Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000620-57.2023.4.03.6318

RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO

APELANTE: CRISTIANE BATISTA CARETTA
CURADOR: LEONTINA BATISTA CARETTA

Advogados do(a) APELANTE: FABRICIO BARCELOS VIEIRA - SP190205-A, TIAGO FAGGIONI BACHUR - SP172977-A,

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000620-57.2023.4.03.6318

RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO

APELANTE: CRISTIANE BATISTA CARETTA
CURADOR: LEONTINA BATISTA CARETTA

Advogados do(a) APELANTE: FABRICIO BARCELOS VIEIRA - SP190205-A, TIAGO FAGGIONI BACHUR - SP172977-A,

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A Excelentíssima Desembargadora Federal GABRIELA ARAUJO (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora (id 326693446) em face de sentença (id 326693444) que julgou parcialmente procedentes os pedidos de restabelecimento do benefício assistencial à pessoa com deficiência, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 8.742/1993, bem como de declaração de inexigibilidade da cobrança dos valores relativos ao referido benefício considerados indevidos pela autarquia, proferida nos seguintes termos:

“Julgo improcedente o pedido de restabelecimento do benefício.

Julgo procedente o pedido para declarar inexigível da autora os valores apurados no id 290057381 - Pág. 26.

Sem custas a serem ressarcidas.

Fixo os honorários em 10% do valor atualizado da causa. Considerando a sucumbência recíproca, condeno o réu a pagar metade dos honorários. A autora pagará a outra metade, caso seja afastada a gratuidade, nos termos do art. 98, § 3º, da Lei nº 8.213/1991.

Entendo que os requisitos para a medida de urgência, nessa fase processual, revelam-se presentes, notadamente em razão do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e a verossimilhança das alegações, razão pela qual mantenho a decisão de ID 308922966 - Pág. 2 que concedeu à autora a TUTELA ANTECIPADA, determinando que o INSS se abstenha de cobrar da autora, até decisão final da presente demanda, o crédito oriundo da revisão do NB 87/106.107.205-0.”

Em suas razões recursais, a parte autora requer a reforma parcial da sentença, para que seja restabelecido o benefício assistencial indevidamente cessado, sustentando que restara preenchido o requisito da hipossuficiência econômica, uma vez que a pensão por morte recebida pela mãe revela-se insuficiente para manter as despesas básicas da família.

Sem as contrarrazões, os autos vieram a este Egrégio Tribunal.

O Ministério Público Federal, em seu parecer (id 327368519), opinou pelo provimento parcial do recurso, para que o benefício assistencial seja concedido desde a data da perícia social.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000620-57.2023.4.03.6318

RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO

APELANTE: CRISTIANE BATISTA CARETTA
CURADOR: LEONTINA BATISTA CARETTA

Advogados do(a) APELANTE: FABRICIO BARCELOS VIEIRA - SP190205-A, TIAGO FAGGIONI BACHUR - SP172977-A,

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP 

 

 

V O T O

 

 

A Excelentíssima Desembargadora Federal GABRIELA ARAUJO (Relatora): Recebo o recurso de apelação, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil, haja vista que tempestivo.

Trata-se de demanda ajuizada em 09/02/2023, por Cristiane Batista Caretta, representada por sua mãe Leontina Batista Caretta, objetivando a  condenação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao restabelecimento do benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, regulamentado no artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (NB: 87/1061072050), desde a cessação em 31/07/2019, bem como a declaração de inexigibilidade da cobrança dos valores relativos ao referido benefício considerados indevidos pela autarquia, em razão do não preenchimento do requisito da hipossuficiência econômica.

O R. Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, declarando a inexigibilidade de devolução dos valores e mantendo a decisão administrativa de cessação do benefício.

No presente recurso de apelação, a autora requer a reforma parcial da sentença, uma vez que preenchidos os requisitos para restabelecimento do benefício assistencial.

Do benefício assistencial 

Consoante a regra do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, a assistência social será prestada à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem "não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família". Confira-se:

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

A Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS  (Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993) regulamentou referido dispositivo constitucional, estabelecendo, em seu artigo 20, os requisitos para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência ou ao idoso. 

As Leis nº 9.720, de 30/11/1998, e nº 10.741, de 1º/10/2003 (Estatuto do Idoso), promoveram alterações no artigo 20 da LOAS, reduzindo o critério etário de 67 e 65 anos; posteriormente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06/07/2011, e nº 12.470, de 31/08/2011, Lei nº 13.146, de 06/07/2015, Lei nº 13.846, de 18/06/2019, Lei nº 13.982, de 02/04/2020, Lei nº 14.176, de 22/06/2021, Lei nº 14.441, de 02/09/2022, Lei nº 14.601, de 19/06/2023 e Lei nº 14.973, de 16/09/2024, as quais conferiram ao aludido dispositivo legal a seguinte redação:

"Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)      

§ 1o  Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2o  Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)      

§ 3º  Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023)

§ 5o  A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 6º  A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 6º-A. O INSS poderá celebrar parcerias para a realização da avaliação social, sob a supervisão do serviço social da autarquia. (Incluído pela Lei nº 14.441, de 2022)

§ 7o  Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 8o  A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 9º Os valores recebidos a título de auxílio financeiro temporário ou de indenização por danos sofridos em decorrência de rompimento e colapso de barragens, bem como os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem, não serão computados para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 14.809, de 2024)

§ 10.  Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 11.  Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)    (Vigência)

§ 11-A.  O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)           (Vigência)

§ 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 12-A. Ao requerente do benefício de prestação continuada, ou ao responsável legal, será solicitado registro biométrico nos cadastros da Carteira de Identidade Nacional (CIN), do título eleitoral ou da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), nos termos de ato conjunto dos órgãos competentes. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024)

Parágrafo único. Na impossibilidade de registro biométrico do requerente, ele será obrigatório ao responsável legal. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024)

(...)

§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

§ 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei.  (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)".

"Art. 20-B.  Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo: (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)          

I – o grau da deficiência; (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)        

II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária;     (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)     

III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)         

§ 1º  A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)        

§ 2º  Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)      

§ 3º  O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)     

§ 4º  O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)"    

"Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. (Vide Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.

§ 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização.

§ 3o  O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 4º  A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em regulamento. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 5º  O beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada concedido judicial ou administrativamente poderá ser convocado para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, sendo-lhe exigida a presença dos requisitos previstos nesta Lei e no regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021)"

"Art. 21-A.  O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 1o  Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão previsto no caput do art. 21. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 2o  A contratação de pessoa com deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do benefício de prestação continuada, limitado a 2 (dois) anos o recebimento concomitante da remuneração e do benefício. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)"

"Art. 21-B. Os beneficiários do benefício de prestação continuada, quando não estiverem inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) ou quando estiverem com o cadastro desatualizado há mais de 48 (quarenta e oito) meses, deverão regularizar a situação nos seguintes prazos, contados a partir da efetiva notificação bancária ou por outros canais de atendimento: (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024)

I – 45 (quarenta e cinco) dias para Municípios de pequeno porte; (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024)

II – 90 (noventa) dias para Municípios de médio e grande porte ou metrópole, com população acima de 50.000 (cinquenta mil) habitantes. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024)

§ 1º Na falta da ciência da notificação bancária ou por outros canais de atendimento, o crédito do benefício será bloqueado em 30 (trinta) dias após o envio da notificação.  (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024)

§ 2º O não cumprimento do disposto no caput implicará a suspensão do benefício, desde que comprovada a ciência da notificação. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024)

§ 3º O beneficiário poderá realizar a inclusão ou a atualização no CadÚnico até o final do prazo de suspensão, sem que haja prejuízo no pagamento do benefício. (Incluído pela Lei nº 14.973, de 2024)"

Assim, conforme previsão legal, para a concessão do benefício assistencial a parte deve comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: a) ser pessoa com deficiência ou idosa (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); b) situação de risco social, ou seja, ter renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo (requisito para aferição da miserabilidade).

Da pessoa com deficiência

O Brasil ratificou em 2008 a Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 09/07/2008, promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25/08/2009, a qual foi incorporada no ordenamento jurídico com status de emenda constitucional (artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal), conferindo maior amplitude ao tema, com o objetivo de promover, proteger e assegurar o pleno exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência (artigo 1º da referida Convenção).

Por essa razão, sobreveio a Lei nº 12.470, de 31/08/2011, que alterou a redação do § 2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, e, posteriormente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 06/07/2015, com início de vigência em 05/01/2016), agregando os termos do artigo 1º da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em relação ao conceito de pessoa com deficiência, abrangendo as diversas ordens de impedimentos de longo prazo capazes de obstaculizar a plena e equânime participação social, considerando o meio em que se encontra inserida, estabelecendo para fins de concessão do benefício assistencial que será considerada pessoa com deficiência aquela que: "tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". Consignou-se, ainda, conforme o § 10 do mesmo dispositivo legal: "considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."

Dessa forma, o conceito de deficiência para fins de concessão de benefício assistencial foi desvinculado da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente. Conforme a atual redação do do § 2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, a condição de deficiente não está mais restrita apenas à demonstração da incapacidade laborativa, estando atrelada ao modelo social de direitos humanos, de sorte que abandonando os critérios de análise restritivos, a pessoa postulante da benesse deve comprovar a existência de restrição capaz de obstaculizar a sua efetiva participação social de forma plena e justa na sociedade.

Por oportuno, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, a legislação que disciplina a matéria não elenca o grau de incapacidade para fins de configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão, estabelecendo que a lei deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência. Confira-se:

"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ALEGADA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA A PESSOA DEFICIENTE. ART. 20, §§ 2º E 3º, DA LEI 8.742/93. DISTINÇÃO QUANTO AO GRAU DA DEFICIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE O INTÉRPRETE ACRESCER REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI, PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. Incidência do Enunciado Administrativo 3/2016, do STJ ("Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC").

II. Trata-se, na origem, de ação ajuizada por Cleide dos Santos em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a concessão do benefício de prestação continuada, previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, a pessoa com deficiência. O Juízo de 1º Grau julgou o pedido procedente, para determinar a implantação, em favor da parte autora, do benefício assistencial requerido, concluindo que, "segundo o laudo de fls.154, a autora é portadora de desenvolvimento mental retardado em grau leve (Olifogrenia leve), concluindo que sua incapacidade é parcial e permanente. Ocorre que o caso da autora implica grave barreira à participação social, apesar de ter algum acesso a tratamento médico e uso de medicamentos para sua doença". O Tribunal a quo, dando provimento ao recurso de Apelação do INSS, decidiu pela improcedência do pedido, por considerar não preenchido o requisito da deficiência, para fins de concessão do benefício pleiteado, em virtude de ausência de incapacidade absoluta da autora, tendo em vista ser ela portadora de desenvolvimento mental retardado em grau leve, possuindo limitação apenas para atividades que demandam habilidades acadêmicas.

III. Quanto à alegação de negativa de prestação jurisdicional, verifica-se que, apesar de apontar como violados os arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, a parte recorrente não evidencia qualquer vício, no acórdão recorrido, deixando de demonstrar no que consistiu a alegada ofensa ao citado dispositivo, atraindo, por analogia, a incidência da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal ("É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia").

Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 1.229.647/MG, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, DJe de 15/06/2018; AgInt no AREsp 1.173.123/MA, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 29/06/2018.

IV. No presente Recurso Especial, fundamentado na alínea a do permissivo constitucional, o Ministério Público Federal sustenta ser devida a concessão do benefício de prestação continuada, porquanto demonstrado que a autora possui impedimentos de longo prazo que obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas, sob pena de violação aos arts. 20, § 2º, da Lei 8.742/93 e 2º, § 1º, I a III, da Lei 13.146/2015.

V. O Constituinte de 1988, no art. 203, caput, e inciso V, previu que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, tendo, como um de seus objetivos, a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

VI. A Lei 8.742/93 regulamentou mencionado dispositivo constitucional, garantindo o benefício de prestação continuada, no valor de um salário-mínimo, à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção, nem tê-la provida por sua família.

VII. O art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93 dispõe que, para efeito de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.

VIII. Embora o acórdão recorrido tenha reconhecido a deficiência e as limitações da parte autora, considerou que a incapacidade era parcial e permanente e que a sua deficiência não impedia o trabalho em atividades que demandam habilidades práticas, ao invés de acadêmica, pelo que não haveria impedimento apto a obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade.

IX. A jurisprudência do STJ firmou entendimento segundo o qual, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a legislação que disciplina a matéria não elenca o grau de incapacidade para fins de configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão. Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte: REsp 1.770.876/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/12/2018; AgInt no AREsp 1.263.382/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 19/12/2018; REsp 1.404.019/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 03/08/2017.

X. Recurso Especial conhecido e parcialmente provido, para reconhecer, nos termos do § 2º do art. 20 da Lei 8.742/93, que a parte autora é portadora de deficiência, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, bem como para determinar o retorno dos autos à instância de origem, para que prossiga no julgamento da Apelação do INSS, como entender de direito, de vez que a autarquia, na Apelação, sustentou inexistente o requisito da hipossuficiência, cujo exame o acórdão recorrido não efetuou, por entendê-lo prejudicado, à míngua de prova da deficiência." (REsp 1962868/SP, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, j. 21/03/2023, DJe 28/03/2023).

No mesmo sentido: REsp 1.770.876/SP, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 19/12/2018; AgInt no AREsp 1.263.382/SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 19/12/2018; REsp 1.404.019/SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 03/08/2017.

Desse modo, de acordo com os dispositivos legais mencionados e a jurisprudência sobre a matéria, não se exige que a pessoa requerente do benefício seja incapaz de se locomover, de se alimentar, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho, de se expressar ou se comunicar, ou tenha dependência total de terceiros, sendo suficiente que não possua condições de completa autodeterminação ou dependa de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa para viver com dignidade e, ainda, que não tenha condições de buscar no mercado de trabalho meios de prover a sua própria subsistência ou de tê-la provida por seu núcleo familiar.

Da hipossuficiência econômica

Quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção da pessoa idosa ou deficiente, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.

A atual redação do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, conferida pela Lei nº 14.176/2021, manteve como critério para a concessão do benefício assistencial a idosos ou deficientes a percepção de renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

A redação originária foi questionada no E. Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232/DF, Relator para acórdão Ministro NELSON JOBIM, em 27/08/1998, publicado no DJ 01/06/2001, declarou a constitucionalidade do critério da renda familiar estabelecido na redação originária do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, conforme a ementa transcrita:

"CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INICISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CIITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE."

O C. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar Recurso Especial representativo de controvérsia (Tema 185), à luz do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, notadamente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física e do amparo ao cidadão social e economicamente vulnerável, relativizou o critério econômico previsto no § 3º, do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, tal como atualmente consta da redação do artigo 20-B, incluído pela Lei nº 14.176/2021, estabelecendo que a limitação do valor da renda familiar per capita familiar inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, não deve ser considerada como o único meio de se comprovar que a pessoa deficiente ou idosa não possui meios para prover a própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família, uma vez que se trata apenas de um elemento objetivo para se aferir a necessidade.

Assim, presume-se a miserabilidade absoluta quando for comprovado que a renda per capita do núcleo familiar é inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, mas a aferição do critério econômico deve ser feita, também, com base em elementos de prova colhidos ao longo do processo, observadas as circunstâncias específicas relativas ao postulante do benefício, como a espécie da deficiência ou enfermidade, a idade, a profissão, o grau de instrução, dentre outros (REsp nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 28/10/2009, DJe de 20/11/2009).

Posteriormente, a questão voltou à análise do E. Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar a Reclamação nº 4.374 - PE e  o Recurso Extraordinário nº 567.985, este com repercussão geral, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Relator p/ acórdão Ministro GILMAR MENDES, em 18/04/2013, DJe de 03/10/2013, estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo encontrava-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, em razão das significativas mudanças econômicas, bem como das legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais que trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar, de maneira que, ao longo de vários anos, desde a sua vigência, o § 3º do artigo 20 da LOAS, passou por um processo de inconstitucionalização, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme a ementa a seguir transcrita:

"1. Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição.

4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidadedo critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.

6. Reclamação constitucional julgada improcedente." (Órgão Julgador: Tribunal Pleno, J. 18/04/2013, DJe-173 DIVULG 03/09/2013, PUBLIC 04/09/2013).

O Plenário do E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único, do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), o qual traz a previsão de que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Lei nº 8.742/1993. Restou estabelecido que não se justifica para fins do cálculo da renda familiar, que haja previsão legal de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família com deficiência), também deveriam ser contemplados, uma vez que a restrição viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como o caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas  com deficiência.

Adotando o mesmo entendimento, a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, no Julgamento do Tema 640 - Recurso Especial  nº1.355.052/SP, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, em 25/02/2015, DJe de 05/11/2015, com base nos princípios da igualdade e da razoabilidade, fixou a tese jurídica segundo a qual, "Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93".

O entendimento firmado pelas Cortes Superiores pela exclusão do cálculo de renda per capita de todos os benefícios de renda mínima, de natureza previdenciária ou assistencial, recebidos por pessoa idosa ou com deficiência, fundamenta-se no fato de que nesses casos o benefício visa a amparar unicamente seu beneficiário, não sendo suficiente para alcançar os demais membros do núcleo familiar.

A orientação jurisprudencial foi acolhida pela Lei nº 13.982/2020, que acrescentou os parágrafos 14 e 15 ao artigo 20 da LOAS, no sentido de que o benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima não será considerado na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.

Dessa forma, em regra, devem integrar o cálculo da renda familiar per capita do requerente do benefício os rendimentos auferidos mensalmente pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto, nos termos do artigo 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011.

Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) incluiu o § 11 ao artigo 20 da LOAS, estabelecendo que, para a concessão do benefício assistencial, podem ser admitidos outros elementos de prova com condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do núcleo familiar do requerente de benefício, além do critério objetivo de renda mensal per capita no valor inferior a ¼ do salário mínimo.

Assim, deverá sobrevir análise quanto à situação de hipossuficiência porventura existente, caso a caso.

Do caso dos autos

No presente caso, verifica-se que a matéria controvertida diz respeito ao pedido de restabelecimento do benefício assistencial NB: 87/1061072050, concedido em 14/05/1997 e cessado administrativamente em 31/07/2019, em razão da superação da renda per capita para fins de concessão do benefício, uma vez que a mãe da autora recebia pensão por morte desde 12/01/2003.

O requisito da deficiência é incontroverso nos autos. Apesar da não realização de perícia médica no presente feito, restou comprovado, considerando-se que a parte autora recebeu o benefício assistencial desde 1997 em razão dos diagnósticos de hidrocefalia, cegueira total, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor e deficiência intelectual grave. As doenças são congênitas e irreversíveis,  portanto, a deficiência se manteve desde a  concessão do benefício assistencial, não tendo sido questionada.

Quanto ao requisito da hipossuficiência econômica, realizada a perícia socioeconômica em 20/01/2025 (id 326693440), restou consignado que a parte autora reside com sua mãe, ambas analfabetas, em imóvel próprio, em apartamento de três cômodos e um banheiro, com mobiliário simples e essencial. A renda da família provém apenas do benefício de pensão por morte recebido pela genitora, em razão do falecimento do marido, no valor de R$ 1.483,14 (um mil, quatrocentos e oitenta e três reais e quatorze centavos).

As despesas da família foram assim elencadas: condomínio – R$ 275,00; luz – R$ 120,00; alimentação e limpeza – R$ 1.000,00; IPTU – R$ 146,90; medicamentos – R$ 595,91; fraldas – R$ 800,00. Os valores relativos a internet, celular e transporte são custeados pelos tios da autora.

Concluiu a assistente social que “há uma situação de comprometimento de renda familiar na garantia de direitos básicos, marcada pela dificuldade em custear o fornecimento de água e energia elétrica, além da aquisição de alimentos, vestuário, produtos de higiene pessoal, limpeza, medicamentos e fraldas geriátricas”.

Cabe ressaltar o teor do disposto no parágrafo 14 do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.982/2020, in verbis:

“Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.  

(...)

§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

(...)

§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.”

No presente caso, em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, verificou-se que o valor atualizado do benefício de pensão por morte recebido pela mãe da parte autora, nascida em 16/07/1949, idosa, é de R$ 1.553,88 (um mil, quinhentos e cinquenta e três reais e oitenta e oito centavos), superando minimamente o salário mínimo vigente (R$ 1.518,00 – um mil, quinhentos e dezoito reais), o que não afasta a condição de hipossuficiente da requerente, considerando as necessidades que a deficiência impõe em relação à dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária e o comprometimento do orçamento familiar.

Saliente-se que no laudo social consta, ainda, que em 2019, com a cessação do benefício assistencial da parte autora, “a renda familiar ficou insuficiente e a irmã [da mãe] Ana Cláudia passou a ajudar provisoriamente com alimentos”; em 2020, a mãe da requerente vendeu a casa que possuíam  e passou a residir com a irmã e o cunhado; somente em maio de 2024, ela adquiriu o imóvel em que residem atualmente, nas proximidades da irmã e do cunhado.

O fato de a parte autora e a mãe terem residido com os tios no período de 2020 a 2024, não é suficiente para afastar a concessão do benefício assistencial, pois constituem núcleo familiar diverso. É válido ressaltar o disposto no § 1º, do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2022, a respeito do grupo familiar para fins de apuração da hipossuficiência econômica:

"Art. 20 (...)

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto."

Nesse sentido, cumpre destacar que a Turma Nacional de Uniformização, por meio do Tema 73, firmou tese no sentido de que "o grupo familiar deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 20 da Lei n. 8.742/93".

A jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça também é no sentido de que o conceito de renda familiar deve ser extraído com base na renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do artigo 20 da Lei nº 8.213/1991, e desde que compartilhem a mesma moradia. Confira-se:

“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA. CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1o. DA LEI 8.742/1993, ALTERADO PELA LEI 12.435/2011. RECURSO ESPECIAL DO MPF PROVIDO.1. O conceito de renda mensal da família contido na LOAS deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência).2. Na hipótese, em que pese a filha da autora possuir renda, ela não compõe o conceito de família, uma vez que não coabita com a recorrente, não podendo ser considerada para efeito de aferição da renda mensal per capita.3. Recurso Especial do MPF provido para restabelecer a sentença de primeiro grau.” (REsp 1741057/SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 11/06/2019, DJe 14/06/2019, RSTJ vol. 255 p. 381);

“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ARTS. 2º, I E V, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 16 DA LEI N. 8.213/1991. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. ART. 20 DA LEI N. 8.213/1991. CONCEITO DE RENDA FAMILIAR. PESSOAS QUE VIVAM SOB O MESMO TETO DO VULNERÁVEL SOCIAL E QUE SEJAM LEGALMENTE RESPONSÁVEIS PELA SUA MANUTENÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA.1. Os recursos interpostos com fulcro no CPC/1973 sujeitam-se aos requisitos de admissibilidade nele previstos, conforme diretriz contida no Enunciado Administrativo n. 2 do Plenário do STJ.2. O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do artigo 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência).3. São excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica.4. No caso, o fato de a autora, ora recorrente, passar o dia em companhia de outra família não amplia o seu núcleo familiar para fins de aferição do seu estado de incapacidade socioeconômica.5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.” (REsp 1538828/SP, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, j. 17/10/2017, DJe 27/10/2017).

Assim, no cálculo da renda familiar para fins de concessão do benefício assistencial não devem ser considerados os rendimentos das pessoas que não habitam sob o mesmo teto daquele que pleiteia o benefício e tampouco os rendimentos das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam consideradas responsáveis por sua manutenção econômica.

Assim, eventuais rendimentos dos tios não podem ser computados para o cálculo da renda mensal da família da autora no período em que residiram sob o mesmo teto, sob acolhimento para moradia.

Por fim, observe-se que o critério estabelecido no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único meio hábil para a comprovação da condição econômica de miserabilidade do beneficiário, consoante a jurisprudência das Cortes Superiores e a previsão inserida nos parágrafos 11 e 11-A do referido artigo 20.

O artigo 20-B, por sua vez, determina que na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade devem ser considerados o grau de deficiência, a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária, o comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos médicos, tratamentos de saúde, fraldas, alimentos especiais e com medicamentos não disponibilizados gratuitamente pelo SUS.

No presente caso, restou demonstrado que a parte autora é pessoa com cegueira, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor e deficiência intelectual grave. Depende totalmente da mãe, fazendo uso de fraldas, com gasto mensal de R$ 800,00, conforme informado pela mãe, além de medicamentos e alimentação especiais. À assistente social, a genitora informou que necessita de medicamentos não fornecidos na rede pública de saúde e apresentou receituários de suplementos alimentares (id’s 292764912 - Pág. 112 e 128).

Portanto, conclui-se que a parte autora se insere no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou amparar, fazendo jus ao restabelecimento do benefício assistencial.

Quanto ao termo inicial do benefício, entretanto, conforme informações da própria genitora da parte autora, com a venda do imóvel da família em 2020, elas passaram a residir na casa dos tios da autora, sendo que em 2024 adquiriram o imóvel em que viviam na ocasião do estudo socioeconômico. Muito embora, conforme já aduzido, os rendimentos dos tios não integrem o cômputo da renda per capita familiar, pois constituem núcleo familiar independente, não se pode afirmar que após a venda do imóvel elas mantivessem a situação de hipossuficiência econômica.

Assim, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do laudo socioeconômico (20/01/2025), ocasião em que a autarquia efetivamente tomou ciência do preenchimento dos requisitos legais para concessão do benefício assistencial, considerando-se que anteriormente não restara comprovada a situação de hipossuficiência econômica do grupo familiar.

Confira-se, a respeito, o seguinte julgado desta Egrégia Décima Turma:

"PREVIDENCIÁRIO. ASSISTENCIAL. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LOAS. DEFICIENTE. DEFICIÊNCIA E MISERABILIDADE CONFIGURADAS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.  DEVIDA A CONCESSÃO DO AMPARO ASSISTENCIAL. TERMO INICIAL NA DATA DA CITAÇÃO.

- O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil, consiste na “garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (artigo 20, 'caput', da Lei n. 8.742/1993). 

- No que tange ao requisito da deficiência, o laudo pericial constatou que a autora é portadora de retardo mental moderado desde o nascimento, estando incapaz para os atos da vida civil. 

- Quanto à hipossuficiência econômica, conforme constou no estudo social, o núcleo familiar  atualmente é composto pela autora e por sua genitora, de 65 anos de idade. A renda auferida provém da aposentadoria por tempo de contribuição recebida pela genitora, no valor de um salário mínimo, o qual deve ser desconsiderado do cálculo da renda per capita. Assim, considerando que a renda familiar é nula, ficou caracterizada a condição de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social.  

- Presentes os requisitos estabelecidos no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, é devido o benefício assistencial.

- Considerando o longo tempo decorrido desde o requerimento administrativo formulado em 2012, que o núcleo familiar sofreu significativa alteração em razão da separação dos genitores e que não é possível saber o valor da renda per capita e o contexto socioeconômico familiar desde então, de rigor a fixação do termo inicial do benefício na data da citação do INSS, conforme requerido pelo Parquet Federal, porque nessa data já se apresentam elementos suficientes à demonstração do direito à percepção do benefício assistencial.

- Deixo de analisar as alegações relativas à multa diária, seja com relação ao valor arbitrado, seja em relação ao prazo para seu cumprimento, visto que a matéria foi enfrentada em decisão interlocutória (ID 282422417) e apenas ratificada em sentença, sem reapreciar seus critérios, revelando-se preclusa a discussão nesse momento processual. 

- A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios preconizados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que refere a aplicação da EC n. 113/2021.

- Quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, cristalizado pelo C. STF no julgamento do RE n. 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF.

- De rigor a manutenção dos honorários advocatícios fixados na origem (10%), no patamar mínimo previsto no artigo 85, § 3º, do CPC, incidentes sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, conforme a Súmula 111 do C. STJ e o Tema 1105/STJ.

-  Apelação do INSS parcialmente provida."

(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000149-43.2020.4.03.6125, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 29/02/2024, Intimação via sistema DATA: 29/02/2024)

Assim, deve ser parcialmente reformada a sentença, com o restabelecimento do benefício assistencial desde a data do laudo socioeconômico (20/01/2025), mantendo-se a determinação de inexigibilidade de devolução dos valores considerados indevidos pelo INSS, uma vez que tal questão já foi decidida em primeiro grau, sem interposição de recurso pela autarquia previdenciária.

Honorários advocatícios a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código de Processo Civil, e da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, devendo o percentual ser definido somente na liquidação do julgado. 

Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, para que o benefício assistencial seja restabelecido a partir data do laudo socioeconômico produzido nos autos (20/01/2025), nos termos da fundamentação.

Independentemente do trânsito em julgado, comunique-se ao INSS, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata implantação do benefício assistencial, em nome de CRISTIANE BATISTA CARETTA, com início em 20/01/2025, e renda mensal inicial – RMI no valor de 01 (um) salário-mínimo, nos termos do artigo 497 do Código de Processo Civil.

É o voto.

 

 

 

 

 



E M E N T A

PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20 DA LEI Nº 8.742/93. DEFICIÊNCIA E REQUISITO ETÁRIO COMPROVADOS. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. CONJUNTO PROBATÓRIO. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

- Consoante a regra do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, a assistência social será prestada à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

-  O artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, com a redação da Lei nº 14.176/2021, estabelece que terão direito ao benefício assistencial, a pessoa com deficiência ou idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo.

- O conceito de deficiência para fins de concessão de benefício assistencial foi desvinculado da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente. Conforme a atual redação do do § 2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, a condição de deficiente não está mais restrita apenas à demonstração da incapacidade laborativa, estando atrelada ao modelo social de direitos humanos, de sorte que abandonando os critérios de análise restritivos, a pessoa postulante da benesse deve comprovar a existência de restrição capaz de obstaculizar a sua efetiva participação social de forma plena e justa na sociedade.

- A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é no sentido de que para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, a legislação que disciplina a matéria não elenca o grau de incapacidade para fins de configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão, estabelecendo que a lei deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência (REsp 1962868/SP, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, j. 21/03/2023, DJe 28/03/2023; REsp 1.770.876/SP, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe de 19/12/2018; AgInt no AREsp 1.263.382/SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 19/12/2018; REsp 1.404.019/SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 03/08/2017).

- O requisito da deficiência é incontroverso nos autos. Apesar da não realização de perícia médica no presente feito, restou comprovado, considerando-se que a parte autora recebeu o benefício assistencial desde 1997 em razão dos diagnósticos de hidrocefalia, cegueira total, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor e deficiência intelectual grave. As doenças são congênitas e irreversíveis,  portanto, a deficiência se manteve desde a  concessão do benefício assistencial, não tendo sido questionada.

- Quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção da pessoa idosa ou deficiente, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família. Precedentes: STJ - Temas 185 e 640, REsp nº 1.355.052/SP, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, em 25/02/2015, DJe de 05/11/2015; STJ - REsp nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 28/10/2009, DJe de 20/11/2009; STF - Reclamação nº 4.374 - PE e Recurso Extraordinário nº 567.985, este com repercussão geral, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Relator p/ acórdão Ministro GILMAR MENDES, em 18/04/2013, DJe de 03/10/2013. 

- Realizada a perícia socioeconômica em 20/01/2025, restou consignado que a parte autora reside com sua mãe, ambas analfabetas, em imóvel próprio, em humildes condições de moradia. A renda da família provém apenas do benefício de pensão por morte recebido pela genitora, em razão do falecimento do marido. Em consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais, verificou-se que o valor atualizado do benefício de pensão por morte recebido pela mãe da parte autora, nascida em 16/07/1949, idosa, é de R$ 1.553,88 (um mil, quinhentos e cinquenta e três reais e oitenta e oito centavos), superando minimamente o salário mínimo vigente (R$ 1.518,00 – um mil, quinhentos e dezoito reais), o que não afasta a condição de hipossuficiente da requerente, considerando as necessidades que a deficiência impõe em relação à dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária e o comprometimento do orçamento familiar.

- O fato de a parte autora e a mãe terem residido com os tios da requerente no período de 2020 a 2024, não é suficiente para afastar a concessão do benefício assistencial, pois constituem núcleo familiar diverso.

- É válido ressaltar o disposto no § 1º, do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2022, a respeito do grupo familiar para fins de apuração da hipossuficiência econômica, bem como a Turma Nacional de Uniformização, por meio do Tema 73, firmou tese no sentido de que "o grupo familiar deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 20 da Lei n. 8.742/93".

- A jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça também é no sentido de que o conceito de renda familiar deve ser extraído com base na renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do artigo 20 da Lei nº 8.213/1991, e desde que compartilhem a mesma moradia (REsp 1741057/SP, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 11/06/2019, DJe 14/06/2019, RSTJ vol. 255 p. 381; REsp 1538828/SP, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, j. 17/10/2017, DJe 27/10/2017).

- Assim, no cálculo da renda familiar para fins de concessão do benefício assistencial não devem ser considerados os rendimentos das pessoas que não habitam sob o mesmo teto daquele que pleiteia o benefício e tampouco os rendimentos das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam consideradas responsáveis por sua manutenção econômica, portanto, eventuais rendimentos dos tios não podem ser computados para o cálculo da renda mensal da família da autora no período em que residiram sob o mesmo teto, sob acolhimento para moradia.

- O critério estabelecido no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único meio hábil para a comprovação da condição econômica de miserabilidade do beneficiário, consoante a jurisprudência das Cortes Superiores e a previsão inserida nos parágrafos 11 e 11-A do referido artigo 20.

- O artigo 20-B da Lei nº 8.742/93 dispõe que na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade devem ser considerados o grau de deficiência, a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária, o comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos médicos, tratamentos de saúde, fraldas, alimentos especiais e com medicamentos não disponibilizados gratuitamente pelo SUS.

- No caso dos autos, restou demonstrado que a parte autora é pessoa com cegueira, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor e deficiência intelectual grave. Depende totalmente da mãe, fazendo uso de fraldas, além de medicamentos e alimentação especiais.

- Conclui-se que a parte autora se insere no grupo de pessoas economicamente carentes que a norma instituidora do benefício assistencial visou amparar, fazendo jus ao restabelecimento do benefício assistencial.

- Quanto ao termo inicial do benefício, muito embora os rendimentos dos tios não integrem o cômputo da renda per capita familiar, pois constituem núcleo familiar independente, não se pode afirmar que após a venda do imóvel elas mantivessem a situação de hipossuficiência econômica, razão pela qual deve ser fixado na data do laudo socioeconômico (20/01/2025).

- A sentença deve ser parcialmente reformada a sentença, com o restabelecimento do benefício assistencial desde a data do laudo socioeconômico (20/01/2025), mantendo-se a determinação de inexigibilidade de devolução dos valores considerados indevidos pelo INSS, uma vez que tal questão já foi decidida em primeiro grau, sem interposição de recurso pela autarquia previdenciária.

- Honorários advocatícios a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código de Processo Civil, e da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, devendo o percentual ser definido somente na liquidação do julgado. 

- Apelação da parte autora parcialmente provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
GABRIELA ARAUJO
Desembargadora Federal