APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5053700-14.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NEUSA PEREIRA DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ZELIA DA SILVA FOGACA LOURENCO - SP159340-N
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5053700-14.2024.4.03.9999 RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: NEUSA PEREIRA DA SILVA Advogado do(a) APELADO: ZELIA DA SILVA FOGACA LOURENCO - SP159340-N OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora): O INSS interpôs apelação contra a sentença que julgou procedente o pedido da parte autora, condenando-o à concessão de benefício assistencial de prestação continuada (um salário mínimo mensal, com consectários legais desde 03/11/2022) e ao pagamento das prestações em atraso não prescritas (correção pelo IPCA-E e juros da Lei nº 9.494/97 desde a citação). A sentença concedeu tutela específica para implantação em 15 dias, com multa diária de R$ 250,00, limitada a R$ 7.500,00 em caso de descumprimento, e fixou honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a sentença (Súmula 111 do STJ), com isenção de custas para o INSS. Em suas razões, o INSS requereu, preliminarmente, efeito suspensivo (art. 1.012, § 3º, I, CPC), alegando risco de lesão grave. No mérito, buscou a reforma, argumentando que a autora não preenche os requisitos socioeconômicos (renda per capita superior ao limite legal, mesmo com a Lei nº 14.176/2021, e ausência de comprovação de despesas essenciais ou dependência de terceiros), e postulou o enfrentamento expresso das matérias legais e constitucionais pertinentes (artigos 20, §§ 2º, 3º, 11-A e 20-B da Lei nº 8.742/1993 e artigo 203, V, CF). Subsidiariamente, pleiteou: a) Taxa Selic para correção e juros; b) DIB na data do laudo pericial; c) prescrição quinquenal anterior ao ajuizamento; d) honorários em 10% sobre as parcelas vencidas até a sentença; e) afastamento ou limitação da multa diária. A parte autora apresentou contrarrazões e o Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito. É o Relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5053700-14.2024.4.03.9999 RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: NEUSA PEREIRA DA SILVA Advogado do(a) APELADO: ZELIA DA SILVA FOGACA LOURENCO - SP159340-N OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora): Recebo o apelo por atender aos requisitos de admissibilidade. Passo ao julgamento. Do Pedido de Efeito Suspensivo Quanto ao pedido de efeito suspensivo (art. 1.012, § 3º, I, CPC), não vislumbro elementos para deferimento. A alegação genérica de risco de lesão grave à Administração Pública, fundada na mera possibilidade de restituição de valores, não justifica a suspensão dos efeitos da sentença. Esta foi proferida com base em provas técnicas consistentes e visa proteger um direito fundamental de natureza alimentar. O periculum in mora milita em favor da autora, em situação de vulnerabilidade social reconhecida judicialmente. Mantenho, portanto, a eficácia da sentença durante a pendência do recurso. Do Mérito No mérito, o INSS alega que a autora não preenche o requisito socioeconômico, pois sua renda familiar per capita excederia o limite legal, mesmo com a Lei nº 14.176/2021. Tal argumento não prospera. O § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 estabelece renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo como critério objetivo. No entanto, o STF (Reclamação nº 4.374) declarou esse parâmetro parcialmente inconstitucional, firmando o entendimento de que o critério da renda não é absoluto, devendo ser interpretado à luz da realidade socioeconômica e da vulnerabilidade do requerente. O STJ (Temas Repetitivos nº 185 e 640) reafirmou que a miserabilidade não se afere apenas pela renda, sendo essencial a análise da situação concreta. No caso, o laudo social conclui que a única renda familiar (três pessoas) provém do esposo da autora e é insuficiente para uma vida digna. O relatório da assistente social evidenciou a exclusão social e econômica da autora que, somada à incapacidade laboral atestada pela perícia médica, justifica a concessão do benefício, em consonância com a lei e a jurisprudência dominante. Embora a renda per capita possa, superficialmente, ultrapassar o limite legal, a comprovada vulnerabilidade e incapacidade laboral da autora legitimam a concessão do benefício assistencial. A sentença, nesse ponto, está devidamente fundamentada e alinhada ao entendimento jurisprudencial consolidado. Do Prequestionamento Quanto ao prequestionamento, esta decisão apresenta fundamentação suficiente, com o enfrentamento das questões jurídicas relevantes à luz da legislação aplicável e da jurisprudência dominante. Consideram-se, assim, implicitamente prequestionados os dispositivos legais invocados, notadamente os artigos 20, §§ 2º, 3º, 11-A, 20-A e 20-B da Lei nº 8.742/1993 e o art. 203, inciso V, da Constituição Federal. Da Correção Monetária O pedido de aplicação da Taxa Selic como índice único de correção monetária e juros não merece acolhimento. O IPCA-E é o índice utilizado para a atualização dos benefícios assistenciais, conforme o Tema nº 905 do STJ, devendo, portanto, ser mantido, por ser o adequado para a correção monetária de valores devidos a título de benefício assistencial, aplicando-se, no que couber, o Manual de Cálculos da Justiça Federal que vigente estiver na data do exercício da pretensão executória. Da data do início do benefício O INSS pleiteia a fixação da Data de Início do Benefício (DIB) a partir da data do laudo pericial. Tal pretensão não prospera. Comprovados os requisitos legais (incapacidade e miserabilidade) na data do requerimento administrativo, este deve ser o marco inicial para o pagamento das prestações. O laudo pericial possui natureza declaratória, atestando condição preexistente à sua realização. No presente caso, a perícia médica judicial e o estudo social demonstram que a incapacidade e a miserabilidade da autora já existiam, ao menos, desde o requerimento administrativo (03/11/2022). O INSS não apresenta fundamento legal para afastar a regra geral e fixar a DIB posteriormente, ônus que lhe incumbia. A alteração da DIB prejudicaria indevidamente a autora, que necessitava da proteção social desde que buscou o amparo estatal. Portanto, mantenho a DIB fixada na data do requerimento administrativo (03/11/2022), conforme a sentença. Da inoperante prescrição quinquenal O INSS requer o reconhecimento da prescrição quinquenal das parcelas anteriores ao ajuizamento da ação. Contudo, o requerimento administrativo ocorreu em 03/11/2022 e a ação foi ajuizada em 2024. O parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91 estabelece a prescrição em cinco anos das prestações não pagas ou reclamadas na época própria. No presente caso, o lapso temporal entre o requerimento administrativo e o ajuizamento da ação é inferior a cinco anos, não havendo parcelas prescritas a serem excluídas. A sentença já determinou o pagamento das "prestações em atraso não atingidas pela prescrição quinquenal". Portanto, o pedido do INSS é inoperante, pois não existem parcelas prescritas no presente feito. Nego provimento a este pedido subsidiário. Dos Honorários Advocatícios O pedido subsidiário do INSS de redução dos honorários advocatícios não merece acolhimento. A fixação em 10% sobre o montante das parcelas vencidas até a sentença está em consonância com a Súmula 111 do STJ e se mostra razoável e proporcional, conforme a jurisprudência desta Corte. O INSS não apresenta justificativa substancial para a redução. Do valor da multa O INSS pleiteou o afastamento ou a redução da multa diária fixada para o descumprimento da implantação do benefício. Contudo, a implantação administrativa ocorreu em 14/02/2024, em cumprimento à ordem judicial comunicada em 01/02/2024 (ID 286134250 - Pág. 1), conforme documentos acostados (ID 286134259 - Pág. 2). Com a comprovação da implantação, a obrigação que ensejou a multa foi satisfeita, ocorrendo a perda superveniente do interesse recursal do INSS quanto a este pedido. Portanto, deixo de conhecer do pedido do INSS relativo à multa diária, por ausência superveniente de interesse recursal. Declaro satisfeita a obrigação imposta pela ordem judicial e nada há, com relação à multa, a ser executado. Ante o exposto, não conheço do pedido subsidiário relativo à multa diária, por ausência superveniente de interesse recursal, e, no mérito, nego provimento ao apelo, declarando, de ofício, satisfeita a obrigação quanto à implantação administrativa do benefício. É o voto.
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. VULNERABILIDADE SOCIAL E INCAPACIDADE LABORAL COMPROVADAS. IRRELEVÂNCIA DO LIMITE DE RENDA PER CAPITA COMO CRITÉRIO EXCLUSIVO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS.
I. CASO EM EXAME
Apelação cível interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido da parte autora, condenando à concessão do benefício assistencial de prestação continuada, com DIB em 03/11/2022, pagamento das parcelas vencidas não prescritas com correção pelo IPCA-E e juros da Lei nº 9.494/97, tutela específica com prazo de 15 dias para implantação sob pena de multa diária de R$ 250,00 limitada a R$ 7.500,00, e fixação de honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a sentença, isentando o INSS de custas.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há sete questões em discussão:
- concessão de efeito suspensivo à apelação;
- preenchimento dos requisitos para concessão do benefício assistencial;
- fixação do índice de correção monetária e juros;
- definição da DIB;
- reconhecimento da prescrição quinquenal;
- revisão do percentual de honorários advocatícios;
- manutenção da multa diária por descumprimento de ordem judicial.
III. RAZÕES DE DECIDIR
- O efeito suspensivo não é concedido quando a alegação de risco à Administração Pública se mostra genérica e a sentença visa proteger direito fundamental de natureza alimentar, estando a parte autora em situação de vulnerabilidade reconhecida judicialmente (CPC, art. 1.012, § 3º, I).
- A renda per capita superior a ¼ do salário mínimo não afasta, por si só, o direito ao benefício assistencial quando comprovada a vulnerabilidade social e a incapacidade para o trabalho, em consonância com a jurisprudência do STF (Rcl nº 4.374) e STJ (Temas 185 e 640).
- A utilização do IPCA-E como índice de correção monetária dos valores devidos em benefícios assistenciais está de acordo com o Tema 905 do STJ, devendo ser aplicado, no que couber, o Manual de Cálculos da Justiça Federal que vigente estiver na data do exercício da pretensão executória.
- A fixação da DIB na data do requerimento administrativo é correta quando comprovados os requisitos legais (incapacidade e miserabilidade) anteriormente à perícia judicial, dado o caráter declaratório do laudo pericial.
- A alegação de prescrição quinquenal é inoperante quando o intervalo entre o requerimento administrativo e o ajuizamento da ação não atinge cinco anos, conforme art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91.
- Os honorários advocatícios fixados em 10% sobre as parcelas vencidas até a sentença estão em conformidade com a Súmula 111 do STJ e não demandam redução sem justificativa relevante.
- A implantação administrativa do benefício ocorrida em 14/02/2024 esvazia o interesse recursal do INSS quanto ao pedido de afastamento da multa diária, caracterizando a perda superveniente do objeto.
IV. DISPOSITIVO E TESE
- Apelação não provida. Declarada, de ofício, satisfeita a obrigação contida na tutela específica concedida na sentença.
Tese de julgamento:
1. A renda per capita familiar superior a ¼ do salário mínimo não impede, por si só, a concessão do benefício assistencial quando comprovadas a vulnerabilidade social e a incapacidade para o trabalho.
2. A fixação da DIB deve observar a data do requerimento administrativo, quando presentes os requisitos legais nesse momento.
3.O IPCA-E é o índice adequado para a atualização de valores devidos em benefício assistencial, conforme jurisprudência consolidada.
4.A implantação do benefício antes do julgamento do recurso torna prejudicado o pedido recursal relativo à multa cominatória.
Dispositivos relevantes: CF/1988, art. 203, V; Lei nº 8.742/1993, arts. 20, §§ 2º, 3º, 11-A, 20-A e 20-B; CPC, art. 1.012, § 3º, I; Lei nº 9.494/97; Lei nº 8.213/91, art. 103, parágrafo único.
Jurisprudência relevante citada: STF, Rcl nº 4.374, Pleno, j. 18.04.2013; STJ, Temas 185, 640 e 905; STJ, Súmula 111