HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5012296-70.2025.4.03.0000
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
PACIENTE: FELIPE LOPES DOS SANTOS
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 4ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5012296-70.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 4ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de FELIPE LOPES DOS SANTOS, contra ato do Juízo Federal da 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, objetivando a revogação da ordem de internação provisória do paciente, no âmbito do Incidente de Insanidade n. 5005645-40.2024.4.03.6181. Consta dos autos que o paciente foi denunciado sob ID 325080483 pela suposta prática delitiva descrita no artigo 163 do Código Penal, parágrafo único, inciso III, do Código Penal (crime de dano qualificado contra patrimônio de empresa pública federal - Correios), por ter, em tese, em 26/07/2022, de modo livre, consciente e com animus nocendi, destruído, inutilizado e deteriorado veículos (furgões) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) estacionados na Praça Princesa Isabel, bairro Campo Elíseos, em São Paulo/SP, tendo sido na ocasião surpreendido e preso em flagrante, por agentes da polícia militar, enquanto arremessava pedras em tais veículos. Tal denúncia veio a ser recebida em 25/09/2023, no âmbito da Ação Penal n. 5005134-13.2022.4.03.6181 (ID 301957417). Em decisão proferida em 12/07/2024, no bojo da ação penal em comento (ID 325077869), o Juízo Federal de origem determinou a instauração de incidente de insanidade mental (distribuído por dependência, na mesma data, sob o n. 005645-40.2024.4.03.6181 - ID331629477), a fim de o paciente ser submetido a exame médico-legal, com fulcro no art. 149 do Código de Processo Penal, diante de dúvidas a respeito de sua sanidade mental, em tese, apresentando problemas psiquiátricos, conforme informado nos autos (ID 258149338), em atendimento ao pleito de sua defesa (ID 324976043), ratificado pelo Ministério Público Federal (ID 325487314). Na mesma ocasião, o mesmo Juízo Federal a quo suspendeu o processo até a solução do referido incidente, nos termos do § 2º do art. 149 do Código de Processo Penal, nomeando como curadora especial do paciente a Sra. Hermosina Alves Lopes, que servirá sob o compromisso de seu grau de parentesco, como ascendente-mãe do réu, bem como nomeou peritos para realização do exame médico-legal. Em decisão proferida em 29/04/2025, no curso do Incidente de Insanidade n. 5005645-40.2024.4.03.6181, após manifestação ministerial favorável, o mesmo Juízo Federal da 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP decretou medida cautelar consistente em internação provisória do paciente, em instituição adequada, a fim de que seja submetido a exame de sanidade mental, na forma do artigo 150, c/c 319, VII, considerando (i) “a recusa do réu a apresentar-se à perícia de exame de sanidade mental”; (ii) “que o exame de sanidade mental é matéria de interesse público”; e iii) “o impasse surgido diante da recusa daquele, em se submeter ao exame supra, de cujo resultado depende o desfecho da Ação Penal nº 5005134- 13.2022.4.03.6181”, de tal sorte que a seu ver seria adequada e suficiente “a aplicação da medida cautelar – internação provisória ao réu, diante da infração penal, em tese perpetrada, com violência contra bem público, para que se submeta ao referido exame”. Em 16/05/2025, foi expedido mandado de internação sob ID 364431992 para que se proceda à internação provisória do paciente “em Hospital Geral ou outro equipamento de saúde referenciado pelo Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da Rede de Atenção Psicossocial (Raps)”, observadas as advertências e determinações nele especificadas, a fim de que seja submetido a exame de sanidade mental. Através de e-mail encaminhado em 20/05/2025, à Secretaria da 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, o Sr. Eduardo da Silva Santocchi, Diretor Executivo do HCFMUSP, veio a informar que “a vaga está disponível, sim”, para internação provisória do paciente, para realização de perícia médica, estando “localizados na Rua Cotoxó, 1142, no bairro de Perdizes”, em São Paulo/SP. Segundo a impetrante, o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção, uma vez que a autoridade impetrada teria determinado “a internação (compulsória) preventiva (Artigo 319, VII, do CPP) do Paciente, acusado de dano patrimonial (Artigo 163, inc. III, do CP), para fins de realização de perícia psiquiátrica” (ID 325077867) Relata a impetrante que, em 03/08/2022, o Juízo Federal de origem proferiu decisão revogando a prisão preventiva do Paciente e determinando seu encaminhamento a Centro de Referência no Atendimento e Tratamento de Álcool e Drogas – CRATOD, com imposição de medidas cautelares não privativas de liberdade, a saber, “1) não cometer novos crimes; 2) fazer tratamento para a dependência do crack e alegados problemas psiquiátricos, preferencialmente em local que fique internado; 3) após a internação, informar via Defensoria Pública seu local de endereço e telefone; 4) trazer a informação aos autos, via Defensoria Pública a cada bimestre sobre o andamento de seu tratamento, local de moradia e atividades” (ID’s 325077867 e 325077877). Informa ainda que, em 12/07/2024, o Juízo Federal a quo determinou a instauração do incidente de insanidade mental, a fim de avaliar eventual inimputabilidade total ou parcial do paciente, nos termos do art. 149 do CPP, vindo a ser autuado sob n. 005645-40.2024.4.03.6181, em cujos autos “restou infrutífera tentativa de intimação do Paciente quanto a data para realização de perícia, visto que sua mãe, Hermosina Alves Lopes, nomeada curadora, se recusou a receber a intimação”. Ademais, a própria Defensoria Pública da União não teria logrado estabelecer contato com o paciente (ID 325077867). De acordo com a impetração, a aplicação da medida cautelar de internação compulsória, embora menos severa que a prisão preventiva, também seria caracterizada como uma forma de privação de liberdade do paciente, a seu ver desproporcional na hipótese, ao argumento de que, em caso de eventual condenação pelo crime imputado de dano qualificado (para o qual está prevista pena de detenção de 6 meses a 3 anos), o juiz poderia submeter o paciente enquanto inimputável a tratamento ambulatorial, em vez de internação, na forma dos artigos 96 e 96, ambos do Código Penal (ID 325077867). Alega que o paciente não foi denunciado por conduta que envolva violência ou grave ameaça a pessoa, mas relacionada a dano patrimonial, não havendo a seu ver indícios de que o paciente seria pessoa perigosa ou de que poderia voltar a praticar ato ilícito após a obtenção de sua liberdade. Ademais, sustenta que a medida de internação não seria necessária nem para a garantia da segurança nem para adesão do paciente ao tratamento de saúde visando maiores chances de sucesso, conforme relatórios médicos do CRATOD (ID’s 325077878, 325080482 e ID 325077867). Por fim, afirma a impetrante que “o mero fato de o paciente não ter sido localizado para realização de perícia é [sic, não é] indício suficiente de periculosidade apto a ensejar a decretação de sua internação cautelar” e que “determinar a privação da liberdade do Paciente em incidente de insanidade iniciado pela sua Defesa caracteriza, com todo o respeito, distorção dos dispositivos legais previstos para impedir a punição a inimputáveis, cuja liberdade só pode ser restrita quando demonstrado risco relevante à sociedade” (ID 325077867). Requer o deferimento do pedido liminar, a fim de que seja revogada “a ordem de internação provisória impetrada, com o recolhimento do mandado de internação expedido, ou expedição de alvará de soltura, caso aquele já tenha sido cumprido", e, ao final, pretende a concessão definitiva da ordem de habeas corpus (ID 325077867). Em 27/05/2025, o pedido liminar foi deferido pela Juíza Federal Convocada Maria Fernanda de Moura e Souza, em substituição regimental, “para revogar a imposição de medida cautelar consistente na internação provisória do paciente, devendo, com urgência, ser recolhido o respectivo mandado de internação provisória expedido ou determinada a expedição de alvará de soltura clausulado em favor do paciente, caso aquele já tenha sido cumprido” (ID 325197106). A autoridade impetrada prestou as informações requisitadas (ID 325980372). Em 28/05/2025, foi expedido contramandado de internação provisória em favor do paciente (ID 366044469 – PJE TRF3, 1º grau). Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou “pela concessão da ordem, confirmando-se a decisão liminar” (ID 326267804). É o relatório.
PACIENTE: FELIPE LOPES DOS SANTOS
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5012296-70.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 4ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O No caso dos autos, a decisão do Juízo Federal da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, que, em 29/04/2025, após manifestação ministerial favorável, decretou a medida cautelar de internação provisória do paciente, em instituição adequada, a fim de que este seja submetido a exame de sanidade mental, na forma do art. 150, c/c art. 319, VII, do CPP, foi assim fundamentada (ID 325077869, g.n.): Trata-se de Incidente de Insanidade Mental instaurado para apurar a sanidade mental do réu FELIPE LOPES DOS SANTOS, decorrente de decisão proferida no bojo da Ação Penal nº 5005134-13.2022.4.03.6181. ID 331857625. O Ministério Público Federal apresentou os quesitos a serem respondidos pelo(a) senhor(a) perito(a) judicial em relação às condições de saúde do réu Felipe Lopes dos Santos. ID 334020846. Foi proferido despacho designando a realização da perícia para o dia 14/09/2024, às 09h30min. ID 336240094. O réu foi regularmente intimado, na pessoa de sua curadora, a Sra. HERMOSINA ALVES LOPES, acerca do dia e horário da realização da perícia médica. ID 338811125. Os médicos nomeados para a realização da perícia médica referida, os peritos Dr. José Otavio De Felice Junior e Dra. Raquel Szterling Nelken, informaram a não realização da perícia médica, em virtude do não comparecimento do periciando FELIPE LOPES DOS SANTOS. ID 339730996. Foi proferido despacho determinando a intimação das partes, a fim de comunicar o não comparecimento do requerido à perícia, para que requeressem o que entenderem de direito. ID 345023600. O Parquet Federal manifestou-se pela extinção do presente incidente de insanidade mental, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, IV, do Código de Processo Civil, combinado com o artigo 3.º do Código de Processo Penal, bem como pela retomada do curso da Ação Penal nº 5005134-13.2022.4.03.6181. ID 350388460. A Defensoria Pública da União informou ter tentado entrar em contato com o réu, sem sucesso, e sustentou ser prematura a extinção do presente incidente, motivo pelo qual pugnou pela intimação pessoal do réu para que seja justificada a sua ausência. ID 357050334. Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal reiterou a manifestação ministerial de ID345023600, pela extinção do feito sem resolução do mérito, aduzindo que que a intimação pessoal do réu foi realizada através de sua curadora determinada para o incidente, sem sucesso, naquele que é o endereço por ele declarado nos autos originários, de forma que não há que se falar em nova tentativa de intimação pessoal. ID 358051800. Preliminarmente à análise do pedido ministerial de ID 357050334, foi determinada a aberturada de vista ao Parquet Federal para que se manifeste quanto à eventual aplicação da medida cautelar diversa da prisão supracitada, para a realização da referida perícia médica. ID 359037532. O Ministério Público Federal, em manifestação, aduziu que em razão da condição errática do réu, aliada à sua recalcitrância em comparecer ao exame, que é de natureza pública, mostra-se necessária a internação provisória do réu para a realização do exame. É o relatório. DECIDO. Considerando a recusa do réu a apresentar-se à perícia de exame de sanidade mental: Considerando que o exame de sanidade mental é matéria de interesse público; Considerando o impasse surgido diante da recusa daquele, em se submeter ao exame supra, de cujo resultado depende o desfecho da Ação Penal nº 5005134- 13.2022.4.03.6181, constato que é adequado e suficiente, a aplicação da medida cautelar – internação provisória ao réu, diante da infração penal, em tese perpetrada, com violência contra bem público, para que se submeta ao referido exame. Ante o exposto, decreto a medida cautelar – internação provisória do réu FELIPE LOPES DOS SANTOS, em instituição adequada, a fim de que este seja submetido a exame de sanidade mental (CPP, art. 150 c.c o art. 319, inciso VII). Expeça-se o competente mandado de internação. NOMEIO os peritos DR. RAFAEL VAIKSNORA e DR. WASHINGTON DEL VAGE, que com a detenção do réu, o Juízo deverá ser comunicado para: Realização de audiência de custódia; Na audiência de custódia, se os senhores peritos nomeados considerarem adequado, defiro e determino a realização do exame de sanidade mental, que deverá ser realizado na sede deste Vara Especializada; Na hipótese de não realização do exame de sanidade nesta Especializada, determino a Secretaria que providencie a transferência e internação do réu, ao Hospital das Clínicas, através dos e-mails eduardo.santocchi@hc.fm.usp.br,douglas.crispim@hc.fm.usp.br e andre.malbergier@hc.fm.usp.br, que deverá deixar reservada uma vaga para o réu, sem data previamente estipulada, a fim de que seja custodiado até a realização do respectivo exame de sanidade mental, devendo ser realizada a intimação dos peritos; Determino que seja solicitado o pagamento no valor máximo da tabela do Sistema AJG, devendo aumentar em 03 (três) vezes o valor a ser pago, tendo em vista a dificuldade enfrentada pela Secretaria em encontrar perito que aceite o encargo perante a Justiça Federal, em razão dos honorários de baixo valor, sendo, pois, aplicável o parágrafo único, artigo 28, da Resolução N. CJF-RES-2014/00305. Comuniquem-se os médicos peritos, a Curadora do réu, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal. Encaminhe-se cópia da presente decisão, a qual servirá de ofício. Registre-se no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (artigo 7º, inciso V, da Resolução n. 251/2018 do Conselho Nacional de Justiça). No mais, proceda a Secretaria com o necessário. Intimem-se. Cumpram-se. De início, destaco a decisão da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, que, em 27/07/2022, determinou a conversão da prisão em flagrante do referido paciente em preventiva visando à garantia da ordem pública na hipótese, após oportuno requerimento ministerial, no curso de audiência de custódia, foi assim fundamentada, consoante termo de audiência ora transcrito (ID 325077871, g.n.): Trata-se de suposto crime de dano qualificado cometido hoje de manhã por FELIPE LOPES DOS SANTOS, pessoa em situação de rua. Conforme relatado no flagrante no ID 257839597, Felipe foi preso quando gritava na rua, atirando pedras e danificando veículos dos Correios estacionados. Resistiu à prisão e aparentava estar sob efeito de entorpecentes. Em complemento, foi relatado no ID 257839596, p. 5 pelo condutor: “(...) acompanhou as tentativas de se estabelecer uma comunicação com o conduzido após o retorno do exame cautelar no IML, o que foi impossibilitado pelo comportamento do FELIPE, que se exaltava e passava a falar com tom elevado de voz coisas desconexas, não respondendo às perguntas e proferindo ofensas aos policiais; QUE, FELIPE arrancou a atadura de sua cabeça, manipulando seu ferimento e sujando sua mão e sua roupa com sangue.”. No ID 257839598, p. 7, o custodiado declarou que faz uso de drogas em geral, em especial o crack. Além disso, no ID 257839597 afirmou que tem sífilis, manteve contato com outras pessoas com covid e não faz qualquer tratamento. Sobre o flagrante, reputo-o formalmente em ordem com pleno atendimento de todas as formalidades legais, motivo pelo qual homologo-o. Na data de hoje, nesta audiência de custódia, Felipe contou que começou a fazer uso de crack há aproximadamente 6 anos e a droga destruiu sua vida. Até cerca de 6 meses atrás ele vivia na casa de seus pais em São Bernardo, mas começou a cometer pequenos furtos para sustentar seu vício e acabou quebrando a televisão de sua mãe, motivo pelo foi posto para fora de casa e passou a viver nas ruas desde então. Alega que por esses furtos está jurado de morte pelo PCC e, por tal motivo cometera o crime na data de ontem para ser preso. Segundo relatou, em um depoimento impressionante e inusitado, quis ser preso para poder sobreviver. Alegou também que prefere continuar preso do que ser solto, pois teme por sua vida. Tem ciência de como funciona o regime fechado e um centro de detenção provisória, mas, mesmo assim alegou que ao sair vai cometer o primeiro crime que puder para ser preso de novo ou atentar contra sua própria vida. Aceitaria fazer tratamento contra seu vício, desde que fosse em um lugar fechado e seguro, que não pudesse sair. Disse que tinha profissão antes do vício, e que tem a intenção de retomar sua vida. Sobre sua saúde, tomou duas doses da vacina contra a Covid-19 cujo comprovante está na casa da sua mãe. Porém, atualmente está com sífilis, aparentemente sem qualquer tratamento médico. Alegou também que quando menor foi diagnosticado com distúrbio mental, chegando a tomar diazepan e clonazepan. Deu o nome também de seu irmão “Junior” (João Lopes dos Santos), que reside com seus pais e de sua tia Nersina Silvina Lopes como pessoas que saberiam de seu histórico de saúde. Sobre a síndrome de abstinência, disse que já está começando a senti-la e tem ciência que na prisão talvez não tenham remédios para suavizar seus efeitos. Por fim e não menos importante, relatou que o policial militar VANDERSON deu-lhe com o cassetete na cabeça, fazendo-o tomar alguns pontos. Porém, elogiou o tratamento na Polícia Federal, descrevendo como humano e vip. Pois bem. Trata-se de um caso diferente, triste e até inusitado que no fundo não é questão penal e sim social e de saúde. Porém, objetivamente, a situação que se coloca aqui é de uma pessoa afirmando categoricamente com todas as letras que se solto voltará a cometer crimes. Felipe já tem passagens anteriores por furto e não tem endereço fixo, pois afirmou que mora nas ruas e está brigado com sua mãe. Assim, sob o ponto de vista legal é caso de decretar a prisão preventiva como garantia da ordem pública, e por incrível que pareça, para preservar por enquanto a saúde e vida de Felipe. Sem prejuízo, determino que tanto o Ministério Público como a Defensoria Pública da União diligenciem sobre possíveis clínicas de tratamento em regime de internação e sem custos, sendo que o mesmo será feito aqui no Judiciário. Havendo possibilidade de Felipe ser transferido em segurança para uma clínica de reabilitação e tratamento, é certamente preferível. Antes de eventual transferência de Felipe para um dos centros de detenção provisória, solicito que a Polícia Federal anote a questão alegada por ele de perseguição do PCC para que fique em local reservado e seguro. Também solicito que a Polícia entre em contato com sua família para que encaminhe fotos e demais dados médicos para que conste no seu prontuário. Caso a transferência demore, se possível, seria recomendável que Felipe fosse encaminhado a algum hospital público para que ao menos recebesse a medicação da sífilis e eventual medicação para a desintoxicação do crack. Solicite-se com urgência a vinda do laudo do IML com posterior vista ao MPF. Expeça-se mandado de prisão. Na sequência, a decisão do mesmo Juízo Federal de origem que, em 03/08/2022, revogou a prisão preventiva do paciente até então vigente, passando a impor-lhe medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do CPP, quais sejam, (i) não cometer novos crimes; (ii) fazer tratamento para a dependência do crack e alegados problemas psiquiátricos, preferencialmente em local que fique internado; (iii) após a internação, informar via Defensoria Pública seu local de endereço e telefone; e (iv) trazer a informação aos autos, via Defensoria Pública a cada bimestre sobre o andamento de seu tratamento, local de moradia e atividades, foi assim fundamentada (ID 325077877, g.n.): Tanto esse juízo, a DPU como o MPF concordamos que a situação colocada aqui apresenta um caso evidente de vulnerabilidade social e saúde pública. A audiência de custódia gravada na íntegra mostra bem o grau de desespero de FELIPE, o que não se sabe se também é corroborado por algum(ns) tipo(s) de delírio(s). Assim, a situação “penal”, digamos assim, não se modificou da data da audiência de custódia para hoje: Felipe tem passagem por furtos, não tem emprego, não tem residência, e, principalmente, se solto pura e simplesmente, afirmou categoricamente que praticará outros crimes e tentará se matar. Isso o torna um perigo em potencial se for solto sem nenhum amparo. Não há notícia nos autos de que a DPU tenha entrado em contato com familiares, como solicitado na decisão de ID 25785226. A própria Defensoria poderia alegar que este não é o seu papel. Assim, diante das opções colocadas, talvez se pensássemos friamente o papel do Judiciário talvez fosse simplesmente analisar a parte legal, o que ensejaria por certo a manutenção da prisão. Mas, o apelo de Felipe fala mais alto, e ainda que ele não seja mais uma gota em um oceano, vale a pena envidar todos os esforços para ajudá-lo. O gabinete desta 4ª Vara Federal Criminal conseguiu informações de que o CAPS seria o local mais adequado para o atendimento ambulatorial, o que obviamente poderia ser ineficiente e colocar Felipe e a sociedade em risco. Deste modo, a solução oferecida pelo CRATOD (Centro de Referência de Álcool Tabaco e Outras Drogas) é a mais segura e mais humana nesse momento. Por tais motivos, defiro a liberdade provisória a FELIPE LOPES DOS SANTOS, impondo-lhe as seguintes medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP: 1) não cometer novos crimes; 2) fazer tratamento para a dependência do crack e alegados problemas psiquiátricos, preferencialmente em local que fique internado; 3) após a internação, informar via Defensoria Pública seu local de endereço e telefone; 4) trazer a informação aos autos, via Defensoria Pública a cada bimestre sobre o andamento de seu tratamento, local de moradia e atividades. Expeça-se alvará de soltura. Excepcionalmente, por se tratar de um caso delicado e muito específico, não há possibilidade logística de realizar a transferência de Felipe na data de hoje, motivo pelo qual as medidas deverão ser executadas amanhã para a segurança de todos e sucesso do trâmite. Oficie-se o Ilmo. Delegado Regional Executivo para que excepcionalmente determine a transferência do preso ao CRATOD, especificamente na data de amanhã, sob pena de desobediência. Oficie-se o CRATOD, determinando-se a internação de FELIPE LOPES DOS SANTOS, sendo que tal ofício deverá ser entregue pessoalmente pela PF. Compulsando os autos originários e desta impetração, verifico que a própria Defensoria Pública da União informou em manifestação datada de 10/01/2025 que "tentou sem sucesso, contato com o réu FELIPE LOPES DOS SANTOS" (regularmente citado nos autos da Ação Penal n. 5005134-13.2022.4.03.618 - ID 325080484), o qual, injustificadamente, deixou de comparecer a consultório médico para realização de perícia médica, no dia 14/09/2024, às 14h, juntamente com sua mãe e curadora especial Hermosina Alves Lopes (nomeada em juízo em 12/07/2024 sob ID 331627249), em que pese regularmente intimados para tanto nos autos de InsanAC n. 5005645-40.2024.4.03.6181 (ID's 334054495, 336240094 e 338811125", consoante informações prestadas pelos médicos nomeados como peritos para proceder aos respectivos exames periciais. Conforme certidão sob ID 325080486 expedida em 23/08/2024, o oficial de justiça avaliador federal Leonardo Augusto Moura de Carvalho registrou, quando do cumprimento da intimação do paciente através de sua mãe e curadora especial, que a "Sra. Hermosina Lopes não quis apor sua ciência na contrafé do mandado, alegando que filho já tem mais de 30 anos e pode assumir com seus atos". Na mesma ocasião, "comprometeu-se a entregar o mandado para este, no entanto, afirmou que ele somente vai em casa tomar banho e retorna para as ruas, não sabendo informar se este compareceria a audiência". De acordo com relatório elaborado em 08/09/2022 pelo Dr. Claudio José Favaro (CRM: 87907), Diretor Clínico do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas (CRATOD), o paciente lá permaneceu em observação de 04/08/2022 até 05/08/2022, quando então foi transferido para internação psiquiátrica no Hospital Lacan (para desintoxicação e continuidade de tratamento), do qual, no entanto veio a se evadir em 05/09/2022, dia anterior ao que teria alta hospitalar para acompanhamento em CAPS AD. Posteriormente, em 06/09/2022, o paciente tornou a comparecer ao CRATOD, solicitando nova internação, e ficou em observação. Além de hipótese diagnóstica de dependência de crack, informou-se que paciente possui quadro psiquiátrico compatível com Transtorno de Personalidade Borderline, em que pese, ao menos naquela ocasião, já estivesse em possível abstinência de uso de substâncias psicoativas e não se encontrasse em eventual momento de crise no tocante ao transtorno de personalidade, o que ao ver do Diretor Clínico do CRATOD dispensaria a indicação da permanência hospitalar do paciente naquela oportunidade (ID 325077878). Verifico in caso que o paciente foi denunciado pelo crime de dano qualificado, em tese, por ele perpetrado arremessando pedras que vieram a quebrar 5 vidros laterais dos furgões pertencentes à empresa pública federal dos Correios (ECT), estacionados perto de uma praça pública, enquanto gritava na rua, tendo o paciente resistido à prisão em flagrante, aparentemente sob efeito de entorpecentes, conforme se depreende do termo de audiência de custódia sob ID 325077871. Deve ser destacado aqui o zelo que foi adotado desde o início do processo, pela e. magistrada que atuou no feito, buscando dar ao caso um olhar humano e individualizado, considerando as necessidades que foram manifestadas pelo paciente na audiência de custódia e toda a complexidade que envolve a drogadição e as doenças mentais. Naquele momento, em 2022, o paciente pediu que fosse internado para buscar sua recuperação, e foi ouvido e considerado. Teve a oportunidade de se internar e parece ter obtido bons resultados. Porém, são enormes as dificuldades que envolvem a recuperação, sendo bastante comuns as recaídas. Igualmente, o e. magistrado que proferiu a decisão que motivou o presente habeas corpus, também atua buscando dar o encaminhamento que entende ser o mais adequado para um caso de tamanha complexidade - não jurídica - mas do ponto de vista humano. No entanto, com a devida vênia, entendo não haver elementos concretos suficientes nos autos, aptos a justificar a imposição de medida cautelar consistente em internação provisória do paciente, em instituição adequada, a fim de que este seja submetido a exame de sanidade mental. Isso, pois não há fundamento legal para tal medida, o que é essencial para quaisquer medidas que restrinjam a liberdade de uma pessoa. O art. 150 do Código de Processo Penal, ao tratar do incidente de insanidade mental, dispõe que "para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado em manicômio judiciário, onde houver, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o juiz designar". No caso dos autos, o paciente está solto e não houve qualquer requerimento dos peritos. Além disso, o art. 319, VII, do Código de Processo Penal ao tratar das cautelares diversas à prisão, dispõe sobre a internação provisória, nos seguintes termos: Aqui, mais uma vez, ausentes os requisitos autorizadores. A violência a que se refere o dispositivo é a violência contra pessoas e não contra coisas e no caso concreto só houve violência contra os veículos desocupados. Não houve conclusão pericial sobre sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade. Por fim, com relação ao risco de reiteração, decorridos quase 3 anos desde os fatos, não há notícia de novo envolvimento do paciente em crimes. Diante disso, verifico ausentes também os requisitos do art. 319, VII, do Código de Processo Penal. No mais, não se pode olvidar que o incidente de insanidade mental é medida em favor da defesa, não podendo ser realizado de forma compulsória. Nesse sentido, entendimento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no âmbito do HC 133078/RJ, julgado em 06/09/2016, cujo trecho do voto transcrevo abaixo: "[...] Nos termos do art. 5º, inc. LXVIII, da Constituição da República, 'conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder'. Segundo Pontes de Miranda, a liberdade assegurada pelo habeas corpus também é a de não se locomover. Na espécie vertente, tem-se a imposição de produção de prova pericial cujo descumprimento poderia ensejar a manifestação compulsória do Paciente ou a condução coercitiva ao exame, repudiadas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A Procuradoria-Geral da República apontou que, ‘considerando que o incidente de insanidade mental é medida em favor da defesa, não é possível determiná-la quando esta a ele se opõe’ ”. Assim, ainda que a defesa não se oponha e tenha requerido a instauração do incidente, o fato é que a perícia não se realizou apesar de a intimação ter sido entregue no endereço do paciente - onde sua genitora afirma ainda ser o local para onde volta quando não está nas ruas. E sendo esta uma medida em favor da defesa, fica inviabilizada a imposição de uma medida cautelar especificamente voltada a assegurar a realização do exame médico-legal do paciente no bojo do referido incidente, tal como sustentado pela impetrante. Por fim, destaco a singularidade do caso, cujos desafios são muito mais de saúde pública do que de política criminal, conforme se depreende dos elementos contidos nos autos originários e na presente impetração, razão pela qual entendo que eventual procedimento de internação deveria ser, em princípio, tratado na esfera cível, mormente considerando a expressiva distância temporal entre os fatos imputados, em tese, ocorridos em 26/07/2022 - época em que o paciente manifestou vontade de ser internado - e o presente momento processual. Ante o exposto, e em consonância com o parecer da Procuradoria Regional da República, concedo a ordem de habeas corpus, confirmando-se a decisão liminar, para revogar a imposição de medida cautelar consistente na internação provisória de FELIPE LOPES DOS SANTOS, cabendo à autoridade impetrada adotar as providências que ainda se façam necessárias, considerando a oportuna expedição do contramandado de internação provisória em favor do referido paciente em 28/05/2025 (ID 366044469 – PJE TRF3, 1º grau). É o voto.
PACIENTE: FELIPE LOPES DOS SANTOS
"VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; "
E M E N T A
HABEAS CORPUS. ARTIGO 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CÓDIGO PENAL. DELITO DE DANO QUALIFICADO CONTRA PATRIMÔNIO DE EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. QUEBRA DE CINCO VIDROS LATERAIS DE FURGÕES PERTENCENTES AOS CORREIOS ESTACIONADOS PERTO DE UMA PRAÇA, A PARTIR DE PEDRAS, EM TESE, ARREMESSADAS PELO PACIENTE, ENQUANTO GRITAVA NA RUA, APARENTEMENTE SOB EFEITO DE ENTORPECENTES E TENDO RESISTIDO À SUA PRISÃO EM FLAGRANTE. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DETERMINADA NO ÂMBITO DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL, VISANDO ASSEGURAR A REALIZAÇÃO DE EXAME MÉDICO-LEGAL. MEDIDA CAUTELAR IMPOSTA PELO JUÍZO FEDERAL DE ORIGEM COM BASE NO ARTIGO 150, C/C 319, VII, DO CPP. AUSÊNCIA DE REQUISITOS LEGAIS. OPOSIÇÃO DA DEFESA À INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. REVOGAÇÃO. LIMINAR RATIFICADA. ORDEM CONCEDIDA.
I. Caso em exame 1. Habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de cidadão denunciado por dano qualificado contra patrimônio da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), em razão de arremesso de pedras contra vidros laterais de veículos da referida empresa pública federal estacionados perto de uma praça, enquanto gritava na rua aparentemente sob efeito de entorpecentes. 2. Pleito de revogação da medida cautelar de internação provisória imposta ao paciente pelo Juízo Federal da 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP no curso de incidente de insanidade mental, então visando assegurar a realização de exame médico-legal para avaliação da imputabilidade penal do paciente.
II. Questão em discussão 3. Saber se a imposição de medida cautelar de internação provisória, com fundamento no art. 150 c/c art. 319, VII, do CPP, é cabível no bojo de incidente de insanidade mental (medida em favor da defesa) e se seus requisitos legais se encontram presentes na hipótese.
III. Razões de decidir 4. A internação provisória foi decretada com base na ausência de comparecimento do paciente à perícia de sanidade mental, apesar de regularmente intimado por meio de sua curadora. 5. O art. 150 do CPP prevê a internação apenas se o acusado estiver preso ou, se estiver solto, desde que tal internação seja requerida pelos próprios peritos, o que não ocorreu na presente hipótese. 6. O art. 319, VII, do CPP estabelece, por sua vez, que a internação provisória do acusado só seria cabível nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, desde que haja conclusão pericial de que inimputabilidade ou semi-imputabilidade e risco de reiteração, requisitos legais estes ausentes no caso concreto. 7. O incidente de insanidade mental é medida em favor da defesa, de tal sorte que o comparecimento do paciente a exame médico-pericial vislumbrado em seu âmbito não pode ser imposto de forma compulsória. 8. Ausência de fundamento legal para a medida cautelar de internação provisória imposta ao paciente.
IV. Dispositivo 9. Ordem concedida para revogar a internação provisória.
Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, art. 5º, LXVIII; CPP, arts. 150, c/c 319, VII; CP, art. 163, parágrafo único, III.
Jurisprudência relevante citada: STF, HC 133078/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. 06/09/2016.