator diferenciou o ato de purgar a mora, de natureza substancial, do de consolidação de propriedade ou alienação do imóvel, procedimental. Este último, sim, atrai a aplicação imediata das novidades legislativas. Aquele primeiro, não.   

Não seria possível considerar a consolidação da propriedade como ato jurídico perfeito isoladamente, desconsiderando-se o contrato, pois a consolidação é apenas um dos efeitos que dele podem resultar, e que a segurança jurídica protege todo o acordo, não apenas partes isoladas.   

Assim, as partes, ao firmarem um contrato, o fazem com base na legislação em vigor, considerando a disciplina jurídica da época, regente em especial o direito de quitar a dívida em atraso e manter o vínculo contratual.   

Portanto, se no momento da celebração do contrato, a lei vigente garantia ao devedor o direito de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, não é razoável que uma nova lei posterior reduza esse prazo. Isso ocorre porque, em um cenário jurídico diferente e, no caso, desfavorável, talvez a parte afetada nem tivesse firmado o contrato.   

Na presente hipótese, apesar da consolidação da propriedade ter se dado posteriormente às alterações decorrentes da Lei nº 13.465/2017, devem ser aplicadas as disposições da Lei nº 9.514/1997, em sua redação original, uma vez que o contrato configura ato jurídico perfeito que foi aperfeiçoado na vigência da Lei 9.514/97.

Desta forma, estabelecido que a norma aplicável ao devedor é aquela vigente na data da celebração do contrato, entendo que poderá o agravante purgar a mora até a assinatura de eventual auto de arrematação, na forma prevista no artigo 34 do Decreto-lei nº 70/66 e do artigo 39 da Lei nº 9.514/97.  

Ressalto que, após a realização do segundo leilão, caso este seja infrutífero, uma vez considerada extinta a dívida, conforme já previa o §5º do artigo 27 da Lei nº 9.514/97, em sua redação original, e atualmente, dispõe o §4º do artigo 26-A da Lei nº 9.514/97, acrescentado pela Lei nº 14.711/23, ainda que a CEF adquira a livre disponibilidade do bem, podendo submetê-lo  à venda direta, restará prejudicada a possibilidade de purga da mora

"Art. 27 (revogado)

(...)

§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no §2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.

Art. 26-A. Os procedimentos de cobrança, purgação de mora, consolidação da propriedade fiduciária e leilão decorrentes de financiamentos para aquisição ou construção de imóvel residencial do devedor, exceto as operações do sistema de consórcio de que trata a Lei nº 11.795, de 8 de outubro de 2008, estão sujeitos às normas especiais estabelecidas neste artigo (acrescentado pela Lei nº 14.711/2023).

§ 4º Se no segundo leilão não houver lance que atenda ao referencial mínimo para arrematação estabelecido no § 3º deste artigo, a dívida será considerada extinta, com recíproca quitação, hipótese em que o credor ficará investido da livre disponibilidade.”

Da verba honorária

É de se reconhecer que os litigantes foram, respectivamente, vencedor e vencido, em parte, o que impõe a aplicação do disposto no artigo 86 do Código de Processo Civil/2015. 

Sendo assim, condeno a parte autora ao pagamento de honorários fixados em 5% sobre o valor da causa, observando-se o art. 98, § 3º, do CPC, ante a concessão de gratuidade de justiça e condeno o apelado ao pagamento de verba honorária de 5% sobre o valor da causa. 

Conclusão

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para autorizar a purgação da mora até a assinatura de eventual auto de arrematação, caso esta ocorra até o segundo leilão, nos termos da fundamentação.

Consigno que a oposição de embargos declaratórios infundados pode ensejar aplicação de multa nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC.

É o voto.

 

 



E M E N T A

Direito civil. Ação de suspensão de leilão. Legitimidade ativa de cessionários. Alienação fiduciária. Direito à purgação da mora. Recurso parcialmente provido.

I. Caso em exame

1. Apelação interposta por cessionários de contrato de financiamento imobiliário firmado entre os mutuários originários e a CEF, objetivando a suspensão dos leilões, a manutenção da posse do imóvel e o reconhecimento do direito de purgar a mora, mesmo após a consolidação da propriedade fiduciária em nome do credor.

II. Questão em discussão

2. Há três questões em discussão: (i) saber se os cessionários não anuídos pela instituição financeira possuem legitimidade ativa para postular em juízo; (ii) saber se houve nulidades no procedimento de consolidação da propriedade e de expropriação do bem imóvel e (iii) saber se é possível a purgação da mora após a consolidação da propriedade, em contrato firmado antes da entrada em vigor da Lei nº 13.465/2017.

III. Razões de decidir

3. Cessionários não anuídos pela instituição financeira são parte ilegítima para questionar o contrato de financiamento imobiliário, conforme entendimento firmado no Tema 522 do STJ.

4. Constatada a ausência de vícios no procedimento de consolidação da propriedade e ausência de comprovação de realização de leilões, a regularidade do procedimento deve ser reconhecida.

5. A Lei nº 13.465/2017, que restringe a purgação da mora até a consolidação da propriedade, não se aplica aos contratos firmados antes de sua vigência. Garantia do ato jurídico perfeito impõe a aplicação da legislação vigente à época da celebração do contrato.

6. É assegurado ao devedor fiduciante, em contratos celebrados antes da Lei nº 13.465/2017, o direito de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação.

IV. Dispositivo e tese

7. Recurso parcialmente provido, para reconhecer o direito à purgação da mora até a assinatura do auto de arrematação, nos termos da legislação vigente à época da celebração do contrato.

Tese de julgamento: “1. O contrato celebrado antes da vigência da Lei nº 13.465/2017 assegura ao devedor fiduciante o direito de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação. 2. A consolidação da propriedade fiduciária não afasta, por si só, esse direito.”

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVI; Lei nº 9.514/1997, arts. 26 e 27; DL nº 70/1966, art. 34.

Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.942.898/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, 2ª Seção, j. 23.08.2023; TRF3, AI 5014383-67.2023.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 31.08.2023.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
ANTONIO MORIMOTO
Desembargador Federal