RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0006805-50.2019.4.03.6315
RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: LARISSA MARIA DE SOUZA
Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A
RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogados do(a) RECORRIDO: ADRIANO ATHALA DE OLIVEIRA SHCAIRA - SP140055-A, MARCO CEZAR CAZALI - SP116967-A, RUI FERRAZ PACIORNIK - SP349169-A, VLADIMIR CORNELIO - SP237020-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0006805-50.2019.4.03.6315 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: LARISSA MARIA DE SOUZA Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogados do(a) RECORRIDO: ADRIANO ATHALA DE OLIVEIRA SHCAIRA - SP140055-A, MARCO CEZAR CAZALI - SP116967-A, RUI FERRAZ PACIORNIK - SP349169-A, VLADIMIR CORNELIO - SP237020-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0006805-50.2019.4.03.6315 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: LARISSA MARIA DE SOUZA Advogados do(a) RECORRENTE: ALEXANDRE AUGUSTO FORCINITTI VALERA - SP140741-N, FABIO MOLEIRO FRANCI - SP370252-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogados do(a) RECORRIDO: ADRIANO ATHALA DE OLIVEIRA SHCAIRA - SP140055-A, MARCO CEZAR CAZALI - SP116967-A, RUI FERRAZ PACIORNIK - SP349169-A, VLADIMIR CORNELIO - SP237020-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
E M E N T A
VOTO-EMENTA
CÍVEL. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. DANO MATERIAL E MORAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de indenização por danos materiais e morais decorrentes de vícios de construção do imóvel da parte autora.
2. Conforme consignado na sentença:
“Trata-se de ação movida em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, em que a parte autora pleiteia a percepção de indenização por danos materiais e morais, em razão de supostos vícios construtivos constatados em imóvel por ela adquirido por meio do Programa Minha Casa Minha Vida.
Citada, a CEF contestou (ID 142492577).
Houve a realização de perícia técnica (ID 341676414).
É o breve relatório.
Fundamento e decido.
As preliminares já foram apreciadas na decisão saneadora (ID 142492585).
Passo ao mérito.
Afasto a prescrição uma vez que o prazo aplicável é o decenal, cuja contagem se inicia no momento em que a seguradora é comunicada do evento danoso e se recusa a indenizar (AgInt no AREsp n. 1.897.767/CE, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 21/3/2022, DJe de 24/3/2022).
Presentes os demais pressupostos processuais e condições da ação.
O Programa Minha Casa Minha Vida, instituído pela Lei n° 11.977/2009, constitui-se em política habitacional que objetiva o acesso à moradia para famílias de baixa renda, ao criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais.
Trata-se, portanto, de programa de interesse social, que encontra fundamento no art. 3º, III e e 6°, caput, da Constituição Federal.
Foi criado, ainda, um fundo financeiro com o fim de segregação patrimonial e contábil dos haveres financeiros e imobiliários destinados ao programa – FAR (Fundo de Arrendamento Residencial – FAR), para atendimento exclusivo da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra.
A gestão do fundo ficou sob responsabilidade da Caixa Econômica Federal - CEF e os bens e direitos integrantes do patrimônio do fundo, não se comunicam com seu (art. 2°, da Lei n° 10.188/2001).
Ao atuar como gestora do fundo, celebrar os contratos com as construtoras e firmar os contratos com os contemplados pela política pública habitacional, a CEF atua como agente executora de políticas públicas federais, o que traz a sua responsabilidade para responder por vícios, atrasos ou outras questões relativas a construção dos imóveis (art. 4°, parágrafo único da citada lei).
O programa prevê três faixas de renda para seus beneficiários, sendo que possui regras específicas para a faixa de menor renda.
De acordo com o artigo 6°-A, com a redação dada pela Lei n° 12.693/2012:
Art. 6o-A. As operações realizadas com recursos advindos da integralização de cotas no FAR e recursos transferidos ao FDS, conforme previsto no inciso II do caput do art. 2o, são limitadas a famílias com renda mensal de até R$ 1.395,00 (mil trezentos e noventa e cinco reais), e condicionadas a:
I - exigência de participação financeira dos beneficiários, sob a forma de prestações mensais;
II - quitação da operação, em casos de morte ou invalidez permanente do beneficiário, sem cobrança de contribuição do beneficiário; e
III - cobertura de danos físicos ao imóvel, sem cobrança de contribuição do beneficiário;
Nessas hipóteses de aquisição de moradia para famílias de baixa renda, não há relação direta da construtora /incorporadora com o comprador e o imóvel pertence a FAR até o cumprimento integral do contrato, quando então será transferido aos compradores, nos termos do art. 6° da Lei n° 10.188/2001.
Desse modo, como gestora da FAR cabe à CEF a responsabilidade pela indenização decorrente de vícios construtivos, se verificada a ocorrência de dano e seu nexo causal.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. AFRONTA AO ART. 535 DO CPC/73. VÍCIO NÃO INDICADO. SÚMULA Nº 284/STF. TESES REFERENTES À MULTA CONTRATUAL E JUROS, COMISSÃO DE CORRETAGEM, RESSARCIMENTO DOS ALUGUEIS E DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS Nº 211/STJ E Nº 282/STF. PROGRAMA HABITACIONAL MINHA CASA MINHA VIDA. CEF. NATUREZA DAS ATIVIDADES. AGENTE FINANCEIRO. SEM LEGITIMIDADE PASSIVA. SÚMULA Nº 83/STJ. DECISÃO MANTIDA.
(...)
3. A Caixa Econômica Federal somente possui legitimidade passiva para responder por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro. Súmula nº 83/STJ.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1646130/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/08/2018, DJe 04/09/2018)
Feitas essas considerações, cumpre ressaltar que, de acordo com o contrato de financiamento anexado aos autos, o contrato foi firmado entre a parte autora e o FAR, ou seja, a CEF atuou como agente promotor de políticas públicas de moradia e deve ser responsabilizada por eventuais vícios construtivos.
Assim, “diversamente do que ocorre quando atua como agente financeiro em sentido estrito, considero, em princípio, ter a CEF legitimidade para responder por vícios de construção nos casos em que promoveu o empreendimento, teve responsabilidade na elaboração do projeto com suas especificações, escolheu a construtora e/ou negociou os imóveis, ou seja, quando realiza atividade distinta daquela própria de agente financeiro estrito senso” (cf. voto-vista proferido no Recurso Especial nº 738.071- SC, julgado em 9.8.2011, Quarta Turma, relator Min. Luis Felipe Salomão).
Para verificar a existência do vício construtivo alegado houve a realização, por Engenheiro Civil nomeado pelo juízo, de prova técnica que concluiu pela existência de vícios construtivos especificados em seu laudo (ID 341676414).
Desse modo, ficou demonstrado o dever em indenizar visto que a construção não foi entregue de acordo com as normas técnicas vigentes, impondo-se a condenação da CEF no valor de R$ 6.435,68 (Seis mil, quatrocentos e trinta e cinco reais e oito centavos) pelos danos materiais (ID 314676414), valor para a data do laudo.
Foi apresentada impugnação parcial ao laudo pericial, porém entendo que o laudo pericial está devidamente fundamentado, tendo sido elaborado por perito de confiança deste juízo.
Passo a analisar o pedido de indenização por danos morais.
Sobre a matéria, a Turma Nacional de Uniformização, fixou a tese de que:
"O dano moral decorrente de vícios de construção que não obstam a habitabilidade do imóvel não pode ser presumido (in re ipsa), devendo ser comprovadas circunstâncias que no caso concreto ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana por causarem dor, vexame e constrangimento, cuja gravidade acarreta abalo emocional, malferindo direitos da personalidade"
(TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 5004907-76.2018.4.04.7202/SC, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Juiz Federal NEIAN MILHOMEM CRUZ, JUNTADO AOS AUTOS EM 11/11/2022)
No caso concreto, a parte autora fundamenta o pedido de condenação na presunção de sua ocorrência automática ante a existência de vícios de construção no imóvel.
Entretanto, os problemas construtivos detectados pelo perito foram bastante pontuais e não inviabilizam a habitação do imóvel. Igualmente não prejudicam a solidez e a segurança do imóvel.
Portanto, entendo que não ficou caracterizada a ocorrência de dano moral.
Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para condenar a CEF ao pagamento de indenização a título de danos materiais no valor de R$ 6.435,68 ( Seis mil, quatrocentos e trinta e cinco reais e sessenta e oito centavos), valor para a data da perícia, que deverá sofrer incidência de juros e correção monetária na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Defiro à parte autora os benefícios da gratuidade judiciária.
Sem condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios neste grau de jurisdição (artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/1995 e artigo 1º da Lei nº 10.259/2001).
Publique-se. Intimem-se as partes.”
3. Recurso da parte autora: requer o conhecimento e provimento do recurso com a reforma da sentença Recorrida para que, nos termos da argumentação supra, além dos prejuízos já constantes da decisão, sejam reconhecidos: A. o reconhecimento da existência de dano moral e que seja fixado ao patamar de R$10.000,00. B. a consequente condenação da Caixa Econômica Federal ao pagamento do montante referente à integralidade dos pedidos.
4. A despeito das alegações recursais, reputo que a sentença analisou corretamente todas as questões trazidas no recurso inominado, de forma fundamentada, não tendo a recorrente apresentado, em sede recursal, elementos que justifiquem sua modificação. Com efeito, no pertinente aos danos morais, registre-se que a parte autora não especificou nenhum fato em concreto para a sua caracterização. Os argumentos utilizados na inicial foram genéricos. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o dano moral para as hipóteses de vícios na construção deve ser comprovado, devendo ser extraordinário e suplantar o mero descumprimento contratual. Com feito, segundo a interpretação do Superior Tribunal de Justiça “o dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel” (AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 16/11/2018), devendo ser afastado, se “a fundamentação para a condenação em danos morais teve como justificativa somente a existência de vícios de construção no imóvel, sem motivação adicional, a justificar a angústia ou abalo psicológico configuradores de dano moral” (AgInt no REsp 1955291/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 02/03/2022). Posto isso, no caso em tela, não restou comprovada, nestes autos, circunstância excepcional que caracterize violação a direito de personalidade da parte autora, motivo pelo qual os danos morais não são devidos. Ademais, sobre a matéria, a Turma Nacional de Uniformização, fixou a tese de que: "O dano moral decorrente de vícios de construção que não obstam a habitabilidade do imóvel não pode ser presumido (in re ipsa), devendo ser comprovadas circunstâncias que no caso concreto ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana por causarem dor, vexame e constrangimento, cuja gravidade acarreta abalo emocional, malferindo direitos da personalidade" (TNU, PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI Nº 5004907-76.2018.4.04.7202/SC, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Juiz Federal NEIAN MILHOMEM CRUZ, JUNTADO AOS AUTOS EM 11/11/2022)
5. Não obstante a relevância das razões apresentadas pela recorrente, o fato é que todas as questões suscitadas foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Origem, razão pela qual a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. RECURSO DA PARTE AUTORA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
6. Recorrente condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98, § 3º do CPC.
7. ID 316915293: nada a decidir, posto que se trata de questão a ser dirimida em sede de execução do julgado, pelo juízo de origem.