APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000299-88.2020.4.03.6136
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: ADALBERTO SERAFIM
Advogado do(a) APELANTE: EVANDRO DA SILVA OLIVEIRA - SP367643-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000299-88.2020.4.03.6136 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS APELANTE: ADALBERTO SERAFIM Advogado do(a) APELANTE: EVANDRO DA SILVA OLIVEIRA - SP367643-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator): Trata-se de embargos de declaração interpostos contra v. Acórdão deu parcial provimento ao recurso da parte autora para reconhecer a especialidade dos períodos de 01/02/1980 a 30/08/1983, de 01/11/1983 a 03/12/1984, de 01/02/1985 a 03/02/1987 e de 04/02/2011 a 19/10/2015. A ementa (ID 312400825): DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADES ESPECIAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. RESULTADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que extinguiu parcialmente o processo, sem resolução do mérito, por ausência de fundamentação adequada sobre o enquadramento de período especial, e rejeitou pedido de reconhecimento de atividade especial e conversão de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A parte autora pleiteia o reconhecimento da especialidade de diversos períodos de trabalho e a procedência de conversão do benefício previdenciário. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) analisar a existência de interesse processual considerando a apresentação de novos documentos durante o trâmite judicial e o indeferimento de prova pericial; e (ii) verificar o enquadramento como atividade especial em razão de exposição a agentes nocivos (ruído e químicos) nos períodos indicados. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Reconhece-se o interesse de agir da parte autora, visto que a apresentação de documentos em juízo para comprovação da especialidade do trabalho encontra amparo na jurisprudência (Tema 1124/STJ). 4. O indeferimento de perícia judicial não caracteriza cerceamento de defesa quando o segurado dispõe ou pode dispor de documentos técnicos exigidos (como PPP ou LTCAT), devendo buscar a correção de inconsistências junto ao empregador ou pela Justiça do Trabalho. 5. A legislação e normas regulamentadoras aplicáveis ao reconhecimento de atividades especiais foram observadas, com análise detalhada dos limites de tolerância de ruído em conformidade com os decretos vigentes nos períodos questionados. 6. No caso concreto, a especialidade foi reconhecida parcialmente para períodos em que a exposição a ruído ultrapassou os limites legais, enquanto períodos sem comprovação documental adequada ou com níveis abaixo do limite não foram enquadrados. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Apelação parcialmente provida. Tese de julgamento: 1. A apresentação de novos documentos em juízo não afasta o interesse de agir, mas influencia o termo inicial dos efeitos financeiros do benefício. 2. O reconhecimento da especialidade de trabalho por exposição a ruído requer comprovação quantitativa acima dos limites de tolerância previstos à época do labor, conforme normas regulamentadoras. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, §1º; Lei nº 8.213/1991, arts. 57 e 58; Decretos nº 53.831/64, 83.080/79, 3.048/99; CPC/2015, art. 330, I. A parte autora, ora embargante (ID 319021235), aponta omissão: o v. Acórdão não considerou as informações constantes no PPP retificado para reconhecer a especialidade do período de 01/07/1998 a 31/12/2003. Sem manifestação do INSS. É o relatório.
Jurisprudência relevante citada: STF, RE nº 631240; STJ, Tema 1124; TRF 3ª Região, Apelações Cíveis nos autos mencionados.
VOTO DIVERGENTE O Exmo. Sr. Desembargador Federal Marcus Orione: Trata-se de embargos de declaração interpostos pela parte autora em face de acórdão que deu parcial provimento à sua apelação para reconhecer a especialidade dos períodos de 01/02/1980 a 30/08/1983, de 01/11/1983 a 03/12/1984, de 01/02/1985 a 03/02/1987 e de 04/02/2011 a 19/10/2015. Sustenta a embargante, em síntese, a existência de omissão no julgado embargado, já que não aceitou o PPP retificado fornecido pela empregadora, que revela a atividade especial no período de 01/07/1998 a 31/12/2003, por exposição a hidrocarbonetos aromáticos, sem enfrentar o argumento de que a alteração do referido documento pelo estabelecimento emitente é prevista em lei. O Exmo. Sr. Desembargador Federal Jean Marcos, em seu brilhante voto, assinalou: (...) “No presente caso, é fundamental ressaltar que não há nos autos qualquer documento que justifique a emissão do novo Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP). A ausência de um embasamento documental que motive a substituição do documento anteriormente emitido compromete a transparência e a validade do novo PPP, suscitando questionamentos acerca de sua legalidade e necessidade. Além disso, o referido documento não apresenta, em seu conteúdo, uma justificativa plausível para sua emissão, o que torna ainda mais evidente a ausência de motivação para a alteração realizada. Não há qualquer evidência nos autos que indique a existência de equívocos no documento original que pudessem ensejar sua substituição. A inexistência de tal justificativa reforça a necessidade de manutenção do PPP anteriormente emitido, salvo demonstração inequívoca da necessidade de sua retificação ou substituição. Dessa forma, o PPP mais antigo é digno de maior credibilidade, pois elaborado com maior proximidade à data do labor (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv nº 0004177-43.2012.4.03.6183, julgado em 13/06/2020, DJe: 16/06/2020, Rel. Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO”). Peço vênia para apresentar divergência do entendimento acima consignado. Quanto ao período laborado em condições especiais, urge constatar o seguinte. Aqueles que exercerem atividade em condições danosas à saúde devem ser tratados de forma diferenciada no momento de sua aposentação. Na realidade, há um fator de discrímen lógico e constitucionalmente aceito – o trabalho em condições prejudiciais ao estado físico ou mental do trabalhador - a respaldar a diferenciação feita entre os diversos trabalhadores. Da mesma forma, se o trabalhador realiza atividade em condições especiais apenas em certo período, este não poderá ser desconsiderado quando do requerimento da aposentadoria, ainda que comum. Aliás, esta conclusão deflui da própria Constituição. No art. 201, par. 1º, do texto constitucional, segundo redação vigente à época dos fatos, menciona-se a possibilidade de adoção de requisitos e critérios diferenciados para os casos de atividades realizadas “sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. Portanto, ainda que em relação a parte do tempo, é possível o estabelecimento de tais requisitos ou critérios diferenciados. Corroborando esta tese, confira-se ainda o art. 15 da Emenda Constitucional nº. 20, conforme redação em vigor à época dos fatos, que foi claro no sentido da manutenção, ainda que até a edição de lei complementar, do art. 57 da lei no. 8213 de 1991. Destaque-se que o par. 5º, do dispositivo mantido constitucionalmente, versa exatamente sobre a conversão do tempo em circunstância especial para o comum. Concordamos, aqui, com as seguintes conclusões extraídas do voto do Desembargador Federal Johonsom di Salvo, relator do Recurso 237277 nos autos da ação nº. 2000.61.83.004655-1: “A MP 1.663, de 28.05.98, através de seu então art. 28 (nas reedições o número desse artigo foi alterado), revogou expressamente o § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91 (já reformada anteriormente pela Lei 9.032/95), que permitia – para fins de aposentadoria especial - a soma do tempo de trabalho agressivo após sua conversão segundo critérios estipulados pela MPAS; sendo assim, o tempo exercido em condições especiais não poderia mais ser convertido em tempo comum. A MP foi sendo sucessivamente reeditada. Para assegurar o direito adquirido daqueles que teriam completado tempo para aposentadoria – desde que feita conversão – antes da revogação do § 5º do art. 57, a 13ª reedição da MP 1.663 (em 26.08.98) estipulou no art. 28 que o Poder Executivo estabeleceria critérios para conversão de tempo de trabalho exercido em condições especiais até 28.05.98 (data em que revogado o § 5º do art. 57), em tempo comum, desde que o segurado tivesse implementado em “percentual de tempo” que lhe permitisse a aposentação especial. Tratava-se de regra transitória destinada a minorar o impacto do fim da possibilidade de conversão do tempo insalubre e perigoso em tempo comum. Já aquele “percentual” veio a ser fixado em 20% no Regulamento da Previdência Social, primeiro no D. 2.782 de 14.09.98, e no atual D. 3.048, de maio de 1999. Diante dessa normatização, o INSS expediu a Ordem de Serviço nº. 600 (de 2.6.98) e com ela exigiu comprovação da efetiva exposição a agentes que prejudicassem a saúde e integridade física por todo o tempo exigido para concessão do benefício (nos termos da Ordem de Serviço nº. 600 somente com laudos, única prova aceitável, retroagindo a exigência a tempo anterior a MP. 1.663), assim abarcando mesmo o tempo anterior a Lei 9.032/95, a partir de quando a exigência ingressou no mundo legal. Ademais, também incluiu a proibição de conversão a partir de 29 de maio de 1998, e a Ordem de Serviço nº. 612, além de outras inovações, ainda acolheu a exigência de que o tempo a ser convertido deva corresponder a pelo menos 20% do necessário a obtenção da aposentadoria especial. Deixaram assente, ainda, que somente se daria aproveitamento de tempo trabalhado até 28.05.98 se houvesse exposição a “agentes nocivos” reconhecidos como tais no Anexo IV do D. 2.172 de 5.3.97; noutro dizer, se um determinado agente químico, físico ou biológico, era considerado nocivo, mas deixou de sê-lo pelo D. 2.172, o tempo trabalhado em exposição a ele não será aproveitado. Sucede que a MP 1.663 foi convertida na Lei 9.711, de 20.11.98, mas a revogação do § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91 (pretendida no art. 32 da 15ª reedição daquela medida provisória, justo a que foi convertida em lei) não foi mantida pelo Congresso Nacional. Assim, a possibilidade legal de conversão de tempo especial em tempo comum e sua soma sobreviveu. Contudo, manteve-se o art. 28 da Reedição convertida: Art. 28. O Poder Executivo estabelecerá critérios para a conversão de tempo de trabalho exercido até 28 de maio de 1998, sob condições especiais que sejam prejudiciais à saúde ou integridade física, nos termos dos arts. 57 e 58 da Lei nº. 8.213, de 1991, na redação dada pelas Leis nºs 9.032, de 28 de abril de 1995, e 9.528, de 10 de dezembro de 1997, e de seu regulamento, em tempo de trabalho exercido em atividade comum, desde que o segurado tenha implementado percentual do tempo necessário para a obtenção da respectiva aposentadoria especial, conforme estabelecido em regulamento. Ora, esse art. 28 da medida provisória – que pretendia ser norma transitória de modo a evitar o impacto maior da revogação do § 5º do art. 57 do PBPS, que não aconteceu... – acabou constando da Lei 9.711/98 somente por “cochilo” do legislador e quando muito somente para aquele fim; jamais para, como entendia a Previdência Social. Manter-se ali a derrogação do § 5º do art. 57, que o Congresso derrubou quando tratada em artigo específico. Aliás, nem mesmo para disciplinar “transição” acabou tendo valia o art. 28, já que não houve mudança: o art. 57, § 5º da Lei 8.213/91 sobreviveu!...” Não seria, ainda, razoável (princípio da razoabilidade) contemplar-se a aposentadoria especial, sem a admissão, para o mesmo lapso, da conversão de tempo tido como prejudicial à saúde. Haveria tratamento desigual para situações semelhantes. Diga-se, ainda, que a autarquia acabou por reconhecer a possibilidade da conversão, conforme se confere de norma interna por ela própria editada, a Instrução Normativa INSS/DC nº. 118, de 14 de abril de 2005, segundo se verifica de seu art. 174, que assim previa (já que hoje encontra-se revogada): “Art. 174. Para o segurado que houver exercido sucessivamente duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sem completar em qualquer delas o prazo mínimo exigido para a aposentadoria especial, os respectivos períodos serão somados, após a conversão do tempo relativo às atividades não preponderantes, cabendo, dessa forma, a concessão da aposentadoria especial com o tempo exigido para a atividade preponderante não convertida. Parágrafo único. Será considerada atividade preponderante aquela que, após a conversão para um mesmo referencial, tenha maior número de anos”. Ressalte-se, ainda, que manifestações do próprio Superior Tribunal de Justiça, em votos da lavra da Ministra Laurita Vaz, adotaram o mesmo entendimento acima discorrido, como se depreende do RESP 956.110-SP. Inclusive, atualmente, a questão sequer é enfrentada pelos Tribunais Regionais Federais, que já fazem a análise corriqueira de tempos especiais submetidos à legislação vigente, como se depreende, por exemplo, do seguinte processo: TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5019760-70.2018.4.03.6183, Desembargador Federal MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, julgado em 14/12/2023, Intimação via sistema DATA: 30/12/2023. Feitas estas digressões introdutórias, necessárias ao entendimento da constitucionalidade e relevância da conversão do tempo especial para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, algumas observações merecem ser realizadas. No que tange à utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI), o C. Superior Tribunal de Justiça, concluindo o julgamento do REsp n. 2080584/PR em sede de recurso repetitivo, vinculado ao Tema n. 1.090, firmou as seguintes teses: "I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido; II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI; III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor". Percebe-se, pois, que de acordo com o atual entendimento firmado pela Corte Superior, a anotação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) quanto ao uso do EPI eficaz afasta, em princípio, o caráter especial da atividade, competindo ao segurado o ônus de demonstrar quaisquer divergências ou dúvidas quanto ao seu uso ou ineficácia. Importante destacar que a exigência de controle de fornecimento e uso de EPI somente passou a existir a partir de 03 de dezembro de 1998, data da publicação da Medida Provisória n. 1.279, de 02 de dezembro de 1998, convertida na Lei n. 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Sendo assim, para os períodos anteriores a 03/12/1998 é despicienda a discussão sobre a utilização ou eficácia do EPI. Necessário ressaltar, outrossim, que o Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento de Recurso Extraordinário com repercussão geral, vinculado ao Tema n. 555, afirmou que o "direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial" (ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014). Contudo, no referido julgamento, a Suprema Corte entendeu que, especificamente quanto ao agente nocivo ruído em níveis superiores aos limites de tolerância, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a sua agressividade a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. Desse modo, no mesmo julgamento, fixou uma segunda tese, de seguinte teor: “Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”. A meu ver, tal tese aplica-se, de igual maneira, às atividades em que há inerente exposição a agentes biológicos nocivos, tal como ocorre com os enfermeiros/técnicos de enfermagem em hospitais. Com efeito, é impossível assegurar que os agentes biológicos são completamente eliminados com a utilização de equipamentos de proteção, existindo inúmeras variáveis que podem interferir no risco de contaminação, em maior ou menor proporção. Saliento, ainda, por oportuno, que em se tratando de atividades perigosas, tais como a do vigilante e aquelas que expõem o trabalhador à eletricidade em altas voltagens, não há que se cogitar de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. Importante ressaltar, por fim, que malgrado o STJ tenha entendido que o ônus da prova recai sobre o segurado, basta que se demonstre a existência de divergência ou dúvida relevante sobre o uso ou eficácia do EPI para possibilitar o reconhecimento do caráter prejudicial da atividade, observando-se a terceira tese firmada no julgamento do tema n. 1.090 do STJ, in verbis: “Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor”. Tal orientação já havia sido estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema n. 555 da Repercussão Geral, acima referido, no sentido de que "em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial". Há que se observar que a autarquia previdenciária entende como prova "de eliminação ou neutralização dos riscos" a anotação do uso do EPI eficaz, conforme os requisitos estabelecidos no art. 291 da IN INSS n. 128/2022, in verbis: Art. 291. Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da Medida Provisória nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: I - da hierarquia estabelecida na legislação trabalhista, ou seja, medidas de proteção coletiva, medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho e utilização de EPI, nesta ordem, admitindo-se a utilização de EPI somente em situações de inviabilidade técnica, insuficiência ou provisoriamente até a implementação do EPC ou, ainda, em caráter complementar ou emergencial; II - das condições de funcionamento e do uso ininterrupto do EPI ao longo do tempo, conforme especificação técnica do fabricante, ajustada às condições de campo; III - do prazo de validade, conforme Certificado de Aprovação do Ministério do Trabalho e Previdência ou do órgão que venha sucedê-la; IV - da periodicidade de troca definida pelos programas ambientais, comprovada mediante recibo assinado pelo usuário em época própria; e V - da higienização. Parágrafo único. Entende-se como prova incontestável de eliminação ou neutralização dos riscos pelo uso de EPI, citado no Parecer CONJUR/MPS/Nº 616/2010, de 23 de dezembro de 2010, o cumprimento do disposto neste artigo. Conclui-se, pois, que não basta a anotação no PPP de fornecimento de EPI eficaz, devendo ser registrado, também, o preenchimento das demais condições estabelecidas na Instrução Normativa do próprio ente previdenciário. Caso contrário, o PPP pode ser impugnado, remanescendo dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual. De outro giro, para a verificação dos agentes agressivos, há que se utilizar das normas disponíveis no sistema no momento da realização da atividade laboral, segundo o postulado tempus regit actum. Em casos envolvendo ruído, enquanto agente agressivo, verbi gratia, diante da sucessão normativa do nível de decibéis aplicáveis, este princípio ficou assentado no REsp 1398260/PR, de relatoria do Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 14/05/2014, conforme DJe de 05/12/2014. Logo, sob qualquer ângulo que se analise a questão, é patente a preservação, pelo legislador constituinte, da proteção do tempo – parcial ou integralmente – realizado sob condições danosas à saúde do trabalhador. Veja-se que a exposição à situação de insalubridade ou periculosidade deverá ser permanente. Em juízo, pode-se demonstrar a ocorrência desta permanência, quando não admitida administrativamente, em especial através da prova testemunhal e, mesmo, pericial, se possível. Aliás, quanto à eletricidade, ocorre também algo semelhante, quando se permite a conversão de atividade especial em comum após 05.03.1997, por aplicação direta do art. 58 da Lei 8.213/91, antes mencionado. O que se exige apenas é a existência de prova técnica da submissão ao risco, como depreende do caso paradigmático decidido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo: Resp nº 1.306.113-SC, julgado em 14.11.2012, DJe 07.03.2013, de relatoria do Ministro Herman Benjamin. Outro ponto que merece ser esclarecido refere-se à questão da habitualidade do contato com o agente agressivo à saúde. Se em situações como a do eletricista não se pede esta permanência – pela óbvia razão de que a exposição a voltagem acima de 250 volts já coloca o segurado ou a segurada em situação de constante tensão emocional face a um risco sempre iminente –, mesmo nas outras hipóteses o requisito deve ser visto cum grano salis, ou seja, com um certo tempero que somente a situação concreta pode revelar. A habitualidade não pode ser revelada em um contato necessariamente diário com o agente agressivo. Pedir isso seria um exagero e uma contradição com a própria natureza do instituto. O que se pretende é a preservação da saúde da trabalhadora e do trabalhador, portanto, a habitualidade não se confunde com o contato diário. Em um período de tempo dilatado no tempo, a exposição ao agente agressivo, mesmo que não diária, ainda que semanal, por exemplo, ou de forma alternada, pode revelar o desgaste da saúde, a que se pretende compensar com a consideração do tempo como especial. Ilustrativa desta hipótese é a exposição habitual e permanente a substâncias químicas com potencial cancerígeno, em que, nos moldes do parágrafo 4º. do art. 68 do Decreto 3.048 de 1999, com a redação dada pelo Decreto n. 8.123/2013, se faz independentemente da sua concentração. Veja-se que exigir o contato diário, em largo espaço de tempo, a altas concentrações seria o mesmo que condenar trabalhadora ou trabalhador ao câncer. Embora esse contato habitual viabilize a contração da doença e, por isso, a contagem do lapso laborado naquelas condições como especial, não se deve buscar que se empurre segurados à doença, a despeito da contagem especial (que aparece como um risco, mas que, ainda assim, deve ser evitado, sob pena de se ter uma política simplista em que se submete a classe trabalhadora ao mero pagamento de um valor, na forma de aproveitamento do tempo para fins de aposentadoria, como contrapartida à inevitável contração da doença. Não se trata disso, sob pena de se conceber um sistema de proteção social, que nada teria de tal conotação, com afronta mesmo as disposições constitucionais sobre o tema). Por fim, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 9.528/97, trata-se de documento suficiente para a comprovação da pretensão do recorrido. Trata-se de documento que carreia as informações técnicas necessárias para se aferir o trabalho em condições agressivas à saúde, sendo realizado por engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho. Como regra, admite-se a sua utilização sem necessidade de outras provas de natureza pericial. Outrossim, a ausência de histograma ou memória de cálculo não podem ser utilizadas em desfavor do segurado ou segurada, já que esta não pode responder pela incúria do empregador (A respeito confira-se a Apelação n. 0031607-94.2014.4.03.9999/SP, TRF3, Oitava Turma, de relatoria do Des. Fed. Luiz Stefanini, publicado no DJ 24.04.2019, DJ-e 17.06.2019). Tecidas todas as considerações anteriores, verifiquemos a situação do caso concreto. Para a verificação das atividades tidas como agressivas à saúde, para fins de aposentação especial ou de aproveitamento de tempo em condição especial, há que se analisar o enquadramento das atividades desempenhadas pelo segurado no quadro a que se refere o art. 2º, do Decreto no. 53.831, de março de 1964, revigorado pela Lei nº. 5.527/68. A respeito confiram-se, ainda, as atividades mencionadas em anexo do Decreto nº. 83.080/79. A respeito do tema veja-se ainda o Decreto nº. 3.048/99 Nestes, há indicação como especiais de atividades em que haja contato com os agentes agressivos à saúde mencionados na inicial. Portanto, tendo a atividade desenvolvida pelo segurado se dado com contato permanente - e não eventual - com agentes nocivos, considerados intoleráveis ao homem médio, haveria que se aproveitar deste período para o cômputo especial. No caso presente, no período de 01/07/1998 a 31/12/2003 o autor junto à Cestari Industrial e Comercial S/A, na função de operador de torno. Para comprovar a especialidade das atividades desenvolvidas, o autor carreou aos autos os PPP’s de ID 274414002 – p. 41/43, emitido em 21/01/2015 e ID 274414122 – p. 01/04, contendo informações divergentes entre si no que tange à exposição aos agentes nocivos. O Exmo. Relator firmou sua convicção no sentido de que, havendo injustificado conflito de informações acerca do trabalho desempenhado no período, o PPP mais antigo é digno de maior credibilidade, pois elaborado com maior proximidade à data do exercício das funções profissionais. No meu sentir, no entanto, havendo colisão entre os apontamentos constantes dos PPP’s emitidos pela empregadora, deve prevalecer aquele mais favorável ao trabalhador, em face do caráter social do direito previdenciário e da observância do princípio in dubio pro misero. Destarte, reconheço a insalubridade do interregno de 01/07/1998 a 31/12/2003, em razão da exposição habitual a hidrocarbonetos aromáticos, agentes químicos nocivos previstos nos códigos 1.2.11 do Decreto 53.831/1964, 1.2.10 do Decreto 83.080/1979 e 1.0.19 do Decreto 3.048/99. Assim, há que se utilizar, neste ponto, do disposto no art. 57, par. 5º, da Lei de Benefícios, segundo o qual "o tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício". A propósito, trago à colação os seguintes precedentes jurisprudenciais: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA. BENEFÍCIO CONCEDIDO. JUROS E CORREÇÃO. HONORÁRIOS. 1. Dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) 2. Por ocasião da conversão da Medida Provisória nº 1.663/98 na Lei nº 9.711/98, permaneceu em vigor o parágrafo 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, razão pela qual continua sendo plenamente possível a conversão do tempo trabalhado em condições especiais em tempo de serviço comum relativamente a qualquer período, incluindo o posterior a 28/05/1998. 3. Ainda que o laudo técnico pericial tenha concluído que: “Não há exposição a agentes físicos, químicos ou biológicos, de modo habitual e permanente, não ocasional e nem intermitente”. (id 129814708 p. 1/11), havendo colisão entre os apontamentos relativos à habitualidade da exposição a agentes nocivos, em sede recursal, deve prevalecer aquele mais favorável ao trabalhador, em face do caráter social do direito previdenciário e da observância do princípio “in dubio pro misero”. 4. O PPP encontra-se corretamente preenchido, indicando o nome do responsável legal pela avaliação ambiental, estando assinado pelo representante legal da empresa, não havendo nenhuma informação que o desabone. 5. Computando-se apenas os períodos de atividade especial reconhecidos nos autos, excluídos os períodos concomitantes, até a data do requerimento administrativo (22/08/2017 id 129814628 p. 58) perfazem-se 25 (vinte e cinco) anos, 07 (sete) meses e 28 (vinte e oito) dias, suficientes à concessão da aposentadoria especial, prevista nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91, com renda mensal de 100% (cem por cento) do salário de contribuição. 6. Cumprindo os requisitos legais, faz jus a parte autora à concessão do benefício de aposentadoria especial desde a DER em 22/08/2017, momento em que o INSS ficou ciente da pretensão. 7. Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947. 8. A verba honorária de sucumbência incide no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, conforme entendimento desta Turma (art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil/2015), aplicada a Súmula 111 do C. Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidem sobre o valor das prestações vencidas após a data da prolação da sentença. 9. Apelação da parte autora provida. Benefício concedido. (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5225571-54.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 30/09/2020, Intimação via sistema DATA: 09/10/2020) PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. EXPOSIÇÃO AO AGENTE FÍSICO RUÍDO. LIMITE MÍNIMO 80 dB ATÉ 05/03/1997. POSSIBILIDADE. 1. O art. 292 do Decreto n.º 611/92 classificou como especiais as atividades constantes dos anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. Havendo colisão entre preceitos constantes nos dois diplomas normativos, deve prevalecer aquele mais favorável ao trabalhador, em face do caráter social do direito previdenciário e da observância do princípio in dubio pro misero. 2. Deve prevalecer, pois, o comando do Decreto n.º 53.831/64, que fixou em 80 dB o limite mínimo de exposição ao ruído, para estabelecer o caráter nocivo da atividade exercida. Precedente da Terceira Seção. 3. A própria Autarquia Previdenciária reconheceu o índice acima, em relação ao período anterior à edição do Decreto n.º 2.172/97, consoante norma inserta no art. 173, inciso I, da Instrução Normativa INSS/DC n.º 57, de 10 de outubro de 2001 (D.O.U. de 11/10/2001). 4. Embargos de divergência acolhidos. (EREsp n. 441.721/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 14/12/2005, DJ de 20/2/2006, p. 203.) No que concerne à aposentadoria especial, verifique-se o seguinte. Somados os tempos especiais admitidos administrativa e judicialmente, daí resulta que a parte autora laborou por mais de 25 anos em atividade exclusivamente especial, atingindo o tempo mínimo para obtenção da aposentadoria especial, na data do requerimento administrativo, na forma da Lei nº 8.213/91. Fixo o termo inicial da revisão do benefício na data do requerimento administrativo (19/10/2015), observando-se, quanto aos efeitos financeiros, o tema n. 1.124 do STJ. Os juros de mora e a correção monetária serão calculados de acordo com as disposições do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, com a observância do disposto no artigo 3º, da Emenda Constitucional nº 113/2021 (Resolução nº 784/2022-CJF, de 08/08/22). Os honorários advocatícios em favor da parte vencedora devem ser apurados em liquidação de sentença, com base nos parágrafos 2º, 3º e 4º, inciso II, do art. 85, do CPC, incidindo sobre o valor das parcelas vencidas até a presente data, quando reconhecido o direito da parte autora à concessão da aposentadoria especial. As autarquias são isentas das custas processuais (artigo 4º, inciso I da Lei 9.289/96), devendo, no entanto, reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte vencedora (artigo 4º, parágrafo único). Diante de todo o exposto, divirjo, data vênia, do Ilustre Relator e acolho os embargos de declaração da parte autora, emprestando-lhe efeitos infringentes, a fim de dar provimento à sua apelação e determinar a concessão da aposentadoria especial, nos termos da fundamentação. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000299-88.2020.4.03.6136
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: ADALBERTO SERAFIM
Advogado do(a) APELANTE: EVANDRO DA SILVA OLIVEIRA - SP367643-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
Consigno que os embargos de declaração têm por finalidade atacar um dos vícios apontados pelo artigo 1.022 do CPC (obscuridade, contradição ou omissão), e, em alguns casos excepcionais, em caráter infringente, para correção de erro material manifesto ou de nulidade insanável, pois que são apelos de integração, e não de substituição.
A Constituição Federal de 1988, na cláusula impositiva da fundamentação das decisões judiciais (art. 93, inciso X), não fez opção estilística. Sucinta ou laudatória, a fundamentação deve ser, apenas, exposta no vernáculo (STJ, AI nº 169.073-SP-AgRg - Rel. Min. JOSÉ DELGADO).
Aliás, quanto aos Embargos de Declaração, a E. Corte Especial do C. Superior de Justiça assentou que:
“(...) 6. Os Embargos não constituem via própria para fazer prevalecer tese jurídica diferente da que foi acolhida no Acórdão quando, em sua essência e finalidade, não se dirigem à omissão ou outro vício, mas à nova declaração de efeito infringente. Os argumentos de que não foram dissecadas todas as variantes e possibilidades cogitadas pela defesa trazem como consequência a certeza de que pretendem os Embargos a declaração inversa do fundamento jurídico da decisão, o que impede à Corte renovar o julgamento para declarar o que constituiria nova manifestação de mérito em sentido contrário.
7. O julgamento dos Embargos não pode implicar acréscimo de razões irrelevantes à formação do convencimento manifestado no Acórdão. O Tribunal não fica obrigado a examinar todas as minúcias e possibilidades abstratas invocadas pela defesa, desde que decida sob fundamentos suficientes para sustentar a manifestação jurisdicional.
8. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem entendido que o que a Constituição exige é que o juiz ou tribunal dê as razões do seu convencimento, não estando ele obrigado a responder a todas as alegações dos réus, mas tão somente àquelas que julgar necessárias para fundamentar sua decisão: STF, Primeira Turma, AI 242.237 - AgR/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RE 181.039-AgR/SP, Rel. Ministra Ellen Gracie.
9. A manifestação da Corte Especial consubstancia julgamento de mérito no qual as questões jurídicas foram enfrentadas, adotados os fundamentos e a legislação aplicável, sendo rejeitados, em consequência, os demais argumentos trazidos pelo recorrente. O voto está devidamente embasado e não há contradição entre os fatos e o direito aplicado. A Corte não é obrigada a dizer por que os argumentos suscitados são dispensáveis frente àqueles que realmente fundamentaram sua decisão, pois a motivação implícita representa que a adoção de uma tese incompatível com outra implica rejeição desta, de forma tácita, o que tem respaldo na jurisprudência (STF, HC 76.420/SP, Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 14/8/98).
(...)
12. Consoante pacífico entendimento de doutrina e da jurisprudência, não precisa o Tribunal reportar-se a todos os argumentos trazidos pelas partes, pois, ao acolher um argumento bastante para a sua conclusão, não terá de dizer se os outros, que objetivam o mesmo fim, são procedentes ou não.
(...)
(STJ, Corte Especial, EDAPN nº 843, DJe: 23/04/2018, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, grifei).
O v. Acórdão expressamente destacou (ID 317060538):
No presente caso, para a comprovação do labor especial dos períodos de 01/02/1980 a 30/08/1983, de 01/11/1983 a 03/12/1984, de 01/02/1985 a 03/02/1987, de 18/02/1987 a 16/06/1997, de 01/07/1998 a 31/12/2003, de 04/02/2011 a 19/10/2015 e de 09/05/1990 a 11/04/1994, a parte autora trouxe aos autos os Perfis Profissiográficos Previdenciários – PPP’s (ID 274414120, fls. 01/02, ID 274414120, fls. 03/04, ID 274414002, fls. 37/38 e ID 274414002, fls. 40/42).
Se a parte dispõe do PPP, este, por certo, se baseou em laudo técnico, seja o LTCAT ou qualquer outro aceito. Se o PPP não contém informação sobre dado agente nocivo ou se contempla informações inconsistentes, deveria o segurado buscar, primeiramente, o laudo técnico que serviu de base para a sua emissão e pedir, se fosse o caso, a devida correção do documento previdenciário, conforme prevê o artigo 281, § 6º, da referida IN 128/2022.
Não há falar, portanto, em perícia judicial, se a parte dispõe ou pode dispor dos documentos técnicos necessários, no âmbito da relação laboral entre empregado e empregador, valendo-se até mesmo da ação trabalhista, se for o caso, para compelir as empresas empregadoras a cumprirem a legislação vigente, para fins previdenciários, trabalhistas e até mesmo tributários, já que a insalubridade gera encargos do empregador para custear as aposentadorias especiais.
Nesse ponto, é oportuno ponderar que as controvérsias sobre inconsistências ou omissão havidas no PPP deveriam ser dirimidas pela Justiça do Trabalho, no âmbito da relação laboral, quando for o caso. A propósito, trago à colação o enunciado 203 do FONAJEF:
(...)
A perícia judicial, portanto, não deve ser deferida, nos termos do artigo 464, II, em razão de ser desnecessária, já que o autor da ação deve exibir os documentos (prova) técnicos, dentro do extenso rol de documentos previstos na legislação vigente, que comprovam a exposição aos agentes nocivos à saúde.
Não parece legítimo postular ao Poder Judiciário diretamente uma perícia judicial para comprovar a presença de agentes nocivos no ambiente de trabalho em empresas que estão em atividade, funcionando regularmente, tendo, inclusive, feito a entrega de PPP.
É preciso, isto sim, que o segurado busque acertar a sua relação laboral com as empregadoras, as quais tem a obrigação legal de informar sobre a presença de agentes nocivos no ambiente de trabalho.
No caso, o recorrente não demonstra ter solicitado a retificação dos PPPs para corrigir as informações ou sanar as formalidades exigidas.
Apenas se demonstrada a impossibilidade de acesso as informações ambientais adequadas é que se poderia postular perícia judicial na empresa em atividade, não sendo caso, pelas mesmas razões, da prova emprestada feita em outro ambiente de trabalho ou por similaridade.
Com essas considerações, após resolvidas as questões de direito, deve a preliminar de cerceamento de defesa por nulidade de sentença ser rejeitada.
Em sequência, destacou:
De 01/07/1998 a 31/12/2003 (CESTARI INDUSTRIAL E COMERCIAL LTDA), a parte autora trabalhou na função de operador de torno, exposta a ruídos de 78,9 dB(A), enquadrados no código 2.0.1, Anexo IV do Decreto Federal nº 2.172/97 (PPP – ID 274414002, fls. 40/42).
Devido à exposição a níveis de ruídos dentro do limite de tolerância previsto, não deve ser reconhecida a especialidade do período em questão.
No período de 01/07/1998 a 31/12/2003, constam dois PPP’s com informações conflitantes: o PPP de fls. 40/42, ID 274414002, datado de 21 de janeiro de 2015, e o PPP de fls. 01/02, ID 274414125, com data de emissão em 30 de novembro de 2021.
No presente caso, é fundamental ressaltar que não há nos autos qualquer documento que justifique a emissão do novo Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP). A ausência de um embasamento documental que motive a substituição do documento anteriormente emitido compromete a transparência e a validade do novo PPP, suscitando questionamentos acerca de sua legalidade e necessidade.
Além disso, o referido documento não apresenta, em seu conteúdo, uma justificativa plausível para sua emissão, o que torna ainda mais evidente a ausência de motivação para a alteração realizada.
Não há qualquer evidência nos autos que indique a existência de equívocos no documento original que pudessem ensejar sua substituição.
A inexistência de tal justificativa reforça a necessidade de manutenção do PPP anteriormente emitido, salvo demonstração inequívoca da necessidade de sua retificação ou substituição.
Dessa forma, o PPP mais antigo é digno de maior credibilidade, pois elaborado com maior proximidade à data do labor (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv nº 0004177-43.2012.4.03.6183, julgado em 13/06/2020, DJe: 16/06/2020, Rel. Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO).
No caso, os embargos não demonstram a invalidade jurídica da fundamentação adotada no v. Acórdão. Pretendem, é certo, outra. Não se trata, então, da ocorrência de vício na decisão da causa, mas de sua realização por fundamento jurídico diverso da intelecção da parte.
Na realidade, o que se pretende, através do presente recurso, é o reexame do mérito da decisão da Turma, o que não é possível em sede de embargos de declaração. Confira-se:
“PROCESSO CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ART. 535, DO CPC - SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL DA EXTINTA SUDAM - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PENA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA - NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA - PREQUESTIONAMENTO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL - AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO - NÍTIDO CARÁTER INFRINGENTE - REJEIÇÃO.
1 - Tendo o acórdão embargado reconhecido a insuficiência de comprovação do direito líquido e certo, salientando a necessidade de dilação probatória, revestem-se de caráter infringente os embargos interpostos a pretexto de omissão e prequestionamento, uma vez que pretendem reabrir os debates meritórios acerca do tema.
2 - Por prerrogativa do dispositivo processual aventado, os Embargos de Declaração consubstanciam instrumento processual adequado para excluir do julgado qualquer obscuridade ou contradição ou, ainda, suprir omissão, cujo pronunciamento sobre a matéria se impunha ao Colegiado, integralizando-o, não se adequando, todavia, para promover o efeito modificativo do mesmo. Inteligência do art. 535 e incisos, do Código de Processo Civil.
3 - Precedentes (EDREsp nºs 120.229/PE e 202.292/DF).
4 - Embargos conhecidos, porém, rejeitados”.
(STJ, 3ª seção, EDMS 8263/DF, DJ 09/06/2003, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI).
Por tais fundamentos, rejeito os embargos de declaração opostos pela parte autora.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. PPP RETIFICADO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO MISERO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES.
Tese de julgamento:
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 201, §1º. EC nº 20/1998, art. 15. Lei nº 8.213/91, arts. 57, 58. Decreto nº 53.831/1964, código 1.2.11. Decreto nº 83.080/1979, código 1.2.10. Decreto nº 3.048/1999, código 1.0.19. IN INSS nº 128/2022, art. 291. CPC/2015, art. 85, §§ 2º, 3º e 4º, II. Lei nº 9.289/96, art. 4º. EC nº 113/2021, art. 3º.
Jurisprudência relevante citada:
STJ, REsp 2080584/PR (Tema 1.090).
STF, ARE 664.335 (Tema 555).
STJ, REsp 956.110/SP.
STJ, REsp 1398260/PR.
STJ, EREsp 441.721/RS.
TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv 5019760-70.2018.4.03.6183, Rel. Des. Fed. Marcelo Vieira de Campos, j. 14/12/2023.
TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv 5225571-54.2020.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, j. 30/09/2020.
TRF 3ª Região, 8ª Turma, Apelação n. 0031607-94.2014.4.03.9999/SP, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 24/04/2019.
STJ, REsp 1.306.113/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 14/11/2012.