APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002154-17.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. LOUISE FILGUEIRAS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KELVI DOS SANTOS FERNANDES
Advogado do(a) APELADO: ARIADNE DE LIMA DINIZ HENRIQUES - MS18096-A
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002154-17.2024.4.03.9999 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. LOUISE FILGUEIRAS APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: KELVI DOS SANTOS FERNANDES Advogado do(a) APELADO: ARIADNE DE LIMA DINIZ HENRIQUES - MS18096-A OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL LOUISE FILGUEIRAS (RELATORA): Trata-se de agravo interno interposto pela parte autora, contra a r. decisão monocrática de ID 312104635, que deu provimento ao recurso de apelação do INSS, reformando a sentença e julgando improcedente pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência. Alega o agravante as seguintes matérias: A) presença do requisito da hipossuficiência Sem contrarrazões. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002154-17.2024.4.03.9999 RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. LOUISE FILGUEIRAS APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: KELVI DOS SANTOS FERNANDES Advogado do(a) APELADO: ARIADNE DE LIMA DINIZ HENRIQUES - MS18096-A OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL LOUISE FILGUEIRAS (RELATORA): Trata-se de agravo interno interposto pelo pela parte autora, contra a decisão monocrática assim proferida: "A parte autora ajuizou a presente ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência (ID 296498339, folhas 1/16). Concedidos os benefícios da Justiça Gratuita (ID 296498339, folhas 61/65). Laudo Médico Pericial (ID 296498339, folhas 112/125) e Estudo Social (ID 296498339, folhas 100/103) realizados no curso da instrução processual. O juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido, assim o tópico final da sentença (ID 296498339, folhas 221/228): "Ante o exposto, resolvendo o mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, julgo procedentes os pedidos veiculados na petição inicial para condenar o Instituto Nacional de Seguro Social-INSS a conceder à parte autora o benefício de prestação continuada da assistência social ao idoso previsto no art. 20 da lei 8.742/93, consistente em 01 (um) salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo, ocorrido em 08/05/2023, com correção monetária pelo IPCA-E, desde o momento em que as parcelas deveriam ser pagas até o efetivo pagamento; e juros aplicáveis à caderneta de poupança, a partir da citação válida, com a ulterior correção monetária e juros exclusivamente pela Taxa SELIC a partir de 09/12/2021. Condeno a parte ré a arcar com os encargos da sucumbência, mormente o pagamento das custas processuais, a teor do artigo 82, § 2º, do CPC. Com efeito, "[c]onquanto a Lei Federal nº 9.289/96 disponha no art. 4º, I, que as Autarquias são isentas do pagamento de custas na Justiça Federal, seu art. 1º, §1º, delega à legislação estadual normatizar sobre a respectiva cobrança nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual no exercício da competência delegada.". Assim o sendo, diante da Súmula nº 178/STJ, a isenção conferida pelo artigo 24, I, da Lei Estadual/MS n.º 3.779/2009 não se aplica ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), conforme disposto no artigo 24, §§ 1º e 2º da Lei Estadual/MS n.º 3.779/2009. Condeno a parte ré, ainda, e de honorários advocatícios fixados em 10% sobre as prestações vencidas até a presente data, ficando excluídas as vincendas, nos termos do art. 85, §3º, inc. I, do Código de Processo Civil e da Súmula n.º 111/STJ. Sem remessa necessária, nos termos do artigo 496, § 3º, I, do CPC, visto que, na esteira da orientação sedimentada pelo STJ, "[a]pós a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, é dispensável a remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor do INSS, cujo valor mensurável da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos." (Informativo/STJ nº 658/2019). Interposto(s) recurso(s) de apelação, intime(m)-se a(s) parte(s) adversa(s) para, querendo, oferecer contrarrazões no prazo legal, consoante artigo 1.010, § 1º, do CPC. Manejado(s) recurso(s) de apelação na forma adesiva, intime(m)-se a(s) parte(s) adversa(s) para, querendo, oferecer contrarrazões no prazo legal, na forma do artigo 1.010, § 2º, do CPC. Observe- se eventual prazo em dobro, nos termos dos artigos 180, 183 e 186 do CPC. Intime-se, ainda, o Ministério Público para, querendo, apresentar recurso. Apresentadas ou não as contrarrazões, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a teor do artigo 1.010, § 3º, do CPC. Transcorrido o prazo sem interposição de recurso, certifique-se o trânsito em julgado e intimem-se as partes para, querendo, manifestar e requerer o que entender de direito. Nada sendo requerido, arquivem-se os autos, com observância das formalidades legais. Observada as cautelas de praxe, arquivem-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se." Apelação interposta pelo INSS (ID 296498339, folhas 239/245) sustentando que não há hipossuficiência econômica que justifique a concessão do benefício à parte autora, pugnando pela devolução dos valores recebidos por tutela antecipada. Preliminarmente requer a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Com contrarrazões (ID 296498339, folhas 249/252), subiram os autos para este E. Tribunal. O Ministério Público Federal opinou pelo regular prosseguimento do feito (ID 303281852). É O RELATÓRIO. DECIDO. Cabível o julgamento monocrático deste apelo, nos termos do artigo 932 do Código de Processo Civil de 2015, em atenção aos princípios constitucionais da celeridade e razoável duração do processo, haja vista o entendimento dominante sobre o tema em questão (Súmula 568/STJ, aplicada por analogia). O recurso de apelação preenche os requisitos normativos de admissibilidade e, portanto, é conhecido. A controvérsia havida no presente feito cinge-se à análise do implemento dos requisitos legais necessários a garantir à parte autora o recebimento de benefício assistencial de prestação continuada. Do pedido de efeito suspensivo De início, tenho que o pedido de efeito suspensivo não deve ser deferido, uma vez que não estão presentes os requisitos necessários, nos termos do art. 1.012 do CPC. Ademais, considerando que a insurgência se confunde com o mérito, com ele será analisada. 1. DOS CRITÉRIOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO O benefício de assistência social foi instituído com o escopo de prestar amparo aos idosos e deficientes que, em razão da hipossuficiência econômica em que se encontram, não tenham meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por suas respectivas famílias. Nesse aspecto está o lastro social do dispositivo inserido no artigo 203, inciso V, da Constituição da República, que concretiza princípios fundamentais, tais como o de respeito à cidadania e à dignidade humana, ao preceituar o seguinte: "Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei." De outro giro, os artigos 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/1993, com redação dada pela Lei n.º 14.176, de 22 de junho de 2021, e o artigo 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), com redação dada pela Lei n.º 14.423, de 22 de julho de 2022, rezam: "Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (...) § 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo." (...) "Art. 34. Às pessoas idosas, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas." O apontado dispositivo legal, artigo 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/93, se aplicável ao idoso, resulta numa forma de limitação do mandamento constitucional, pois conceituou como pessoa necessitada, apenas, aquela cuja família tenha renda igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, levando em consideração, para tal desiderato, cada um dos elementos participantes do núcleo familiar, e por força do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003, excluindo-se a renda daquele que já recebe o benefício de prestação continuada. A interpretação deste último dispositivo legal (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) na jurisprudência tem sido extensiva, admitindo-se que a percepção de benefício assistencial, ou mesmo previdenciário com renda mensal equivalente ao salário mínimo, seja desconsiderada para fins de concessão do benefício assistencial previsto na Lei n.º 8.742/93. Ressalte-se ainda, por oportuno, que os diplomas legais acima citados foram regulamentados pelo Decreto n.º 6.214/07, o qual em nada alterou a interpretação das referidas normas, merecendo destacamento o artigo 4º, inciso VI e o artigo 19, caput e parágrafo único do referido decreto: "Art. 4º Para fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se: (...) VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19." (...) "Art 19. O Benefício de Prestação Continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos neste Regulamento. Parágrafo único. O valor do Benefício de Prestação Continuada concedido a idoso não será computado no cálculo da renda mensal bruta familiar a que se refere o inciso VI do art. 4º, para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada a outro idoso da mesma família." A inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da mencionada Lei n.º 8.742/1993 foi arguida na ADIN nº 1.232-1/DF que, pela maioria de votos do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente. Além disso, nos autos do agravo regimental interposto na reclamação n.º 2303-6, do Rio Grande do Sul, proposta pelo INSS, o acórdão do STF restou assim ementado, publicado no DJ de 1º.4.2005, páginas 5-6, Rel. Min. Ellen Gracie: "RECLAMAÇÃO. SALÁRIO MÍNIMO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA E IDOSO. ART. 203. CF. - A sentença impugnada ao adotar a fundamentação defendida no voto vencido afronta o voto vencedor e assim a própria decisão final da ADI 1.232. Reclamação procedente." O resultado desse julgamento significou afirmar que o critério fixado pelo parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS é apto a caracterizar o estado de necessidade indispensável à concessão da benesse em tela. Em outro falar, aludida situação de fato configuraria prova inconteste de necessidade do benefício constitucionalmente previsto, de modo a tornar dispensável elementos probatórios outros. Assim, deflui dessa exegese o estabelecimento de presunção objetiva absoluta de estado de penúria ao idoso ou deficiente cuja partilha da renda familiar resulte para si montante igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Porém, o critério não é excludente de outras considerações acerca da hipossuficiência econômica que dá azo ao BPC no caso concreto, nem das prescrições do Estatuto do Idoso, quanto à renda de um salário mínimo que é devida ao maior de 65 anos em caso de não ter meios de prover a própria subsistência ou tê-la provida por familiares. É fato que esta 8ª Turma tem decidido que referido critério - montante igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo - não é o único para aferir a HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA que legitima a concessão do benefício, vendo-se de trechos de acórdãos da lavra da Desembargadora Federal Therezinha Cazerta e do Desembargador Federal Toru Yamamoto o seguinte: "Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20, 3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos comprovados nos autos." (Apelação Cível n.º 5002154-51.2023.4.03.9999, rel. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, julgamento 28.6.2023) (...) "2. No que diz respeito ao requisito socioeconômico, ainda que o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com redação dada pela Lei 14.176/2021, considere como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, fato é que a jurisprudência entende bastante razoável a adoção de ½ (meio) salário-mínimo como parâmetro, eis que os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário-mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, adotado pelo Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03); Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04); Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001); Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001); Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002); e Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001)." (Apelação Cível n.º 5071229-80.2023.4.03.9999, rel. Desembargadora Federal Toru Yamamoto, julgamento 27.11.2023) Em outras palavras: deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, consoante a renda informada, caso a caso. Quanto à DEFICIÊNCIA, dispõe o § 2º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/1993: "§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas." A Lei n.º 8.742/1993 diferenciou o conceito de deficiência da incapacidade para o trabalho, considerando "pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". É dizer, o requisito da deficiência recebeu, com a legislação, para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, exigência menor quando em confronto com a incapacidade para o trabalho. Pessoa com deficiência, pois, para o fim de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, é aquela que tem impedimento de longo prazo, consideradas as barreiras que enfrenta em seu contexto específico de vida. 1.1 DAS EXCLUSÕES DE VALORES DO CÁLCULO DA RENDA MENSAL PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR DECORRENTES DE LEI Da prescrição do artigo 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, transcrito acima, resulta que a interpretação do requisito da hipossuficiência econômica necessário para a configuração do direito ao Benefício de Prestação Continuada nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, resulta na necessidade de se excluir, do cômputo da renda mensal familiar o valor de um salário mínimo recebido a título deste benefício, ou de outro, ou do mesmo valor em termos de renda de qualquer natureza, inferindo-se disso que o idoso ou pessoa com deficiência que não tenha meios de prover a sua subsistência ou tê-la provida pelo seu núcleo familiar deve ter garantido pelo Estado, de modo personalíssimo, o acesso ao mínimo necessário para a subsistência, ou seja, pelo menos um salário mínimo por mês. Segundo declarou em seu voto o E. Ministro Benedito Gonçalves no REsp n. 1.355.052/SP, alçado a sistemática dos recursos repetitivos, referindo-se à exclusão de renda determinada no artigo 34 do Estatuto do Idoso: "O normativo informa que o valor recebido por idoso, a partir dos 65 anos de idade e a título de benefício de prestação continuada, não deve fazer parte da renda da família de que trata o artigo 20, § 3º, do da Lei n. 8.742/93. É dizer, o idoso que completa 65 anos de idade e não provê a sua subsistência ou não a tem provida com o auxílio da família não deve compor a dimensão econômica do núcleo familiar quando em análise a concessão de outro benefício assistencial a idoso. E isso se deve porque a renda mínima que ele recebe é personalíssima e se presta, exclusivamente, à sua manutenção, protegendo-o da situação de vulnerabilidade social. Assim, a proteção aos idosos aqui tem nítido caráter assistencial. Ora, não há distinção constitucional entre vulneráveis (idosos e deficientes) e não há norma na Lei Orgânica da Assistência Social a garantir às pessoas com deficiência o mesmo amparo que o parágrafo único do artigo 34 da Lei n. 10.741/03 garante aos idosos." (grifei). Eis a ementa do acórdão, de cujo voto condutor se extraiu o excerto acima: "PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. No julgamento acima citado firmou-se o TEMA 640, na sistemática dos recursos repetitivos: "Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." Nesse sentido, ainda, da fungibilidade dos benefícios para fins desta exclusão e da tese do valor mínimo reservado ao idoso ou deficiente, a partir da sua vulnerabilidade social, confira-se a ementa do RE 580.963/PR, submetido ao regime da repercussão geral, em que o Pretório Excelso declarou inconstitucional por omissão o parágrafo único do Art. 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), na medida em que deixou de contemplar outras situações de igual vulnerabilidade a dos idosos, como a dos deficientes, bem como pela restrição relativa a exclusão de outras formas de renda, como benefícios previdenciários recebidos no valor de um salário mínimo por componentes do núcleo familiar na exclusão prevista no citado dispositivo legal: “Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: 'considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo'. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (grifei). (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18.4.2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13.11.2013 PUBLIC 14.11.2013) Portanto, nos é dado concluir que o benefício mensal de um salário mínimo, recebido por qualquer membro da família, como única fonte de recursos, não afasta a condição de hipossuficiência econômica do núcleo familiar para os fins do BPC/LOAS, quando nele se inclua pessoa idosa ou com deficiência. Seria um evidente contrassenso se entender que o benefício mensal de um salário mínimo, na forma da LOAS, recebido por um membro da família, não impede a concessão de igual benefício a outro membro, ao passo que a concessão de aposentadoria por idade, por exemplo, no valor de um salário mínimo, nas mesmas condições, seria obstáculo à concessão de benefício assistencial. Além disso, fixada essa premissa, dela decorre necessariamente que qualquer renda de um salário mínimo, percebida por um membro da família, independentemente da origem da receita, não poderá ser impedimento para que outro membro, cumprindo os demais requisitos exigidos pela Lei nº 8.742/93, aufira o benefício assistencial, pois a condição econômica para a subsistência é exatamente igual àquela situação de que trata o parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003. Além disso, reitere-se, a regra não pode deixar de ser aplicada no caso do deficiente ou do "incapaz para a vida independente e para o trabalho”, porquanto economicamente não se pode dizer que são situações distintas. 1.2. DA AMPLIAÇÃO DO CRITÉRIO DE AFERIÇÃO DA RENDA FAMILIAR MENSAL O artigo 20-B, incisos I a III e §§ 1º a 3º da Lei n.º 8.742/1993: "Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência) I – o grau da deficiência;. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência) II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência) III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência) § 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência) § 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência) § 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei." Vale dizer, ao lado do critério de cálculo da renda por indivíduo, para fins de aferição da vulnerabilidade econômica também são considerados o grau da deficiência, a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária e o comprometimento do orçamento do núcleo familiar, aí em conta despesas "com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida". No juízo do Superior Tribunal de Justiça ao firmar a seguinte tese no Tema Repetitivo 185: "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo." (STJ, REsp n.º 1.112.557/MG, Terceira Seção, relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgado em 28.10.2009, acórdão publicado em 20.11.2009). Ementa e acórdão assim redigidos: "RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Felix Fischer, Arnaldo Esteves Lima e Maria Thereza de Assis Moura. 2. DO CASO CONCRETO No que tange aos requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada - LOAS, o exame será somente da condição de hipossuficiência, uma vez que a deficiência, já reconhecida em sentença (ID 296498339, folha 225), não foi objeto do apelo, restando, nesse ponto, irrecorrível. Do exame da vulnerabilidade econômica, para efeito do pedido de concessão do benefício. O estudo social (ID 296498339, folhas 100/103), em visita realizada em 27.07.2023, revela que o núcleo familiar é composto pelo autor, Kelvi dos Santos Fernandes (20 anos), sua mãe, Sra. Angelina dos Santos (38 anos) e sua irmã, Kauani dos Santos Fernandes (12 anos). A casa onde reside o autor e seus familiares acima é alugada, edificada em alvenaria, possui 5 cômodos e 1 área externa. Possui cobertura em telha fibro cimento, sem forro, piso cerâmico. Em seu interior guarnecem móveis e eletrodomésticos essenciais usados. São providos de serviços de água encanada e energia elétrica. Nas proximidades possuem acesso a equipamentos públicos e sociais no âmbito da educação, saúde e assistência social. A sobrevivência do núcleo familiar provém da renda auferida pela mãe do autor no valor de R$ 1.600,00 decorrente de seu trabalho no plantio de eucalipto somado ao valor que recebe a título de pensão por morte correspondente a 1 salário mínimo. O salário mínimo à época correspondia a R$ 1.302,00 (Medida Provisória 1.143 de 12 de dezembro de 2022). Total da renda familiar: R$ 2.902,00. Despesas da família e o cálculo, assim: i) alimentação (R$ 500,00); ii) aluguel (R$ 800,00); iii) gás de cozinha (R$ 130,00); iv) internet (R$ 100,00), v) conta de água (R$ 70,00). Total de R$ 1.600,00. A significar que o exame da vulnerabilidade econômica começa com a renda auferida pelo núcleo familiar, depois sendo adicionados os demais elementos probatórios colhidos na instrução. No presente caso, a renda per capita mostra-se superior ao limite legal, diante de núcleo familiar composto por 3 pessoas (R$ 967,33). O estudo social acrescenta que o autor frequentou o ensino médio, iniciou sua vida laborativa, trabalhando em serralheria, fazendas, serviços de construção. Ademais, há informação de que os gastos com medicação, vestuários e deslocamentos são realizados apenas quando necessários. Todos os elementos reunidos, não vislumbro a ocorrência de hipossuficiência econômica caracterizadora da situação de vulnerabilidade necessária ao direito ao BPC/LOAS. Dispositivo Posto isso, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS para o fim de reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada. Revogo a tutela antecipada concedida. Quanto à devolução dos valores recebidos pela autora a título de antecipação da tutela, deve ser observado o que restou decidido no Tema Repetitivo 692/STJ: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.". Condeno a parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais e de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, observados os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal, bem como as normas do artigo 85, §§ 3º, 4º, III, 5º, 11, do CPC/2015 e o regime jurídico da assistência judiciária gratuita. Decorrido o prazo recursal, tornem os autos ao Juízo de origem. Intimem-se. Publique-se." A impugnação neste agravo interno versa sobre as seguintes matérias: A) Requisito da hipossuficiência para acesso ao BPC/LOAS Sustenta a parte autora/recorrente a presença da hipossuficiência, bem como a decisão deixou de considerar todo o contexto probatório, e ainda, o bem-estar social que o benefício traria ao Recorrente. Sobre o item A, a decisão assim dispôs: "O estudo social (ID 296498339, folhas 100/103), em visita realizada em 27.07.2023, revela que o núcleo familiar é composto pelo autor, Kelvi dos Santos Fernandes (20 anos), sua mãe, Sra. Angelina dos Santos (38 anos) e sua irmã, Kauani dos Santos Fernandes (12 anos). A casa onde reside o autor e seus familiares acima é alugada, edificada em alvenaria, possui 5 cômodos e 1 área externa. Possui cobertura em telha fibro cimento, sem forro, piso cerâmico. Em seu interior guarnecem móveis e eletrodomésticos essenciais usados. São providos de serviços de água encanada e energia elétrica. Nas proximidades possuem acesso a equipamentos públicos e sociais no âmbito da educação, saúde e assistência social. A sobrevivência do núcleo familiar provém da renda auferida pela mãe do autor no valor de R$ 1.600,00 decorrente de seu trabalho no plantio de eucalipto somado ao valor que recebe a título de pensão por morte correspondente a 1 salário mínimo. O salário mínimo à época correspondia a R$ 1.302,00 (Medida Provisória 1.143 de 12 de dezembro de 2022). Total da renda familiar: R$ 2.902,00. Despesas da família e o cálculo, assim: i) alimentação (R$ 500,00); ii) aluguel (R$ 800,00); iii) gás de cozinha (R$ 130,00); iv) internet (R$ 100,00), v) conta de água (R$ 70,00). Total de R$ 1.600,00. A significar que o exame da vulnerabilidade econômica começa com a renda auferida pelo núcleo familiar, depois sendo adicionados os demais elementos probatórios colhidos na instrução. No presente caso, a renda per capita mostra-se superior ao limite legal, diante de núcleo familiar composto por 3 pessoas (R$ 967,33). O estudo social acrescenta que o autor frequentou o ensino médio, iniciou sua vida laborativa, trabalhando em serralheria, fazendas, serviços de construção. Ademais, há informação de que os gastos com medicação, vestuários e deslocamentos são realizados apenas quando necessários. Todos os elementos reunidos, não vislumbro a ocorrência de hipossuficiência econômica caracterizadora da situação de vulnerabilidade necessária ao direito ao BPC/LOAS." Reitera-se o quanto ali disposto, eis que diante dos elementos reunidos, não restou caracterizada situação de vulnerabilidade necessária ao direito ao BPC/LOAS. As condições de habitação, a renda familiar e a ausência de gastos com remédios e tratamentos de saúde que comprometam o orçamento familiar, vão de encontro à alegação de que a autor está em situação de miserabilidade e de total desamparo, a justificar o pagamento de um benefício que se presta a garantir um mínimo existencial àqueles que não tem condição de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Ademais, ainda que se aplicasse no cálculo da renda per capita o limite legal de 1/2 salário mínimo adotado jurisprudencialmente como razoável para aferir a vulnerabilidade econômica, o resultado do cálculo apresenta-se superior ao parâmetro adotado (R$ 1.302/2 = R$ 651,00), diante de núcleo familiar composto por 3 pessoas (R$ 2.902/3 = R$ 967,33 por integrante), não restando, assim, evidenciada a condição de hipossuficiência da parte autora para acesso ao BPC-LOAS. Verifica-se, assim, que todos os argumentos ventilados nas razões recursais foram enfrentados pela decisão monocrática, razão pela qual não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando à rediscussão da matéria nele contida. Impõe-se, portanto, a manutenção da decisão agravada, também pelos respectivos e apropriados fundamentos. Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno da parte autora. É como voto.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se:
Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008."
(REsp n. 1.355.052/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25.2.2015, DJe de 5.11.2015)
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Nilson Naves.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz."
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM AÇÃO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (BPC/LOAS). AUSÊNCIA DO REQUISITO DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
Agravo interno interposto contra decisão monocrática que indeferiu pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), ao fundamento de ausência do requisito da hipossuficiência econômica. A parte autora sustenta que o conjunto probatório demonstra sua situação de vulnerabilidade social e que o benefício contribuiria para seu bem-estar e dignidade.
A questão em discussão consiste em definir se estão presentes os critérios legais de hipossuficiência econômica exigidos para a concessão do BPC/LOAS, à luz do estudo social e das demais provas constantes nos autos.
O requisito da hipossuficiência econômica para acesso ao BPC/LOAS exige que a renda per capita familiar seja inferior a 1/4 do salário mínimo, conforme dispõe o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, admitida flexibilização jurisprudencial até o patamar de 1/2 do salário mínimo, desde que comprovada situação de efetiva vulnerabilidade social.
No caso concreto, o estudo social demonstra que a renda familiar totaliza R$ 2.902,00, proveniente do trabalho da mãe do autor e pensão por morte, resultando em renda per capita de R$ 967,33, valor superior tanto ao limite legal de 1/4 do salário mínimo quanto ao limite jurisprudencialmente aceito de 1/2 salário mínimo (R$ 651,00 à época dos fatos).
O núcleo familiar reside em imóvel alugado, com condições adequadas de habitabilidade, possui acesso a serviços públicos e não apresenta gastos recorrentes com medicamentos ou tratamentos que comprometam significativamente o orçamento familiar, afastando o reconhecimento de estado de miserabilidade.
Os argumentos recursais não enfrentam os fundamentos da decisão agravada, limitando-se a repisar teses já apreciadas, sem apresentar novos elementos capazes de infirmar a conclusão anterior, sendo legítima a reiteração dos fundamentos já adotados, conforme dispõe o art. 1.021, § 3º, do CPC/2015.
Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
A renda per capita familiar superior ao limite legal e jurisprudencialmente aceito, somada à ausência de elementos probatórios de vulnerabilidade social severa, afasta o reconhecimento da hipossuficiência econômica para fins de concessão do BPC/LOAS.
É legítima a manutenção da decisão monocrática com os mesmos fundamentos quando inexistem argumentos novos no agravo interno, nos termos do art. 1.021, § 3º, do CPC/2015.
O benefício assistencial exige prova inequívoca da miserabilidade, não se prestando ao atendimento de situações de dificuldade econômica sem desamparo extremo.
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.742/1993, art. 20, § 3º; CPC/2015, art. 1.021, § 3º.
Jurisprudência relevante citada:
STJ, AgInt no AREsp 1745951/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 29.03.2021, DJe 07.04.2021;
STJ, AgInt no AREsp 1703571/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 01.03.2021, DJe 15.03.2021;
TRF3, ApCiv 5002514-38.2017.4.03.6105, Rel. Des. Fed. Luiz Alberto de Souza Ribeiro, j. 25.03.2021;
TRF3, ApCiv 5299971-39.2020.4.03.9999, Rel. Des. Fed. David Diniz Dantas, j. 21.03.2022.