RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5007697-92.2023.4.03.6100
RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: FLAMINGO 2001 CURSO FUNDAMENTAL, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) RECORRENTE: FERNANDO EGIDIO DI GIOIA - SP220899-A
RECORRIDO: FERNANDA CAROLINE BARZAQUI UEMURA
Advogados do(a) RECORRIDO: FABRIZIO FERRENTINI SALEM - SP347304-A, GIOVANNI CORREIA FRANCO - SP374310-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RELATÓRIO Trata-se de ação de conhecimento pela qual FERNANDA CAROLINE RAMOS BARZAQUI postula em face de FLAMINGO 2001 CURSO FUNDAMENTAL e UNIÃO FEDERAL a expedição e registro de diploma de conclusão de curso superior, bem como indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (id 316632566). Na petição inicial, a parte autora relata ter concluído o curso superior de Bacharel em Ciências Contábeis em 2018, participando da cerimônia de colação de grau em 26.10.2018. Sustenta que o diploma constitui o único documento legal que comprova a habilitação técnica do graduado perante o mercado de trabalho, sendo reconhecido em todo território nacional, conforme art. 2º da Portaria Normativa MEC n. 1.095/2018. Afirma que o documento não foi fornecido pela IES sob alegação de que se encontrava em fase de confecção. Alega que não conseguiu trabalho em sua área de formação por não estar de posse do diploma para comprovação de qualificação acadêmica, além de ter sido impedida de se matricular em curso de pós-graduação e mestrado. Sustenta descumprimento do prazo para emissão do diploma de 60 dias contados da colação de grau, com envio a registro em até 15 dias da expedição, dispondo a registradora do prazo de 60 dias, nos termos da Portaria n. 1.095 do Ministério da Educação (id 316632566). Por emenda à inicial, a autora incluiu a União Federal no polo passivo da demanda (id 316632579). A União Federal apresentou contestação alegando que não há qualquer ato ou falha imputado à União, inexistindo qualquer pretensão apresentada em face do ente federal. Aduz que seu interesse decorre das competências previstas no artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal c/c a Lei Federal nº 9.394/1996, requerendo seja mantida na lide exclusivamente na condição de amicus curiae. Sustenta que não compete à União expedir, registrar ou cancelar diplomas, à míngua de previsão legal nesse sentido. Afirma que a responsabilização da Administração depende da efetiva prática de ato lesivo ou omissão caracterizadora de faute du service quanto às competências constitucionais e legais. No presente caso, alega não haver qualquer ato ou falha imputado à União, requerendo a improcedência dos pedidos (id 316632683). A FLAMINGO 2001 CURSO FUNDAMENTAL apresentou contestação alegando carência de ação por falta de interesse processual, pois nunca se negou a fornecer o diploma da autora. Sustenta que depende de terceiros porque é instituição de ensino não-universitária, necessitando submeter seus diplomas a registro por universidades públicas credenciadas, nos termos do artigo 1º da Resolução CES/CNE n° 12/2007. Informa que a autora se formou e preencheu requisição de diploma em 2018, mas jamais procurou a ré para saber se o diploma estaria pronto. Afirma que o diploma já foi entregue, tendo sido registrado em 25.10.2021. Alega que a formatura da autora é anterior à Portaria 1.095/18 do MEC, cabendo à faculdade apenas expedir o Certificado de Conclusão do Curso. Sustenta que devido às paralisações ocorridas em 2020 houve efeito em cadeia, causando atraso no registro dos diplomas. Quanto aos danos morais, alega ausência de dano e evento de força maior. Informa que a ré luta atualmente contra inadimplência e evasão de mais de 60% de seus alunos, estando em cenário catastrófico (id 316632686). A parte autora ofereceu réplica reiterando que a ré confessou ter praticado o ilícito ao atrasar excessivamente a expedição e registro do diploma, o qual foi entregue somente em 18.11.2021, mais de 3 anos desde o requerimento. Sustenta aplicação do Código de Defesa do Consumidor e responsabilidade objetiva da ré. Afirma tratar-se de dano moral in re ipsa (id 316632690). Em sentença, o juízo reconheceu a legitimidade da União nos termos da jurisprudência do STF, mas julgou improcedentes os pedidos em detrimento do ente federal por não ter verificado nenhuma conduta danosa praticada pela União que pudesse fundamentar sua responsabilidade civil. Quanto à IES, julgou parcialmente procedentes os pedidos, reconhecendo o direito da autora ao fornecimento do diploma e condenando a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 4.415,00, considerando que a parte autora colou grau em 26.10.2018 e requereu expedição do diploma em 01.11.2018, mas a expedição e registro somente foram providenciados em 25.10.2021. Entendeu que a demora injustificada na expedição do diploma por parte da IES constitui fato gerador de dano moral in re ipsa (id 316632693). A FLAMINGO 2001 CURSO FUNDAMENTAL interpôs recurso inominado alegando que a Portaria nº 1.095/2018 do MEC não se aplica ao caso pois entrou em vigor apenas em 25.10.2018, sendo que antes da referida Portaria não havia norma disciplinando prazo para emissão do diploma. Sustenta que o certificado de conclusão valia como documento hábil para todos os fins e efeitos de direito. Quanto aos danos morais, alega que não se trata de dano moral in re ipsa, sendo necessária comprovação de situação fática que ultrapassasse os aborrecimentos normais. Informa que a ré é instituição de ensino modesta voltada a público carente, com valor médio de mensalidade de R$ 280,00, lutando contra inadimplência e evasão de mais de 60% dos alunos (id 316632694). A parte autora apresentou contrarrazões ao recurso inominado sustentando que a Portaria do MEC nº 1.095/2018 se aplicava ao caso concreto, pois foi publicada em 25.10.2018 e a recorrida colou grau em 26.10.2018, realizando solicitação do diploma em 01.11.2018. Reitera que o dano moral é devido pela delonga de 3 anos, citando jurisprudência do TJSP que reconhece dano moral em casos similares (id 316632698). É o relatório.
VOTO O recurso merece provimento para afastar a condenação por danos morais. Embora seja incontroverso que houve considerável atraso na expedição do diploma da recorrida - que colou grau em 26.10.2018, requereu o diploma em 01.11.2018 e somente o recebeu registrado em 25.10.2021 -, tal circunstância, por si só, não configura automaticamente dano moral passível de indenização. A recorrida fundamentou sua pretensão exclusivamente na teoria do dano moral in re ipsa, alegando que o próprio atraso na expedição do diploma seria suficiente para caracterizar o dano extrapatrimonial, dispensando qualquer outra prova. Contudo, essa compreensão não se sustenta no caso concreto. O dano moral in re ipsa configura-se apenas em situações específicas e taxativamente reconhecidas por entendimento jurisprudencial consolidado. Não é o que ocorre na espécie. Pelo contrário, em situações semelhantes, a linha jurisprudencial existente no Superior Tribunal de Justiça é contrária ao entendimento da parte autora. Confira-se precedente: CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. ABORRECIMENTO E DISSADOR. EXAME DAS PREMISSAS FÁTICAS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. NÃO INCIDÊNCIA. 1. O simples descumprimento contratual, por si, não é capaz de gerar danos morais, sendo necessária a existência de uma consequência fática capaz de acarretar dor e sofrimento indenizável pela sua gravidade. 2. A Corte local, para reformar a sentença e julgar procedente o pedido de indenização por danos morais, concluiu que o atraso na entrega do imóvel, de aproximadamente 9 (nove) meses, por si, frustrou a expectativa do casal de ter um lar, causando, consequentemente, transtornos por não ter domicílio próprio. Com efeito, o Tribunal de origem apenas superestimou o desconforto, o aborrecimento e a frustração da autora, sem apontar, concretamente, situação excepcional específica, desvinculada dos normais aborrecimentos do contratante que não recebe o imóvel no prazo contratual. 3. A orientação adotada na decisão agravada não esbarra no óbice contido no enunciado n. 7 da Súmula do STJ, tendo em vista que foram consideradas, apenas, as premissas fáticas descritas no acórdão recorrido. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.408.540/MA, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/2/2015, DJe de 19/2/2015.) A recorrida limitou-se a afirmar genericamente que "não conseguiu trabalho em sua área de formação" e que foi "impedida de se matricular em curso de pós-graduação e mestrado" (id 316632567), porém não produziu qualquer elemento probatório que corroborasse tais alegações. Conforme se depreende dos autos, a recorrida manifestou expressamente que "não possui interesse na designação de audiência de conciliação" e "protesta-se pelo julgamento antecipado da lide, não havendo nova prova a produzir" (id 316632567, págs. 80-85). Tal postura processual revela que a própria interessada não vislumbrava a necessidade de demonstrar concretamente os alegados prejuízos, confiando exclusivamente na presunção de dano. Ocorre que, para a caracterização do dano moral em casos de descumprimento contratual, é imprescindível a demonstração de que o inadimplemento extrapolou os limites do mero aborrecimento ou contratempo, gerando efetivo abalo psíquico, constrangimento ou lesão à dignidade da pessoa. No caso concreto, a ausência de qualquer prova de que a recorrida tenha efetivamente perdido oportunidades de emprego, sido preterida em processos seletivos, ou sofrido qualquer outro prejuízo concreto em razão da ausência do diploma, impede o reconhecimento do dano moral indenizável. Face ao exposto, dou provimento ao recurso da corré Flamingo 2001 para julgar improcedente o pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Sem condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, por ser o recorrente vencedor ou apenas parcialmente vencido. É o voto.
EMENTA
DIREITO CIVIL E EDUCACIONAL. RECURSO INOMINADO. ATRASO NA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR. DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PROVA DE PREJUÍZO CONCRETO. RECURSO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Recurso inominado interposto por instituição de ensino superior contra sentença que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 4.415,00, em razão de atraso na expedição de diploma de curso superior de Bacharel em Ciências Contábeis.
A autora colou grau em 26.10.2018, requereu o diploma em 01.11.2018 e somente o recebeu registrado em 25.10.2021, após aproximadamente 3 anos de espera.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
A questão em discussão consiste em saber se o atraso na expedição de diploma de curso superior, por si só, configura dano moral in re ipsa passível de indenização, independentemente da comprovação de prejuízos concretos.
III. RAZÕES DE DECIDIR
O dano moral in re ipsa configura-se apenas em situações específicas e taxativamente reconhecidas por entendimento jurisprudencial consolidado, o que não é o caso dos autos.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que o simples descumprimento contratual, por si, não é capaz de gerar danos morais, sendo necessária a existência de uma consequência fática capaz de acarretar dor e sofrimento indenizável pela sua gravidade.
A parte autora não produziu qualquer elemento probatório que corroborasse as alegações de que não conseguiu trabalho em sua área de formação ou foi impedida de se matricular em curso de pós-graduação, manifestando expressamente desinteresse na produção de provas.
Para a caracterização do dano moral em casos de descumprimento contratual, é imprescindível a demonstração de que o inadimplemento extrapolou os limites do mero aborrecimento, gerando efetivo abalo psíquico, constrangimento ou lesão à dignidade da pessoa.
IV. DISPOSITIVO
Recurso inominado provido para julgar improcedente o pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
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Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 22, XXIV; Lei nº 9.394/1996; Portaria Normativa MEC nº 1.095/2018, art. 2º; Resolução CES/CNE nº 12/2007, art. 1º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp nº 1.408.540/MA, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 12.02.2015.