Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5020933-82.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DE ADMINISTRACAO TRIBUTARIA EM SAO PAULO (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: ROYAL BLUE COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA

Advogado do(a) APELADO: NICOLAU ABRAHAO HADDAD NETO - SP180747-A

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5020933-82.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DE ADMINISTRACAO TRIBUTARIA EM SAO PAULO (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: ROYAL BLUE COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA

Advogado do(a) APELADO: NICOLAU ABRAHAO HADDAD NETO - SP180747-A

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): 

 

Tratam-se de embargos de declaração, recebidos como Agravo Interno (ID 281566940), opostos por ROYAL BLUE COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA e pela UNIÃO, contra decisão por mim proferida, em que dei parcial provimento ao recurso adesivo da parte impetrante e neguei provimento à remessa necessária tida por interposta e à apelação da União.

 

Em suas razões recursais (ID 280433342), a parte impetrante alegou omissão e obscuridade na r. decisão, tendo em vista que “teria deixado de indicar todos os argumentos e dispositivos legais capazes de fundamentar o conteúdo decisório” acerca da possibilidade de incidência do PIS e da COFINS sobre a taxa Selic na repetição do indébito tributário. Sustenta que não foi levado em consideração o entendimento consolidado pelo e. STF “que pacificou a noção jurisdicional aceita de faturamento, que, para fins de cobrança das referidas contribuições, é equiparada ao conceito de receita bruta, uma vez que ambas são receitas provenientes do exercício da atividade empresarial, havendo, portanto, ausência de pronunciamento sobre os artigos 195 e incisos CF/88, onde consta a regra matriz de incidência tributária das contribuições em questão e, também sobre legislação infraconstitucional, em especial a Lei n.º 10.637/2002, que dispõe sobre as contribuições para o PIS, e a Lei n.º 10.833/2003 sobre as contribuições à COFINS, que dispõe sobre o regime não cumulativo destas.”.

 

Já em suas razões recursais (ID 280664576), a União alegou que a sentença de 1º grau acabou por julgar matéria ultra petita/extra petita, vez que o pleito inicial pede o reconhecimento da inexistência de relação jurídica sobre a “Taxa Selic ou juros moratórios”, enquanto a sentença teria reconhecido a inexigibilidade do crédito tributário (IRPJ e CSLL), bem como declarado o direito de compensação decorrente da inclusão dos juros de mora/correção monetária (Taxa Selic ou quaisquer outros índices aplicáveis em sede estadual, distrital ou municipal); e que este vício deve ser corrigido ex officio.

 

Sustenta, ainda, ser inviável estender a ratio decidendi do Tema 962 do e. STF ao presente caso, vez que o entendimento ali consolidado configura uma exceção criada pela jurisprudência, que requer interpretação estrita e cautelosa.

 

Intimada para os fins do artigo 1.023, § 2º, do Código de Processo Civil, a parte impetrante apresentou resposta aos Embargos Declaratórios (ID 281164626).

 

É o relatório. Decido.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5020933-82.2021.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DE ADMINISTRACAO TRIBUTARIA EM SAO PAULO (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: ROYAL BLUE COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO LTDA

Advogado do(a) APELADO: NICOLAU ABRAHAO HADDAD NETO - SP180747-A

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): 

 

Trata-se de agravo interno, na forma prevista no artigo 1.021 do CPC, cujo propósito é submeter ao órgão colegiado o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida.

 

A decisão monocrática recorrida (ID 278621483), de minha lavra, foi proferida nos seguintes termos:

 

“Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO e de recurso adesivo interposto por ROYAL BLUE COMÉRCIO, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, em mandado de segurança impetrado por este, visando:

“[...] (2) a concessão da segurança, ao final em definitivo, confirmando-se a liminar concedida, declarando-se a inexistência de relação jurídica entre Impetrante e União Federal pela qual esta possa exigir IRPJ e CSLL, assim como PIS e COFINS, sobre a taxa SELIC ou juros moratórios decorrentes de quaisquer repetições de indébito tributários ou créditos tributários aos quais a impetrante tenha feito ou venha a fazer jus e, ipso facto, que se assegure o direito a compensar de seus tributos federais devidos eventuais valores que tenham sido cobrado a título da tributação aqui combatida (IR, CSLL, PIS e COFINS sobre juros moratórios de indébito tributário); [...]”

 

A r. sentença ID 275394414 dispôs: 

 

“[...] Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido inicial e CONCEDO A SEGURANÇA, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para reconhecer a inexigibilidade do crédito tributário decorrente da inclusão dos juros de mora/correção monetária (Taxa Selic ou quaisquer outros índices aplicáveis em sede estadual, distrital ou municipal) recebidos no aproveitamento de créditos decorrentes de indébito tributário, mediante restituição ou compensação, na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Declaro, ainda, seu direito à repetição, por meio de compensação, dos valores pagos indevidamente sobre os juros de mora/correção monetária (Taxa Selic ou quaisquer outros índices aplicáveis em sede estadual, distrital ou municipal) recebidos no aproveitamento de créditos decorrentes de indébito tributário, observada também a prescrição quinquenal. A compensação poderá ser requerida com débitos relativos a quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observadas as condições previstas pelo artigo 26-A da Lei nº 11.547/2007 e o disposto no artigo 170-A do CTN.

Fica assegurado à Fazenda Nacional exercer a fiscalização quanto à exatidão dos valores objeto da compensação, bem como quanto à regularidade desta.

Custas ex lege.

Honorários advocatícios indevidos, a teor do que dispõe o artigo 25 da Lei 12.016/2009.

Oportunamente, após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se, observadas as formalidades legais. [...]”

 

Em suas razões recursais (ID 275394417), a União postulou, em síntese, a reforma do julgado, para que a “[...]aplicação do entendimento firmado no Tema 962 de Repercussão Geral tanto em relação à modulação, como ao alcance do julgamento, de forma que a não incidência de IRPJ CSLL seja restrita a taxa SELIC incidente sobre a repetição/compensação dos indébitos tributários, devendo ser mantida a tributação da taxa SELIC em todas as demais hipóteses [...]”.

 

Por sua vez, em razões de recurso adesivo (ID 275394420), a impetrante pugna pela reforma da r. sentença, “[...] para determinar também a não incidência dos tributos de PIS e COFINS sobre os valores relativos à taxa SELIC e aos juros moratórios decorrentes de quaisquer repetições de indébito tributários ou créditos tributários aos quais a Recorrente tenha feito ou venha a fazer jus, garantindo, ainda, seu direito de compensar de seus tributos federais devidos eventuais valores que tenham sido cobrados a título da tributação discutida.[...]”.

 

Devidamente processado o feito, com contrarrazões da União (ID 275394426), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.

 

O Ministério Público Federal, não vislumbrando interesse público que justificasse sua intervenção, manifestou-se pelo regular processamento do feito (ID 275761485). 

 

É o relatório. Decido. 

 

Discute-se a inclusão, na base de cálculo do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da pessoa jurídica – IRPJ, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, de valores recebidos a título de taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic, incidente na restituição de indébito tributário.  

 

Da remessa necessária tida por interposta

 

Conheço, de ofício, da remessa necessária, nos termos do inciso I do artigo 496 do Código de Processo Civil e da Súmula nº 490 do STJ. 

 

Do princípio da congruência

 

Segundo o princípio da congruência, fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante artigo 492 do CPC/2015.

 

Verifica-se que a sentença prolatada é citra petita, eis que deixou de analisar o pedido relativa à incidência das contribuições ao PIS e COFINS sobre valores recebidos a título de Selic em  repetição de indébito tributário.

 

Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade e do contraditório. Assim, é de ser integrada a sentença, procedendo-se à análise do pedido expressamente formulado na inicial, porém não enfrentado pelo juízo a quo.

 

Do interesse processual relativo à incidência de IRPJ e CSLL sobre os valores da taxa Selic na restituição de indébito tributário

 

A questão controvertida é objeto de tese, transitada em julgado em 10.06.2022, firmada pelo e. Supremo Tribunal Federal no Tema de Repercussão Geral n.º 962), no sentido de que “é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário” (j. 27.09.2021), observada a modulação (j. 02.05.2022) de seus efeitos a partir de 30.09.2021, ressalvadas “a) as ações ajuizadas até 17/9/21 (data do início do julgamento do mérito); b) os fatos geradores anteriores à 30/9/21 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral”. 

 

Embora a tese firmada em precedente qualificado seja vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário, não possui efeito vinculante e erga omnes no que tange à Administração Pública. 

 

Não obstante, na forma dos artigos 19, caput, e inciso VI, a, e 19-A, III, § 1º, da Lei n.º 10.522/2002, foi aprovado o Parecer SEI n.º 11.469/2022/ME, com efeitos vinculantes à Receita Federal do Brasil a partir de 09.08.2022 (disponível em <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/jurisprudencia-vinculante/irpj-csll>; acesso em 21.07.2023), que determinou a observância no âmbito da Administração Tributária da tese firmada pela Corte Suprema. 

 

Nesse contexto, em princípio, afigura-se a ausência de interesse processual, na modalidade necessidade, relativa à prestação jurisdicional que se circunscreva, apenas e tão somente, ao reconhecimento de direito nos exatos termos em que decidido com repercussão geral pelo STF e já aplicado no âmbito da Administração desde a vinculação da RFB ao Parecer SEI n.º 11.469/2022/ME, em 09.08.2022. 

 

Não se olvida do entendimento adotado por esta 3ª Turma no sentido de remanescer o interesse processual do contribuinte, “pois ‘além da discussão da tese jurídica em si, supervenientemente resolvida pela Corte Suprema, subsiste a necessidade de análise dos fatos essenciais ao reconhecimento concreto do direito vindicado’, a exemplo dos parâmetros da compensação do indébito tributário e o próprio cabimento da restituição pela via administrativa” (confira-se: ApCiv 5008528-20.2022.4.03.6119, relatora Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, j. 08.05.2023). 

 

Contudo, entendo que referido interesse processual se restringe às ações ajuizadas anteriormente ao trânsito em julgado do precedente qualificado do e. STF e a vigência vinculante no âmbito da RFB do Parecer SEI n.º 11.469/2022/ME, posto que nesse período ainda se configurava resistência administrativa, situação em que imprescindível ordem judicial para fins de que o contribuinte pudesse se ressarcir dos valores recolhidos indevidamente, seja por meio de restituição ou compensação, situação em que o órgão judicial deve estabelecer os “parâmetros da compensação do indébito tributário e o próprio cabimento da restituição pela via administrativa”. 

 

Cabe frisar que o e. STF jamais obrigou o contribuinte a ajuizar ação, para que pudesse ver aplicado para si a tese firmada no leading case; a Corte Suprema tão somente extraiu consequência jurídica quando já ajuizada ação cujo mérito teve que se decidir. Significa dizer que, em momento algum, adentrou-se na questão de interesse processual superveniente à tese que firmou. 

 

No caso concreto, o mandado de segurança foi impetrado em 03.08.2021, quando ainda não internalizada na Administração Tributária a normatização relativa à exclusão, da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dos valores recebidos a título de taxa Selic incidente na restituição de indébito tributário. 

 

Assim, reconheço a existência do interesse processual. 

 

Do mérito 

 

Em conformidade com a autorização constitucional (artigo 153, III, da CF), o Código Tributário Nacional definiu os elementos básicos da obrigação tributária relativa ao Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (artigo 43 ss.), cujo fato gerador é aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza. Estabeleceu, ainda, que renda é o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, bem como que proventos de qualquer natureza correspondem aos acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda. 

 

Ainda, nos termos do artigo 2° da Lei n.° 7.689/88, a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda, que será apurada nos termos do artigo 28 da Lei n.° 9.430/96, que remonta à base de cálculo do Imposto de Renda – Pessoa Jurídica (IRPJ), de sorte que se aplica à CSLL o mesmo entendimento quanto ao IRPJ. 

 

Considerando que a hipótese de incidência do imposto é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, tem-se que, para que se verifique no caso concreto a referida disponibilidade, é necessária a efetiva existência de acréscimo patrimonial, ou seja, que o patrimônio resulte acrescido por um direito ou por um elemento material com natureza de renda ou de proventos. 

 

De outro lado, a Constituição estabelece que a seguridade social será financiada por toda a sociedade mediante recursos, dentre outros, provenientes das contribuições do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei (artigo 195, I). 

 

Até a vigência da Emenda Constitucional n.º 20/1998 essa contribuição incidia sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; posteriormente, passou a incidir sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (artigo 195, I, a, CF), sobre a receita ou o faturamento (alínea b) e sobre o lucro (alínea c). 

 

A contribuição para o Programa de Integração Social – PIS foi instituída pela Lei Complementar n.° 7/70, visando promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas.  A Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS foi instituída pela Lei Complementar n.° 70/91, com destinação exclusiva às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social. 

 

Ambas as contribuições possuíam como base de cálculo o faturamento, que sempre foi entendido como a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza (confira-se: ADC n.° 1-1/DF; artigo 3º da Lei n.º 9.715/98). 

 

Posteriormente, a Lei n.° 9.718/98, em que foi convertida a Medida Provisória n.° 1.724/98, dispôs que a base de cálculo do PIS e da COFINS é o faturamento (artigo 2°), correspondente à receita bruta da pessoa jurídica (artigo 3°, caput), entendida como a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas (artigo 3°, § 1°). Em razão desta definição de faturamento, prevista por lei ordinária precedente à EC n.º 20/98, foi declarada a inconstitucionalidade do dispositivo pelo Plenário do e. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 390.840-5/MG, em 09.11.05. Enfim, o referido § 1º foi revogado pela Lei n.º 11.941/09. 

 

Com a promulgação da EC n.° 20/98, foram editadas as Leis n.°s 10.637/02 (artigo 1°, §§ 1° e 2°) e 10.833/03 (artigo 1°, §§ 1° e 2°) que alteraram a base de cálculo do PIS e da COFINS, respectivamente, ao considerar o valor do faturamento entendido como o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, compreendendo a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica. 

 

Quanto às pessoas jurídicas sujeitas ao regime cumulativo, reguladas pela Lei nº 9.718/98, foi editada a Lei nº 12.973/2014 que alterou seu artigo 3º, para determinar, como faturamento, a receita bruta de que trata o artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, que, por sua vez, passou a estabelecer

 

“Art. 12.  A receita bruta compreende: 

I - o produto da venda de bens nas operações de conta própria; 

II - o preço da prestação de serviços em geral; 

III - o resultado auferido nas operações de conta alheia; e 

IV - as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III.{...} 

§ 4o  Na receita bruta não se incluem os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário. 

§ 5o  Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4o.” 

 

A despeito de eventuais discrepâncias com conceitos empresariais e contábeis, é fato que até a EC n.° 20/98, para fins tributários, fixou-se uma sinomínia entre “faturamento” e a “receita bruta” oriunda das atividades empresariais. 

 

Com a inclusão no texto constitucional da hipótese de incidência “receita” ou “faturamento”, revela-se importante a distinção dos conceitos. Enquanto receita é gênero, que abrange todos os valores recebidos pela pessoa jurídica, que incorporam sua esfera patrimonial, independentemente de sua natureza (operacional ou não operacional); faturamento é espécie, que comporta tão somente as receitas operacionais, isto é, provenientes das atividades empresariais da pessoa jurídica. 

 

Se, de fato, sempre houve uma imprecisão técnica na redação legislativa sobre o que é “faturamento”, agora repetida quanto ao que é “receita”, tal jamais foi empecilho para ser considerada a exigibilidade das exações cujos fatos geradores ou bases de cálculo fossem fundadas nesses elementos, desde que respeitados os princípios constitucionais e tributários, mormente o da legalidade. 

 

À medida que a EC n.° 20/98 permite a incidência de contribuições sociais para financiamento da seguridade social sobre “receita” ou faturamento”, basta à legislação infraconstitucional definir o fato gerador do tributo e respectiva base de cálculo como “receita” ou “faturamento”, tomados em sua conceituação obtida do direito privado

 

As empresas tributadas pelo regime da Lei n.° 9.718/98 têm como fato gerador e base de cálculo do PIS e COFINS seu faturamento, entendido na qualidade de espécie de receita, cuja ordem é operacional. Já as empresas tributadas pelo regime das Leis n.°s 10.637/02 e 10.833/03 têm como fato gerador e base de cálculo a totalidade de suas receitas e não apenas aquelas consideradas “faturamento”; independentemente de constar no texto destas normas que o fato gerador “é o faturamento mensal” e a base de cálculo “é o valor do faturamento”, a definição apresentada para faturamento (o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, compreendida a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela empresa) é incontestavelmente a do gênero “receita”, que é absolutamente compatível com a EC n.° 20/98

 

A distinção entre os regimes, cumulativo e não-cumulativo, faz-se relevante na hipótese jurídica ora tratada, haja vista que os valores relativos à taxa Selic incidentes na restituição de indébito tributário e nos depósitos judiciais relativos a tributos federais, evidentemente, não se tratam de receitas operacionais. 

 

A presente controvérsia, portanto, está inserida no âmbito do regime não-cumulativo, cuja base de cálculo engloba o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, compreendida a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela empresa. 

 

Pois bem, dadas essas premissas passo à análise da incidência de tais tributos quanto aos fatos geradores controvertidos. 

 

Como é cediço a taxa referencial Selic aglutina aquilo que seria devido a título de correção monetária, a qual representa mera recomposição do valor da moeda, e juros de mora, que visa ressarcir o credor pelo atraso no pagamento

 

No âmbito da restituição de indébito tributário, segundo compreensão firmada pelo e. Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 962, foi firmada a natureza indenizatória dos valores referentes à taxa Selic, por visar, precipuamente, a recomposição de efetivas perdas (danos emergentes), fixando-se a tese de no sentido de que “é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário” (j. 27.09.2021), observada a modulação (j. 02.05.2022) de seus efeitos a partir de 30.09.2021, ressalvadas “a) as ações ajuizadas até 17/9/21 (data do início do julgamento do mérito); b) os fatos geradores anteriores à 30/9/21 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral”. Seguem as ementas dos acórdãos: 

 

“Recurso extraordinário. Repercussão geral. Direito Tributário. IRPJ e CSLL. Incidência sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário. Inconstitucionalidade. 1. A materialidade do imposto de renda e a da CSLL estão relacionadas com a existência de acréscimo patrimonial. Precedentes. 2. A palavra indenização abrange os valores relativos a danos emergentes e os concernentes a lucros cessantes. Os primeiros, que correspondem ao que efetivamente se perdeu, não incrementam o patrimônio de quem os recebe e, assim, não se amoldam ao conteúdo mínimo da materialidade do imposto de renda prevista no art. 153, III, da Constituição Federal. Os segundos, desde que caracterizado o acréscimo patrimonial, podem, em tese, ser tributados pelo imposto de renda. 3. Os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas (danos emergentes). A demora na restituição do indébito tributário faz com que o credor busque meios alternativos ou mesmo heterodoxos para atender a suas necessidades, os quais atraem juros, multas, outros passivos, outras despesas ou mesmo preços mais elevados. 4. Foi fixada a seguinte tese para o Tema nº 962 de repercussão geral: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”. 5. Recurso extraordinário não provido.” (STF, Pleno, RE 1063187, relator Ministro Dias Toffoli, j. 27.09.2021) [g.n.] 

 

“Embargos de declaração em recurso extraordinário. Tema nº 962. Ausência de contradição quanto ao art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/88. Prestação de esclarecimento. Modulação dos efeitos da decisão. 1. O equivocado entendimento acerca da possibilidade das tributações questionadas nos autos partia de uma determinada interpretação sobre diversos dispositivos legais, entre os quais o art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/88, não tendo, assim, a Corte incidido em contradição ao decidir sobre esse dispositivo. 2. No acórdão embargado, o Tribunal Pleno fixou a seguinte tese para o Tema nº 962: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”. Presta-se o esclarecimento de que a decisão embargada se aplica apenas nas hipóteses em que há o acréscimo de juros moratórios mediante a taxa Selic em questão na repetição de indébito tributário (inclusive na realizada por meio de compensação), seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial. 3. Modulação dos efeitos da decisão embargada, estabelecendo-se que ela produza efeitos ex nunc a partir de 30/9/21 (data da publicação da ata de julgamento do mérito), ficando ressalvados: a) as ações ajuizadas até 17/9/21 (data do início do julgamento do mérito); b) os fatos geradores anteriores à 30/9/21 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral. 4. Embargos de declaração parcialmente acolhidos.” (STF, Pleno, ED/RE 1063187, relator Ministro Dias Toffoli, j. 02.05.2022) [.g.n.] 

 

A mesma interpretação foi conferida pela Corte Superior em sede de retratação no Tema Repetitivo n.º 505 (confira-se: STJ, 1ª Seção, REsp 1138695, relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. 26.04.2023). 

 

Estabelecida a natureza jurídica da taxa Selic na restituição de indébito tributário, cabe discernir quanto à hipótese jurídico-tributária objeto dos referidos precedentes qualificados, todos relativos à hipótese de incidência do IRPJ e CSLL. 

 

A distinção é de extrema relevância no deslinde da presente demanda, na exata medida em que, a se identificar similitude entre os aqueles tributos e as contribuições ao PIS e COFINS, caberia a aplicação por analogia dos precedentes qualificados

 

Distanciam-se, substancialmente, as hipóteses de incidência do IRPJ e da CSLL, as quais se circunscreve à ocorrência de acréscimo patrimonial, em relação às hipóteses de incidência das contribuições ao PIS e COFINS no regime não-cumulativo, haja vista que se referem unicamente à obtenção de receitas, inclusive de natureza não-operacional. 

 

Assim, por não adentrar na ceara da aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de proventos de qualquer natureza, a base de cálculo das contribuições ao PIS e COFINS independem da definição da natureza jurídica, indenizatória ou não, das receitas auferidas, razão pela qual, legítima a tributação ora em apreço. 

Nesse sentido, cito precedentes de ambas as Turmas da 1ª Seção da Corte Superior: 

 

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA (SELIC). REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO AO PIS E DA COFINS. INAPLICABILIDADE DO ENTEDIMENTO FIRMADO PELA SUPREMA CORTE NO TEMA 962. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Inicialmente, é importante ressaltar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo 3 do STJ, segundo o qual "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC". 2. É pacífica a orientação desta Corte Superior de Justiça quanto à incidência da contribuição ao PIS e da COFINS sobre os valores decorrentes da aplicação da taxa Selic (juros e correção) na repetição, isso, porque as bases de cálculo das referidas exações são compostas pelo total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente da denominação ou classificação contábil. 3. A tese firmada pela Suprema Corte no Tema 962, quanto à inconstitucionalidade da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinente à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário, não interfere no entendimento acima, pois a natureza de danos emergentes conferida aos juros moratórios afeta apenas o conceito de renda (base de cálculo do IRPJ) e não o de receita (base de cálculo do PIS e da COFINS). 4. Precedentes: AgInt no REsp n. 1.921.174/PR, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 26/9/2022, DJe de 28/9/2022; e AgInt no REsp n. 1.908.789/SC, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 28/6/2022. 5. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ, 1ª Turma, AgInt/REsp 1960912, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, j. 06.03.2023) 

 

“TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. EXCLUSÃO DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TAXA SELIC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. I - Na origem, foi impetrado mandado de segurança objetivando a não incidência de PIS e de COFINS sobre a parcela referente aos juros remuneratórios e à correção monetária, decorrentes da atualização de valores recebidos via repetição de indébito pelo contribuinte. II - A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que, no âmbito da repetição do indébito tributário, os valores da Taxa Selic (correção monetária e juros de mora) integram a base de cálculo do PIS e da COFINS, entendimento que não sofreu alteração em virtude do julgamento do Tema n. 962/STF. Precedentes. III - Recurso especial improvido.” (STJ, 2ª Turma, REsp 2018256, relator Ministro Francisco Falcão, j. 07.03.2023) 

 

Portanto, considerando o ajuizamento da ação em 03.08.2021 e destacando-se que não há se falar em “declaração de inexigibilidade” do crédito tributário, reconheço a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue a parte ao recolhimento do IRPJ e da CSLL sobre os valores da taxa Selic recebidos por força de restituição de indébito tributário.  

 

Observado o prazo quinquenal de prescrição disposto no artigo 168, I, do CTN, contado da data do ajuizamento, reconheço o direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente. 

 

Quanto ao ponto, o reconhecimento do direito à compensação não é de cunho de meramente declaratório, mas, sim, condenatório, uma vez que obriga a União a suportar a compensação daquilo cuja conclusão, em regra, implicaria execução nos próprios autos. 

 

Na forma do artigo 39, § 4º, da Lei n.º 9.250/95 e 3º da Emenda Constitucional n.º 113/2021, bem como das teses fixadas nos Temas n.º 810/TSF e 905/STJ, os créditos serão atualizados pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic (composta de taxa de juros moratórios e correção monetária), calculada a partir do recolhimento indevido (Súmula STJ n.º 162) até o mês anterior ao da repetição, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.  

 

Após o trânsito em julgado (artigo 170-A do CTN), poderá ser requerida a compensação do indébito administrativamente junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil, observando-se o disposto nos artigo 74 da Lei n.° 9.430/96 e artigo 26-A da Lei n.º 11.457/2007, vigentes na data da propositura da ação, ressalvando-se o direito de proceder à compensação em conformidade com normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios, nos termos da tese firmada pelo c. STJ no julgamento do Tema Repetitivo n.º 265 (REsp n.º 1.137.738/SP).  

 

Ressalta-se que compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinar os procedimentos necessários para o requerimento administrativo da compensação (artigo 74, § 14, da Lei n.° 9.430/96 e artigo 26-A, § 2º, da Lei n.º 11.457/2007).

 

Ante o exposto: 

(i) quanto à incidência das contribuições ao PIS e COFINS sobre os valores da taxa Selic recebidos por força de restituição de indébito tributário, nos termos do disposto no artigo 932, IV e V, b, do CPC, dou parcial provimento ao recurso adesivo da parte impetrante apenas para integrar a r. sentença, citra petita, restando, contudo, nos termos do artigo 487, I, do CPC/2015, denegada a segurança

(ii) no que tange à incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores da taxa Selic recebidos por força de restituição de indébito tributário, nos termos do disposto no artigo 932, IV, b, do CPC, nego provimento à remessa necessária tida por interposta e à apelação da União. 

 

Custas na forma da lei. Sem condenação em honorários advocatícios, conforme disposição do artigo 25 da Lei n.º 12.016/09. 

 

Intimem-se e, oportunamente, remetam-se os autos ao juízo de origem.”

 

Não demonstrado, portanto, qualquer equívoco, abuso ou ilegalidade na decisão recorrida, de rigor sua manutenção. 

 

Ressalte-se que, após a decisão por mim proferida, foi proferida decisão, com trânsito em julgado, no Tema de Repercussão Geral n.º 1.314 (RE autuado sob n.º 1.438.704) do e. Supremo Tribunal Federal, que afirmou que “é infraconstitucional a controvérsia sobre a incidência de PIS e COFINS sobre juros de mora e correção monetária (taxa Selic) recebidos em repetição de indébito tributário”, assentando-se que a questão “demanda o reexame de legislação infraconstitucional (Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03)” e ratificando o entendimento desta Corte.

 

Ante o exposto, nego provimento aos agravos internos.

 

É como voto. 



E M E N T A

 

AGRAVO INTERNO. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. INTEGRADA DECISÃO AOS LIMITES DO PEDIDO. IRPJ. CSLL. BASE DE CÁLCULO. DE JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. SELIC. INCIDENTES EM REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO. TEMA 962/STF E TEMA 505/STJ. TEMA 1243/STF E TEMA 504/STJ IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA REMUNERATÓRIA. PIS. COFINS. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DE JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. SELIC. INCIDENTES EM REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO NATUREZA REMUNERATÓRIA OU INDENIZATÓRIA. COMPOSIÇÃO DO LUCRO OPERACIONAL DAS PESSOAS JURÍDICAS. LEGITIMIDADE DA TRIBUTAÇÃO. TEMA 1237/STJ. COMPENSAÇÃO ADMINISTRATIVA. RECURSOS IMPROVIDOS.

1. O agravo interno tem o propósito de submeter ao órgão colegiado o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida.

2. Segundo o princípio da congruência, fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante artigo 492 do CPC/2015. É firme o entendimento pretoriano no sentido de que, em casos de sentença ultra petita, não se deve pronunciar a nulidade da decisão recorrida, mas, tão somente, reduzi-la aos limites do pedido.

3. No caso concreto, a sentença prolatada foi citra petita, eis que deixou de analisar o pedido relativo à incidência das contribuições ao PIS e COFINS sobre valores recebidos a título de Selic em repetição de indébito tributário. Assim, é de ser integrada a sentença, procedendo-se à análise do pedido expressamente formulado na inicial, porém não enfrentado pelo juízo a quo.

4. Discute-se a inclusão, na base de cálculo do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza da pessoa jurídica – IRPJ, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, de valores recebidos a título de correção monetária e juros de mora, consubstanciados na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic, incidentes sobre créditos tributários objeto de repetição de indébito.

5. Em conformidade com a autorização constitucional (artigo 153, III, da CF), o Código Tributário Nacional definiu os elementos básicos da obrigação tributária relativa ao Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (artigo 43 ss.), cujo fato gerador é aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza. Estabeleceu, ainda, que renda é o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, bem como que proventos de qualquer natureza correspondem aos acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda. Ainda, nos termos do artigo 2° da Lei n.° 7.689/88, a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda, que será apurada nos termos do artigo 28 da Lei n.° 9.430/96, que remonta à base de cálculo do Imposto de Renda – Pessoa Jurídica (IRPJ), de sorte que se aplica à CSLL o mesmo entendimento quanto ao IRPJ.

6. Considerando que a hipótese de incidência do imposto é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, tem-se que, para que se verifique no caso concreto a referida disponibilidade, é necessária a efetiva existência de acréscimo patrimonial, ou seja, que o patrimônio resulte acrescido por um direito ou por um elemento material com natureza de renda ou de proventos.

7. A taxa referencial Selic aglutina aquilo que seria devido a título de correção monetária, a qual representa mera recomposição do valor da moeda, e juros de mora, que visa ressarcir o credor pelo atraso no pagamento.

8. No âmbito da repetição de indébito tributário, seja realizada por meio de restituição em espécie ou por meio de compensação, segundo compreensão firmada pelo e. Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 962, foi firmada a natureza indenizatória dos valores referentes à taxa Selic, por visar, precipuamente, a recomposição de efetivas perdas (danos emergentes), fixando-se a tese de no sentido de que “é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário” (j. 27.09.2021), observada a modulação (j. 02.05.2022) de seus efeitos a partir de 30.09.2021, ressalvadas “a) as ações ajuizadas até 17/9/21 (data do início do julgamento do mérito); b) os fatos geradores anteriores à 30/9/21 em relação aos quais não tenha havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese de repercussão geral”.A mesma interpretação foi conferida pela Corte Superior em sede de retratação no Tema Repetitivo n.º 505.

9. Reconhecida a inexistência de relação jurídico-tributária que obrigue o contribuinte ao recolhimento do IRPJ e da CSLL sobre os valores de correção monetária e juros de mora, consubstanciados na taxa Selic, recebidos por força de repetição de indébito tributário, seja por meio de compensação ou restituição em espécie. 

10. Observados a modulação de efeitos do Tema de Repercussão Geral n.º 962 e o prazo quinquenal de prescrição disposto no artigo 168, I, do CTN, contado da data do ajuizamento desta ação, reconhecido o direito à compensação ou restituição em espécie dos valores recolhidos indevidamente a este título.Quanto ao ponto, o reconhecimento do direito à compensação não é de cunho meramente declaratório, mas, sim, condenatório, uma vez que obriga a União a suportar a compensação daquilo cuja conclusão, em regra, implicaria execução nos próprios autos. 

11. Na forma dos artigos 39, § 4º, da Lei n.º 9.250/95 e 3º da Emenda Constitucional n.º 113/2021, bem como das teses fixadas nos Temas n.º 810/TSF e 905/STJ, os créditos serão atualizados pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic (composta de taxa de juros moratórios e correção monetária), calculada a partir do recolhimento indevido (Súmula STJ n.º 162) até o mês anterior ao da repetição, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices. 

12. Após o trânsito em julgado (artigo 170-A do CTN), poderá ser requerida a compensação do indébito administrativamente junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil, observando-se o disposto nos artigo 74 da Lei n.° 9.430/96 e artigo 26-A da Lei n.º 11.457/2007, vigentes na data da propositura da ação, ressalvando-se o direito de proceder à compensação em conformidade com normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios, nos termos da tese firmada pelo c. STJ no julgamento do Tema Repetitivo n.º 265 (REsp n.º 1.137.738/SP). Ressalta-se que compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinar os procedimentos necessários para o requerimento administrativo da compensação (artigo 74, § 14, da Lei n.° 9.430/96 e artigo 26-A, § 2º, da Lei n.º 11.457/2007).

13. As empresas tributadas pelo regime da Lei n.° 9.718/1998 têm como fato gerador e base de cálculo do PIS e COFINS seu faturamento, entendido na qualidade de espécie de receita, cuja ordem é operacional. Já as empresas tributadas pelo regime das Leis n.°s 10.637/2002 e 10.833/2003 têm como fato gerador e base de cálculo a totalidade de suas receitas e não apenas aquelas consideradas “faturamento”; independentemente de constar no texto destas normas que o fato gerador “é o faturamento mensal” e a base de cálculo “é o valor do faturamento”, a definição apresentada para faturamento (o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, compreendida a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela empresa) é incontestavelmente a do gênero “receita”, que é absolutamente compatível com a Emenda Constitucional n.° 20/1998. 

14. Estejam sujeitas ao regime cumulativo ou não-cumulativo, a 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do ema Repetitivo n.º 1.237 (REsp autuados sob n.ºs 2.065.817/RJ, 2.068.697/RS, 2.075.276/RS, 2.109.512/PR e 2.116.065/SC) firmou tese no sentido de que “os valores de juros, calculados pela taxa SELIC ou outros índices, recebidos em face de repetição de indébito tributário, na devolução de depósitos judiciais ou nos pagamentos efetuados decorrentes de obrigações contratuais em atraso, por se caracterizarem como Receita Bruta Operacional, estão na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS cumulativas e, por integrarem o conceito amplo de Receita Bruta, na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas”.

15. No julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 1.314 (RE autuado sob n.º 1.438.704), o e. Supremo Tribunal Federal afirmou que “é infraconstitucional a controvérsia sobre a incidência de PIS e COFINS sobre juros de mora e correção monetária (taxa Selic) recebidos em repetição de indébito tributário”, assentando-se que a questão “demanda o reexame de legislação infraconstitucional (Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03)”.

16. Reconhecida a legitimidade da tributação de PIS e COFINS.

17. Não demonstrado qualquer equívoco, abuso ou ilegalidade na decisão recorrida, de rigor sua manutenção.

18. Agravos internos improvidos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento aos agravos internos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal