Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000753-31.2024.4.03.6006

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: LEOMAR ABREU DA CRUZ

Advogado do(a) APELANTE: EDSON MARTINS - MS12328-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000753-31.2024.4.03.6006

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: LEOMAR ABREU DA CRUZ

Advogado do(a) APELANTE: EDSON MARTINS - MS12328-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

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R E L A T Ó R I O

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MARIA FERNANDA DE MOURA E SOUZA: 

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de LEOMAR ABREU DA CRUZ em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Naviraí/MS, que condenou o réu pela prática, em concurso formal, dos delitos do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68; do artigo 180 do Código Penal; do artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal; e do artigo 330 do Código Penal.

Narra a denúncia (ID 316510252):

“Em data de 22 de novembro de 2024, por volta das 16h45min, em frente à unidade operacional da Polícia Rodoviária Federal, localizada no km 33 da BR-163, município de Eldorado-MS, o denunciado Leomar importou, transportou ou, de qualquer forma, utilizou, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira, consistente em 300.000 maços de cigarros estrangeiros, cuja importação somente é permitida a pessoas jurídicas devidamente autorizadas, na forma do art. 46 a 54 da Lei n. 9.532/97.

Também em data de 22 de novembro de 2024, por volta das 16h45min, em frente à unidade operacional da Polícia Rodoviária Federal, localizada no km 33 da BR-163, município de Eldorado-MS, o denunciado Leomar recebeu, conduziu e transportou, em proveito próprio ou alheio, coisas que sabia ser produto de crime, consistente no caminhão VW/15.190 CRM 4X2, placa QQF-0E99, o qual era produto de crime contra o patrimônio ocorrido no município de Itapecerica da Serra-SP.

Também em data de 22 de novembro de 2024, por volta das 16h45min, em frente à unidade operacional da Polícia Rodoviária Federal, localizada no km 33 da BR-163, município de Eldorado-MS, o denunciado Leomar conduziu, adquiriu e transportou, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor com placa de identificação que devesse saber estar adulterada, consistente no caminhão VW/15.190 CRM 4X2, placa QQF-0E99, o qual ostentava a placa falsa GCB-5A61, a fim lesar a fé pública.

Por derradeiro, também em data de 22 de novembro de 2024, por volta das 16h45min, em frente à unidade operacional da Polícia Rodoviária Federal, localizada no km 33 da BR-163, município de Eldorado-MS, o denunciado Leomar desobedeceu ordem legal emanada de funcionário público federal, consistente em determinação de parada para fiscalização regular.

Nas condições de tempo e espaço acima especificadas, uma equipe da Polícia Rodoviária Federal realizava fiscalização de rotina nos veículos que trafegavam naquela rodovia, ocasião em que deu ordem de parada ao caminhão VW/15.190 CRM 4X2, cor branca que ostentava a placa GCB5A61, e era conduzido pela denunciado Leomar.

O denunciado, todavia, apenas atendeu ao comando de parada aproximadamente 30 metros do local em que deveria ter parado, de modo a permitir que ele conseguisse empreender fuga, evadindo-se da ação fiscalizatória dos policiais rodoviários. O denunciado abriu a porta do lado do passageiro e empreendeu fuga a pé em direção a uma área de mata que havia na proximidade da base operacional da Polícia Rodoviária Federal. A ação evasiva foi percebida pelos policiais que prontamente saíram ao seu encalço, logrando detê-lo já na área de mata. No curso dessa fuga o denunciado despojou-se de seu telefone celular arremessando-o na mata, de modo que o aparelho não foi localizado pelos policiais.

Quando o denunciado foi detido, os policiais o indagaram sobre o motivo da fuga, tendo o denunciado prontamente confessado que transportava cigarros contrabandeados do Paraguai. Diante dessa informação, os policiais realizaram a busca veicular e, ao abrirem o compartimento de carga do caminhão, encontraram as 600 caixas de cigarros. O denunciado também afirmou aos policiais que fora contratado por um indivíduo não identificado para buscar o caminhão na cidade de Mundo Novo e conduzi-lo a Itaquiraí. Pelo serviço o denunciado receberia a contraprestação no valor de RS 3.000,00.

Durante a checagem de rotina feita no veículo, os policiais suspeitaram da origem do veículo, tendo passado a realizar checagem mais aprofundada. Ao cotejarem os sinais identificadores aparentes do veículo com os números de chassi e motor, os policiais constataram que o veículo estava com a placa de identificação adulterada. O veículo ostentava a placa GCB-5A61, quando a placa legítima era a de sequência QQF-0E99. Ao analisarem a placa original, os policiais também prontamente constataram que o veículo possuía registro de subtração, conforme boletim de ocorrência/declaração de roubo n. 2098918/2024, lavrada em 9/9/2024, registrada perante a Polícia Civil de Itapecerica da Serra/SP.

O denunciado deveria saber que o caminhão se tratava de produto crime contra o patrimônio, bem como devia saber se tratar de veículo com sinais identificadores adulterados, haja vista as condições em que recebido e conduzido o veículo. O denunciado não possuía documentação de tráfego obrigatório do caminhão (CRLV físico ou digital), bem como recebeu-o de pessoa inidônea para a prática de atividade criminosa.

Em face do acima exposto, o denunciado Leomar praticou as condutas delitivas previstas nos arts. 334-A, § 1º, IV, c/c art. 61, I, e art. 62, IV, todos do CP; art. 180, caput, c/c art. 61, I, ambos do CP; art. 311, §2º, III, c/c art. 61, I, ambos do CP; art. 330 c/c art. 61, I, ambos do CP, tudo em concurso material de delitos (art. 69 do CP).”

O Acordo de Não Persecução Penal – ANPP deixou de ser oferecido ao réu, visto a sua reincidência (ID 316510252 – fl. 6).

A denúncia foi recebida em 9 de janeiro de 2025 (ID 316510256).

Após regular instrução, sobreveio a sentença ID 316510387, pela qual o magistrado de primeiro grau julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia para condenar LEOMAR ABREU DA CRUZ, em concurso formal, como incurso nas penas do crime insculpido no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão; do delito do artigo 180 do Código Penal à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa, no valor mínimo; do delito prescrito no artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 64 (sessenta e quatro) dias-multa, no valor mínimo; e do crime do artigo 330 do Código Penal à pena privativa de liberdade de 1 (um) mês e 10 (dez) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa, no valor mínimo, em regime inicial fechado.

O juiz sentenciante determinou, ainda, a inabilitação do réu para dirigir veículos e a manutenção da prisão preventiva.

A sentença foi publicada em 30 de janeiro de 2025 (ID 316510387).

A defesa do réu interpôs apelação, pleiteando (i) a absolvição no que concerne ao crime de contrabando; (ii) a desclassificação do delito de contrabando para o de favorecimento real; (iii) a desclassificação do crime de contrabando para o de descaminho; (iv) a absolvição quanto ao delito do artigo 180 do Código Penal; (v) a absolvição no que toca ao crime do artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal; (vi) a absolvição em relação ao delito do artigo 330 do Código Penal; (vii) a fixação do regime inicial semiaberto; (viii) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; e (ix) o afastamento da pena de inabilitação para dirigir veículos (ID 316510394).

Contrarrazões do Ministério Público Federal (ID 316510397).

Parecer da Procuradoria Regional da República pelo desprovimento do apelo interposto pela defesa (ID 319285577 e ID 319285581).

É o relatório.

Sujeito à revisão na forma regimental.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: LEOMAR ABREU DA CRUZ

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V O T O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

O apelante LEOMAR ABREU DA CRUZ foi condenado pela prática, em concurso formal, dos delitos do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68; do artigo 180 do Código Penal; do artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal; e do artigo 330 do Código Penal.

I- DO CRIME DO ARTIGO 334-A DO CÓDIGO PENAL

1. Da desclassificação para o crime de favorecimento real

A defesa postula a desclassificação da conduta imputada ao réu para o crime do artigo 349 do Código Penal.

Sustenta que a infração penal de contrabando exige que o agente receba, adquira ou oculte mercadoria de origem estrangeira - ao passo que o réu apenas a transportava -, além de exercer atividade comercial ou industrial.

O conjunto probatório atesta que os cigarros apreendidos tinham procedência estrangeira, sendo nocivos à saúde e segurança públicas.

Ademais, o apelante asseverou que foi contratado para transportar a mercadoria contrabandeada e, pela quantidade de cigarros armazenada no caminhão, ficou comprovada a finalidade comercial.

O tipo penal do crime de contrabando não pressupõe o domínio da mercadoria, praticando tal conduta aquele que, de qualquer forma, colabora para a introdução da mercadoria proibida no país, inclusive na função de motorista.

Nesse diapasão:

PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO. TRANSPORTE DE CIGARROS DE ORIGEM ESTRANGEIRA. ALTERAÇÃO PARA O DELITO DO ART. 349 DO CP. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME DE TELECOMUNICAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ART. 70 DA LEI N. 4.117/62. PENA-BASE. PENA RESTRITIVA DE DIREITO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO.

1.     A figura do transportador se enquadra perfeitamente na conduta prevista no art. 334-A, parágrafo 1º, inciso I, do Código Penal c.c. arts. 2º e 3º, ambos do Decreto-lei nº 399/68, bastando o transporte das mercadorias contrabandeadas para que a conduta seja típica, não sendo necessário que o transportador tenha introduzido as mercadorias em solo nacional ou que seja o proprietário da carga.

2.     O delito de favorecimento real não se aplica a quem praticou um dos verbos nucleares do delito do art. 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal (transportar), pois pressupõe que o agente que cometeu o crime não seja coautor ou receptador.

[...]

7. De ofício, atribuo a um dos fatos descritos na denúncia definição jurídica diversa, por meio da aplicação da regra da emendatio libelli (artigos 383 e 617 do Código de Processo Penal) e desclassifico o crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97 para o do art. 70 da Lei nº 4.117/62, com a condenação do réu à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 3 (três) meses de detenção pela prática do mencionado delito, bem como nego provimento ao recurso da defesa.

(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0000864-25.2018.4.03.6002, Rel. Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, julgado em 31/07/2020, Intimação via sistema DATA: 06/08/2020)                                                    

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. ART. 334, § 1º, C, DO CÓDIGO PENAL. FIGURA EQUIPARADA AO CAPUT DO ART. 334 DO CP. DESNECESSIDADE DE PROVA DE IMPORTAÇÃO IRREGULAR. SUFICIÊNCIA DO ACOLHIMENTO, PELO ACUSADO, DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS, DESACOMPANHADAS DE DOCUMENTAÇÃO LEGAL. CONDUTA DO "LARANJA" PASSÍVEL DE RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL. ATIVIDADE COMERCIAL DEMONSTRADA PELA ELEVADA QUANTIDADE DA MERCADORIA APREENDIDA. INAPLICAÇÃO, NA ESPÉCIE, DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TRIBUTO ILUDIDO SUPERIOR A R$ 10.000,00. ART. 20 DA LEI 10.522/2002. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO COMPROVADA. PROVIMENTO DO APELO. I - Desnecessidade de comprovação de que a importação irregular tenha sido praticada pessoalmente pelo acusado, de vez que denunciado pela prática de figura equiparada ao caput do art. 334 do Código Penal, conforme previsto nos §§ 1º e 2º do referido dispositivo legal. II - O § 1º, alínea d, do art. 334 do Código Penal prevê, como um dos núcleos do tipo em foco, a modalidade de recebimento, entendido como aceite em pagamento ou mero acolhimento da mercadoria estrangeira, desacompanhada de documentação legal. III - O § 2º do art. 334 do Código Penal amplia o conceito restrito de atividade comercial para configuração do delito, a ela equiparando qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. IV - No delito de contrabando ou descaminho é responsável não somente aquele que faz a importação, mas também quem colabora para esse fim, como "laranja", conscientemente, introduzindo ou transportando, no país, as mercadorias. (...)"

(TRF-1 - ACR: 15030 GO 2005.35.00.015030-3, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 07/12/2010, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.1645 de 17/12/2010) (grifo nosso)

Desse modo, considerando que o apelante incorreu na prática do delito do artigo 334-A do Código Penal, exercendo a função de motorista na empreitada criminosa, a qual se destinava à comercialização dos cigarros apreendidos, incabível a desclassificação para o crime de favorecimento real, o qual reclama que não seja o agente coautor ou receptador.

2. Da desclassificação para o crime de descaminho

Pugna a defesa a desclassificação da conduta narrada na peça inaugural para o delito de descaminho.

Insta salientar que o crime de descaminho se caracteriza pela ilusão, no todo ou em parte, do pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, saída ou consumo de mercadoria; ao passo que o delito de contrabando se refere à importação ou exportação de mercadoria proibida.

No presente caso, houve a apreensão de cigarros de procedência estrangeira, que oferecem riscos à segurança e à saúde públicas.

Preceitua a Lei nº 9.782/1999, que instituiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária:

Art. 8º – Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

§ 1º – Consideram-se bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela Agência:

X – cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco.

No que toca ao registro e comercialização dos produtos fumígenos, determina a ANVISA, por meio da Resolução RDC nº 90/2007:

Art. 3º É obrigatório o registro dos dados cadastrais de todas as marcas de produtos fumígenos derivados do tabaco, fabricadas no território nacional, importadas ou exportadas.

Art. 20 A marca específica somente poderá ser comercializada após a publicação do deferimento da petição de Registro de Dados Cadastrais, no Diário Oficial da União.

§ 1º É proibida a importação, a exportação e a comercialização no território nacional de qualquer marca de produto fumígeno que não esteja devidamente regularizada na forma desta Resolução ainda que a marca se destine à pesquisa no mercado consumidor.

Além disso, para o estrito exercício de suas atividades, o importador de cigarros deve possuir um registro especial junto à Receita Federal do Brasil, conforme prescrevem o artigo 47 da Lei nº 9.532/1997 e o artigo 2º da Instrução Normativa SRF nº 770/2007.

Extrai-se que os cigarros apreendidos têm origem estrangeira e carecem de autorização de importação e comercialização pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, o que os tornam mercadoria de importação proibida, configuradora do tipo penal do contrabando.

A procedência alienígena dos bens apreendidos pode ser demonstrada por qualquer meio de prova, restando equivocada a exigência de laudo pericial com o fim de atestar a origem estrangeira da mercadoria – e até mesmo o valor dos tributos iludidos - para a comprovação da materialidade do crime de contrabando.

Dispõe a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE. DISPENSA DO LAUDO MERCEOLÓGICO. EXISTÊNCIA DE CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA SE AFERIR A ORIGEM ESTRANGEIRA DO CIGARRO CONTRABANDEADO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. JULGAMENTO EXTRA PETITA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA. INOCORRENTE. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Agravante condenado à 3 (três) anos e 1 (um) mês de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos, pela prática do crime previsto no art. 334, §1º, "c", do CP, uma vez que manteve em depósito milhares de maços de cigarros de proveniência estrangeira, introduzidos ilegalmente em território brasileiro.

2. A condenação decretada nos autos espelha fundamentação fático-jurídica calcada tanto em elementos informativos da fase policial como em provas regularmente produzidas no curso da instrução criminal, observado o devido processo legal e seus consectários - contraditório e ampla defesa.

3. A dispensa do laudo merceológico não ocorreu de forma aleatória ou infundada. No caso, a instância ordinária considerou prescindível o trabalho técnico, porquanto há nos autos diversas outras fontes probatórias idôneas para se aferir a origem estrangeira dos cigarros contrabandeados.

4. Modificar a decisão da instância ordinária, no ponto, dependeria do reexame de matéria fático-probatória, o que, em sede de recurso especial, constitui medida vedada pelo óbice da Súmula n. 7/STJ.

5. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o réu se defende dos fatos delimitados pela denúncia, e não da capitulação jurídica atribuída pelo órgão de acusação. Precedentes.

6. No caso concreto, incorre ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a condenação, nem é possível se falar em julgamento extra petita, pois o fato descrito na denúncia permite visualizar o perfazimento da circunstância agravante imputada ao agravado.

7. Agravo regimental desprovido.

(STJ, AgRg no AREsp n. 1.421.752/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe de 25/3/2019.) (grifo nosso)

PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO. AUSÊNCIA DE LAUDO MERCEOLÓGICO. POSSIBILIDADE DE CONSTATAÇÃO POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. PRESENTES A COMPROVAÇÃO DE AUTORIA E MATERIALIDADE. NÃO ACOLHIMENTO. DOSIMETRIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O laudo merceológico não é imprescindível para comprovação da materialidade do crime de contrabando, que pode ser constatada por outros meios de prova.

2. Pedido de absolvição, porém, comprovada a materialidade e autoria delitiva, bem como, ausentes qualquer causa de exclusão de ilicitude ou culpabilidade, fica mantida a condenação.

3. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Ausentes atenuantes e presente causa agravante. Manutenção da pena fixada.

4. Recurso da defesa desprovido.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 69244 - 0008941-38.2010.4.03.6120, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, julgado em 19/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/03/2018) (grifo nosso)

DIREITO PENAL. CONTRABANDO. CIGARRO. 334-A, § 1º, I, DO CÓDIGO PENAL. LAUDO MERCEOLÓGICO. IMPRESCINDIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. 1. O laudo merceológico não é essencial para aferir a origem e o valor da mercadoria apreendida, bem como o montante de tributos iludidos, havendo outros elementos de prova, mormente os documentos elaborados pelos agentes fazendários, capacitados para a identificação e avaliação de produtos irregularmente importados. 2. O transporte de cigarros ilicitamente internalizados no país se subsume, por assimilação, ao tipo penal contido no artigo 334-A, § 1º, I, do Código Penal que, por se tratar de norma penal em branco, é complementada pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 399/68. 3. Comprovadas a materialidade e autoria, e inexistindo causas de exclusão da ilicitude e da culpabilidade, impõe-se a condenação do réu.

(TRF4, ACR 5016292-16.2016.4.04.7000, OITAVA TURMA, Relator LEANDRO PAULSEN, j. 09/08/2017) (grifo nosso)

Assim, apenas seria possível se falar em crime de descaminho se no momento em que o comportamento ilícito foi engendrado houvesse autorização de importação pela ANVISA dos produtos fumígenos apreendidos, por meio de processos administrativos que permitissem a importação e comercialização dos mesmos em território nacional.

Em suma, utilizar, no exercício de atividade comercial, cigarros de importação e comercialização proibidas no país caracteriza a infração penal de contrabando.

Na esteira desse entendimento, trago à colação julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE RECURSO COM EFEITO SUSPENSIVO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 267/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. PEDIDO DEFERIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a introdução clandestina de cigarros, em território nacional, em desconformidade com as normas de regência, configura o delito de contrabando, ao qual não se aplica o princípio da insignificância, por tutelar interesses que transbordam a mera elisão fiscal. Precedentes.

2. A Sexta Turma desta Corte, ao apreciar os EDcl no REsp 1.484.413/DF e no REsp 1.484.415/DF, na sessão de 3/3/2016, adotou recente orientação, fixada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal de que a execução provisória da condenação penal, na ausência de recursos com efeito suspensivo, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência.

3. Agravo regimental improvido, determinando-se o imediato cumprimento da pena imposta ao agravante.

(STJ, AgRg no AREsp 697.456/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 28/10/2016) (grifo nosso)

RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE CIGARROS. ART. 334, §1º, D, DO CÓDIGO PENAL. PRODUTO DE PROIBIÇÃO RELATIVA. AUSÊNCIA DA DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA. DELITO PLURIOFENSIVO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DESNECESSIDADE.

1. Hipótese em que o condenado foi surpreendido realizando o transporte de grande volume de cigarros de origem estrangeira desacompanhados da documentação comprobatória da regular importação.

2. O cigarro é mercadoria de proibição relativa, cuja importação ou exportação clandestina configura delito de contrabando, que busca tutelar o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, assim como a saúde e segurança públicas.

3. É irrelevante, desse modo, o lançamento de eventual crédito tributário porque o delito se consuma com a simples entrada ou saída do produto proibido.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(STJ, REsp 1.454.586/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 02/10/2014, DJe 09/10/2014) (grifo nosso)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO DE CIGARROS (ART. 334, § 1º, "D", DO CP). DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O cigarro posto mercadoria importada com elisão de impostos, incorre em lesão não só ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. Precedente: HC 100.367, Primeira Turma, DJ de 08.09.11. 2. O crime de contrabando incide na proibição relativa sobre a importação da mercadoria, presentes as conhecidas restrições dos órgãos de saúde nacionais incidentes sobre o cigarro. 3. In casu, a) o paciente foi condenado a 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, alínea d, do Código Penal (contrabando), por ter adquirido, para fins de revenda, mercadorias de procedência estrangeira - 10 (dez) maços, com 20 (vinte) cigarros cada - desacompanhadas da documentação fiscal comprobatória do recolhimento dos respectivos tributos; b) o valor total do tributo, em tese, não recolhido aos cofres públicos é de R$ 3.850,00 (três mil oitocentos e cinquenta reais); c) a pena privativa de liberdade foi substituída por outra restritiva de direitos. 4. O princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que "não é o valor material que se considera na espécie, mas os valores ético-jurídicos que o sistema normativo-penal resguarda" (HC 118.359, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 11.11.13). No mesmo sentido: HC 119.171, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJ de 04.11.13; HC 117.915, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 12.11.13; HC 110.841, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 14.12.12. 5. Ordem denegada.

(STF, HC 118.858, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 03/12/2013, DJe 17/12/2013) (grifo nosso)

Destaco, ainda, que não foi imputada ao apelante a prática da conduta descrita no caput do artigo 334-A do Código Penal, que envolve a importação dos cigarros; subsome-se, com efeito, ao inciso I do artigo 334-A do Código Penal, já que a narrativa dos fatos declinada na exordial acusatória demonstra que o comportamento criminoso perpetrado, em tese, pelo réu, consistiu no transporte, para fins comerciais, de cigarros de origem estrangeira, sem documentação de sua regular importação.

Portanto, a conduta que lhe foi atribuída deve ser analisada sob a ótica do artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, na redação dada pela Lei nº 13.008/2014 c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68, que versam:

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

§ 1º - Incorre na mesma pena quem:

I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;  

 Art. 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuirem ou consumirem qualquer dos produtos nêle mencionados.

Dessa forma, não merece prosperar a desclassificação do delito de contrabando para o de descaminho.

3. Da materialidade

A materialidade foi comprovada pelo Termo de Apreensão (ID 316510116 - fls. 12/13); Boletim de Ocorrência nº 1726488241122164549 (ID 316510116 - fls. 17/26); e Informação da Polícia Judiciária nº 5054509/2024 (ID 316510250 - fls. 48/51).

Com efeito, os documentos acima elencados atestam a apreensão de 300.000 (trezentos mil) maços de cigarros de procedência estrangeira, tornando inconteste a materialidade delitiva.

4. Da autoria e do dolo

A autoria delitiva restou demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo.

O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que os cigarros foram apreendidos como pela prova oral amealhada.

Na fase inquisitiva o réu optou por permanecer em silêncio.

Em juízo, ao ser interrogado, confessou a prática do contrabando e a desobediência à ordem de parada. Alegou que voltou à criminalidade em razão de dificuldades financeiras e da separação de sua esposa, bem como que decidiu correr porque “estava em choque” e não queria ser preso novamente. Asseverou desconhecer que o caminhão tinha origem criminosa ou que era adulterado. Aduziu que, ao buscar a carga de cigarros, foi informado que os documentos do veículo se encontravam no porta-luvas. Afirmou ter sido contratado pelo valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), sendo-lhe adiantado o valor de R$ 200,00 (duzentos reais) para almoçar.

O policial rodoviário federal Leandro Neiva Roldão esclareceu que estava em patrulhamento pelo município de Eldorado/MS e foi dada ordem de parada a um caminhão que trafegava no sentido de Mundo Novo/MS-Itaquiraí/MS. Informou que o motorista, ora réu, desobedeceu à ordem dos agentes da Polícia Rodoviária Federal e parou aproximadamente 30 metros à frente do posto policial, empreendendo fuga pela porta do passageiro, sendo necessário persegui-lo por cerca de 200 metros para alcançá-lo. O réu chegou a pular a cerca de uma fazenda e se deitar em meio à vegetação para tentar se esconder dos policiais. Ao ser questionado sobre a fuga, o réu confessou o transporte de cigarros paraguaios. Durante a vistoria, no baú do caminhão, foi localizado o carregamento dos cigarros. O réu argumentou que foi contratado pelo valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para buscar o veículo em Mundo Novo/MS e trazê-lo até Itaquiraí/MS. Destacou que o caminhão tinha sinais de adulteração, pois as placas estavam trocadas e, em pesquisa aos sistemas disponíveis, foi constatado registro de roubo/furto do veículo, no Estado de São Paulo.

 No mesmo sentido, as palavras do policial rodoviário federal Davi Edson Chaves de Almeida.

As testemunhas policiais narraram o transporte dos cigarros de procedência estrangeira apreendidos no caminhão dirigido pelo apelante.

Ressalte-se que os depoimentos dos policiais, sobretudo produzidos em juízo, sob o crivo do contraditório, são idôneos para ensejar um provimento condenatório, inclusive porque corroboram as provas documentais já produzidas, e gozam de fé pública e presunção juris tantum, não afastada pela defesa.

Nesse tocante, o entendimento jurisprudencial:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. AUSÊNCIA DE CONCESSÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO. TESE NÃO ANALISADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIRMADA PELO TRIBUNAL LOCAL. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. CREDIBILIDADE. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE VERTICALIZAÇÃO DA PROVA. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS APREENDIDAS. IDONEIDADE PARA EXASPERAR A PENA-BASE. ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM ENTRE MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. CONDENAÇÕES DISTINTAS. POSSIBILIDADE. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA ATENUANTE AO PACIENTE LEANDRO. PRETENSÃO RECHAÇADA PELA INSTÂNCIA A QUO. ALTERAÇÃO A DEMANDAR REEXAME DE PROVAS. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DRAGAS APREENDIDAS. CONVICÇÃO DA CORTE LOCAL QUE O PACIENTE EXERCIA A TRAFICÂNCIA DE FORMA HABITUAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

[…]

III - Quanto à autoria e a materialidade delitiva, segundo a Corte local, essas se encontram devidamente demonstradas nos autos. O Tribunal de origem, com arrimo no depoimento dos policiais responsáveis pela prisão dos pacientes, confirmou a imputação da autoria aos pacientes. Registre-se que os depoimentos dos policiais têm valor probante, já que seus atos são revestidos de fé pública, sobretudo quando se mostram coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos. A propósito: AgRg no AREsp n. 1.317.916/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de de 05/08/2019; REsp n. 1.302.515/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schiet Cruz, DJe de 17/05/2016; e HC n. 262.582/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Nef Cordeiro, DJe de 17/03/2016.

[...]

(STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 627.596/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 02/03/2021, DJe 08/03/2021)

PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. VALIDADE. PENA MANTIDA.

1. Materialidade comprovada. Autoria demonstrada pela prova testemunhal produzida durante as investigações e em juízo.

2. Diante do conjunto probatório, não se sustenta o argumento ventilado pela defesa de que o réu estava na companhia dos demais acusados, mas desistiu de praticar o delito.

3. O fato de a testemunha afirmar que não se recorda de determinada passagem, não retira credibilidade daquilo que afirma saber sobre os fatos.

4. A sistemática processual penal vigente não impõe qualquer restrição na eficácia probatória decorrente de depoimentos feitos por agentes policiais, até porque, ordinariamente, suas declarações têm expressiva relevância na elucidação do delito e de sua autoria.

5. Transnacionalidade do crime evidenciada pelos depoimentos das testemunhas.

6. Dosimetria da pena inalterada. Diante da ausência de recurso ministerial e do princípio da non reformatio in pejus, mantida a pena-base e a redução decorrente do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006.

7. Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão do quantum da pena aplicada (CP, art. 44, I).

8. Apelação improvida.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 40252 - 0000197-79.2008.4.03.6005, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 28/10/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/11/2014) (grifo nosso)

O apelante, por sua vez, corroborou a prática dos fatos em comento.

Notório, pelas próprias palavras do réu, que perpetrou o comportamento descrito na denúncia, ciente de que praticava ato ilícito, ao qual aderiu de forma livre e consciente, não incidindo em qualquer erro.

Ademais, o mero transporte dos cigarros de origem estrangeira faz subsistir a prática do crime em exame, já que o artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal preceitua que incorre na mesma pena estipulada para o crime de contrabando aquele que praticar conduta assimilada disposta em lei especial.

No momento em que essa lei especial - Decreto-Lei nº 399/1968 - foi recepcionada pela então Constituição vigente, inexistia o vício de legalidade formal previsto no artigo 62, §1º, inciso I, alínea “b”, da Carta Magna de 1988 e, desse modo, é lei ordinária, carecendo de qualquer irregularidade.

Nesse aspecto, a jurisprudência deste E. Tribunal Regional Federal:

DIREITO PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. AUSÊNCIA DE OFENSA, PELA INCRIMINAÇÃO, AOS POSTULADOS DA LEGALIDADE ESTRITA EM MATÉRIA PENAL E DA TAXATIVIDADE DA LEI CRIMINAL. RECEPÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 399/68 PELA CF/88. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. ELEVADA QUANTIDADE DE MAÇOS DE CIGARROS. SEGUNDA FASE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA RECONHECIDA. MANUTENÇÃO. TERCEIRA FASE. AUSÊNCIA DE CAUSAS DE AUMENTO OU DE DIMINUIÇÃO. REGIME INICIAL ABERTO. MANUTENÇÃO. DETRAÇÃO. NÃO INFLUÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. REDUÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA PARA 03 (TRÊS) SALÁRIOS-MÍNIMOS. REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES.

- Materialidade e Autoria delitivas. Não houve insurgência, especificamente, quanto à materialidade e autoria delitivas, sendo que o pedido absolutório se pautou em questões exclusivamente de direito.

- Princípio da taxatividade e a norma penal em branco. A técnica redacional empregada pelo legislador que editou a Lei nº 13.008, de 26 de junho de 2014, alteradora do crime de contrabando para a finalidade de apartá-lo do delito de descaminho, criando, assim, o art. 334-A do Código Penal, especificamente no que tange ao § 1º, inciso I, deste último preceito legal (Incorre na mesma pena quem: I - Pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando), equiparando a contrabando fato assimilado em lei especial, não tem o condão de macular o princípio da taxatividade (que, por sua vez, configura uma das vertentes da legalidade penal), uma vez que o elemento normativo "lei especial" configura hipótese de norma penal em branco amplamente aceita tanto pela jurisprudência como pela doutrina pátrias.

- Recepção do Decreto-Lei nº 399/68 como lei ordinária pela CF/88. A natureza jurídica de mencionado ato normativo deve ser perquirida com supedâneo na Ordem Constitucional então vigente ao tempo de sua edição. À época, a competência para legislar encontrava-se atribuída ao então Presidente da República, o qual editou norma com força de lei em razão da autorização constitucional corrente. Ainda que formalmente o Decreto-Lei nº 399/1968 ostente o nomen juris de "Decreto-Lei", infere-se que sua recepção pela Ordem Constitucional inaugurada a partir de 05 de outubro de 1988 se deu com a natureza jurídica de efetiva lei ordinária e, nesse passo, nota-se a plena possibilidade de preenchimento do elemento normativo ("lei especial") contido no art. 334-A, § 1º, I, do Código Penal, por meio do conteúdo constante daquele originário Decreto-Lei do vetusto ano de 1968.

[...]

- Dispositivo. Deu-se parcial provimento à apelação para reduzir a prestação pecuniária de cada um dos réus para 03 (três) salários-mínimos, mantendo-se, no mais, a r. sentença.

(11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0009004-83.2016.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO MARTIN DE SANCTIS                                                                                                                                                    julgado em 31/01/2025, Intimação via sistema DATA:04/02/2025) (grifo nosso)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGOS 334-A, § 1º, "B", DO CÓDIGO PENAL E 183 DA LEI 9.472/1997. CONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO-LEI 399/1968. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. TIPICIDADE DA CONDUTA DE TRANSPORTE DE CIGARROS ESTRANGEIROS PELO TERRITÓRIO NACIONAL QUANDO AUSENTE REGULAR DOCUMENTAÇÃO DA IMPORTAÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA QUANTO AO CRIME DO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/1997. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL NÃO CORRROBORADA PELAS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE DO CRIME DO ARTIGO 334, § 1º, "B", DO CÓDIGO PENAL, MANTIDA ACIMA DO MÍNIMO. GRANDE QUANTIDADE DE CIGARROS. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DA CONFISSÃO. PREJUDICADO PEDIDO DE CONCESSÃO DE DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O Decreto-Lei 399/1968 foi recepcionado pela Constituição Federal, haja vista que não possui teor materialmente incompatível com a Constituição Federal de 1988, apresentando, ao revés, norma com conteúdo formulado para proteger a ordem fiscal e econômica e a saúde pública, bens jurídicos tutelados pela Carta Maior. Ademais, além de materialmente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por não apresentar teor confrontante com os princípios do Direito Penal, não há que se falar também que há a inconstitucionalidade formal do Decreto-Lei, pois foi submetido devidamente a processo legislativo em vigor na época de sua edição.

2. O artigo 334, § 1º, alínea "b", do Código Penal, dispõe que incorre na mesma pena prevista para o crime de contrabando aquele que praticar conduta assimilada disposta em lei especial. O artigo 3º, c.c. o artigo 2º, ambos do Decreto-Lei 399/1968, traz justamente essa equiparação, assimilando a conduta de transportar cigarros de procedência estrangeira ao crime de contrabando.

3. Não há a necessidade de que o agente tenha participado da internação do produto proibido no país para que esteja configurado o crime de contrabando, bastando o cometimento da conduta de transportar cigarros de origem estrangeira sem a regular documentação de importação da mercadoria.

[...]

10. Recurso da defesa parcialmente provido.

(QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 73268, 0001498-43.2013.4.03.6116, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 25/06/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/07/2018) (grifo nosso)                                   

O Decreto-Lei nº 399/1968, em seus artigos 2º e 3º, complementa o artigo 334-A do Código Penal, abarcando o transporte de mercadoria proibida pela lei brasileira, sendo prescindível que o transportador seja o proprietário do bem, ou que o tenha introduzido no país.

O conjunto probatório amealhado indica que os cigarros apreendidos em poder do réu têm procedência estrangeira e estavam desacompanhados de documentação comprobatória de sua regular introdução no país.

Destarte, a origem estrangeira da mercadoria apreendida, internada irregularmente, evidencia a transnacionalidade da conduta perpetrada pelo réu, o qual foi contratado em região notoriamente conhecida como rota de descaminho, contrabando e tráfico transnacional de drogas e armas.

Logo, resta configurada a perpetração do delito de contrabando pelo apelante mesmo na modalidade “transportar”.

Induvidosa, portanto, a autoria delitiva, devendo ser mantida a condenação do réu nos moldes da r. sentença.

II- DO CRIME DO ARTIGO 180 DO CÓDIGO PENAL

1. Da desclassificação

O réu foi condenado pela prática do crime do artigo 180 do Código Penal.

Cabe ressaltar que o julgador não está vinculado ao entendimento do órgão ministerial quanto à adequação do tipo penal aos fatos narrados na peça inaugural, pois o artigo 383 do Código de Processo Penal permite ao juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, atribuir definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.

Trata-se da emendatio libelli, instrumento utilizado pelo magistrado para dar definição jurídica aos fatos que entender correta, sem que para tanto tenha que previamente renovar o contraditório, podendo-se proceder a ela inclusive em segundo grau, ainda que em exame de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitado o montante final da pena fixada no édito recorrido, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, e em linha com a prescrição do artigo 617 do Código de Processo Penal (STJ, HC 437.730/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 01/08/2018; (RESP 200702533828, FELIX FISCHER, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:20/10/2008 ..DTPB:.; e ACR 00010062220114036116, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/04/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.).

Destarte, no presente caso, impõe-se a aplicação da emendatio libelli para fins de desclassificação da conduta tipificada no artigo 180, caput para aquela do artigo 180, § 3º, do Código Penal, que melhor se coaduna aos fatos ora examinados:

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

(...) 

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

O crime de receptação elencado no artigo 180, caput, do Código Penal exige que o agente tenha pleno conhecimento da origem criminosa do produto – dolo direto –, situação que não se evidenciou no caso em comento.

Não há elementos seguros de que o réu tinha ciência de que o caminhão era objeto de furto ou roubo, mormente porque afirmou que foi contratado para realizar o transporte de cigarros, pegando o veículo já carregado, e seguiu viagem.

Tampouco há se falar na figura do dolo eventual, pois inexistem evidências de que o réu anteviu essa elementar do tipo e a aceitou.

Por outro lado, o apelante sabia que transportaria cigarros estrangeiros, o que, somado à condição de quem lhe ofereceu o serviço, com certeza vinculado a alguma organização criminosa, considerando o volume da mercadoria apreendida, permite asseverar que agiu com culpa.

Ao não se atentar a essas características, deixando de conferir o veículo e sua procedência, o réu incidiu em negligência penalmente relevante.

Desse modo, imprescindível a desclassificação da conduta atribuída ao réu para aquela do artigo 180, § 3º, do Código Penal.

2. Da materialidade

A materialidade foi comprovada pelo Termo de Apreensão (ID 316510116 - fls. 12/13); Boletim de Ocorrência nº 1726488241122164549 (ID 316510116 - fls. 17/26); e Informação da Polícia Judiciária nº 5054509/2024 (ID 316510250 - fls. 48/51).

Os dados angariados indicam que o caminhão que estava na posse do réu era produto de furto/roubo ocorrido no município de Itapecerica da Serra/SP e apresentava adulteração quanto à placa de identificação veicular, tratando-se, na verdade, do veículo caminhão de placas QQF 0E99.

3. Da autoria

A autoria delitiva restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo.

O réu frisou ter recebido o caminhão já carregado com os cigarros de procedência estrangeira, desconhecendo que o veículo fosse objeto de crime.

O policial rodoviário federal Leandro Neiva Roldão esclareceu que estava em patrulhamento pelo município de Eldorado/MS e foi dada ordem de parada a um caminhão que trafegava no sentido de Mundo Novo/MS-Itaquiraí/MS. Informou que o motorista, ora réu, desobedeceu à ordem dos agentes da Polícia Rodoviária Federal e parou aproximadamente 30 metros à frente do posto policial, empreendendo fuga pela porta do passageiro, sendo necessário persegui-lo por cerca de 200 metros para alcançá-lo. O réu chegou a pular a cerca de uma fazenda e se deitar em meio à vegetação para tentar se esconder dos policiais. Ao ser questionado sobre a fuga, o réu confessou o transporte de cigarros paraguaios. Durante a vistoria, no baú do caminhão, foi localizado o carregamento dos cigarros. O réu argumentou que foi contratado pelo valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para buscar o veículo em Mundo Novo/MS e trazê-lo até Itaquiraí/MS. Destacou que o caminhão tinha sinais de adulteração, pois as placas estavam trocadas e, em pesquisa aos sistemas disponíveis, foi constatado registro de roubo/furto do veículo, no Estado de São Paulo.

No mesmo sentido, as palavras do policial rodoviário federal Davi Edson Chaves de Almeida.

Apesar de o réu ter dito, em seu interrogatório judicial, que não sabia da origem do caminhão, as condições em que o bem lhe foi entregue fazem presumir que foi obtido por meio criminoso.

Ora, o caminhão foi entregue sem o CRLV e repleto de cigarros contrabandeados.

Não obstante tenha confessado a prática do crime de contrabando, o réu, como aludido, afirmou que não tinha conhecimento de que o veículo que conduzia era objeto de furto ou roubo e não há provas suficientes em sentido contrário ao de sua afirmação.

Portanto, da análise do conjunto probatório, bem como das circunstâncias nas quais ocorreram o delito, não restou comprovado, de maneira indene de dúvidas, que o réu tinha ciência de que o veículo que transportava os cigarros contrabandeados era objeto de furto ou roubo.

Insta salientar que o fato de um indivíduo aceitar transportar cigarros contrabandeados, em troca de dinheiro, não significa que sabe que o veículo no qual a mercadoria proibida será transportada é objeto de crime. Isso porque não é raro que ocorram flagrantes de contrabando em que os veículos são de origem lícita, razão pela qual também entendo realmente não ser o caso de reconhecimento do dolo eventual.

Entretanto, sua conduta se amolda perfeitamente à receptação culposa, pois o réu recebeu coisa (o caminhão) que pela condição de quem a oferece (o grupo criminoso de contrabando de cigarros), deve presumir-se obtida por meio criminoso, até porque quando abordado pela polícia sequer tinha os documentos do veículo.

Nesse sentido, a jurisprudência deste E. Tribunal Regional Federal entende cabível a responsabilização pelo delito de receptação culposa quando não demonstrado o dolo por parte do agente:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. RECEPTAÇÃO CULPOSA. [...]

- O réu foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 180, em sua forma fundamental, do Código Penal (receptação dolosa). A defesa recorre pleiteando a edição de um decreto de natureza absolutória, por entender que o réu não tinha ciência acerca da procedência espúria do bem (dolo direto). De maneira subsidiária, pede a desclassificação ao delito de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do Código Penal).

- É o caso de reformar-se a sentença para desclassificar a conduta inicialmente capitulada (art. 180, caput, do CP) para o crime de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do CP).

- Não está comprovado que o réu agiu imbuído do dolo direto, exigido para a consumação do crime. De seu interrogatório judicial extrai-se que ele recebeu o automóvel em Ponta Porã/MS, fronteira com o Paraguai, de um indivíduo cuja identidade não quis revelar, mas que lhe forneceu a documentação de porte obrigatório correspondente (CRLV). Acreditou que o carro era regular, porquanto o documento era aparentemente autêntico e, inclusive, continha as mesmas placas identificatórias daquelas ostentadas pelo veículo. Em outras palavras, o réu não tinha a certeza (exigida pelo tipo penal) de que o carro era furtado. A propósito, a cópia reprográfica do referido CRLV está anexada à fl. 11 e, embora não haja perícia técnica, trata-se aparentemente de documento em suporte materialmente autêntico, o que dificulta ainda mais a percepção de que o veículo era produto de crime. Outrossim, os policiais federais que atenderam a ocorrência, testemunha supranominadas, em momento algum afirmaram que o réu admitiu ter ciência acerca da origem espúria do automóvel, o que reforça a tese de que ele não agiu com o necessário dolo direto.

- Pela natureza da coisa (veículo utilizado para o transporte de drogas), aliado à condição de quem a ofereceu (notadamente um traficante de drogas aliado a organizações criminosas internacionais), deveria o réu presumir (indicativo de culpa, na modalidade imprudência) que fora obtida por meios criminosos. De acordo com Guilherme de Souza Nucci, presumir é suspeitar, desconfiar, conjecturar ou imaginar, tornando a figura compatível com a falta do dever objetivo de cuidado, caracterizador da imprudência (ob. cit., página 1102).

[...]

- Apelações da Defesa e da Acusação providas em parte.

(TRF-3 - ApCrim: 0011146-54.2016.4.03.6112/SP SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, Data de Julgamento: 12/03/2020, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA: 17/04/2020) 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO E USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO (CRLV). ART. 180 E ART. 304 C/C ART. 299, NA FORMA DO ART. 69, TODOS DO CP. MATERIALIDADE COMPROVADA. CRLV IDEOLOGICAMENTE ADULTERADO. VEÍCULO OBJETO DE FURTO. RECEPTAÇÃO CULPOSA RECONHECIDA. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO. AUSÊNCIA DE DOLO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO ACUSATÓRIO DESPROVIDO. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.

[...]

4. Receptação culposa, prevista no art. 180, § 3º, do Código Penal, reconhecida, conforme pleiteado pela defesa. O tipo penal do art. 180, caput, do Código Penal pressupõe dolo direto acerca da ilicitude do objeto da receptação, situação que não se evidenciou. As provas acostadas e circunstâncias extrínsecas à conduta, em tese, criminosa, não informaram certeza inequívoca da procedência criminosa do veículo por parte do réu. Presente tão somente juízo de presunção da origem criminosa, mas não de certeza inequívoca, tem-se consubstanciada a modalidade culposa do delito de receptação, nos termos do art. 180, § 3º, do Código Penal.

5. De rigor, portanto, sua condenação como incurso nas penas do art. 180, § 3º, do Código Penal. Prejudicado, o pedido defensivo referente à absolvição da prática do delito de receptação própria por ausência de dolo.

[...]

11. Recurso da acusação desprovido. 12. Recurso da defesa parcialmente provido.

(TRF-3 - ApCrim: 00090906120154036119 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, Data de Julgamento: 26/08/2019, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/09/2019)

Portanto, a condenação do réu pela prática do crime de receptação culposa, previsto no artigo 180, § 3º, do Código Penal, é medida que se impõe.

III- DO CRIME DO ARTIGO 311 DO CÓDIGO PENAL

1. Da materialidade

A materialidade foi comprovada pelo Termo de Apreensão (ID 316510116 - fls. 12/13); Boletim de Ocorrência nº 1726488241122164549 (ID 316510116 - fls. 17/26); e Informação da Polícia Judiciária nº 5054509/2024 (ID 316510250 - fls. 48/51).

Verifica-se que, em consulta a sistemas de dados, os policiais tomaram ciência de que a placa de identificação do veículo era falsa.

A placa ostentada pelo caminhão era GCB 5A61, porém a verdadeira placa possuía a sequência QQF 0E99.

Irrefutável que os sinais identificadores do caminhão foram modificados, estando configurada a materialidade do delito.

2. Da autoria

Embora comprovada a materialidade, a autoria delitiva não se mostra certa.

Em seu interrogatório, o réu argumentou desconhecer qualquer adulteração dos sinais identificadores do caminhão. Afirmou que recebeu o veículo já carregado com os cigarros e que não conferiu eventual documentação.

O policial rodoviário federal Leandro Neiva Roldão esclareceu que estava em patrulhamento pelo município de Eldorado/MS e foi dada ordem de parada a um caminhão que trafegava no sentido de Mundo Novo/MS-Itaquiraí/MS. Informou que o motorista, ora réu, desobedeceu à ordem dos agentes da Polícia Rodoviária Federal e parou aproximadamente 30 metros à frente do posto policial, empreendendo fuga pela porta do passageiro, sendo necessário persegui-lo por cerca de 200 metros para alcançá-lo. O réu chegou a pular a cerca de uma fazenda e se deitar em meio à vegetação para tentar se esconder dos policiais. Ao ser questionado sobre a fuga, o réu confessou o transporte de cigarros paraguaios. Durante a vistoria, no baú do caminhão, foi localizado o carregamento dos cigarros. O réu argumentou que foi contratado pelo valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para buscar o veículo em Mundo Novo/MS e trazê-lo até Itaquiraí/MS. Destacou que o caminhão tinha sinais de adulteração, pois as placas estavam trocadas e, em pesquisa aos sistemas disponíveis, foi constatado registro de roubo/furto do veículo, no Estado de São Paulo.

 No mesmo sentido, as palavras do policial rodoviário federal Davi Edson Chaves de Almeida.

Preceitua o artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal:

Art. 311. Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente:

§ 2º Incorrem nas mesmas penas do caput deste artigo: 

III – aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado. 

Os elementos produzidos nos autos demonstram que a contratação do réu se deu apenas para o transporte dos cigarros paraguaios, não havendo indícios de que pretendia tomar o veículo para si ou para outrem, tampouco que tinha ciência da origem criminosa do bem.

Some-se a isso que a adulteração somente foi constatada após os policiais consultarem os dados de identificação do veículo nos sistemas existentes.

Embora o tipo penal não exija o dolo direto, bastando a presença do dolo eventual, reputo que inexistem elementos capazes de demonstrar que o apelante “devia saber” que o veículo por ele recebido e conduzido possuía sinais identificadores adulterados.

Em situação semelhante, já decidiu esta Turma, em julgado de minha relatoria:

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I DA LEI 11.343/06. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO DEMONSTRADA. ART. 304 C/C ART. 297 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO. CONDENAÇÕES MANTIDAS. ART. 180, CAPUT, DO CP. ART. 311, §2º, III DO CP. ABSOLVIÇÃO. ART. 386, VII DO CPP. DOSIMETRIA. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, III, "D" DO CP EM RELAÇÃO AO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. COMPENSAÇÃO COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDA. Durante fiscalização na rodovia BR 487, em Itaquiraí/MS, o apelante foi preso em flagrante por transportar 520,04 kg de maconha, e 62,60 kg de "skunk", sem autorização ou em desacordo com as normas legais regulamentares, provenientes do Paraguai. No veículo conduzido pelo réu foi apreendido um manuscrito contendo a rota que deveria ser seguida, que havia se iniciado em Paranhos/MS, na fronteira com o Paraguai, até o destino final em Indaiatuba/SP. A transnacionalidade do crime de tráfico de drogas está suficientemente demonstrada. O réu viajou de Campinas/SP até o estado do Mato Grosso do Sul e recebeu o veículo carregado com entorpecentes na fronteira com o Paraguai. Para a configuração da transnacionalidade do delito de tráfico, que constitui causa de aumento de pena prevista no art. 40, I da Lei 11.343/06 e, sobretudo, fixa a competência da Justiça Federal, não é necessário que o próprio acusado tenha, diretamente, transportado a droga pela fronteira internacional. Basta que ele tenha participado da importação da droga, seja na condição de adquirente, seja na condição de mero intermediário, depositário ou transportador da droga a partir da mediação da fronteira internacional, contribuindo, assim, para concretizar a introdução do entorpecente para o interior do território nacional. Mantida a condenação pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c/c art. 40, I da Lei 11.343/06. O apelante apresentou a CNH materialmente falsa a policiais rodoviários federais durante abordagem na rodovia BR 487, em Itaquiraí/MS. Mantida a condenação pela prática do crime previsto no art. 304 c/c art. 297 do CP. O fato de um indivíduo aceitar transportar drogas, em troca de dinheiro, não significa que sabe, ou mesmo deveria saber, que o veículo no qual a droga será transportada é produto de furto/roubo. Isso porque não é raro que ocorram flagrantes de tráfico de entorpecentes em que os veículos são de origem lícita. O conjunto probatório amealhado aponta que a contratação remunerada do réu se restringia ao transporte do entorpecente, inexistindo indícios firmes de sua participação no proveito do crime de receptação, visto que o veículo serviu, no presente caso, apenas como instrumento para a perpetração do tráfico internacional de entorpecentes.  O art. 180, caput, do CP exige o elemento subjetivo específico, ou seja, o dolo direto consistente na intenção de tomar para si ou para outrem coisa alheia originária da prática de um delito. No caso concreto o veículo objeto de roubo foi utilizado pelo apelante tão somente para o transporte da droga. Inexistem elementos seguros nos autos demonstrando que o acusado sabia que o veículo era produto de crime, muito menos que o réu tinha a nítida intenção de tomar para si ou para outrem o bem de origem espúria. Absolvição quanto à imputação de prática do delito do art. 180, caput, do CP com fundamento no art. 386, VII do CPP. O réu recebeu e conduziu veículo Fiat Strada Fire Flex 1.4, com placas aparentes MHS3B39. A perícia constatou a falsidade das placas aparentes MHS3B39 e a adulteração do Número de Identificação Veicular (NIV) e do número do motor. Embora o art. 311, §2º, III do CP não exija o dolo direto, bastando a presença do dolo eventual, inexistem elementos capazes de demonstrar que o apelante "devia saber" que o veículo por ele recebido e conduzido possuía placas e outros sinais identificadores adulterados ou remarcados. As provas são insuficientes para embasar a condenação pela prática do crime previsto no art. 311, §2º, III do CP, de modo que, em observância ao princípio in dubio pro reo, o apelante deve ser absolvido nos termos do art. 386, VII do CPP. Pena do crime previsto no art. 33, caput, c/c art. 40, I da Lei 11.343/06 fixada em 9 anos e 15 dias de reclusão e 892 dias multa, no valor unitário mínimo legal. Deve ser reconhecida a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, "d" do CP, pois, em juízo, o réu admitiu que não possuía habilitação para dirigir, assumindo, portanto, que a CNH apresentada aos policiais rodoviários federais é falsa. Determinada a compensação da reincidência com a atenuante da confissão espontânea. Pena do crime do art. 304 c/c art. 297 do CP fixada em 2 anos de reclusão e 10 dias multa. As infrações foram praticadas na forma do art. 69 do CP, de modo que, somadas, as penas totalizam 11 anos e 15 dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 902 dias multa, no valor unitário mínimo legal. Apelação parcialmente provida para absolver o réu das imputações de prática dos crimes previstos no art. 180, caput, do CP e art. 311, §2º, III do CP, com fundamento no art. 386, VII do CPP e para aplicar a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, "d" do CP em relação ao crime de uso de documento falso, restando a pena definitiva, após a soma do concurso material, fixada em 11 anos e 15 dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 902 dias multa, no valor unitário mínimo legal.

 (APELAÇÃO CRIMINAL ApCrim 5000191-22.2024.4.03.6006 Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, TRF3 - 11ª Turma)

Não bastasse, o ônus da prova, para fins de condenação na seara penal, é incumbência do órgão acusatório, devendo se operar a absolvição quando não houver, entre outros, prova suficiente de que o acusado perpetrou os fatos elencados na denúncia - como no caso em apreço - especialmente em respeito à presunção de inocência.

A existência de meros indícios, portanto, não autoriza o embasamento do édito condenatório, incidindo-se o princípio in dubio pro reo.

Trago à colação o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. ROUBO. RECONHECIMENTO DE PESSOAS. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. RÉU QUE PARTICIPOU DO RECONHECIMENTO APENAS COMO DUBLÊ. PROVA INVÁLIDA E INSUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS IDÔNEAS. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que o referido artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos.

[...]

 10. Esses fatores, somados, fragilizam a única prova usada para condenar o paciente, e ainda suscitam razoáveis dúvidas quanto à sua alegada participação no delito, de sorte a atrair a incidência do princípio da presunção de inocência - e de um de seus consectários, a regra do in dubio pro reo - ante a carência de um standard probatório mínimo para a condenação.

11. A condenação de alguém, em um processo penal, não pode ser decorrente de mera convicção íntima do juiz, ou mesmo de uma convicção apoiada em prova que, confrontada por evidências contrárias, suscite razoável dúvida quanto à narrativa acusatória, sob pena de inversão do ônus da prova, que, no âmbito criminal, recai todo sobre a acusação. Na hipótese, houve clara violação à regra de que ninguém pode ser condenado com prova que não supere a dúvida razoável quanto à participação delitiva do acusado.

12. Ordem concedida para absolver o paciente em relação à prática do delito de roubo objeto do Processo n. 1500788-85.2019.8.26.0482, com determinação de imediata expedição de alvará de soltura em seu favor , se por outro motivo não estiver preso.

(HC n. 663.710/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 27/6/2023.) (grifo nosso)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. DELITO DO ART. 334, § 1º, ''B", DO CÓDIGO PENAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 4.729/65. INTERNALIZAÇÃO DE MERCADORIA PROIBIDA SEM O REGISTRO ESPECIAL. LIBERDADE PROVISÓRIA. FIANÇA. GARANTIA PRESTADA EM DINHEIRO. RESTITUIÇÃO. DESCONTADOS OS ENCARGOS LEGAIS. ORIGEM LÍCITA. COMPROVAÇÃO. NEXO DE CAUSALIDADE COM O CRIME EM QUESTÃO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. INCIDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. RECURSO PROVIDO.

1. In casu, o recorrente foi condenado pelo crime do art. 334, § 1º, 'b', do Código Penal, com a redação dada pela Lei n. 4.729/65 (internalização de mercadoria proibida de importação sem o devido registro especial) - 340.000 (trezentos e quarenta mil) maços de cigarros de origem paraguaia, avaliados em R$ 132.423,20 (cento e trinta e dois mil, quatrocentos e vinte e três reais e vinte centavos) -, à pena de 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos.

[...]

7. O órgão acusador não trouxe aos autos qualquer prova da origem da fiança, não havendo se falar em inversão do ônus probatório, pois se está a cogitar a existência de crime - utilização de recursos ilícitos para resguardo da liberdade - em que se pressupõe a presunção de inocência, devendo o acusador provar a existência do fato e de sua autoria.

8. A falta de elementos de convicção que demonstrem ligação do acusado com o fato delituoso podem gerar, no julgador, dúvida acerca do nexo causal. Assim, deve ser invocado o princípio do in dubio pro reo, devendo o fato ser resolvido em favor do imputado, uma vez que a culpa penal deve restar plenamente comprovada, em razão da presunção de inocência. Isso porque, a garantia da liberdade deve prevalecer sobre a pretensão punitiva do Estado, princípio este que está implícito no inciso VII do art. 386 do Código de Processo Penal.

9. Assim, inexistindo provas da vinculação ou do nexo causal entre o crime praticado e a fiança prestada, a consequência lógica é a liberação da garantia, já que esta perdeu seu objeto com a finalização do processo condenatório, nos termos do art. 347 do Código de Processo Penal.

10. Recurso especial provido.

(REsp 1657576/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 30/06/2017) (grifo nosso)

Em observância ao princípio in dubio pro reo, imperioso reformar a sentença, absolvendo-se o apelante com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

IV- DO CRIME DO ARTIGO 330 DO CÓDIGO PENAL

Da materialidade e da autoria

Suscita o apelante a sua absolvição quanto ao delito do artigo 330 do Código Penal.

O conjunto probatório atestou a materialidade e a autoria do crime de desobediência.

O apelante, ao ser interrogado na fase inquisitiva, optou por permanecer em silêncio.

Em juízo, confirmou ter desobedecido à ordem de parada da polícia.

O policial rodoviário federal Leandro Neiva Roldão esclareceu que estava em patrulhamento pelo município de Eldorado/MS e foi dada ordem de parada a um caminhão que trafegava no sentido de Mundo Novo/MS-Itaquiraí/MS. Informou que o motorista, ora réu, desobedeceu à ordem dos agentes da Polícia Rodoviária Federal e parou aproximadamente 30 metros à frente do posto policial, empreendendo fuga pela porta do passageiro, sendo necessário persegui-lo por cerca de 200 metros para alcançá-lo. O réu chegou a pular a cerca de uma fazenda e se deitar em meio à vegetação para tentar se esconder dos policiais. Ao ser questionado sobre a fuga, o réu confessou o transporte de cigarros paraguaios. Durante a vistoria, no baú do caminhão, foi localizado o carregamento dos cigarros. O réu argumentou que foi contratado pelo valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para buscar o veículo em Mundo Novo/MS e trazê-lo até Itaquiraí/MS. Destacou que o caminhão tinha sinais de adulteração, pois as placas estavam trocadas e, em pesquisa aos sistemas disponíveis, foi constatado registro de roubo/furto do veículo, no Estado de São Paulo.

 No mesmo sentido, as palavras do policial rodoviário federal Davi Edson Chaves de Almeida.

Os policiais confirmaram que o réu desobedeceu a ordem de parada emanada pela guarnição e empreendeu fuga.

As testemunhas foram categóricas ao frisar que iniciaram o acompanhamento do caminhão dirigido pelo réu, o qual parou o veículo metros adiante e se embrenhou em uma mata, pulando inclusive a cerca de uma fazenda e até se deitando no chão para evitar a sua localização, sendo necessário persegui-lo por vários metros.

Registro, por oportuno, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual o crime de desobediência configura-se quando o agente deixa de atender à ordem de parada emanada por um policial no exercício de atividade ostensiva, destinada à prevenção e à repressão de crimes, ante a suspeita de práticas ilícitas (AgRg no REsp n. 1.753.751/MS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 30/8/2018), caso dos autos.

Assim, ao desobedecer a ordem de parada e empreender fuga, o réu incorreu na prática do delito de artigo 330 do Código Penal.

Nesse aspecto:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. ATUAÇÃO DOS POLICIAIS NA PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME. FUGA DO AGENTE APÓS ORDEM DE PARADA. CONFIGURAÇÃO DO CRIME MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. É cediço na jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça que a desobediência de ordem de parada dada pela autoridade de trânsito ou por seus agentes, ou mesmo por policiais, no exercício de atividades relacionadas ao trânsito, não constitui crime de desobediência, pois há previsão de sanção administrativa específica no art. 195, do CTB, o qual não estabelece a possibilidade de cumulação de sanção penal. 2. Na hipótese dos autos, contudo, a ordem de parada não foi dada por autoridade de trânsito, no controle cotidiano no tráfego local, mas emanada de policiais militares, no exercício de atividade ostensiva destinada à prevenção e à repressão de crimes, tendo a abordagem do recorrente se dado em razão de suspeita de atividade ilícita, o que configura hipótese de incidência do delito de desobediência tipificado no art. 330, do CP. 3. Agravo regimental não provido. (STJ, AGRESP 2019.00.95218-3, Quinta Turma, Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 28/06/2019)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. DESOBEDIÊNCIA. CONCURSO MATERIAL. DOSIMETRIA DA PENA. 1. O fato de o apelante não ter obedecido à ordem de parada emanada do agente policial rodoviário federal não descaracteriza a conduta imputada, pois, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o direito de proteção à liberdade não inclui a desobediência de ordem legal. Condenação mantida. 2. Materialidade, autoria e dolo devidamente comprovados em relação a ambos os crimes. 3. Dosimetria da pena. A natureza e a quantidade da droga apreendida (235,8 kg de maconha) autorizariam a fixação da pena-base em patamar até superior ao estabelecido na sentença, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006 e da jurisprudência das Turmas que compõem a Quarta Seção deste Tribunal para casos análogos. Contudo, como não houve recurso da acusação, fica mantida a pena-base fixada na sentença. 4. Ficou comprovado que a droga era proveniente do exterior. Ademais, para a configuração da transnacionalidade do delito, não é necessário que a droga ultrapasse as fronteiras do país, nos termos da Súmula 607 do Superior Tribunal de Justiça. Mantida a majorante do art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006. 5. Não havendo recurso da acusação, fica mantida a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 na fração de 1/6 (um sexto). 6. Tendo havido concurso material (CP, art. 69), as penas devem ser somadas, devendo primeiro ser cumprida a pena de reclusão (CP, art. 69, parte final). 7. Apelação não provida. (TRF3, ACR 5001113-42.2019.4.03.6005, Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, DJe 14/10/2021)

Não bastasse, a fim de consolidar o entendimento que vinha adotando, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo nº 1060 (REsp 1859933/SC), fixou a seguinte tese:

A desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro.

Destarte, mantenho a condenação do réu como incurso nas disposições do artigo 330 do Código Penal.

V- DA DOSIMETRIA

O apelante LEOMAR ABREU DA CRUZ  foi condenado, em concurso material, como incurso nas penas do crime insculpido no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68 à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão; do delito do artigo 180 do Código Penal à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa, no valor mínimo; do delito prescrito no artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 64 (sessenta e quatro) dias-multa, no valor mínimo; e do crime do artigo 330 do Código Penal à pena privativa de liberdade de 1 (um) mês e 10 (dez) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa, em regime fechado.

Subsiste, consoante as razões acima elencadas, as condenações pelos crimes do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68; do artigo 180, §3º, do Código Penal; e do artigo 330 do Código Penal.

Passo à dosimetria das penas.

Do crime do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal

1ª Fase

Na primeira fase, o juiz sentenciante valorou negativamente as circunstâncias do crime.

Perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder do réu – 300.000 (trezentos mil) maços - constitui fator apto a elevar a pena-base. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte: 1ª Turma, ACR 00020214320084036112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3: 03.02.2016; 11ª Turma, ACR 00032297520114036106, Rel. Juiz Convocado Leonel Ferreira, e-DJF3: 01.02.2016.

Trago à colação, ainda, o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO. DOSIMETRIA DA PENA. ELEVADA QUANTIDADE DE CIGARROS CONTRABANDEADOS. ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO JULGADOR AO QUANTUM DE AUMENTO DE 1/6. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A grande quantidade de cigarros contrabandeados pelo réu (385 mil maços) autoriza a exasperação da pena-base.

2. Não há direito do subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial negativa, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp n. 1.966.870/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 18/3/2022.)

REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS DO DELITO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA DELITIVA. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. CABIMENTO. ACÓRDÃO A QUO ALINHADO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. CONHECIMENTO DO APELO NOBRE. ÓBICE DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.

1. A dosimetria da pena é o momento em que o juiz, dentro dos limites abstratamente previstos pelo legislador, deve eleger, fundamentadamente, o quantum ideal da sanção a ser aplicada ao condenado criminalmente, visando à prevenção e à repressão do delito praticado, atentando-se para as singularidades do caso concreto.

2. A pena-base pode ser exasperada pelo magistrado mediante aferição negativa dos elementos concretos dos autos que denotem a maior reprovabilidade da conduta imputada - in casu, a complexidade da estrutura utilizada pelos agentes para viabilizar a empreitada criminosa e a elevada quantidade de cigarros contrabandeados.

[...]

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp n. 1.025.633/MS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 25/4/2017, DJe de 5/5/2017.)

Frise-se, como consolidado pela jurisprudência, que a prática do crime de contrabando não implica lesão apenas ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas também à saúde e segurança públicas, devendo ser mantida a exasperação da pena-basejá que a extraordinária quantidade de cigarros apreendidos poderia impactar a saúde de um número significativo de pessoas.

Posto isso, fixo a pena-base em 3 (três) anos de reclusão.

2ª Fase

Na segunda etapa da dosimetria, presentes as agravantes dos artigos 61, inciso I e 62, inciso IV, bem como a atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", todos do Código Penal.

No que toca à agravante do artigo 61, inciso I, do Código Penal, de rigor a manutenção do reconhecimento da reincidência, pois o réu foi condenado definitivamente na ação penal nº 0000311-75.2020.8.12.0035, que transitou em julgado em 9 de junho de 2021, não tendo decorrido o período depurador (ID 316510263).

O réu confirmou ter atuado mediante promessa de recompensa, pois receberia quantia em dinheiro para realizar o transporte dos cigarros de procedência estrangeira.

Com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência da referida agravante do artigo 62, inciso IV, no sentido de que não constitui elementar do tipo previsto nos artigos 334 e 334-A do Código Penal.

Nesse tocante:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE CONTRABANDO. CONDENAÇÃO CONFIRMADA PELO TRIBUNAL REGIONAL. RESP INADMITIDO NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. ARESP NÃO CONHECIDO. SÚMULA N. 182/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. A falta de impugnação específica dos fundamentos utilizados na decisão agravada (despacho de inadmissibilidade do recurso especial) atrai a incidência da Súmula n. 182 desta Corte Superior.

2 No caso, a decisão que inadmitiu o recurso especial apresentou os seguintes óbices: Súmula 7/STJ (dosimetria das penas), Súmula 83/STJ (exasperação da pena-base em virtude da quantidade excessiva de cigarros apreendidos), Súmula 83/STJ (art. 62, IV do CP), Súmula 83/STJ (certidão cartorária como prova da reincidência), Súmula 7/STJ (certidão cartorária como prova da reincidência), Súmula 7/STJ (art. 92, III, do CP) e Súmula 83/STJ (art. 92, III, do CP). Nas razões do AREsp, verifica-se que a defesa deixou de impugnar especificamente os seguintes óbices: Súmula 83/STJ (exasperação da pena-base em virtude da quantidade excessiva de cigarros apreendidos), Súmula 83/STJ (art. 62, IV do CP), Súmula 83/STJ (certidão cartorária como prova da reincidência), Súmula 7/STJ (certidão cartorária como prova da reincidência), Súmula 7/STJ (art. 92, III, do CP) e Súmula 83/STJ (art. 92, III, do CP).

3. Ainda que assim não fosse, [a] grande quantidade de cigarros contrabandeados pelo réu [...] autoriza a exasperação da pena-base. Não há direito do subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial negativa, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor. (AgRg no REsp 1966870/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/03/2022, DJe 18/03/2022).

4. No caso, trata-se de apreensão de 450.000 maços de cigarros, quantidade que justifica a exacerbação da pena-base acima do mínimo legal, nos termos da firme jurisprudência do STJ.

5. Lado outro, mostra-se possível a incidência da agravante prevista no art. 62, IV, do CP ao delito do art. 334 do CP, se caracterizada a paga ou promessa de recompensa, por não se tratarem de circunstâncias inerentes ao tipo penal (AgInt no REsp 1457834/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 25/05/2016).

6. De igual modo, admite-se o uso de informações processuais extraídas dos sítios eletrônicos dos tribunais, quando completas, a fim de demonstrar a reincidência da parte ré, sendo descabido o entendimento de que apenas a certidão cartorária tem condição de demonstrar a referida circunstância agravante (AgRg no HC 448.972/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/8/2018, DJe 24/8/2018).

7. Com efeito, a pretensão recursal não haveria de prosperar, uma vez que incidente na espécie a Súmula n. 83/STJ, de possível aplicação tanto pela alínea "a" quanto pela alínea "c" do permissivo constitucional, de acordo com a jurisprudência do STJ. Gize-se, também, que a Súmula 83/STJ não está condicionada à existência de precedente submetido à sistemática dos recursos repetitivos, bastando a demonstração de que o acórdão recorrido está no mesmo sentido da jurisprudência consolidada desta Corte (AgInt no AREsp 1585383/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 07/05/2020).

8. Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp n. 2.056.912/MS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/5/2022, DJe de 30/5/2022.) (grifo nosso)

PENAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE DESCAMINHO E CONTRABANDO. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO INERENTES AO TIPO. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Admite-se a incidência da agravante prevista no art. 62, IV, do CP ao delito do art. 334 do CP, se caracterizada a paga ou promessa de recompensa, por não se tratarem de circunstâncias inerentes ao tipo penal.

2. Quem deixa de recolher os tributos aduaneiros, cometendo o ilícito do descaminho, pode perfeitamente assim o executar, por meio de paga, ato que antecede ao cometimento do crime, ou por meio de recompensa, ato posterior à execução do crime, ou até mesmo desprovido de qualquer desses propósitos (REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014).

3. Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1457834/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 25/05/2016) (grifo nosso)

No mesmo sentido, o entendimento deste E. Tribunal Regional Federal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. ART. 62, IV, DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO.

1. Materialidade, autoria e dolo comprovados.

2. Não basta a mera alegação de ausência de dolo por desconhecimento da mercadoria transportada para afastar a culpabilidade. É necessário perquirir se as circunstâncias fáticas e o conjunto probatório coadunam-se de forma consistente com a versão do acusado, o que não ocorre na espécie.

3. Dosimetria da pena. Incidência da agravante do art. 62, IV, do Código Penal, visto que a prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho.

4. Efetuada a compensação entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da paga ou promessa de recompensa, visto que são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime (CP, art. 67).

5. Mantidos o regime inicial aberto de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito, nos moldes fixados na sentença condenatória.

6. Mantida a aplicação do efeito extrapenal da inabilitação para dirigir veículo (CP, art. 92, III) pelo prazo da pena aplicada.

7. Apelação da defesa não provida. Apelação da acusação parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 75400 - 0000191-39.2014.4.03.6142, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 19/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2019) (grifo nosso)

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334-A, §1º, INCISO I E V, CP. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA-BASE ACIMA DO MINIMO LEGAL. AGRAVANTE DO ART. 62, IV, CP APLICADA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTANEA RECONHECIDA. REGIME INICIAL ABERTO. PRSENTES OS REQUISITOS PARA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RETRITIVA DE DIREITOS. REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.

[...]

4. Incide a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal para o crime de contrabando, dada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a paga ou promessa de recompensa não é circunstância inerente ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal (STJ, AgInt no REsp n. 1.457.834, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.16; STJ, REsp n. 1.317.004, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 23.09.14).

5. Reconhecida a atenuante da confissão espontânea.

6. Fixado o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, c do CP.

7. Presentes os requisitos do art. 44 do CP, mister a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

8. Reduzido o valor da prestação pecuniária a par da extensão do dano, dos fins da pena e da condição econômica do réu.

9. Recurso da defesa parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 76293 - 0000927-31.2015.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 05/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/11/2018) (grifo nosso)

No que concerne à atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, o apelante confessou os fatos em tela, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que permite a sua aplicação, nos termos da Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça.

Ressalto, por fim, como exarado na r. sentença, que a confissão espontânea e a paga ou promessa de recompensa são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos moldes do artigo 67 do Código Penal, razão pela qual deve ser operada a compensação integral entre ambas.

No mais, subsiste, como referido, a agravante do artigo 61, inciso I, do Código Penal.

Assim, neste momento da dosimetria, fixo a pena em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

3ª Fase

Na terceira etapa da dosimetria não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Do crime do artigo 180, §3º, do Código Penal

1ª Fase

Na primeira fase, a pena-base se foi majorada pelo fato de o réu ter utilizado “um veículo objeto de roubo para transportar expressiva quantidade de cigarros contrabandeados (300.000 maços). Tal conduta revela particular gravidade, evidenciando a utilização de meio ilícito para a consecução de atividade criminosa de proporções significativas. Ademais, o réu tentou empreender fuga, exigindo para sua captura que os policiais o perseguissem na mata que ladeia a rodovia por cerca de duzentos metros. Além da fuga, escondeu-se deitando-se no meio da vegetação, com o fim de evitar a abordagem policial” (ID 316510387).

Considerando a ausência de provas aptas a assegurar que o apelante tinha certeza da origem criminosa do veículo que dirigia – sequer podendo se cogitar a figura do dolo eventual – carece de viabilidade a exasperação da pena por tal circunstância. Não bastasse, o fato de ter se evadido é objeto de crime específico, pelo qual também foi devidamente condenado.

Posto isso, fixo a pena-base no patamar mínimo de 1 (um) mês de detenção.

2ª Fase

Na segunda etapa da dosimetria, foram aplicadas as agravantes do artigo 61, incisos I e II, alínea “b”, do Código Penal.

Em relação à agravante do artigo 61, inciso I, do Código Penal, de rigor a manutenção do reconhecimento da reincidência, pois o réu foi condenado definitivamente na ação penal nº 0000311-75.2020.8.12.0035, que transitou em julgado em 9 de junho de 2021, não tendo decorrido o período depurador (ID 316510263).

No que toca à agravante do artigo 61, inciso II, alínea “b”, do Código Penal, o tipo penal examinado busca proteger sobretudo o patrimônio da vítima.

Saliente-se que na hipótese de receptação culposa facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime é imprescindível o reconhecimento da citada agravante, uma vez que essa circunstância não constitui elemento ínsito ao tipo penal em apreço.

Assim, neste momento, fixo a pena em 1 (um) mês e 10 (dez) dias de detenção.

3ª Fase

Na terceira fase, não se constatam causas de aumento ou diminuição que interferiram na pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 1 (um) mês e 10 (dez) dias de detenção.

Do crime do artigo 330 do Código Penal

1ª Fase

Na primeira fase, o magistrado a quo exasperou a pena porque “o réu não apenas desobedeceu à ordem de parada, mas empreendeu fuga pela mata, inclusive deitando-se para tentar se ocultar dos policiais que realizavam a diligência” (ID 316510387).

Constata-se ser corriqueiro a fuga do agente nos casos em que há desobediência à ordem de parada emanada pela polícia.

Logo, inexistem motivos para considerar que as circunstâncias do crime estejam em patamar elevado, pois o comportamento do réu não excedeu ao costumeiramente observado na prática de delitos como o ora em análise.

Posto isso, fixo a pena-base no patamar mínimo de 15 (quinze) dias de detenção e 10 (dez) dias-multa.

 2ª Fase

Na segunda etapa da dosimetria, foram aplicadas as agravantes do artigo 61, incisos I e II, alínea “b”, do Código Penal e atenuante do artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal.

Em relação à agravante do artigo 61, inciso I, do Código Penal, de rigor a manutenção do reconhecimento da reincidência, pois o réu foi condenado definitivamente na ação penal nº 0000311-75.2020.8.12.0035, que transitou em julgado em 9 de junho de 2021, não tendo decorrido o período depurador (ID 316510263).

No que toca à agravante do artigo 61, inciso II, alínea “b”, do Código Penal, o tipo penal examinado busca proteger a administração pública, sobretudo sua moralidade e probidade administrativa, bem como a integridade de seus funcionários.

Saliente-se que na hipótese de a desobediência facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime é imprescindível o reconhecimento da citada agravante, uma vez que essa circunstância não constitui elemento ínsito ao tipo penal em apreço.

Extrai-se, ainda, que o confessou os fatos em tela, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que, por si só, permite a aplicação da aludida atenuante, nos termos da Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça.

Notório que apenas uma das agravantes deve ser considerada para a dosimetria da pena, devendo a agravante remanescente ser compensada com a atenuante da confissão espontânea.

Assim, neste momento, fixo a pena em 17 (dezessete) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa.

3ª Fase

Na terceira etapa da dosimetria, não existem causas de aumento ou de diminuição de pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 17 (dezessete) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa.

O valor unitário do dia-multa deve permanecer no importe de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Do concurso de crimes

Sobre o concurso de crimes, o magistrado de primeiro grau discorreu que (ID 316510387):

“os elementos constantes dos autos, entendo que as penas atribuídas ao réu pelos delitos objeto desta ação penal deve ser somadas, pois praticados com desígnios autônomos, impondo-se, em consequência, a aplicação das penas de forma cumulativa, conforme regra do artigo 70, caput, parte final, do Código Penal.

Portanto, aplicando-se a regra do artigo 70, caput, parte final, do Código Penal, procedo à somatória das reprimendas aplicadas, observando-se a separação quanto às de espécie diferente (reclusão e detenção).”

Nos termos do artigo 70, caput, parte final, do Código Penal, as penas impostas ao réu pela prática das infrações penais em epígrafe deveriam ser somadas, pois mediante mais de uma ação praticou três crimes.

Todavia, no caso em apreço, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, a regra é que deve ser executada primeiro aquela.

Destarte, inicialmente deveria ser cumprida a pena atribuída ao crime de contrabando e, em seguida, a pena cominada aos delitos dos artigos 180, §3º e 330, do Código Penal.

Do regime inicial de cumprimento da pena

Destaque-se, contudo, que para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados.

Preceitua o artigo 111 da Lei de Execução Penal:

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - REGIME PRISIONAL - UNIFICAÇÃO DAS PENAS - ART. 111 DA LEP - RÉU CONDENADO ÀS PENAS DE RECLUSÃO E DE DETENÇÃO - SOMATÓRIO DE AMBAS AS REPRIMENDAS PARA FIXAÇÃO DO REGIME - POSSIBILIDADE - WRIT NÃO CONHECIDO.

1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.

2. Concorrendo penas de reclusão e detenção, ambas devem ser somadas para efeito de fixação da totalidade do encarceramento, porquanto constituem reprimendas de mesma espécie, ou seja, penas privativas de liberdade. Inteligência do art. 111 da Lei n. 7.210/84.

Precedentes do STF e desta Corte Superior de Justiça.

3. Habeas corpus não conhecido.

(HC 389.437/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 22/08/2017) (grifo nosso)

Logo, a pena total é de 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 27 (vinte e sete) dias.

Apesar da pena aplicada, considerando a presença da agravante da reincidência, a fixação de regime menos gravoso contribuiria sobremodo para a sensação de impunidade e ineficácia do sistema jurídico vigente, motivo pelo qual estabeleço o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena, com base no disposto no artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

Dispõe a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FURTO. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RÉU REINCIDENTE. HABITUALIDADE DELITIVA. REGIME MENOS GRAVOSO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

2. A reincidência e a habitualidade delitiva têm sido compreendidas como obstáculos iniciais à tese da insignificância, ressalvada excepcional peculiaridade do caso penal.

3. O valor dos bens subtraídos é de R$ 210,12 - 12 latas de cerveja Brahma, avaliadas em R$ 36,84; 2 latas de refrigerante Schweppes, avaliadas em R$ 5,98; 12 unidades de mini isqueiro BIC, avaliadas em R$ 38,40; 19 unidades de isqueiros BIC, avaliados em R$ 70,30, além da quantia de R$ 58,60, montante superior a 10% do salário mínimo à data do fato, em 2019 -, sem falar que o agravante ostenta condenações definitivas anteriores por delitos patrimoniais, conforme folha de antecedentes.

4. É cabível a adoção do regime prisional fechado aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a 4 anos, se desfavorável circunstância judicial. Inaplicabilidade do Enunciado n. 269 da Súmula do STJ.

5. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1943296/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 08/02/2022, DJe 15/02/2022)

PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO. INCIDÊNCIA DO BENEFÍCIO DO ART. 33, §4º, DA LEI Nº 11.343/06. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA MAIS GRAVOSO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ACUSADO REINCIDENTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. O legislador, ao editar a Lei n. 11.343/2006, objetivou dar tratamento diferenciado ao traficante ocasional, ou seja, aquele que não faz do tráfico o seu meio de vida, por merecer menor reprovabilidade e, consequentemente, tratamento mais benéfico do que o traficante habitual. Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas, nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.

2. No presente caso, a Corte de origem consignou que o acusado ostenta condenação transitada em julgado configuradora da reincidência, não havendo qualquer ilegalidade no afastamento do benefício do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.

3. Em atenção ao art. 33 do CP c/c o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, embora estabelecida a pena definitiva em 5 anos e 10 meses de reclusão, o réu é reincidente, fundamento a justificar a imposição de regime prisional mais gravoso, no caso, o fechado.

4. Mantida a condenação em patamar superior a 4 (quatro) anos, inviável a análise da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

5. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AgRg no AREsp 1988006/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/02/2022, DJe 15/02/2022)

REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS DO DELITO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA DELITIVA. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. CABIMENTO. ACÓRDÃO A QUO ALINHADO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. CONHECIMENTO DO APELO NOBRE. ÓBICE DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.

1. A dosimetria da pena é o momento em que o juiz, dentro dos limites abstratamente previstos pelo legislador, deve eleger, fundamentadamente, o quantum ideal da sanção a ser aplicada ao condenado criminalmente, visando à prevenção e à repressão do delito praticado, atentando-se para as singularidades do caso concreto.

2. A pena-base pode ser exasperada pelo magistrado mediante aferição negativa dos elementos concretos dos autos que denotem a maior reprovabilidade da conduta imputada - in casu, a complexidade da estrutura utilizada pelos agentes para viabilizar a empreitada criminosa e a elevada quantidade de cigarros contrabandeados.

3. A reincidência delitiva do agente autoriza a imposição de regime prisional mais gravoso do que o quantum da pena permite. Precedentes.

4. Encontrando-se o acórdão proferido no recurso de apelação em consonância com jurisprudência firmada nesta Corte, a pretensão da defesa esbarra no óbice previsto no Enunciado nº 83 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, também aplicável ao recurso especial interposto com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 1025633/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 05/05/2017) (grifo nosso)

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

Preservo o decidido pelo juiz de origem no que tange à substituição da pena privativa de liberdade.

O artigo 44 do Código Penal determina que as penas restritivas substituem as privativas de liberdade quando os requisitos forem preenchidos.

Cabe transcrever o artigo 44 do Código Penal:

 Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: 

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso; 

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. 

O réu não preenche os requisitos constantes do artigo 44 do Código Penal e, por conseguinte, não faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Da compatibilidade da prisão preventiva com o regime semiaberto

Nos termos do artigo 387, §1º, do Código de Processo Penal, o réu deve ser mantido preso provisoriamente, compatibilizando-se, no entanto, com o regime menos gravoso de execução da pena (semiaberto).

Ressalte-se que a fixação de regime inicial semiaberto não é impeditivo da manutenção da prisão preventiva, conforme tem entendido o Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. INDEFERIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. FUNDAMENTOS IDÔNEOS PARA A PRISÃO. AGRAVANTE QUE RESPONDEU PRESO A TODA A AÇÃO PENAL. MAUS ANTECEDENTES. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF). Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime.
2. Hipótese na qual o magistrado singular indeferiu o direito de recorrer em liberdade destacando que o agravante respondeu preso a toda a ação penal, bem como que permanecem íntegras as razões do decreto preventivo, já examinadas e julgadas idôneas por esta Corte no HC nº 713.581/MG.
3. Com efeito, a segregação cautelar foi decretada pelo Juízo processante com esteio em circunstâncias concretas do caso, ressaltando a periculosidade do ora agravante, evidenciada pelo modus operandi, uma vez que, em tese, estava em posse de arma de fogo com numeração suprimida e farta munição - uma arma de fogo calibre 9mm e 34 munições intactas -, sendo que quando avistou os militares, teria tentado se desvencilhar do armamento. Ademais, ressaltou o magistrado que "além de reincidente, o denunciado responde por processo de crime contra a vida, o que evidencia sua periculosidade e o risco de reiteração criminal".
4. Não houve alteração nas circunstâncias fáticas a justificar a revogação da custódia. Ao contrário, sobreveio sentença condenando-o à pena de 3 anos e 6 meses, tendo o juízo ressaltado que ele respondeu preso a toda a ação penal, mantendo-se íntegros os fundamentos prévios.
5. O entendimento exposto pelo magistrado se encontra em harmonia com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, tendo o réu permanecido preso durante todo o andamento da ação penal, não faria sentido, ausentes alterações nas circunstâncias fáticas, que, com a superveniência da condenação, lhe fosse deferida a liberdade.
6. Embora o agravante tenha sido condenado a pena em regime inicial semiaberto, o Tribunal a quo determinou a compatibilização da prisão preventiva. Portanto, presentes os requisitos autorizadores da custódia cautelar, e sendo assegurado seu recolhimento em regime compatível, não há que se falar em constrangimento ilegal.

7. As circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
8. Agravo desprovido.
(AgRg no RHC 164.374/MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 10.05.2022, DJe 13.05.2022) (grifo nosso)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS E RESISTÊNCIA. GRAVIDADE EM CONCRETO DA CONDUTA DELITIVA. QUANTIDADE E DIVERSIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. RISCO DE REITERAÇÃO. RÉU REINCIDENTE. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Para ser compatível com o Estado Democrático de Direito – o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade quanto a segurança e a paz públicas – e com a presunção de não culpabilidade, é necessário que a decretação e a manutenção da prisão cautelar se revistam de caráter excepcional e provisório. A par disso, a decisão judicial deve ser suficientemente motivada, mediante análise da concreta necessidade da cautela, nos termos dos artigos 282, incisos I e II c/c 312 do CPP.
2. O Juízo singular apontou a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, em especial a ameaça à ordem pública, dada a gravidade em concreto da conduta delitiva, face à quantidade dos entorpecentes apreendidos, "eis que trazia consigo expressiva quantidade de drogas, sendo 325g de cocaína, dividida em 290 pinos, e 275g de maconha, dividida em 64 embalagens", bem como o risco de reiteração, dado que se trata de condenado reincidente.
3. Ademais, "a jurisprudência dessa Corte já se manifestou pela compatibilidade entre a prisão preventiva e a fixação de regime semiaberto estabelecido para o cumprimento da pena reclusiva, desde que adequada a segregação à modalidade prisional imposta na condenação" (AgRg no HC n. 687.787/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 20/9/2021).

4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 734.920/PR, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 26.04.2022, DJe 03.05.2022) (grifo nosso)

Desse modo, inexiste óbice à manutenção da custódia cautelar do réu pela fixação do regime inicial semiaberto.

Acrescento, ainda, a novel redação do parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal, que prevê a reavaliação da necessidade da manutenção da prisão preventiva a cada 90 (noventa) dias, o qual fica aqui contemplado:

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.     (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Quanto aos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal para a decretação da prisão preventiva, verifico que não houve alterações significativas em relação às condições anteriores, em que a prisão se revelou necessária com base em dados concretos colhidos no auto de prisão em flagrante, não se tratando de meras ilações amparadas na gravidade do delito.

Observo que permanecem os motivos que ensejaram a custódia cautelar, haja vista a ausência de alteração do quadro fático-processual desde a decretação da medida, de modo que a prisão preventiva deve ser mantida. Inaplicáveis, pois, as medidas cautelares introduzidas pela Lei nº 12.403/2011.

A prisão preventiva, portanto, mostra-se necessária para evitar a reiteração delitiva, uma vez que existem elementos seguros que sinalizam a propensão à atividade ilícita e o risco concreto de que, em liberdade, o réu volte a praticar delitos da mesma espécie, tanto que é reincidente.

A manifesta probabilidade de que, caso solto, o réu torne a delinquir, desassossegando a ordem social, é fundamento idôneo para a manutenção da prisão provisória.

Desse modo, não verifico ilegalidade na manutenção da custódia cautelar, considerando que o réu não comprovou qualquer alteração das circunstâncias fáticas que a ensejaram.

Confiram-se precedentes do STJ a respeito:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. REITERAÇÃO DELITIVA. RECORRENTE QUE OSTENTA OUTRA CONDENAÇÃO AINDA SEM TRÂNSITO EM JULGADO PELA MESMA PRÁTICA DELITUOSA E QUE HAVIA SIDO BENEFICIADO RECENTEMENTE COM ALVARÁ DE SOLTURA. INAPLICABILIDADE DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos do previsto no art. 319 do Código de Processo Penal - CPP. No caso dos autos, presentes elementos concretos a justificar a imposição da segregação antecipada. As instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos, entenderam demonstrada a periculosidade do recorrente, evidenciada pela reiteração criminosa, tendo em vista que ostenta outra condenação ainda sem trânsito em julgado pela mesma prática delitiva, tendo sido recentemente agraciado com alvará de soltura, sendo novamente preso pela prática da traficância, o que demonstra a necessidade de garantir a ordem pública. Ademais, consoante orientação jurisprudencial desta Corte, inquéritos e ações penais em curso constituem elementos capazes de demonstrar o risco concreto de reiteração delituosa, justificando a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.

(STJ. RHC 201600612539. Relator JOEL ILAN PACIORNIK. Quinta Turma. DJe 18/05/2016)

HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. 1. A gravidade abstrata do delito é elemento incapaz de justificar a prisão preventiva, mas o histórico criminal do agente, a revelar fundado receio de reiteração delitiva, autoriza, por si só, o decreto de prisão preventiva como forma de garantir a ordem pública, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. 2. Inquéritos policiais e processos em andamento, embora não tenham o condão de exasperar a pena-base no momento da dosimetria da pena (Súmula n.º 444/STJ), são elementos aptos a demonstrar, cautelarmente, eventual receio concreto de reiteração delitiva, fundamento suficiente para a decretação/manutenção da prisão antecipada (HC n. 293.389/PR, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 22/8/2014). [...] 4. Ordem denegada.

(HC 302.029/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 5/2/2015)

Bem assim, tendo o réu permanecido preso durante toda a instrução e inalteradas as condições, não há constrangimento ilegal na manutenção da prisão.

Nesse sentido:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA DELITUOSA. QUANTIDADE, NATUREZA E DIVERSIDADE DOS ENTORPECENTES APREENDIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. A prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que presentes prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. Ademais, conforme preconiza o art. 387, § 1º, do CPP, o magistrado, ao proferir sentença condenatória, "decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar", sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.

2. No caso, a custódia cautelar está suficientemente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, diante da gravidade concreta da conduta delituosa, pois, quando da prisão em flagrante, foram apreendidos 9 tijolos de maconha, pesando quase 8 quilogramas, petrechos destinados ao tráfico, faca, prato, 3 balanças de precisão, caderno com anotações alusivas ao tráfico, 12 porções de maconha, 8 porções de cocaína e 2 de crack, além de R$ 4.510,00 em dinheiro. Essas circunstâncias justificam a segregação cautelar, consoante pacífico entendimento desta Corte no sentido de que a quantidade, a natureza e a diversidade dos entorpecentes encontrados podem servir de fundamento ao decreto de prisão preventiva.

3. Esta Corte Superior de Justiça tem entendimento no sentido de que a manutenção da segregação cautelar, quando da sentença condenatória, não requer fundamentação exaustiva, desde que o acusado tenha permanecido preso no curso do processo e que aquela anterior decisão esteja, de fato, fundamentada, como ocorreu na espécie sub judice.

4. A "orientação pacificada nesta Corte Superior é no sentido de que não há lógica em deferir ao condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu preso durante a persecução criminal, se persistem os motivos para a segregação preventiva" (AgRg no RHC 123.351/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 4/8/2020, DJe 25/8/2020). Na mesma linha: AgRg no HC 563.447/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/4/2020, DJe 4/5/2020; e RHC 119.645/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 4/2/2020, DJe 12/2/2020.

5. É inviável a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, porquanto a gravidade concreta da conduta delituosa do agravante indica que a ordem pública não estaria acautelada com sua soltura.

6. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no HC n. 720.631/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/5/2022, DJe de 16/5/2022.) (grifo nosso)

RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS MAJORADO. PRISÃO PREVENTIVA. SENTENÇA. NEGATIVA DE RECORRER EM LIBERDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA COM BASE NA PERICULOSIDADE DO AGENTE QUE SE UTILIZOU DE MENOR NA PRÁTICA DO DELITO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO. AUSÊNCIA.

1. Diz a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que toda prisão imposta ou mantida antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, por ser medida de índole excepcional, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, isto é, em elementos vinculados à realidade.

2. No caso, o Magistrado singular, ao manter a prisão preventiva do recorrente, destacou a sua periculosidade, indicando elemento concreto e suficiente para a manutenção da segregação cautelar, destacando-se a periculosidade do agente, uma vez que o delito foi cometido com envolvimento de menor, ainda que se utilizando de motivação per relationem.

3. Esta Corte Superior tem entendido que o envolvimento de menor na prática de delitos é fundamento suficiente para embasar o decreto de segregação cautelar, em razão da periculosidade do agente.

4. Ademais, a Terceira Seção deste Superior Tribunal já afirmou em outras oportunidades que não há lógica em deferir ao condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu segregado durante a persecução criminal, se persistentes os motivos para a manutenção da medida extrema (HC n. 456.472/SP, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 31/10/2018).

5. Recurso em habeas corpus improvido.

(STJ, RHC n. 119.645/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 4/2/2020, DJe de 12/2/2020.) (grifo nosso)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. RECURSO EM LIBERDADE INDEFERIDO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. NATUREZA, QUANTIDADE E VARIEDADE DAS DROGAS APREENDIDAS. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. RISCO AO MEIO SOCIAL. NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCESSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.

2. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP.

3. A prisão preventiva foi adequadamente mantida pelo Magistrado sentenciante e pela Corte estadual, ante a demonstração, com base em elementos concretos, da gravidade concreta da conduta e da periculosidade do agente, evidenciada pela natureza altamente deletéria, quantidade e variedade de drogas apreendidas - 287 porções de maconha, 235 porções de cocaína e 133 porções de crack, -, bem como pela apreensão de uma arma de fogo com numeração suprimida e 7 munições intactas, recomendando-se a sua custódia cautelar para garantia da ordem pública.

4. Tendo o paciente permanecido preso durante toda a instrução processual, não deve ser permitido recorrer em liberdade, especialmente porque, inalteradas as circunstâncias que justificaram a custódia, não se mostra adequada sua soltura depois da condenação em Juízo de primeiro grau.

Habeas corpus não conhecido.

(STJ, HC 406.886/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 04/12/2017) (grifo nosso)

Logo, deve ser mantida a segregação provisória do réu, adequando-a ao modo intermediário de execução da pena.

VI - DA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS

A defesa almeja o afastamento da pena de inabilitação para dirigir veículos.

Dispõe o artigo 92 do Código Penal:

"Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença." (grifo nosso)

A sentença, ao aplicar a pena de inabilitação para dirigir veículos, asseverou (ID 316510387):

“O artigo 92 do Código Penal é claro ao dispor sobre os efeitos da condenação: "Art. 92 - São também efeitos da condenação: [...] III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença".

Trata-se de efeito secundário da condenação, exigindo-se para sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, em que o veículo foi empregado, de forma dolosa, para o transporte de cigarros contrabandeados do Paraguai.

Tal efeito da condenação apresenta-se como uma reprimenda, legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena.

Indubitável que, no caso em tela, o réu, na condição de motorista do veículo utilizado para o transporte da carga ilícita, valeu-se de um bem proveniente de crime, mantido sob sua posse, para a prática dos delitos pelos quais foi condenado.

Diante dessas circunstâncias, há suficientes fundamentos para determinar a inabilitação de LEOMAR ABREU DA CRUZ para dirigir veículos pelo tempo da pena imposta nesta sentença, uma vez que o acusado praticou diversos crimes dolosos na direção de veículo automotor.

No entanto, restrinjo a duração desta sanção ao período em que o condenado permanecer nos regimes fechado e semiaberto, considerando não apenas os relevantes fatos apurados durante seu interrogatório judicial, sobretudo a existência de dois dependentes menores, mas também a possibilidade de sua reabilitação, apesar de seu histórico de condenação por tráfico de drogas.”

Cabe salientar que, ainda que dado veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, em que o caminhão foi empregado, de forma dolosa, para o réu transportar significativa quantidade de cigarros estrangeiros, o Superior Tribunal de Justiça entende que tal efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada a imprescindibilidade da sua decretação.

Nesse aspecto:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. AFASTAMENTO. DESCAMINHO. HABITUALIDADE DELITIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. ART. 92, INCISO III, DO CP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA ACESSÓRIA AFASTADA.

1. Efetivamente impugnados os fundamentos da decisão de inadmissão do recurso especial, o agravo merece ser conhecido, em ordem a que se evolua para o mérito.

2. A habitualidade delitiva afasta a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, sobretudo na hipótese de multiplicidade de procedimentos administrativos, como na espécie.

Precedentes.

3. O entendimento do acórdão, de que a aplicação da penalidade prevista no art. 92, III, do CP "exige apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso", diverge da jurisprudência desta Corte, firmada na compreensão de que a aplicação da pena acessória de inabilitação para dirigir veículo ao crime de descaminho exige, além da constatação de que o veículo tenha sido utilizado para a prática do delito, a demonstração da necessidade da medida no caso concreto, sobretudo por não se tratar de efeito automático da condenação.

4. Agravo regimental parcialmente provido, para afastar a penalidade prevista no art. 92, III, do CP.

(AgRg no AREsp n. 2.078.176/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 5/8/2022.) (grifo nosso)

No mesmo sentido, já decidiu esta E. Décima Primeira Turma, na sessão realizada em 10 de agosto de 2023, oportunidade em que acompanhei voto de lavra do E. Desembargador Federal Nino Toldo (APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000878-41.2020.4.03.6005), revi o meu entendimento e passei a adotar posicionamento no sentido de ser indispensável a apresentação de motivação suficiente para aplicação da inabilitação para dirigir veículo, acatando os fundamentos lançados no mencionado voto, os quais transcrevo a seguir:

“’O parágrafo único do art. 92 do Código Penal dispõe que os efeitos de que trata esse artigo não são automáticos, "devendo ser motivadamente declarados na sentença’.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem firme jurisprudência no sentido de que esse efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada, de forma concreta, a imprescindibilidade dessa medida. A título exemplificativo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. AFASTAMENTO. DESCAMINHO. HABITUALIDADE DELITIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. ART. 92, INCISO III, DO CP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA ACESSÓRIA AFASTADA.
1. Efetivamente impugnados os fundamentos da decisão de inadmissão do recurso especial, o agravo merece ser conhecido, em ordem a que se evolua para o mérito.
2. A habitualidade delitiva afasta a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, sobretudo na hipótese de multiplicidade de procedimentos administrativos, como na espécie.
Precedentes.
3. O entendimento do acórdão, de que a aplicação da penalidade prevista no art. 92, III, do CP "exige apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso", diverge da jurisprudência desta Corte, firmada na compreensão de que a aplicação da pena acessória de inabilitação para dirigir veículo ao crime de descaminho exige, além da constatação de que o veículo tenha sido utilizado para a prática do delito, a demonstração da necessidade da medida no caso concreto, sobretudo por não se tratar de efeito automático da condenação.
4. Agravo regimental parcialmente provido, para afastar a penalidade prevista no art. 92, III, do CP.
(AgRg no AREsp nº 2.078.176/SP, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, j. 02.8.2022, DJe 05.08.2022)

Nesse sentido: AgRg no AgRg no AREsp nº 2.283.166/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 06.06.2023, DJe 15.06.2023; AgRg no HC nº 594.092/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, j. 15.02.2022, DJe 21.02.2022; EDcl no AgRg no REsp nº 1.922.918/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 13.12.2021, DJe 16.12.2021).”

Ocorre que no caso em tela o magistrado apenas argumentou que a medida deve ser imposta porque o réu se utilizou de veículo para perpetrar o crime de contrabando, o que, como explanado, não se mostra suficiente a essa aplicação.

Assim, ainda que, em tese, seja cabível a incidência da pena de inabilitação, a falta de recurso da acusação e de fundamentação adequada em primeiro grau, exige o afastamento da reprimenda, pois a inovação de fundamento em segunda instância, sem pedido do órgão acusatório, configura reformatio in pejus.

Acolho, portanto, o pleito defensivo para afastar a pena de inabilitação para dirigir veículos aplicada ao réu.

Ante o exposto:

i) DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa de LEOMAR ABREU DA CRUZ para (a) absolver o réu da prática do crime do artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; (b) fixar o regime inicial semiaberto para fins de cumprimento da pena; e (c) afastar a pena de inabilitação para dirigir veículos;

ii) de ofício, (a) procedo à emendatio libelli no que tange ao crime do artigo 180, caput, do Código Penal, recapitulando-o para o artigo 180, §3º, do Código Penal; (b) fixo a pena-base dos delitos dos artigos 180, §3º e 330 do Código Penal no patamar mínimo, com a consequente readequação das penas nas etapas subsequentes, e estabeleço a reprimenda, em virtude do concurso formal de tais crimes com o do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, definitivamente em 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 27 (vinte e sete) dias e pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor mínimo, em regime inicial semiaberto, mantendo a prisão preventiva.

É o voto.

 

 



E M E N T A

Apelação criminal. Artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal. Desclassificação para os crimes de favorecimento real ou descaminho. Impossibilidade. Materialidade comprovada. Autoria e dolo demonstrados. Transportador. Artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68. Artigo 180, caput, do Código Penal. Desclassificação para o artigo 180, §3º, do Código Penal. Materialidade e autoria comprovadas.  Artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal. Absolvição. Artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Artigo 330 do Código Penal. Materialidade e autoria demonstradas. Dosimetria. Receptação culposa. Desobediência. Afastamento de circunstância judicial negativa. Concurso formal. Artigo 70, caput, parte final, do Código Penal. Fixação de regime inicial semiaberto. Reincidência. Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. Inviabilidade. Prisão preventiva mantida. Compatibilidade com o regime semiaberto. Inabilitação para dirigir veículos. Afastamento. Apelo da defesa parcialmente provido.

I. Caso em exame

1. Recurso interposto pela defesa contra a sentença que condenou o réu pela prática, em concurso formal, dos delitos do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68; do artigo 180 do Código Penal; do artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal; e do artigo 330 do Código Penal.

II. Questão em discussão

2. A defesa requer (i) a absolvição no que concerne ao crime de contrabando; (ii) a desclassificação do delito de contrabando para o de favorecimento real; (iii) a desclassificação do crime de contrabando para o de descaminho; (iv) a absolvição quanto ao delito do artigo 180 do Código Penal; (v) a absolvição no que toca ao crime do artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal; (vi) a absolvição em relação ao delito do artigo 330 do Código Penal; (vii) a fixação do regime inicial semiaberto; (viii) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; e (ix) o afastamento da pena de inabilitação para dirigir veículos.

III. Razões de decidir

3. O tipo penal do crime de contrabando não pressupõe o domínio da mercadoria, praticando tal conduta aquele que, de qualquer forma, colabora para a introdução da mercadoria proibida no país, inclusive na função de motorista. Considerando que o apelante Alexandro incorreu na prática do delito do artigo 334-A do Código Penal, exercendo a função de motorista na empreitada criminosa, a qual se destinava à comercialização dos cigarros apreendidos, incabível a desclassificação para o crime de favorecimento real, o qual reclama que não seja o agente coautor ou receptador.

4. Seguindo o entendimento jurisprudencial sedimentado nos Tribunais Superiores, ressalvada a posição pessoal deste Relator, passa-se a considerar que a introdução de cigarros de origem estrangeira desacompanhados da documentação comprobatória da regular importação configura crime de contrabando (mercadoria de proibição relativa), e não descaminho. Não bastasse, a importação de cigarros é crime de contrabando e não de descaminho, pois não há somente mera sonegação tributária, e sim grave lesão à segurança e saúde públicas. Não merece prosperar a desclassificação do delito de contrabando para o de descaminho. Precedentes.

5. A materialidade dos crimes foi comprovada pelo Termo de Apreensão (ID 316510116 - fls. 12/13); Boletim de Ocorrência nº 1726488241122164549 (ID 316510116 - fls. 17/26); e Informação da Polícia Judiciária nº 5054509/2024 (ID 316510250 - fls. 48/51).

6. A autoria do crime de contrabando foi demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas amealhadas em juízo. O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que os cigarros foram apreendidos como pela prova oral produzida.

7. O mero transporte dos cigarros de origem estrangeira faz subsistir a prática do crime em exame, já que o artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal preceitua que incorre na mesma pena estipulada para o crime de contrabando aquele que praticar conduta assimilada disposta em lei especial. No momento em que essa lei especial - Decreto-Lei nº 399/1968 - foi recepcionada pela então Constituição vigente, inexistia o vício de legalidade formal previsto no artigo 62, §1º, inciso I, alínea “b”, da Carta Magna de 1988 e, desse modo, é lei ordinária, carecendo de qualquer irregularidade. O Decreto-Lei nº 399/1968, em seus artigos 2º e 3º, complementa o artigo 334-A do Código Penal, abarcando o transporte de mercadoria proibida pela lei brasileira, sendo prescindível que o transportador seja o proprietário do bem, ou que o tenha introduzido no país.

8. O artigo 383 do Código de Processo Penal permite ao juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, atribuir definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. Trata-se da emendatio libelli, instrumento utilizado pelo magistrado para dar definição jurídica aos fatos que entender correta, sem que para tanto tenha que previamente renovar o contraditório, podendo-se proceder a ela inclusive em segundo grau, ainda que em exame de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitado o montante final da pena fixada no édito recorrido, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, e em linha com a prescrição do artigo 617 do Código de Processo Penal.

9. O crime de receptação elencado no artigo 180, caput, do Código Penal exige que o agente tenha pleno conhecimento da origem criminosa do produto – dolo direto –, situação que não se evidenciou no caso em comento. Não há elementos seguros de que o réu tinha ciência de que o caminhão era objeto de furto ou roubo, mormente porque afirmou que foi contratado para realizar o transporte de cigarros, pegando o veículo já carregado, e seguiu viagem. Tampouco há se falar na figura do dolo eventual, pois inexistem evidências de que o réu anteviu essa elementar do tipo e a aceitou.

10. Por outro lado, sabia que transportaria cigarros estrangeiros, o que, somado à condição de quem lhe ofereceu o serviço, com certeza vinculado a alguma organização criminosa, considerando o volume da mercadoria apreendida, permite asseverar que agiu com culpa. Desse modo, imprescindível a desclassificação da conduta atribuída ao réu para aquela do artigo 180, § 3º, do Código Penal.

11. A autoria delitiva restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo. Embora o réu tenha dito, em seu interrogatório judicial, que não sabia da origem do caminhão, as condições em que o bem lhe foi entregue fazem presumir que foi obtido por meio criminoso. Ora, o caminhão foi entregue sem o CRLV e repleto de cigarros contrabandeados.

12. Todavia, o fato de um indivíduo aceitar transportar cigarros contrabandeados, em troca de dinheiro, não significa que sabe que o veículo no qual a mercadoria proibida será transportada é objeto de crime. Isso porque não é raro que ocorram flagrantes de contrabando em que os veículos são de origem lícita, razão pela qual também entendo realmente não ser o caso de reconhecimento do dolo eventual.

13. A conduta do réu se amolda perfeitamente à receptação culposa, pois recebeu coisa (o caminhão) que pela condição de quem a oferece (o grupo criminoso de contrabando de cigarros), deve presumir-se obtida por meio criminoso, até porque quando abordado pela polícia sequer tinha os documentos do veículo. Precedentes.

14. No que toca ao crime do artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal, a autoria não se mostra certa. Os elementos produzidos nos autos demonstram que a contratação do réu se deu apenas para o transporte dos cigarros paraguaios, não havendo indícios de que pretendia tomar o veículo para si ou para outrem, tampouco que tinha ciência da origem criminosa do bem.  Some-se a isso que a adulteração somente foi constatada após os policiais consultarem os dados de identificação do veículo nos sistemas existentes.

15. Embora o tipo penal não exija o dolo direto, bastando a presença do dolo eventual, reputo que inexistem elementos capazes de demonstrar que o apelante “devia saber” que o veículo por ele recebido e conduzido possuía sinais identificadores adulterados. A existência de meros indícios, portanto, não autoriza o embasamento do édito condenatório, incidindo-se o princípio in dubio pro reo. Absolvição decretada nos termos do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.

16. Em relação à autoria do crime de desobediência, as testemunhas foram categóricas ao frisar que iniciaram o acompanhamento do caminhão dirigido pelo réu, o qual parou o veículo metros adiante e se embrenhou em uma mata, pulando inclusive a cerca de uma fazenda e até se deitando no chão para evitar a sua localização, sendo necessário persegui-lo por vários metros. Inconteste que tal delito configura-se quando o agente deixa de atender à ordem de parada emanada por um policial no exercício de atividade ostensiva, destinada à prevenção e à repressão de crimes, ante a suspeita de práticas ilícitas. Tema Repetitivo nº 1060 do STJ.

17. Considerando a ausência de provas aptas a assegurar que o apelante tinha certeza da origem criminosa do veículo que dirigia – sequer podendo se cogitar a figura do dolo eventual – carece de viabilidade a exasperação da pena por tal circunstância. Não bastasse, o fato de ter se evadido é objeto de crime específico, pelo qual também foi devidamente condenado. Pena-base do crime do artigo 180, §3º, do Código Penal fixada no patamar mínimo.

18. Constata-se ser corriqueiro a fuga do agente nos casos em que há desobediência à ordem de parada emanada pela polícia. Logo, inexistem motivos para considerar que as circunstâncias do crime estejam em patamar elevado, pois o comportamento do réu não excedeu ao costumeiramente observado na prática de delitos como o ora em análise. Pena-base do crime do artigo 330 do Código Penal fixada no patamar mínimo.

19. Nos termos do artigo 70, caput, parte final, do Código Penal, as penas impostas ao réu pela prática das infrações penais em epígrafe deveriam ser somadas, pois mediante mais de uma ação praticou três crimes. Todavia, no caso em apreço, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, a regra é que deve ser executada primeiro aquela.

20. Destaque-se, contudo, que para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados.

21. Apesar da pena aplicada, considerando a presença da agravante da reincidência, a fixação de regime menos gravoso contribuiria sobremodo para a sensação de impunidade e ineficácia do sistema jurídico vigente, motivo pelo qual estabeleço o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena, com base no disposto no artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

22. O réu não preenche os requisitos constantes do artigo 44 do Código Penal e, por conseguinte, não faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

23. Observo que permanecem os motivos que ensejaram a custódia cautelar, haja vista a ausência de alteração do quadro fático-processual desde a decretação da medida, de modo que a prisão preventiva deve ser mantida. Inaplicáveis, pois, as medidas cautelares introduzidas pela Lei nº 12.403/2011.

24. A prisão preventiva, portanto, mostra-se necessária para evitar a reiteração delitiva, uma vez que existem elementos seguros que sinalizam a propensão à atividade ilícita e o risco concreto de que, em liberdade, o réu volte a praticar delitos da mesma espécie.

25. Bem assim, tendo o réu permanecido preso durante toda a instrução e inalteradas as condições, não há constrangimento ilegal na manutenção da prisão, que deverá ser adequada ao modo intermediário de execução da pena.

26. No presente caso, o magistrado de primeiro grau apenas argumentou que a pena de inabilitação para dirigir veículos deve ser imposta porque o réu se utilizou de veículo para perpetrar o crime de contrabando, o que não se mostra suficiente, pois o Superior Tribunal de Justiça entende que tal efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada a imprescindibilidade da sua decretação. Assim, ainda que, em tese, seja cabível a incidência da pena de inabilitação, a falta de recurso da acusação e de fundamentação adequada em primeiro grau, exige o afastamento da reprimenda, pois a inovação de fundamento em segunda instância, sem pedido do órgão acusatório, configura reformatio in pejus.

IV. Dispositivo e tese

27. Apelação da defesa parcialmente provida. Absolvição quanto à prática do crime do artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; fixação do regime inicial semiaberto para fins de cumprimento da pena; e afastamento da pena de inabilitação para dirigir veículos. De ofício, aplicação da emendatio libelli no que tange ao crime do artigo 180, caput, do Código Penal, recapitulando-o para o artigo 180, §3º, do Código Penal; fixação da pena-base dos delitos dos artigos 180, §3º e 330 do Código Penal no patamar mínimo, com a consequente readequação das penas nas etapas subsequentes, e estabelecimento da reprimenda, em virtude do concurso formal de tais crimes com o do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, definitivamente em 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 27 (vinte e sete) dias e pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor mínimo, em regime inicial semiaberto, mantendo-se a prisão preventiva.

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Dispositivos relevantes citados: Código Penal, arts. 70, caput, parte final; 92, inciso III; 334, 334-A, §1º, inciso I; 349; 180, §3º; 311, §2º, inciso III; 330; Código de Processo Penal, arts. 312; 316; 387, §1º; Decreto-Lei 399/68, art. 3º; Lei de Execução Penal, art. 111; STJ, Tema Repetitivo 1060.

Jurisprudência relevante citada: TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0000864-25.2018.4.03.6002, Rel. Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, julgado em 31/07/2020, Intimação via sistema DATA: 06/08/2020; STJ, AgRg no AREsp n. 1.421.752/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe de 25/3/2019; STJ, AgRg no AREsp 697.456/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 28/10/2016; STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 627.596/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 02/03/2021, DJe 08/03/2021; TRF 3ª REgião, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0009004-83.2016.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO MARTIN DE SANCTIS                                                                                                                                                    julgado em 31/01/2025, Intimação via sistema DATA:04/02/2025; TRF-3 - ApCrim: 0011146-54.2016.4.03.6112/SP SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, Data de Julgamento: 12/03/2020, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA: 17/04/2020; STJ, HC n. 663.710/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 27/6/2023; STJ, AGRESP 2019.00.95218-3, Quinta Turma, Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 28/06/2019; STJ, AgRg no REsp 1943296/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 08/02/2022, DJe 15/02/2022; STJ, AgRg no RHC 164.374/MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 10.05.2022, DJe 13.05.2022; STJ. RHC 201600612539. Relator JOEL ILAN PACIORNIK. Quinta Turma. DJe 18/05/2016; STJ, AgRg no HC n. 720.631/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/5/2022, DJe de 16/5/2022; STJ, AgRg no AREsp n. 2.078.176/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 5/8/2022.

 

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa de LEOMAR ABREU DA CRUZ para absolver o réu da prática do crime do artigo 311, §2º, inciso III, do Código Penal com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal; fixar o regime inicial semiaberto para fins de cumprimento da pena; de ofício, proceder à emendatio libelli no que tange ao crime do artigo 180, caput, do Código Penal, recapitulando-o para o artigo 180, §3º, do Código Penal; fixar a pena-base dos delitos dos artigos 180, §3º e 330 do Código Penal no patamar mínimo, com a consequente readequação das penas nas etapas subsequentes, e estabelecer a reprimenda, em virtude do concurso formal de tais crimes com o do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, definitivamente em 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 27 (vinte e sete) dias e pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor mínimo, em regime inicial semiaberto, mantendo a prisão preventiva e, por maioria, afastar a pena de inabilitação para dirigir veículos, nos termos do voto do Relator Des. Fed. José Lunardelli, acompanhado pelo Des. Fed. Nino Toldo, vencido o Des. Fed. Fausto De Sanctis que mantinha a condenação do réu à pena de inabilitação de veículos automotores, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
JOSE LUNARDELLI
Desembargador Federal