Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004345-04.2006.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: JOAO CARLOS FERNANDES

Advogados do(a) APELADO: ALESSANDRO CARDOSO FARIA - SP140136-A, JOSE ROBERTO SODERO VICTORIO - SP97321-A, SAMANTHA DA CUNHA MARQUES - SP253747-A

OUTROS PARTICIPANTES:

INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004345-04.2006.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: JOAO CARLOS FERNANDES

Advogado do(a) APELADO: SAMANTHA DA CUNHA MARQUES - SP253747-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal Convocada Silvia Figueiredo Marques (Relatora):

Trata-se de apelações da União e do INSS contra sentença que julgou procedente o pedido inicial, condenando o INSS a averbar, como tempo especial, sujeito à conversão em comum pelo  fator  1,4,  os  períodos  trabalhados  pelo  autor  às  empresas TECNOGERAL  S.A.,  atual SECURIT  S.A.,  (13.6.1977  a  09.02.1983)  e  EMBRAER  –  EMPRESA  BRASILEIRA  DE AERONÁUTICA S. A. (19.12.1983 a 30.6.1992), bem como a União a averbar em seus registros os mesmos períodos, para os devidos fins. Foram os réus condenados ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 20% do valor da causa, para cada réu.

As razões da apelação da União são: ilegitimidade da União; nulidade da inclusão ex officio do INSS no polo passivo; falta de interesse de agir do autor em razão do decidido no Mandado de Injunção nº 918; prescrição quinquenal do fundo de direito; descabimento da contagem de tempo especial e inexistência de direito adquirido; inaplicabilidade da contagem ficta do tempo de serviço celetista na Administração Pública; necessidade de comprovação habitual e permanente aos agentes nocivos; o pagamento de adicional de periculosidade ao autor se deu de maneira genérica, o que não ensejaria reflexos em âmbito previdenciário; aplicação incorreta do fator de conversão do tempo especial em comum.

As razões de apelação do INSS são: necessidade de apresentação do laudo técnico de avaliação das condições ambientais do trabalho com a devida medição do ruído no local de trabalho, até mesmo antes do advento da Lei nº 9.032/95; quanto aos agentes hidrocarbonetos, os agentes químicos devem obrigatoriamente ser associados a atividades cuja conjugação desses fatores acarrete a insalubridade; impossibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em regimes diferentes.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte.

É o breve relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004345-04.2006.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: JOAO CARLOS FERNANDES

Advogado do(a) APELADO: SAMANTHA DA CUNHA MARQUES - SP253747-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

A Excelentíssima Senhora Juíza Federal Convocada Silvia Figueiredo Marques (Relatora): Versa o caso dos autos sobre o direito à conversão de tempo especial em comum, referente a vínculos trabalhistas anteriores ao ingresso do servidor no regime estatutário.

Tendo em vista as manifestações das rés de id 316932546 e 316905393, reconheço o interesse recursal das apelantes, pelo que conheço dos recursos interpostos.

Ainda que questões acerca da legitimidade possam ser alegadas em qualquer grau de jurisdição, no presente caso observo que já houve pronunciamento anterior deste tribunal sobre a questão, na decisão que anulou a primeira sentença proferida e determinou o retorno dos autos à origem para inclusão do INSS no polo passivo. Portanto, sobre o ponto incide a preclusão consumativa, sobremaneira porque houve trânsito em julgado dessa decisão em 06/09/2018 (id 297572841).

Dessa forma, afasto as alegações da União sobre sua ilegitimidade passiva e sobre a nulidade da inclusão do INSS no polo passivo.

Rejeito a alegação de falta de interesse de agir do autor em razão da decisão proferida no Mandado de Injunção nº 918/DF, por não vislumbrar coincidência entre o provimento jurisdicional lá realizado e o alcançado com a eventual procedência da presente ação. Naqueles autos, foi proferida decisão que garantiu “aos filiados à entidade sindical (...) o direito de ter os seus pedidos de aposentadoria especial analisados, pela autoridade administrativa competente, à luz do art. 57 da Lei nº 8.213/91”. No presente feito, o autor não pleiteia a concessão de aposentadoria especial, mas sim requer a contagem de tempo especial como comum de períodos trabalhados na iniciativa privada e sua respectiva averbação junto ao regime próprio de previdência social a que filiado atualmente, na condição de servidor estatutário. Há, portanto, interesse de agir no presente caso.

Ainda como matéria prejudicial ao mérito, alega a União que deve ser reconhecida a prescrição quinquenal incidente sobre o direito pleiteado. Sustenta que o conversão da aposentadoria de proporcional para integral (computando o tempo especial prestado em condições perigosas/insalubres), tem como marco inicial a data de quando a pretensão poderia ser exigida. A pretensão de revisão da aposentadoria estaria portanto, prescrita.

Ocorre que, ao tempo da propositura da demanda, o autor sequer era aposentado, mas sim servidor do Centro Técnico Aeroespacial da ativa. Nesse sentido, anote-se que a jurisprudência invocada pela União para alegar que incidiria a prescrição do fundo de direito refere-se à pretensão de revisão de aposentadoria, ou seja, casos em que o servidor já se aposentou – ou seja, já foi efetuada a contagem de tempo – e, neste ato, inicia-se o prazo prescricional para sua revisão.

Portanto, rejeito a alegação de prescrição do fundo de direito, e passo a analisar o mérito propriamente dito.

Desenhadas como substitutivas do trabalho, as aposentadorias devem ser concedidas considerando os meios, as características, os ambientes e demais aspectos significativos do labor, razão pela qual o sistema jurídico deve estabelecer critérios diferenciados para atividades ordinárias e tarefas especiais. Essa distinção está calçada essencialmente no primado da igualdade, e também está positivada em regras constitucionais que impõem aposentadorias especiais em razão do tempo de serviço exercido com prejuízo à saúde ou à integridade física, tanto para o regime geral de previdência (art. 201, §1º da Constituição, refletido na Lei nº 8.213/1991) quanto para regimes próprios (art. 40, § 4°, da ordem de 1988).

Contudo, é longo caminho do reconhecimento normativo da aposentadoria especial em favor do servidor público. Na redação original do art. 40, § 1º, da Constituição Federal previa que “Lei complementar poderá estabelecer exceções ao disposto no inciso III, "a" e "c", no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.”. Essa redação foi alterada pela Emenda nº 20/1998, transferindo essa previsão para o § 4º do mesmo art. 40 da ordem de 1988, segundo o qual “É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.” A Emenda nº 47/2005 reafirmou o direito à aposentaria especial do servidor público em regime próprio de previdência, embora ainda condicionado à lei complementar.

Ainda que a aposentadoria seja direito social de cunho fundamental, o art. 40 da Constituição não teve plena aplicação sem a edição da referida lei complementar, não bastando para tanto o art. 5º, §1º do mesmo ordenamento constitucional (que se subsome apenas ao referido nesse art. 5º, conforme balizas elementares de hermenêutica), nem a Lei nº 6.887/1980 ou a Lei nº 8.213/1991 (destinadas ao regime geral de previdência em não ao regime próprio dos servidores). Houve vários mandados de injunção impetrados no E.STF buscando a produção normativa exigida pelo art. 40, §4º, da Constituição (p. ex., MI 444/MG, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, DJ de 04/11/1994 e MI 0484/97, Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 03/10/1997), sem que a necessária lei complementar fosse editada.

Contudo, o trabalhador viu suas prerrogativas acolhidas quando exercia seu labor sob a égide da CLT, ainda que empregado por pessoa jurídica de direito público, de tal modo que podia se aposentar pelo regime geral de previdência (nos termos da Lei nº 8.213/1991), bem como tinha ainda direito à conversão do tempo de trabalho especial para o comum (quando executado nos moldes da CLT), mesmo que ulteriormente tivesse sido incorporado ao regime estatutário. Nesse sentido, no E.STJ, no RESP 414902, 6ª Turma, DJ de 11/11/2002, p. 306, Rel. Min. Fernando Gonçalves, afirmando que “O servidor público, alçado à condição de estatutário, tem direito de averbar o tempo de serviço exercido em atividade insalubre quando ainda era celetista. A superveniência do Regime Jurídico Único não tem o condão de obstar esse pleito. Precedentes do STJ.” Neste E.TRF da 3ª Região, p. ex., a REOMS 238506, 2ª Turma, DJU de 19/09/2003, p. 609, Relª. Desª. Federal Sylvia Steiner, segundo o qual “O tempo de serviço insalubre ou perigoso laborado sob a égide da CLT se incorporou ao patrimônio jurídico do servidor posteriormente submetido a regime estatutário, podendo ser convertido em comum e averbado para fins de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição. Impossibilidade de se proceder à conversão do período especial relativamente ao período laborado após a implantação do Regime Jurídico Único, ante a ausência de regulamentação da aposentadoria especial dos servidores públicos federais. Inteligência do parágrafo 4º, do artigo 40, da Constituição Federal, e parágrafo 2º, do artigo 186, Lei 8112/90.” No mesmo sentido, neste E.TRF, a AMS 196225, 5ª Turma, DJU de 18/02/2003, p. 642, Relª. Desª. Federal Suzana Camargo, à unanimidade, afirmando que “A Constituição Federal adotou um regime especial de proteção ao trabalho realizado sob condições especiais, estabelecendo tratamento diferenciado às atividades penosas, insalubres ou perigosas, nos termos do artigo 7º, inciso XXIII, observando que o artigo 39, parágrafo 2º da Carta Magna, estendeu a referida garantia aos servidores públicos. A contagem de tempo de serviço para fins de aposentadoria constitui direito do segurado da Previdência Social, seja para computá-lo ao tempo de atividade exercido apenas na iniciativa privada, seja para agregá-lo ao tempo em que trabalhou também no setor público. O Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União - Lei 8.112/90, dispõe que será contado para fins de aposentadoria e disponibilidade o tempo de serviço em atividade privada, vinculada ao Regime Geral da Previdência Social. O servidor público que, quando ainda celetista, laborava em condições insalubres, tem o direito de averbar o tempo de serviço, na forma da legislação anterior, posto que já foi incorporado ao seu patrimônio jurídico.”

Mais adiante, em 09/04/2014, o E.STF aprovou a Súmula Vinculante 33, ampliando as prerrogativas do servidor público nos seguintes termos: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.” Portanto, suprimindo omissão da Lei nº 8.112/1990, ao servidor público passaram a ser aplicáveis, no que couberem, as disposições do art. 57 e do art. 58 da Lei nº 8.213/1991, tanto para a concessão de aposentadoria especial quanto para conversão de tempo especial em comum (vale lembrar que, desde a Lei nº 9.032/1995, não é mais possível a conversão de tempo comum em especial).

Sobreveio a Emenda Constitucional nº 103/2019, e, mais uma vez, as foram alterados os regramentos sobre a aposentadoria especial do regime próprio, sendo previstas hipóteses para servidores com deficiência e para determinados cargos expostos a circunstâncias prejudiciais, descritos no art. 40, §§ 4º, 4º-A, 4º-B e 4º-C, do corpo permanente da Constituição. Desse modo, mediante lei complementar de cada ente federativo, devem ser fixados idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.

Mesmo após a Emenda nº 103/2019, a Constituição não veda a conversão do tempo comum em especial para aposentadorias em regime próprio de previdência de servidores, desde que admitida por legislação de cada ente federado.  Porém, a conversão de tempo de trabalho especial em comum foi expressamente vedada pela Emenda Constitucional nº 103/2019, primeiro em seu art. 10, §3º (para servidores federais) e depois em seu art. 25, §2º (para segurados do regime geral de previdência):

Art. 10. Até que entre em vigor lei federal que discipline os benefícios do regime próprio de previdência social dos servidores da União, aplica-se o disposto neste artigo.

(...)

§ 3º A aposentadoria a que se refere o § 4º-C do art. 40 da Constituição Federal observará adicionalmente as condições e os requisitos estabelecidos para o Regime Geral de Previdência Social, naquilo em que não conflitarem com as regras específicas aplicáveis ao regime próprio de previdência social da União, vedada a conversão de tempo especial em comum.

 (...)

Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal.

(...)

§ 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.

Note-se que a redação original do art. 57, §3º, da Lei nº 8.213/1991, admitia tanto a conversão de tempo comum em especial, quanto a conversão de tempo especial em comum (segundo critérios de equivalência estabelecidos em regramento federal), mas a Lei nº 9.032/1995 deu nova redação a esse preceito, de tal modo que a inclusão do §5º nesse art. 57 acolheu apenas a conversão de tempo especial em comum. Esses regramentos do art. 57 da Lei nº 8.213/1991 eram aplicáveis aos servidores públicos em razão da Súmula Vinculante 33, mas agora, por força do art. 10, §3º, e do art. 25, §2º, ambos da Emenda nº 103/2019, restam vedadas as conversões de tempo especial em comum para benefícios concedidos por regimes próprios de servidores e pelo regime geral do INSS. 

Contudo, em vista da segurança jurídica, devem ser admitidas as conversões de tempo especial em comum para a concessão de benefícios em regime próprio e pelo regime geral, à luz do contido no art. 10, §3º, e no art. 25, §2º, ambos da Emenda nº 103/2019.

Quaisquer dúvidas sobre a constitucionalidade da Emenda nº 103/2019 foram eliminadas pelo E.STF quando, em 31/08/2020, julgou o RE 1.014.286/SP, firmando Tese no Tema 942 (cujo conteúdo é obrigatório para as instâncias judiciárias ordinárias) no sentido de que o servidor público tem o direito à conversão de tempo especial em comum mesmo que trabalhado sob a regência do regime estatutário, embora tenha restringido os efeitos desse reconhecimento até a promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019: 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PEDIDO DE AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADES EXERCIDAS SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS QUE PREJUDIQUEM A SAÚDE OU A INTEGRIDADE FÍSICA DO SERVIDOR, COM CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM, MEDIANTE CONTAGEM DIFERENCIADA, PARA OBTENÇÃO DE OUTROS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. POSSIBILIDADE ATÉ A EDIÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 103/2019. DIREITO INTERTEMPORAL. APÓS A EDIÇÃO DA EC 103/2019, O DIREITO À CONVERSÃO OBEDECERÁ À LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR DOS ENTES FEDERADOS. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONFERIDA PELO ART. 40, § 4º-C DA CRFB.

1. A Constituição impõe a construção de critérios diferenciados para o cômputo do tempo de serviço em condições de prejuízo à saúde ou à integridade física, conforme permite verificar a interpretação sistemática e teleológica do art. 40, § 4°, CRFB.

2. Desde a edição das Emendas Constitucionais 20/1998 e 47/2005, não há mais dúvida acerca da efetiva existência do direito constitucional daqueles que laboraram em condições especiais à submissão a requisitos e critérios diferenciados para alcançar a aposentadoria. Nesse sentido é a orientação desta Suprema Corte, cristalizada no verbete de n.º 33 da Súmula da Jurisprudência Vinculante: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.”

3. Ao permitir a norma constitucional a aposentadoria especial com tempo reduzido de contribuição, verifica-se que reconhece os danos impostos a quem laborou em parte ou na integralidade de sua vida contributiva sob condições nocivas, de modo que nesse contexto o fator de conversão do tempo especial em comum opera como preceito de isonomia, equilibrando a compensação pelos riscos impostos. A conversão surge, destarte, como consectário lógico da isonomia na proteção dos trabalhadores expostos a agentes nocivos.

4. Após a EC 103/2019, o § 4º-C do art. 40 da Constituição, passou a dispor que o ente federado poderá estabelecer por lei complementar idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. Não há vedação expressa ao direito à conversão do tempo comum em especial, que poderá ser disposta em normativa local pelos entes federados, tal como operou a legislação federal em relação aos filiados ao RGPS, nos termos do art. 57, da Lei 8213/91.

5. Recurso extraordinário desprovido, com fixação da seguinte tese: “Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República.

(STF – RE: 1014286 SP 0021903-48.2011.8.26.0506, Relator: LUIS FUX, Data de Julgamento: 31/08/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 24/09/2020)

O marco final estabelecido na Tese firmada no Tema 942 (data da edição da Emenda nº 103, DOU de 13/11/2019) foi fixado segundo o entendimento de que, até então, o art. 40 da Constituição não demandava lei complementar para a conversão de tempo especial em comum, o que teria se alterado com a sua nova redação dada pela emenda, conforme se extrai do voto vencedor lavrado pelo Exmo. Ministro Edson Facchin. Corroborando tal entendimento, o Exmo. Ministro Luis Roberto Barroso chama atenção para a redação do § 3º do art. 10 da Emenda nº 103/2019 ao dispor expressamente que, até a regulamentação superveniente requerida pelo art. 40, § 4º-C, estaria vedada a conversão de tempo especial em comum em se tratando do regime próprio de previdência social dos servidores da União; disposição similar foi feita na parte final do § 2º, do art. 25, quanto ao Regime Geral de Previdência Social.

A despeito das redações dadas pela Emenda nº 20/1998 ao art. 40, § 10 da Constituição (“A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício”) e ao § 12 (“Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social”), antes das modificações da Emenda nº 103/2019, na fixação do Tema 942 prevaleceu o fundamento de que o fator de conversão não é forma de contagem de tempo ficto, mas ajuste da relação de trabalho submetida a condições especiais (conforme se extrai do voto do Exmo. Ministro Edson Facchin).

Diante desse contexto, em vista do entendimento do E.STF no Tema 942, para a concessão de aposentadoria ao servidor público federal em regime próprio, tanto o tempo especial trabalhado sob a égide da CLT quanto da Lei nº 8.112/1990 podem ser convertidos em tempo comum, limitado até a 13/11/2019 (data da publicação da Emenda nº 103/2019). No mais, por força da Súmula Vinculante 33, do C.STF, aplicam-se, no que couber, as regras do regime geral da previdência (Lei nº 8.213/1991) para a concessão de aposentadoria especial ao servidor federal, até a edição de lei complementar específica.

Nessa linha, também o e. STJ, que antes não reconhecia a possibilidade conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física de servidor público, readequou sua jurisprudência, conforme se confere (grifei):

PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DO RGPS. SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM RECÍPROCA. APOSENTADORIA EM REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. JUÍZO DE ADEQUAÇÃO. POSSIBILIDADE. TEMA N. 942/STF.

I - A impetrante pretende a conversão de tempo especial em comum, com ulterior emissão de certidão por tempo de contribuição, para poder utilizar o tempo de serviço exercido no Regime Geral da Previdência Social - RGPS, na sua aposentadoria no Regime Próprio de Previdência Social - RPPS.

II - No EREsp n. 524.267/PB, rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 24.3.2014, foi sedimentado o entendimento de que, objetivando a contagem recíproca de tempo de serviço, não se admite a conversão do tempo de serviço especial em comum, em razão da expressa vedação legal (arts. 4º, I, da Lei n. 6.226/1975 e 96, I, da Lei n. 8.213/1991). Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 1.014.286, firmou a tese no sentido de que, "até a edição da EC 103/2019, não havia impedimento à aplicação, aos servidores públicos, das regras do RGPS para a conversão do período de trabalho em condições nocivas à saúde ou à integridade física em tempo de atividade comum".

III - Dessa forma, forçosa a reforma do acórdão para realinhar o entendimento desta Corte Superior e, nos termos do art. 1.040 do CPC/2015, fazer a devida adequação ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no Tema n. 942.

V - Agravo regimental provido, em juízo de retratação, nos termos dos arts. 1.030, II e 1.040, II, do CPC/2015, para negar provimento ao recurso especial do INSS.

(REsp 1592380/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/02/2022, DJe 10/02/2022)

Com relação à comprovação de estar o servidor exposto aos agentes insalubres e/ou perigosos que ensejam a contagem de tempo diferenciada, há que se tecer algumas considerações sobre os períodos de tempo e os diplomas legislativos então vigentes.

Isso se faz necessário porque a legislação aplicável em matéria de contagem de tempo de serviço especial é aquela em vigor no período em que a atividade foi efetivamente exercida. Por essa razão, até a edição da Lei nº 9.032/1995, que alterou diversos dispositivos das Leis nº 8.212/91 e nº 8.213/1991, bastava que o segurado pertencesse a categoria profissional que caracterizasse a denominada atividade especial, especificada no Anexo II do Decreto nº 83.080/79. Preenchido tal requisito, a respectiva atividade era considerada especial, não sendo necessárias mai1ores averiguações sobre as efetivas condições de trabalho a que estivesse submetido.

Até 28/05/1995, portanto, a lei não exigia qualquer comprovação especial, sendo suficiente o enquadramento em uma das profissões ou que determinado agente nocivo estivesse previsto nos anexos dos Decretos que regulamentam a matéria. A modificação trazida pela Lei 9.032/95, no entanto, passou a exigir expressamente a comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos. Confiram-se os pertinentes dispositivos alterados na Lei nº 8.213/91 (grifei):

Art. 57. (...)

§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.                    (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.                (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.               (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995)

Contudo, frise-se que mesmo após o advento da Lei nº 9.032/95 a comprovação das condições especiais de trabalho com base em laudo técnico somente foi estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96, que após sucessivas reedições foi convertida na Lei nº 9.528/97. Sua regulamentação, por sua vez, ocorreu com a edição do Decreto nº 2.172/97, ou seja, somente a partir de 06/03/97 é exigível a apresentação de laudo técnico que ateste as condições de trabalho com exposição a agentes nocivos - exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.

Observem-se os dispositivos do Decreto nº 2.172/97 que disciplinaram a matéria (grifei):

Art. 66. (...)

§ 2°A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.

§ 3° Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.

§ 4° A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 250.

§ 5° A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autentica deste documento.

Assim, após 05/03/1997, a demonstração da efetiva submissão aos agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física deve ser feita por meio de documento idôneo, consubstanciado em Perfil Profissiográfico Previdenciário preenchido pelo órgão público ou por preposto autorizado, ou, ainda, Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.

Nesse sentido, confira-se o entendimento deste TRF da 3ª Região (grifei):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. VERIFICAÇÃO DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ARTIGO 1.022 DO CPC/15. OMISSÃO. CONTRADIÇÃO. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL. DIB. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. CUSTAS. JUSTIÇA FEDERAL. ISENÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.

(...)

3. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua demonstração.

4. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou Perfil Profissiográfico Previdenciário (a partir de 11/12/97).

5. É possível o enquadramento pela categoria profissional o labor como comissário de bordo, nos termos do item 2.4.1 do Decreto 83.080/79.

6. Comprovada a exposição habitual e permanente a baixa pressão atmosférica, enquadrando-se no código 1.1.7 do Decreto nº 53.831/64 e item 1.1.6 do Decreto nº 83.080/79.

7. A soma dos períodos redunda no total de mais de 25 anos de tempo de serviço especial, o que autoriza a concessão da aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91.

(...)

(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA,  0010105-38.2013.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 10/02/2021, Intimação via sistema DATA: 12/02/2021)

 

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AERONAUTA. PRESSÃO ATMOSFÉRICA ANORMAL. INSALUBRIDADE. CARACTERIZAÇÃO. TOTALIZAÇÃO DE TEMPO LABORATIVO. DATA DO REQUERIMENTO. TEMPO INSUFICIENTE. PROLONGAMENTO TEMPORAL. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS. REDUÇÃO. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA, TIDA POR INTERPOSTA, PROVIDA EM PARTE.

1 - A pretensão nos autos consiste na obtenção de "aposentadoria especial" mediante o reconhecimento de especialidade laborativa desde 04/04/1986 (na condição de "aeronauta - comissário de bordo"), com o cômputo de 25 anos dedicados, exclusivamente, a tarefas insalubres, aos 04/04/2011, referindo o autor à postulação administrativa do benefício em 10/06/2011 (sob NB 155.210.405-0).

(...)

5 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.

6 - Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.032/95.

7 - Até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.

8 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.

9 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.

10 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.

11 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.

12 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.

(...)

(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1799615 - 0001780- 1.2011.4.03.6123, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 10/12/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/12/2018 )

No caso dos autos, o pedido do autor é que os períodos trabalhados nas empresas Tecnogeral S.A., atual Securit S.A., de 13/06.1977 a 09/02/1983, e em EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A., de 19/12/1983 a 30/06/1992, sejam convertidos de tempo especial em comum. O autor ingressou em 13/02/1985 no Centro Técnico Aerospacial (inicialmente sob o regime celetista, e a partir de 12/12/1990 como estatutário), sendo a partir de então vinculado ao regime próprio de previdência dos servidores públicos federais, motivo pelo qual requer, também, que as referidas conversões sejam averbadas junto ao regime de previdência a que filiado.

Quanto às apelações da União e do INSS, algumas considerações devem ser feitas. Argumentam as rés que há expressa vedação legal à conversão de tempo especial em comum quando se trata de contagem recíproca de tempo de serviço. Isso significaria dizer que o quanto decidido pelo STF no Tema 942 não se aplica ao caso dos autos, pois naquela oportunidade a Suprema Corte discutia apenas a conversão de tempo especial em comum pelo servidor público submetido à CLT, antes da Lei nº 8.112/90 – e não o tempo trabalhado sob o regime celetista na iniciativa privada.

Nesse sentido é que se manifestaram as rés pela inaplicabilidade da Instrução Normativa AGU nº 1, de 19 de julho de 2004, que em seu art. 1º dispõe que a AGU não recorrerá de decisão judicial que reconhecer o direito à averbação do tempo de serviço especial prestado, em condições perigosas ou insalubres, pelo servidor que se encontrava sob a égide do regime celetista quando da implantação do Regime Jurídico Único. Sustentam as rés que a jurisprudência do STJ desde muito já pacificou que, em sede de contagem recíproca (seja para aproveitamento de tempo da iniciativa privada junto ao regime de previdência do serviço público, seja para aproveitamento de tempo no serviço público junto ao regime de previdência da iniciativa privada), não é permitida a conversão do tempo de serviço especial em comum, em razão de expressa vedação legal (arts. 4º, I, da Lei nº 6.226/1975, e 96, I, da Lei nº 8.213/1991).

Ainda que compreenda a ratio decidendi de tal argumentação, e veja fundadas razões para acolhê-la (haja vista que, com efeito, o STF não apreciou a questão da contagem recíproca entre regimes previdenciários diferentes decorrentes de vínculos de direito privado e de direito público; mas, sim, analisou a “possibilidade de aplicação das regras do regime geral de previdência social para a averbação do tempo de serviço prestado em atividades exercidas sob condições especiais, nocivas à saúde ou à integridade física de servidor público, com conversão do tempo especial em comum, mediante contagem diferenciada”), não se deve esquecer, por outro lado, que nas razões de decidir o Pretório Excelso deixa claro que “inexiste fator de discriminação socialmente aceitável a ensejar ter-se a conversão do tempo quanto aos trabalhadores em geral, e não se ter, atraída a maior perplexidade, no tocante aos servidores públicos”. Ou seja, a e.Corte prestigiou o entendimento de que aqueles que se submetem a atividades de risco por determinado tempo não podem simplesmente perder a prerrogativa de aproveitar essa contagem diferenciada quando do requerimento da aposentadoria, pois ainda que não tenham completado o período integral necessário para a concessão de aposentadoria especial, não é justo que, para a aposentadoria por tempo de contribuição, sejam obrigados ao mesmo tempo que aqueles que não se submeteram a risco algum.

Nesse diapasão, é verdade que as Leis nº 6.226/1975 e nº 8.213/1991 vedam expressamente a contagem recíproca diferenciada por quaisquer fatores, e que o STJ havia pacificado a congruência de tal vedação. Contudo, após o pronunciamento do STF no Tema 942,  como apontado neste voto, o STJ readequou sua jurisprudência, conforme se confere na ementa do REsp 1592380/SC, acima colacionada e grifada, e no fato de que o STF tem remetido ao STJ processos que decidiram pela impossibilidade da conversão de tempo especial em comum na contagem recíproca para juízo de retratação, à luz do decidido no Tema 942. Com efeito, confira-se:

PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME PRÓPRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM RECÍPROCA. CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 942/STF. JUÍZO DE RETRATAÇÃO.

I - Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo n. 3/STJ: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC."

II - Na origem, a parte autora ajuizou ação ordinária com valor da causa atribuído em R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), em 23/08/2014, objetivando o reconhecimento de tempo especial, pelo exercício da profissão de médico, referente a períodos trabalhados na atividade privada, de 31/10/1978 a 28/2/1979; 2/5/1979 a 6/5/1986; 13/10/1979 a 5/3/1982; 25/8/1980 a 20/12/1981; e, de 1º/2/1987 a 30/11/1989 (CLT - Regime Geral de Previdência Social); no Exército Brasileiro como militar temporário de 9/2/1983 a 29/1/1985 (Regime Próprio de Previdência - União); e na Polícia Militar do Estado de Santa Catarina como Segundo Tenente P.M. Médico, de 1º/2/1985 a 31/5/1989 (Regime Próprio do Previdência - Estado de Santa Catarina); bem como a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.

III - O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o mérito do RE n.º 1.014.286/SP (Tema n° 942 - repercussão geral), cujo acórdão foi relatado pelo Ministro Edson Fachin, firmou a tese de que, até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República.

IV - Agravo conhecido para, em juízo de retratação, negar provimento ao recurso especial.

(AREsp n. 1.141.255/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 18/3/2022.)

Nesse sentido, a aventada impossibilidade de conversão de tempo exercido em regimes previdenciários diferentes, por não haver a possibilidade de fundir normas de regimes diversos, resta mitigada pela premissa, adotada pelas cortes suprema e superior, de que a possibilidade de conversão de tempo especial em comum atua como preceito de isonomia e proteção dos trabalhadores expostos a agentes nocivos, seja em que regime for.

Por esses motivos, ainda que com ressalvas, entendo que quanto à suposta impossibilidade de averbar tempo especial, convertido em comum, trabalhado sob a égide do RGPS no RPPS, não deve ser acolhido o apelo das rés.

Indo adiante, alegam as apelantes que não haveria comprovação suficiente da exposição aos agentes insalubres que ensejasse o reconhecimento dos períodos trabalhados na Tecnogeral e Embraer como especiais. Sustentam que, para o agente “ruído”, sempre houve necessidade de apresentação de laudo técnico que demonstrasse a efetiva exposição a ruídos; e que para os agentes químicos hidrocarbonetos, somente se configura a insalubridade quando a exposição é associada à fabricação de derivados halogenados de hidrocarbonetos alifáticos, nos termos do item 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/1979.

No que se refere a exposição a ruídos, verifico que no PPP juntado sob id 131552361 - Pág. 23, consta que na empresa Tecnogeral o autor trabalhou no cargo de Marceneiro Especializado, exposto a fator de risco “ruído” de intensidade de 87,5 decibéis, entre 13/09/1977 e 09/02/1983. Segundo a jurisprudência do STJ, "[...] a Terceira Seção desta Corte de Justiça firmou orientação no sentido de que é tida por especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80 decibéis até a edição do Decreto 2.171/1997. Após essa data, o nível de ruído considerado prejudicial é o superior a 90 decibéis. A partir da entrada em vigor do Decreto 4.882, em 18.11.2003, o limite de tolerância ao agente físico ruído foi reduzido para 85 decibéis" (AgInt no REsp n. 1.584.760/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/10/2016, DJe de 28/10/2016. Grifei)

Já no que se refere à exposição a hidrocarbonetos, verifico no PPP juntado sob id 131552361 - Pág. 27 que o autor exerceu o cargo de Moldador Plástico na Embraer, de 19/12/1983 a 30/06/1992, exposto a “resinas e solventes derivados de hidrocarbonetos”. Embora no item 1.2.10 do Anexo II do Decreto 83.080/1979 realmente haja a descrição de diferentes atividades desenvolvidas com hidrocarbonetos e outros compostos de carbono que ensejam a configuração de atividade especial, é de se ter em mente que a jurisprudência considera que as atividades do rol são exemplificativas. Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. ATIVIDADE NÃO ENQUADRADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE INSALUBRE. NÃO CABIMENTO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte Superior pacificou o entendimento de que o rol de atividades previstas nos Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79 é exemplificativo, sendo possível que outras atividades não enquadradas sejam reconhecidas como insalubres, perigosas ou penosas, desde que tal situação seja devidamente comprovada. Precedentes.

2. O Tribunal de origem constatou que não foi comprovado o exercício da atividade de geólogo sob condições especiais, tornando-se, assim, impossível, o reconhecimento do tempo de serviço especial.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 1.280.098/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/11/2014, DJe de 1/12/2014.)

No caso específico do manejo de derivados de hidrocarbonetos, observe-se que a jurisprudência entende que exposição de modo habitual e permanente a solventes derivados tóxicos do carbono, contendo hidrocarbonetos aromáticos e inflamáveis, são fatores caracterizadores de agentes nocivos para fins de aposentadoria especial (grifei):

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI. VERIFICAÇÃO DA EFICÁCIA PARA AFASTAR A INSALUBRIDADE DA ATIVIDADE LABORAL. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. SEGURADO SUJEITO À EXPOSIÇÃO DO AGENTE NOCIVO RUÍDO.

1. Não se conhece do Recurso Especial em relação à ofensa ao art. 535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.

2. Não se conhece de Recurso Especial quanto a matéria não especificamente enfrentada pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Incidência, por analogia, da Súmula 282/STF.

2. O Superior Tribunal de Justiça entende que a exposição de modo habitual e permanente a solventes derivados tóxicos do carbono, contendo hidrocarbonetos aromáticos e inflamáveis, são fatores caracterizadores de agentes nocivos para fins de aposentadoria especial.

3. A análise da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI para determinar a eliminação ou não da insalubridade da atividade laboral exercida pelo segurado, implicar necessário exame do conjunto fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ.

4. O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que a eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, no caso de o segurado estar exposto ao agente nocivo ruído.

5. Recurso Especial parcialmente conhecido e nessa parte, não provido.

(REsp n. 1.487.696/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/11/2015, DJe de 2/2/2016.)

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OMISSÃO INEXISTENTE. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. TEMPUS REGIT ACTUM.

1. Conforme jurisprudência do STJ, em observância ao princípio do tempus regit actum, ao reconhecimento de tempo de serviço especial deve-se aplicar a legislação vigente no momento da efetiva atividade laborativa.

2. É considerada especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80 decibéis até a edição do Decreto n. 2.171/97, sendo considerado prejudicial, após essa data, o nível de ruído superior a 90 decibéis. A partir da entrada em vigor do Decreto n. 4.882, em 18.11.2003, o limite de tolerância de ruído ao agente físico foi reduzido a 85 decibéis.

3. A exposição de modo habitual e permanente a solventes derivados tóxicos do carbono, contendo hidrocarbonetos aromáticos e inflamáveis, são fatores caracterizadores de agentes nocivos para fins de aposentadoria especial.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 1.452.778/SC, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 14/10/2014, DJe de 24/10/2014.)

Por tais motivos, entendo caracterizados os requisitos para enquadramento das atividades exercidas nos períodos pleiteados como especiais; e, nos termos consignados nesta decisão, também entendo possível sua conversão em tempo comum pelo INSS e averbação pela União junto ao RPPS para fins de aposentadoria.

Por fim, anoto que eventuais outros argumentos trazidos nos autos ficam superados e não são suficientes para modificar a conclusão baseada nos fundamentos ora expostos.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO às apelações.

Em vista trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017).

É como voto.



E M E N T A

APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM DE TEMPO ESPECIAL. REQUISITOS. CONVERSÃO. CRITÉRIOS.  APELAÇÕES DESPROVIDAS.

- A redação original do art. 57, §3º, da Lei nº 8.213/1991, admitia tanto a conversão de tempo comum em especial, quando a conversão de tempo especial em comum (segundo critérios de equivalência estabelecidos em regramento federal), mas a Lei nº 9.032/1995 deu nova redação a esse preceito, de tal modo que a inclusão do §5º nesse art. 57 acolheu apenas a conversão de tempo especial em comum. Esses regramentos do art. 57 da Lei nº 8.213/1991 eram aplicáveis aos servidores públicos em razão da Súmula Vinculante 33, mas agora, por força do art. 10, §3º, e do art. 25, §2º, ambos da Emenda nº 103/2019, restam vedadas as conversões de tempo especial em comum para benefícios concedidos por regimes próprios de servidores e pelo regime geral do INSS. 

- À luz da segurança jurídica e em vista do entendimento do E.STF no Tema 942, para a concessão de aposentadoria ao servidor público federal em regime próprio, tanto o tempo especial trabalhado sob a égide da CLT quanto da Lei nº 8.112/1990 podem ser convertidos em tempo comum, limitado até a 13/11/2019 (data da publicação da Emenda nº 103/2019). 

- A legislação aplicável em matéria de contagem de tempo de serviço especial é aquela em vigor no período em que a atividade foi efetivamente exercida. Até a edição da Lei nº 9.032/1995 bastava que o segurado pertencesse a categoria profissional que caracterizasse a denominada atividade especial, com exceção da comprovação dos agentes nocivos ruído e calor por meio de laudo técnico; sua regulamentação, por sua vez, ocorreu com a edição do Decreto nº 2.172/1997, ou seja, somente a partir de 06/03/1997 é exigível a apresentação de laudo técnico que ateste as condições de trabalho com exposição a agentes nocivos.

- É verdade que as Leis nº 6.226/1975 e nº 8.213/1991 vedam expressamente a contagem recíproca diferenciada por quaisquer fatores, e que o STJ havia pacificado a congruência de tal vedação. Contudo, após o pronunciamento do STF no Tema 942, o STJ readequou sua jurisprudência.

- No caso dos autos, estão caracterizados os requisitos para enquadramento das atividades exercidas nos períodos pleiteados como especiais e também sua conversão em tempo comum pelo INSS e averbação pela União junto ao RPPS para fins de aposentadoria.

- Apelações desprovidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
SILVIA FIGUEIREDO MARQUES
Juíza Federal