Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012685-28.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: MARCELO GONCALVES

Advogado do(a) APELANTE: GISLANDIA FERREIRA DA SILVA - SP117883-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012685-28.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: MARCELO GONCALVES

Advogado do(a) APELANTE: GISLANDIA FERREIRA DA SILVA - SP117883-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 O Senhor Juiz Federal Convocado Ricardo China (Relator): 

Marcelo Gonçalves, interpôs recurso de apelação da sentença que julgou procedente o pedido inicial para condená-lo por atos de improbidade administrativa às penas de ressarcimento integral do dano, pagamento de multa e proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos oficiais. Suscita, em preliminar, a incompetência da Justiça Federal, com base na Emenda Constitucional nº 45/2004, bem como necessidade de suspensão da presente demanda,  por prevenção da 38ª Vara do Trabalho da Comarca de São Paulo, em razão da existência de prévia reclamação trabalhista.

No mérito, suscita nulidade do procedimento administrativo por cerceamento de defesa e de indeferimento de produção probatória, além de falta de comprovação da autoria. Invoca o acúmulo e variações de funções. Diz que seus atos eram submetidos a instâncias revisoras internas, que nada detectaram. Assevera não haver comprovação de obtenção de vantagem pessoal. Sustenta que os fatos foram praticados por terceiros fraudadores, bem como ilegalidade da aplicação da taxa Selic e juros moratórios ao débito.

Apresentadas contrarrazões pela Caixa Econômica Federal, ratificada pelo Ministério Público Federal.

Subiram os autos a este E. TRF-3ª Região, ocasião em que o representante do Ministério Público Federal se manifestou.

Após, foi determinada a manifestação das partes sobre a aplicação da Lei nº 14.230/21.

A CEF e o Ministério Público Federal sustentam a inaplicabilidade das alterações legislativas, enquanto o apelante repisa a ausência de dolo.

No doc. 327350848 é noticiado o falecimento do requerido.

É o relatório.

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0012685-28.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: MARCELO GONCALVES

Advogado do(a) APELANTE: GISLANDIA FERREIRA DA SILVA - SP117883-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O Senhor Juiz Federal Convocado Ricardo China (Relator): 

 

 

No tocante ao mérito recursal, importa destacar que o instituto da improbidade administrativa tem fundamento com “status” constitucional, posto expressamente previsto no art. 37, § 4º de nossa Carta Política, assim redigido:

 

  Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:             (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(...)

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

 

Rápida leitura do texto normativo nos mostra tratar-se de instituto de direito administrativo com caráter sancionador, vocacionado à exclusão do agente ímprobo da vida pública, seja no aspecto da participação na vida política, econômica ou funcional; tudo aliado à reparação de eventual dano concreto causado ao erário.

À evidência, a descrição constitucional da figura jurídica demandava integração por produção legislativa ordinária, coisa adimplida com a publicação da Lei 8.429, de 02 de junho de 1992. Tal diploma vigeu com poucas alterações em seu texto originário até o advento da Lei 14.230 de 25 de outubro de 2021, que lhe introduziu grande plexo de inovações.

Dentre os vetores básicos de alteração trazidos pela novel legislação, e em apertadíssima síntese, podemos destacar, dentre outros:

 

 

Tais inovações trazidas pela Lei 14.230/2021 foram, porém, objeto de controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, que alterou de forma substancial a exegese a eles aplicável. As teses mais relevantes pertinentes ao tema estão plasmadas no resultado do julgamento da ADI 7042 e ADI 7043, bem como na redação do Tema 1199 do Supremo Tribunal Federal.

Vale aqui reproduzir o julgado lançado na ADI 7042:

 

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PROTEÇÃO AO PATRIMONIO PÚBLICO E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. VEDAÇÃO À EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL (CF, ARTIGO 129, §1º). LEGITIMIDADE CONCORRENTE E DISJUNTIVA ENTRE FAZENDA PÚBLICA E MINISTÉRIO PÚBLICO. VEDAÇÃO À OBRIGATORIEDADE DE ATUAÇÃO DA ASSESSORIA JURÍDICA NA DEFESA JUDICIAL DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

1. Reconhecida a legitimidade ativa da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal – ANAPE e da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais – ANAFE para o ajuizamento das presentes demandas, tendo em conta o caráter nacional e a existência de pertinência temática entre suas finalidades institucionais e o objeto de impugnação. Precedentes.

2. Vedação constitucional à previsão de legitimidade exclusiva do Ministério Público para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 129, §1º da Constituição Federal e, consequentemente, para oferecimento do acordo de não persecução civil.

3. A legitimidade da Fazenda Pública para o ajuizamento de ações por improbidade administrativa é ordinária, já que ela atua na defesa de seu próprio patrimônio público, que abarca a reserva moral e ética da Administração Pública brasileira.

4. A supressão da legitimidade ativa das pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade representa uma inconstitucional limitação ao amplo acesso à jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) e a defesa do patrimônio público, com ferimento ao princípio da eficiência (CF, art. 37, caput) e significativo retrocesso quanto ao imperativo constitucional de combate à improbidade administrativa.

5. A legitimidade para firmar acordo de não persecução civil no contexto do combate à improbidade administrativa exsurge como decorrência lógica da própria legitimidade para a ação, razão pela qual estende-se às pessoas jurídicas interessadas.

6. A previsão de obrigatoriedade de atuação da assessoria jurídica na defesa judicial do administrador público afronta a autonomia dos Estados-Membros e desvirtua a conformação constitucional da Advocacia Pública delineada pelo art. 131 e 132 da Constituição Federal, ressalvada a possibilidade de os órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, nos termos de legislação específica.

7. Ação julgada parcialmente procedente para (a) declarar a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto, do § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que não inexiste “obrigatoriedade de defesa judicial”; havendo, porém, a possibilidade de os órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia dos atos administrativos praticados pelo administrador público, nos termos autorizados por lei específica;(c) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021. Em consequência, declara-se a constitucionalidade: (a) do § 14 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021; e (b) do art. 4º, X, da Lei 14.230/2021.

(ADI 7042, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 31-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 27-02-2023  PUBLIC 28-02-2023)

 

Não menos relevante é a invocação da redação do Tema 1199:

 

  1. É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;

  2. 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

  3. 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

  4. 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

 

Da combinação desses julgados podemos destacar ter nossa Corte Constitucional:

 

 

É com essa moldura normativa abstrata em mente que passamos a enfrentar as peculiaridades do caso concreto.

 

 

Cumpre agora enfrentar a questão processual decorrente do falecimento do autor, conforme noticiado no doc. 327350848. Trata-se de fato triste e de grande relevância para a demanda, mas que foi noticiado nos autos quando esse relator já havia pedido dia para o presente julgamento, e o feito estava efetivamente pautado para a presente sessão. Vige, nessas circunstâncias, aquilo quanto determinado pelo Regimento Interno desse Tribunal Regional Federal da Terceira Região, em seus arts. 295 e 296, que impõe o regular prosseguimento do feito e do julgamento já agendado, postergando-se, na hipótese, o procedimento de habilitação dos sucessores para as fases posteriores da marcha processual; seja ainda na fase recursal, seja quando do retorno dos autos para a primeira instância. Vale reproduzir a letra dos dispositivos:

 

Art. 295 - Não se decidirá o requerimento de habilitação se já houver pedido de dia para julgamento.

 

Art. 296 - A parte que não se habilitar perante o Tribunal, poderá fazê-lo na instância inferior.

 

Superada a questão retro, averbamos que a preliminar arguida pelo apelante, dando conta da suposta necessidade de suspensão do trâmite da presente demanda, em face do ajuizamento de reclamação trabalhista onde são discutidos fatos análogos aos aqui apurados, não prospera. Espécie alguma deve causar ao operador do direito que os mesmos fatos da vida real desencadeiem consequências também diversas na esfera do Direito. Não raro, uma mesma conduta material, perpetrada por um mesmo agente, pode acarretar em lesões a bens jurídicos tutelados, simultaneamente, pelo Direito Penal, pelo Direito Administrativo e pelo Direito Civil. Não havendo perfeita identidade nos efeitos e consequências (dano) desses mesmos fatos, para cada um desses ramos didáticos da ciência do Direito, é absolutamente natural que tais consequências sejam apuradas em demandas específicas, perante os juízos competentes e de acordo com as normas processuais e de organização judiciária vigentes. É a conhecida independência das instâncias.

Nem se argumente com a possibilidade de “bis in idem” na imposição de sanções por esses juízos diversos, porque ao menos para os fins aqui sob apuração, quais sejam, eventual improbidade administrativa, a Lei 8.429/92 traz solução específica, mormente o instituto previsto em seu art. 18-A, que prescreve o procedimento de unificação e compensação de sanções impostas por juízos diversos em ações diversas. O dispositivo legal está assim redigido:

 

Art. 18-A. A requerimento do réu, na fase de cumprimento da sentença, o juiz unificará eventuais sanções aplicadas com outras já impostas em outros processos, tendo em vista a eventual continuidade de ilícito ou a prática de diversas ilicitudes, observado o seguinte:        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - no caso de continuidade de ilícito, o juiz promoverá a maior sanção aplicada, aumentada de 1/3 (um terço), ou a soma das penas, o que for mais benéfico ao réu;        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

II - no caso de prática de novos atos ilícitos pelo mesmo sujeito, o juiz somará as sanções.         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Parágrafo único. As sanções de suspensão de direitos políticos e de proibição de contratar ou de receber incentivos fiscais ou creditícios do poder público observarão o limite máximo de 20 (vinte) anos.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Rápida leitura do texto legal nos mostra como é absolutamente desnecessária a suspensão processual pretendida pelo apelante, já que ele tem à sua disposição ferramentas jurídicas aptas à preservação da proporcionalidade e razoabilidade das sanções às quais está, em tese, sujeito.

Melhor sorte não socorre a alegada incompetência dessa Justiça Federal comum. Já abordamos nos parágrafos acima o consagradíssimo princípio da independência de instâncias, sempre que um mesmo fato da vida traga consequências em searas diversas do Direito. Se dos fatos aqui sob apuração podem advir reflexos trabalhistas, eles também podem surgir no plano do Direito Administrativo. Quiçá, do Penal. E se o Judiciário nacional está organizado na forma que desenhou nossa Carta Política, com ramos diversos aos quais foi atribuída competência também diversa, cada um desses órgãos deve atuar para produzir a prestação jurisdicional que lhe incumbe.

Na hipótese dos autos, tratamos de demanda cujo objeto de pedir está afeto ao direito administrativo sancionador, e cujo autor é empresa pública federal. Essas circunstâncias, aliadas, atraem a competência da Justiça comum Federal; destacando-se, mais uma vez, e ainda que sob pena de nauseante repetição, que a matéria sob debate é estranha ao direito do trabalho. Fica também rejeitada, portanto, a preliminar de incompetência desse juízo.

 

 

Conforme relatado, trata-se de demanda manejada por Caixa Econômica Federal – CEF em desfavor de Marcelo Gonçalves, imputando-lhe a prática de atos ímprobos que acarretaram em prejuízo material para a empresa pública no importe de R$ 327.810,12. Diz a inicial ter o requerido, em atuação abusiva à sua condição de empregado da autora, efetuado o levantamento de valores depositados em 14 (quatorze) contas vinculadas de FGTS titularizadas por terceiros.

A demanda foi julgada procedente, decisão impugnada pelo requerido.

O apelo não merece provimento. Importa aqui destacar que a peça exordial veio instrumentalizada com farta prova documental, consubstanciada em cópias das principais peças do procedimento interno de apuração realizado pela autora para apuração dos fatos aqui sob debate.

Lembremos que a autora é empresa pública, submetida, portanto, naquilo que cabível, a toda a principiologia prescrita por nossa Constituição Federal à administração pública “lato senso”, mormente os

De consequência, os atos praticados pela autora estão, de regra, acobertados pelos conhecidos atributos dos atos administrativos em geral, aí incluindo a presunção de legalidade e legitimidade, a imperatividade e auto-executoriedade. Ainda conforme de sabença geral, tais atributos são afastáveis apenas em face de prova cabal em sentido diverso, a cargo daquele que alega o suposto vício.

É nessa senda que o valor probante das peças de procedimento administrativo disciplinar trazidas aos autos precisam ser bem compreendidas e adequadamente valoradas. Ali, sob crivo de contraditório e oportunizando-se ao então empregado o direito à defesa técnica, concluiu-se pela materialidade dos fatos invocados pela peça inicial dessa demanda, bem como para a autoria do requerido, que teria agido com vontade livre e consciente de obter vantagens patrimoniais ilícitas a seu favor e/ou a favor de terceiros, em detrimento da saúde financeira da empresa pública que o empregava.

De longa data nossa melhor jurisprudência vem admitindo o uso, para os fins aqui sob debate, de provas coligidas em outros autos, seja, de processo judicial, sejam de processo administrativo. Nesse sentido é decisão do Superior Tribunal de Justiça, guardião máximo de nosso Direito Federal:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PRODUZIDA EM AÇÃO PENAL. PROVA EMPRESTADA. VALIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Trata-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público Federal contra Mario Luciano Rosa, o qual ocupava cargo de Policial Rodoviário Federal, usando essa condição para obter vantagens indevidas.

2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido inicial para condenar Mario Luciano Rosa ao pagamento de multa civil fixada em 2 (duas) vezes o valor da remuneração mensal percebida por incorrer em ato de improbidade administrativa atentatório aos princípios da Administração Pública, na forma do artigo 11, caput, da Lei 8.429/1992. Condenou o réu ainda ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios de 5% (cinco por cento) sobre a condenação. O TRF da 3ª Região reformou a sentença apenas para excluir a condenação do réu ao pagamento de honorários advocatícios.

3. O Tribunal a quo assim se manifestou (fls. 618-630, e-STJ): "Todas as provas dos autos convergem no sentido de que houve efetivamente o ato de improbidade em tela, ainda que não anexados ao processo as cópias dos procedimentos administrativos relativos à multa e à autuação do veículo, notadamente em razão da caracterização de improbidade administrativa definida no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa exigir tão somente a comprovação da conduta e do dolo, sendo prescindível a ocorrência de dano ao erário ou enriquecimento ilícito".

4. É inviável, portanto, analisar a tese defendida no Recurso Especial quanto à ausência de documento essencial, pois inarredável a revisão do conjunto probatório dos autos para afastar as premissas fáticas estabelecidas pelo acórdão recorrido. Aplica-se, portanto, o óbice da Súmula 7/STJ.

5. A doutrina e a jurisprudência admitem a "prova emprestada" produzida em outro processo, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa no âmbito do processo para o qual será utilizada, existindo precedente recente da Primeira Turma em caso concreto semelhante ao ora analisado. Nesse sentido: REsp 1.556.140/SE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 2/2/2018; AgInt no AREsp 916.197/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 19/9/2017, DJe 25/9/2017; AgInt no REsp 1.645.255/AP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/8/2017, DJe 23/8/2017; AgRg no REsp 1.299.314/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 23/10/2014, DJe 21/11/2014.

6. A ação foi proposta na origem com base nas interceptações telefônicas realizadas a requerimento da Polícia Federal, regularmente deferida pelo juízo criminal, sendo oportunizada ao recorrente desde o início da lide a apresentação de impugnações e a produção de provas para afastar o valor probante da prova emprestada.

7. O acórdão recorrido consignou que, após exame do contexto fático-probatório, tanto o Juízo de primeira instância quanto o Tribunal de origem entenderam que os documentos constantes dos autos eram suficientes para a solução da controvérsia, razão pela qual descabe a alegação de nulidade da interceptação telefônica, prova essa produzida em outro juízo e cujas eventuais nulidades deveriam ter sido suscitadas no momento processual em que foi produzida a prova, e não no juízo para o qual foi transportada a prova emprestada.

8. Com efeito, o STJ possui orientação no sentido de que cabe ao magistrado verificar a existência de provas suficientes para a condenação por ato de improbidade administrativa, conforme o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional.

9. O Tribunal de origem manteve a sentença quanto à presença do elemento subjetivo necessário ao juízo de condenação por ato de improbidade administrativa. Assim, considerando que a condenação encontra-se fundamentada em provas produzidas, em que ficou evidenciada a presença de dolo da parte recorrente em relação aos atos ímprobos imputados, o acolhimento da pretensão recursal demanda reexame do contexto fático-probatório, o que não se admite ante o óbice da Súmula 7/STJ. Nesse sentido: EDcl no AgInt no AREsp 886.966/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/8/2017, DJe 12/9/2017; AgInt no REsp 1.646.673/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 20/10/2017.

10. Rever as penalidades aplicadas pelo juízo de origem, fundamentadas nos elementos probatórios constantes nos autos, demanda revolvimento do quadro fático, o que é vedado em Recurso Especial (Súmula 7/STJ). 11. Recurso Especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.
(RESP - RECURSO ESPECIAL - 1698909 2017.01.95916-5, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:20/11/2018 ..DTPB:.)

 

Também esse Tribunal Regional Federal da Terceira Região já teve oportunidade de se debruçar sobre o tema, decidindo na mesma senda:

 

PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PROVA EMPRESTADA - ESCUTAS TELEFÔNICAS AUTORIZADAS PELO PODER JUDICIÁRIO EM PROCESSO CRIMINAL - POSSIBILIDADE - CONTRADITÓRIO ASSEGURADO - INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA - INTERFERÊNCIA DE AUDITOR FISCAL EM PROCEDIMENTO DE FISCALIZAÇÃO REALIZADA POR OUTRA EQUIPE - VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LEALDADE, DA HONESTIDADE E DA IMPARCIALIDADE - ARTIGO 11 DA LEI 8.429/92 - MULTA CIVIL - APLICAÇÃO À PESSOA JURÍDICA BENEFICIÁRIA DA INTERVENÇÃO - REMUNERAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO COMO PARÂMETRO - POSSIBILIDADE - DESCABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

I - A ação de improbidade administrativa é regulada pela Lei 8.429/92 e, no que esta for omissa, pelo Código de Processo Civil. Nos termos de seu artigo 385, descabe à parte pedir depoimento pessoal de seu litisconsorte. Consequentemente, não há norma que autorize a um réu formular perguntas ao corréu durante o depoimento pessoal de outro.

II - Trata-se de ação de improbidade administrativa ajuizada no contexto da 'Operação Paraíso Fiscal', desencadeada para apurar irregularidades na Delegacia da Receita Federal em Osasco/SP. Durante a investigação policial, com a autorização da Justiça, procedeu-se à interceptação telefônica dos envolvidos, ocasião em que se averiguou que a servidora apelante, auditora da Receita Federal em Osasco, havia interferido para encerrar procedimento de fiscalização envolvendo empresa de um amigo.

III - Admite-se a utilização de prova emprestada no processo civil por ato de improbidade administrativa, desde que devidamente autorizada e respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa. O material resultante da investigação criminal foi utilizado no procedimento administrativo disciplinar aberto contra a servidora (súmula 591 do STJ), no qual ela teve amplo acesso e direito de defesa. Este processo civil por improbidade, por sua vez, foi instruído com os elementos probatórios produzidos na instância administrativa, sendo assegurado à acusada, novamente, o contraditório e a ampla defesa. Inexiste, assim, nulidade a ser declarada.

IV - Há independência entre as instâncias penal, civil e administrativa. A sentença penal que extingue a punibilidade pela prescrição não impede o ajuizamento da ação civil (artigo 67, II, do CPP).

V - Os diálogos captados com autorização da Justiça evidenciam que o proprietário da empresa gráfica fiscalizada pela Receita Federal entrou em contato telefônico com auditora da Receita Federal lotada em Osasco, pedindo-lhe "ajuda" diante do procedimento fiscalizatório. Em seguida a servidora entrou em contato com um colega lotado em outro setor e, narrando os fatos e passando o nome da empresa, "pediu para ver o que podia ser feito". Dias depois a servidora recebe uma ligação dizendo que a fiscalização estava sendo concluída e, ato contínuo, telefonou para o amigo empresário para dizer "um negócio para você ficar um pouquinho feliz", informando-o do encerramento da fiscalização.

VI - A servidora apelante interferiu em fiscalização realizada em gráfica de amigo para patrocinar o interesse privado do contribuinte em detrimento do interesse público. A prática, que pode ser tipificada como crime de advocacia administrativa (art. 321 do CP), afronta os princípios que regem a Administração Pública, previstos no caput do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, notadamente os deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições.

VII - Entendeu o juízo que a corré, pessoa jurídica de natureza privada, não poderia ser sancionada com multa civil porque a legislação prevê a fixação desta com base na remuneração do servidor público. No entanto, não há empecilho que, em se tratando de ato de improbidade administrativa do artigo 11 da LIA, a multa tenha como parâmetro a remuneração do servidor, pois, se cuida de opção legislativa. Consequentemente, fixa-se para a pessoa jurídica corré multa civil equivalente àquela estabelecida para a pessoa natural, qual seja, 10 (dez) vezes o valor da remuneração da servidora à época dos fatos, devidamente atualizada.

VIII - Honorários advocatícios indevidos.

IX - Apelação da servidora improvida e parcialmente provida a apelação da União.
(APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv 0012116-27.2015.4.03.6100 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, TRF3 - 3ª Turma, Intimação via sistema DATA: 06/12/2019)

 

Uma rápida leitura dos precedentes acima nos mostra como nossos Tribunais têm, de forma tranquila e uníssona, admitido o uso de provas produzidas em outros autos, sejam eles judiciais ou de procedimentos internos da administração pública, em ações onde se apura a suposta prática de atos de Improbidade Administrativa.

Em situações como essas, a observância e obediência aos ditames constitucionais do devido processo legal, com seus desdobramentos do contraditório e da ampla defesa, se concretiza não por meio da estrita e necessária repetição de todos os elementos de convicção já antes produzidos em outros autos, na nova demanda; mas sim pela apresentação da prova já antes produzida nos autos dessa nova demanda. Oportuniza-se então a manifestação do requerido sobre esses elementos de convicção e, principalmente, a produção de contra prova.

Trazida a prova emprestada, e acaso o interessado invoque vício concreto (e nunca a simples negativa geral), e o requeira de forma expressa, as testemunhas já ouvidas em outros feitos (judiciais e/ou administrativos) poderão ser novamente ouvidos, perícias técnicas poderão ser refeitas, e assim por diante.

Porém, eventuais vícios da prova trazida por empréstimo precisam ter sido alegados, também, no procedimento de origem.

Não olvidamos que as alterações trazidas pela Lei 14.230/2021 à redação original da Lei 8.429/92 impactam a valoração dos elementos de convicção trazidos a esses autos, mormente aquilo disposto no § 4º do art. 1º do diploma indicado, segundo o qual aplicam-se ao sistema de improbidade administrativa toda a principiologia típica do direito administrativo sancionador. O dispositivo está assim redigido:

 

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.     (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Mas tudo o quanto dito até aqui é absolutamente compatível com as normas do mencionado direito administrativo sancionador. Firmados tais princípios abstratos, dando conta da perfeita validade e adequação do uso de prova emprestada para fins de apuração de possível atos de improbidade administrativa, cumpre visitar os elementos de convicção trazidos pela autora juntamente com sua peça inicial. Destes, sobreleva em importância o relatório elaborado pela empresa pública, no âmbito de seu Processo Disciplinar e Civil de no. SP.3291.2014.A.000011. As conclusões do trabalho de apuração foram inequívocas, imputando ao requerido a prática dolosa dos atos ilícitos aqui sob apuração. O excerto trazido pela decisão monocrática apelada é preciso, espancando dúvidas quanto à autoria dos fatos sob apuração:

 

A comissão de apuração concluiu que (fls. 577 e ss do PDC):

7.1.8 Em aparte, cabe consignar que o fraudador teve, como alvo preferencial para perpetração da fraude, contas vinculadas inativas e de planos econômicos do FGTS de fundistas com idade aproximada de 70 anos e que tiveram vínculos empregatícios com grandes empresas, tais como, a CPFL, Cia Metropolitana de São Paulo, FEPASA, CBTU, Burroughs, Ford, General Motors e/ou exerceram altos cargos nas corporações nas quais trabalharam.

7.1.9 Nessa prática, atentamos que, para as liberações e pagamentos de recursos de contas vinculadas ao FGTS, a documentação de qualificação apresentada para o pedido de análise do mérito é notoriamente falsa.

(...)

7.1.11.1 E ainda, que as informações válidas, constantes nos RG e CNH falsos, convergem com as existentes no cadastro do PIS, FGTS ou cadastro de clientes CAIXA, como nome completo do fundista, data de nascimento, nome da mãe e, por vezes, número do CPF.

7.1.11.2 Para aqueles dados não existentes ou ausentes de preenchimento na base do PIS, FGTS ou cadastro de clientes CAIXA, como nome do pai, local de nascimento, número do registro geral e data e local de expedição, o fraudador os inventou.

(...)

7.1.16 Quanto aos pagamentos dos recursos de contas vinculadas do FGTS, esses ocorreram com saque integral em espécie ou mediante transferência de parte do valor para terceiro, via Transferência Eletrônica Disponível (TED) e a parte restante com saque em espécie.

(...)

7.1.23 Ressalte-se que todos os comandos de liberações fraudulentas, dos recursos do FGTS dos fundidas relacionados no subitem 7.1.7 foram promovidos pelo empregado arrolado Marcelo Gonçalves.

7.1.23.1 E, também, que todos os pagamentos fraudulentos foram efetuados pelo arrolado quando no exercício eventual de Caixa Executivo, em que pese a Agência ter uma bateria com três Caixas Executivos, permanecendo, no mínimo, dois em atendimento ao público.

7.1.23.2 É importante frisar que, nas datas dos pagamentos, o empregado arrolado estava cobrindo horário de almoço ou licença maternidade e férias dos Caixas Executivos efetivos.

(...)

7.1.24.2 Em relação aos acessos não autorizados para identificação da existência de conta e saldo disponível, atentamos que ocorreram acessos promovidos pelo empregado arrolado Marcelo Gonçalves a várias contas inativas do FGTS, de diferentes titularidades, de um mesmo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).

7.1.24.4 E mais, que as contas vinculadas de FGTS, objeto desta investigação, foram acessadas pelo empregado arrolado várias vezes, antes do efetivo ingresso do pedido de liberação protocolado por ele.

 

Foram alcançados pelo apelante os valores mantidos em conta vinculada de FGTS titularizadas por Antônio Carlos Azevedo, Antônio Roberto Prete, Claudinei José Bento, Henrique Germano Dislich, Jaime Gilberto Soares, Jorge Dutra Silva, José Roberto Torrens Camargo, Marcos Andrade Távora, Maria de Fatima da Cunha Castelo, Maria Francisco Porto, Oswaldo Leite Moraes, Pedro Gimenez Neto, Renato Tomazaetti e Salvador Giardino Neto. Foram 14 (quatorze), ao todo. Destas operações resultaram o prejuízo ao erário público, na época do ajuizamento da demanda, contabilizado em R$ 327.810,12.

É incontroverso nos autos ter o apelante, de fato, operacionalizado os saques em contas vinculadas acima elencados. Isso foi conduta material sua, em momento algum negada. Diz, porém, não ter agido de má fé, posto também vítima da atuação de delinquentes. A alegação, porém, não recebe credibilidade. A um, porque se assim fosse e tivesse real desejo de demonstrar tal fato, caberia a ele procurar as autoridades policiais para que, em sede de persecução penal, fossem tais delinquentes identificados e responsabilizados. Mas quedou-se inerte, demonstrando de forma clara, inequívoca, que nunca teve a real intenção de demonstrar a dinâmica fática que alega.

Imbricando-se com as conclusões acima, lembremos que não falamos de apenas um ou dois fatos delitivos, que por mero acaso, pelo fortuito, poderiam decair sobre apelante. Ao revés, todos os 14 (quatorze) fatos delituosos em questão, aliás, os únicos reportados naquela agência bancária no período, ocorreram quando o apelante atuava na função de caixa, coisa que fazia de modo meramente eventual. Mais: o requerido também consultou de forma prévia as contas bancárias, para aferir a existência de saldo nas mesmas. Evidente prática de ato preparatório ao ilícito civil e administrativo que se seguiria.

Temos então cidadão que não era o titular do setor pertinente, ali atuando de forma esporádica e eventual, mas que quando o fazia, tratou de realizar consultas a contas de idosos, aferindo a existência de saldo, e que por quatorze vezes, operacionalizou saques nessas contas vinculadas de FGTS, mediante a apresentação de documentação inidônea e/ou falsificada. A grande maioria desses saques ocorreu em dinheiro, embora por duas vezes ocorresse a transferência por TED. E na hipótese da conta titularizada por Oswaldo Leite Moraes, ainda foi necessária a inclusão de código de PIS, tendo sido utilizado aquele de um homônimo, conduta material também perpetrada pelo apelante. Não há coincidência nesse contexto, mas clara demonstração de conduta dolosa e preordenada.

O apelante produziu argumentos dando conta de suposto cerceamento de defesa, decorrente do indeferimento da apresentação, nos autos do procedimento administrativo, das imagens captadas por circuito interno de monitoramento da agência bancária. Ora, a irrelevância daquela prova é manifesta, pois ainda que corroborado o fato arguido por ele, qual seja, que de fato, nas quatorze ocasiões em que houve o saque ilícito de saldos de FGTS, ele realmente atendeu terceiros, não tendo agido sozinho, isso apenas demonstraria a participação de outras pessoas em conluio, auxiliando na prática delituosa.

Complementando o raciocínio supra, as imagens dos circuitos internos de filmagem da agência bancária jamais comprovariam a presença do cliente propriamente dito no momento da entrega de documentos e do pagamento, mas apenas, se fosse o caso, de uma pessoa qualquer. E as razões pelas quais repudiamos a alegação de boa-fé por parte do apelante, que diz ter agido na crença de que atendia os legítimos titulares das contas bancárias, já foram explicitadas acima.

Nem se diga que a existência de autorizações de superiores, conhecidas como liberação de alçada, em função dos valores dessas operações, espancariam a responsabilidade do apelante, ou criariam corresponsabilidade desses gerentes. Mais uma vez, as conclusões da seara administrativa são sólidas, dando conta de que a colheita da documentação necessária à movimentação do numerário, incluindo formulários assinados, documentos pessoais, etc, era de responsabilidade exclusiva do apelante. A chefia atuava apenas como instância revisora, a quem eram apresentados, via de regra, apenas cópias desses documentos, e não os originais, dificultando sobremaneira, quiçá inviabilizando, o controle da autenticidade dos mesmos. Deveria a chefia revisar, no aspecto formal, se a documentação trazida pelo apelante era, de fato, aquela exigida pelo caso concreto. Revisão de conteúdo, mas não de autenticidade. Mas era o apelante quem deveria atender pessoalmente o titular da conta, dele colher os documentos, fazendo as cópias, colher assinaturas em formulários, e assim por diante. É nesse atendimento pessoal que cabe, ao empregado da empresa pública, aplicar o controle de autenticidade da documentação. E não se acredita que o apelante ali falhou, sem dolo, e sendo o único da agência a incidir nessa falta naquele período, não por uma ou duas vezes, mas por 14 (quatorze).

Evidente, então, que as instâncias revisoras do estabelecimento bancário foram, também, ludibriadas pela atuação do requerido.

Quanto à incongruência nos horários registrados pelo sistema de informática da Caixa Econômica Federal para as consultas do apelante ao sistema de controle das contas de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, elas também foram bem esclarecidas em sede administrativa. Aliás, a questão ensejou, inclusive, conversão do julgamento administrativo em diligência. A Comissão responsável esclareceu que de fato houve erro na formatação das planilhas, gerando erro no horário antes informado, mormente quando tal acesso era anterior às 10 horas. Mero erro material, portanto, que em nada influi na valoração da prova. Remanesce hígida a demonstração de que o recorrente, de fato, procedia à prévia consulta de saldos de contas vinculadas de FGTS de terceiros.

Outra ordem de alegações do apelo dá conta de suposta violação ao devido processo legal por parte da Caixa Econômica Federal, ao rescindir o contrato de trabalho em questão por justa causa, antes do julgamento do recurso administrativo apresentado. Tal questão é, porém, estranha e impertinente à matéria aqui versada, dizendo respeito unicamente ao direito do trabalho. Dentro do multicitado princípio da independência das instâncias, é a justiça especializada competente que deve apreciar tal alegação. Mas para fins da caracterização de eventual ato de improbidade administrativa, a questão é, repita-se, irrelevante.

É fato que nenhuma parte dos recursos alcançados pelo apelante pode ser recuperada. Nada foi encontrado em seu poder. Mas é incontroverso que tais recursos foram entregues a terceiros, que deles se locupletaram. Tais fatos encontram tipificação na figura descrita pelo art. 10, inc. I da Lei 8.429/92, assim redigido:

 

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Bem caracterizada a existência ato doloso, apto a receber a pecha de ímprobo, evidentemente que não estamos em face de prejuízo ao ente público que possa ser qualificado como natural, intrínseco à sua atividade econômica. Ao revés, é dano decorrente de ilícito civil e administrativo, que precisa ser aqui reparado, pela constituição de título executivo judicial com esse teor.

Rejeição também merecem as alegações do apelo dando conta de suposto vício no uso da taxa SELIC como índice de correção, bem como do acréscimo de juros de mora ao débito. É de se observar que o próprio Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal hoje vigente, aprovado pela Resolução no. 748/2022 do Conselho da Justiça Federal, impõe o uso da taxa SELIC tanto a título de correção monetária (preservação da expressão econômica da obrigação), quanto a título de juros. Encampados os institutos pelas tabelas oficiais da Justiça Federal, não há que se falar em qualquer possibilidade de ilegalidade nas mesmas.

No tocante à dosimetria das sanções fixadas na decisão apelada, cumpre destacar que a questão foi objeto de impugnação fundada apenas na negativa de autoria, questão já abordada e rejeitada. Porém, com o advento da das alterações introduzidas na redação original da Lei 8.429/92 pela Lei 14.230/2021, o matéria foi impactada. E em se tratando de instituto de direito administrativo sancionador, temos que estamos em face de questão de ordem pública que comporta efeitos “ex tunc”, pois não existe nestes autos decisão acobertada pela coisa julgada.

Na decisão recorrida consta, dentre as sanções impostas ao recorrente, multa civil equivalente a 1,5 (uma vez e meia) o valor da lesão ao erário. Mas a alteração legislativa já invocada modificou a redação do art. 12, inc. II da Lei 8.429/92, limitando a multa civil ao equivalente ao valor do dano, coisa que precisa ser observada. Ficam, então, as sanções aplicadas ao apelante assim definidas:

 

  1. Ressarcimento integral do dano, no montante de R$ 327.810,12 (trezentos e vinte e sete mil, oitocentos e dez reais e doze centavos);

  2. Pagamento de multa civil no mesmo valor do dano acima indicado;

  3. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 anos.

 

Pelo exposto, nego provimento à apelação de Marcelo Gonçalves, e de ofício, retifico as sanções a eles aplicadas, nos termos do voto supra, mantendo a decisão apelada em todos os seus demais termos, aí incluindo consectários decorrentes de sucumbência e critérios de correção e juros aplicáveis às obrigações.

 

 


DECLARAÇÃO DE VOTO

Apelação interposta por Marcelo Gonçalves (Id. 134106114 – fls. 222/310) contra sentença que, em ação civil pública por ato de improbidade, julgou procedentes os pedidos (Id. 134106114 – fls. 194/219).

Trata-se na origem de ação civil pública de improbidade administrativa ajuizada pela Caixa Econômica federal em face de Marcelo Gonçalves, com o objetivo de obter a sua responsabilização pela prática de atos de improbidade descritos nos artigos 9º, inciso XI, e 11, inciso I, da Lei n. 8.429/1992, com a condenação ao ressarcimento da quantia desviada e aplicação das sanções previstas no artigo 12, incisos II, do mesmo diploma legal (Id. 134106112 – fls. 05/33).

O eminente Relator votou no sentido de negar provimento à apelação do acusado e retificar, de oficio, a sanção concernente à multa civil.

Verifica-se que foi informado, em 10/06/2025, o falecimento do acusado, ocorrido em 11/05/2025, conforme certidão de óbito de Id. 327350852.

Ante o exposto, suscito questão de ordem, para que seja determinada a suspensão do processo, nos termos do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Civil. Vencido, acompanho o relator

 

                                ANDRÉ NABARRETE

                        DESEMBARGADOR FEDERAL

[mbv]


Autos: APELAÇÃO CÍVEL - 0012685-28.2015.4.03.6100
Requerente: MARCELO GONCALVES
Requerido: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

Ementa: ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 8.429/92 e 14.230/2021. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. “BIS IN IDEM” – ART. 18-A, UNIFICAÇÃO E COMPENSAÇÃO DE SANÇÕES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM. PROVA EMPRESTADA – VÍCIOS NÃO ALEGADOS – PLENA CREDIBILIDADE. DOLO. USO DA TAXA SELIC – LEGALIDADE. MULTA CIVIL – ART 12, INC. II DA LEI 8.429/92, LIMITAÇÃO AO VALOR DO DANO

I- Morte do requerido quando já pautado o julgamento, prosseguimento do mesmo, Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, arts 295 e 296.

II- Suspensão do processo por reclamação trabalhista rejeitada - independência das instâncias.

III- “bis in idem”- art. 18-A da Lei 8.429/92 - unificação e compensação de sanções impostas por juízos diversos

IV- Competência da Justiça Federal comum - autor empresa pública federal.

V- Prova emprestada - vício concreto precisa ter sido alegado, inclusive, no procedimento de origem.

VI- Operacionalização de saques em contas vinculadas - conduta dolosa e preordenada.

VII- Imagens dos circuitos internos de filmagem não comprovam a presença especificamente do cliente.

VIII- Autorizações de superiores - liberação de alçada – revisão de conteúdo, mas não de autenticidade.

IX- Horários de consultas ao sistema de controle das contas de Fundo de Garantia por Tempo - erro na formatação das planilhas - Mero erro material desinfluente na valoração da prova.

X- Rescisão do contrato de trabalho por justa causa, antes do julgamento do recurso administrativo apresentado - direito do trabalho - irrelevante para ato de improbidade administrativa.

XI- Taxa SELIC como índice de correção e juros - encampados pelas tabelas oficiais da Justiça Federal, não há que se falar em ilegalidade.

XII- Alteração legislativa do art. 12, inc. II da Lei 8.429/92, limite da multa civil ao valor do dano.

XIII- Negado provimento à apelação de Marcelo Gonçalves. Retificadas as sanções de ofício. Decisão mantida nos demais termos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, por maioria, decidiu afastar a questão de ordem, para que seja determinada a suspensão do processo, nos termos do voto do Juiz Fed. Conv. RICARDO CHINA (Relator, em auxílio ao gabinete da Des. Fed. Leila Paiva pela Meta 04), com quem votou o Des. Fed. WILSON ZAUHY, vencido o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, que suscitou questão de ordem, para que seja determinada a suspensão do processo, nos termos do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Civil. (vencido, acompanhou o Relator) Na sequência do julgamento, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à apelação de Marcelo Gonçalves, e de ofício, retificar as sanções a eles aplicadas, nos termos do voto supra, mantendo a decisão apelada em todos os seus demais termos, aí incluindo consectários decorrentes de sucumbência e critérios de correção e juros aplicáveis às obrigações, nos termos do voto do Juiz Fed. Conv. RICARDO CHINA (Relator, em auxílio ao gabinete da Des. Fed. Leila Paiva pela Meta 04), com quem votaram o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (fará declaração de voto) e o Des. Fed. WILSON ZAUHY. Declarou seu impedimento o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. Presidiu o julgamento o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE Ausente, justificadamente, por motivo de férias, a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
LEILA PAIVA
Desembargadora Federal