Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5005544-82.2025.4.03.0000

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MARISA SANTOS

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

AGRAVADO: LUCAS BEARARE DA COSTA

Advogados do(a) AGRAVADO: FERNANDO FRANCO LIMA DE CASTRO - SP502401-A, LEONARDO BARBOZA FONSECA - SP467804-A

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5005544-82.2025.4.03.0000

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MARISA SANTOS

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

 

AGRAVADO: LUCAS BEARARE DA COSTA

Advogados do(a) AGRAVADO: FERNANDO FRANCO LIMA DE CASTRO - SP502401-A, LEONARDO BARBOZA FONSECA - SP467804-A

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A Excelentíssima Desembargadora Federal MARISA SANTOS (RELATORA):

Agravo de instrumento interposto pela União Federal contra decisão que deferiu pedido de liminar em mandado de segurança para determinar à autoridade impetrada que mantenha o prazo de validade de 10 anos para o Certificado de Registro, os Certificados de Registro de Arma de Fogo e a Guia de Tráfego Especial em favor do impetrante, expedidos antes da vigência do Decreto nº 11.615/2023. 

Alega, inicialmente, a inexistência de direito líquido e certo a ser tutelado por meio da impetração do mandado de segurança, na medida em que os atos normativos questionados – Decreto nº 11.615/2023 e Portaria COLOG/Comando do Exército nº 166/2023 - revestem-se de caráter abstrato e genérico, direcionando-se, indistintamente, a todos os interessados em obter registro de colecionador, atirador ou caçador. 

Sustenta, ainda, que os registros pleiteados pelo impetrante decorrem de ato administrativo que materializa tanto a autorização de posse de arma de fogo, na forma do art. 5º da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), como a autorização para o exercício de atividades com Produtos Controlados pelo Exército, dentre as quais, coleção de armas, tiro esportivo e caça, de acordo com o art. 6º do Regulamento de Produtos Controlados do Exército, veiculado pelo Decreto nº 10.030/2019. 

Nesse sentido, afirma ser a autorização ato administrativo discricionário e precário, que pode ser revogado ou alterado a qualquer tempo, a critério da própria administração pública, não sendo possível, assim, falar-se em direito adquirido ao prazo de validade previsto na regulamentação anterior.

Foi deferida a concessão de efeito suspensivo (ID 317988072). 

Intimado, o agravado apresentou contraminuta (ID 322084191). 

O Ministério Público Federal emitiu parecer e opinou pelo provimento do recurso (ID 326818578).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5005544-82.2025.4.03.0000

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MARISA SANTOS

AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL

 

AGRAVADO: LUCAS BEARARE DA COSTA

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OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 

 

 

 

V O T O

 

 

A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): 

 

Ao se apreciar o pedido de concessão de efeito suspensivo, assim foi decidido: 

 

“Agravo de instrumento interposto pela União Federal contra decisão que deferiu pedido de liminar em mandado de segurança para determinar à autoridade impetrada que mantenha o prazo de validade de 10 anos para o Certificado de Registro, os Certificados de Registro de Arma de Fogo e a Guia de Tráfego Especial em favor do impetrante, expedidos antes da vigência do Decreto nº 11.615/2023. 

Alega, inicialmente, a inexistência de direito líquido e certo a ser tutelado por meio da impetração do mandado de segurança, na medida em que os atos normativos questionados – Decreto nº 11.615/2023 e Portaria COLOG/Comando do Exército nº 166/2023 - revestem-se de caráter abstrato e genérico, direcionando-se, indistintamente, a todos os interessados em obter registro de colecionador, atirador ou caçador. 

Sustenta, ainda, que os registros pleiteados pelo impetrante decorrem de ato administrativo que materializa tanto a autorização de posse de arma de fogo, na forma do art. 5º da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), como a autorização para o exercício de atividades com Produtos Controlados pelo Exército, dentre as quais, coleção de armas, tiro esportivo e caça, de acordo com o art. 6º do Regulamento de Produtos Controlados do Exército, veiculado pelo Decreto nº 10.030/2019. 

Nesse sentido, afirma ser a autorização ato administrativo discricionário e precário, que pode ser revogado ou alterado a qualquer tempo, a critério da própria administração pública, não sendo possível, assim, falar-se em direito adquirido ao prazo de validade previsto na regulamentação anterior. 

Pleiteia a antecipação de tutela recursal, suspendendo-se o cumprimento da decisão agravada até o julgamento final do presente recurso. 

Feito o breve relatório, decido. 

O inconformismo manifestado pelo agravante diz respeito à existência dos pressupostos para a concessão da liminar no writ, tidos como existentes pelo Juízo a quo em sede de cognição liminar. 

O mandado de segurança é meio processual destinado à proteção de direito dito líquido e certo da parte impetrante, aferível de imediato. 

Para a concessão da liminar, o art. 7º, inciso III, da Lei n. 12.016/2009, exige a presença da probabilidade do direito invocado, ou seja, do fumus boni iuris, capaz de embasar o êxito na demanda em cognição exauriente, e do periculum in mora, entendido como o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo pela demora na prestação jurisdicional. 

Doutrina e jurisprudência definem direito líquido e certo como aquele que se apresenta, desde logo, completo, à vista da satisfação de todos os requisitos necessários, bem como suficientemente comprovado de plano, mediante apresentação de prova pré-constituída por ocasião da impetração. 

Nesse sentido, é incabível dilação probatória na ação mandamental, excetuando-se apenas a juntada dos documentos em poder da autoridade impetrada e aqueles cuja apresentação se mostra imprescindível após a vinda das informações. 

Nas palavras de Hely Lopes Meirelles: 

 

"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais." (in Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data", 13ª ed., RT, 1989, São Paulo, p. 13). 

  

Assiste razão à agravante. 

Com o advento da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), o Estado optou por uma política de maior controle sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo. 

O Decreto mº 9.846, de 25/06/2019, ao regulamentar a lei, estabeleceu, em seu art. 1º, §2º, que “o Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador expedido pelo Comando do Exército, terá validade de dez anos.” 

O compulsar dos autos revela que, durante a vigência desse decreto, o agravante obteve, junto ao Comando da 2ª Região Militar, Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador com validade até 12/10/2031 e 8 Certificados de Registro de Arma de Fogo, com datas de validade entre 2030 e 2032. 

No entanto, sobreveio o Decreto nº 11.615, de 21/07/2023, que passou a regulamentar a Lei nº 10.826/2003 e revogou expressamente o Decreto nº 9.846/2019. Em relação ao Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) concedido a colecionador, atirador esportivo ou colecionador excepcional, o art. 24, I, do novo decreto estabeleceu novo prazo de validade, reduzindo-o de 10 para 3 anos. 

O art. 80 do Decreto 11.615/2023 tratou do direito intertemporal aplicável aos certificados de registro de arma de fogo, fazendo-o nos seguintes termos:  

 

“Art. 80.  O prazo de validade estabelecido nos incisos II e III do caput do art. 24 aplica-se a todos os CRAF vigentes se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido menos da metade do tempo estabelecido no ato da concessão ou da renovação. 

Parágrafo único.  Na hipótese de CRAF anteriormente concedido para colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional, incidirá o prazo de validade estabelecido no inciso I do caput do art. 24, contado da data de publicação deste Decreto.” 

 

No mesmo sentido, foi editada a Portaria COLOG/C EX nº 166/2023, com especial destaque para os arts. 16 e 92, in verbis: 

 

"Art. 16. O prazo de validade do registro para colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional é de três anos, contados a partir da data de sua concessão ou de sua última revalidação. 

Parágrafo único. Para os CR concedidos ou revalidados em data anterior à vigência do Decreto nº 11.615/2023, incidirá o prazo de validade estabelecido no caput, contado da data de publicação do Decreto. 

(...) 

Art. 92. O CRAF das armas dos acervos de coleção, tiro desportivo e caça excepcional terá validade de três anos (inciso I do art. 24 do Decreto nº 11.615/2023). 

Parágrafo único. Na hipótese de CRAF anteriormente concedido para colecionador, atirador desportivo ou caçador excepcional, incidirá o prazo de validade estabelecido no caput, contado da data de publicação do Decreto nº 11.615/2023 (parágrafo único do art. 80 do Decreto nº 11.615/2023.)" 

 

Não há falar em direito adquirido contra ato administrativo de autorização para posse e porte de arma de fogo de calibre permitido que, por força de lei, possui natureza precária. 

Ademais, verifica-se que a legislação foi alterada para reduzir o prazo de validade do Certificado de Registro e do Certificado de Registro de Arma de Fogo, que são concedidos por meio de atos discricionários da Administração Pública. Ou seja, temos aqui mera opção do legislador ordinário em reduzir o prazo outrora decenal, não havendo que se falar em abusividade/ilegalidade do ato administrativo questionado, muito menos direito adquirido ao prazo originário, pois se trata de ato administrativo de autorização, que pode ser revogado ou alterado a qualquer tempo. 

Nesse sentido, já decidiu esta Corte Regional: 

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - VALIDADE DE CERTIFICADO DE REGISTRO DE ARMA DE FOGO - AUSÊNCIA DE PERICULUM IN MORA - NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO -  RECURSO NÃO PROVIDO. 

1. Nos termos  do art. 7º, III, da Lei nº 12.016/09,  para a suspensão do ato que deu ensejo à impetração do mandado de segurança são necessários a relevância da fundamentação e o risco da ineficácia da medida caso deferida apenas ao final do processo. 

2. O Decreto nº 11.615/23 e a Portaria 166/23 COLOG/C EX reduziram de 10 (dez) para 3 (três) anos o prazo de validade dos certificados de registro de arma de fogo para colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional. 

3. Os certificados que possui o impetrante, ora agravante, possuem validade até 21/07/2026, o que revela a ausência de requisitos para a concessão da liminar pleiteada. 

4. Temerário seria, nesta fase processual, o deferimento do pedido sem a oitiva da autoridade impetrada e a formação do contraditório. 

5. Agravo de instrumento não provido.” 

(AI 5016694-94.2024.4.03.0000, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, j. 11/10/2024, DJE 21/10/2024) 

 

Assim, tenho que as provas apresentadas pela agravante são suficientes para modificar a decisão agravada. 

Defiro a antecipação da tutela recursal. 

Intime-se o agravado para resposta, nos termos do art. 1.019, II, do CPC/2015. 

Comunique-se o Juízo de origem, com urgência. 

Dê-se vista dos autos ao Ministério Público Federal. 

Oportunamente, voltem conclusos os autos para inclusão em pauta de julgamento. 

Int.”

 

Com efeito, entre a análise do pedido de concessão de efeito suspensivo e o julgamento do presente recurso pela 6ª Turma deste E. TRF, não há nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida “ab initio”, adotando-se, pois, tais fundamentos como razão de decidir na medida em que "Reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação 'per relationem', que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) – constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir" (AI 825.520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma). 

No mesmo sentido: AgInt no REsp n. 2.004.969/MA, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/9/2022, DJe de 30/9/2022; AgInt no AREsp n. 1.990.880/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 23/5/2022, DJe de 25/5/2022; AgInt no AREsp nº 919.356, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 27/02/2018. 

Diante do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento. 

É o voto.



E M E N T A

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CERTIFICADO DE REGISTRO DE ARMA DE FOGO. ATO ADMINISTRATIVO DE NATUREZA PRECÁRIA. DECRETO Nº 11.625/2023 E PORTARIA COLOG/C EX Nº 166/2023. REDUÇÃO DO PRAZO DE VALIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 

1. O Decreto nº 11.615, de 21/07/2023, passou a regulamentar a Lei nº 10.826/2003 e revogou expressamente o Decreto nº 9.846/2019. Em relação ao Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) concedido a colecionador, atirador esportivo ou colecionador excepcional, o art. 24, I, do novo decreto estabeleceu novo prazo de validade, reduzindo-o de 10 para 3 anos. 

2. O art. 80 do Decreto nº 11.615/2023, ao tratar de direito intertemporal, estabeleceu que os novos prazos de validade são aplicáveis a todos os CRAF vigentes “se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido menos da metade do tempo estabelecido no ato da concessão ou da renovação”, contando-se a partir da data de publicação do Decreto, conforme estabelece seu parágrafo único. 

3. A legislação foi alterada para reduzir o prazo de validade do Certificado de Registro e do Certificado de Registro de Arma de Fogo, que são concedidos por meio de atos discricionários da Administração Pública. Ou seja, temos aqui mera opção do legislador ordinário em reduzir o prazo outrora decenal, não havendo que se falar em abusividade/ilegalidade do ato administrativo questionado, muito menos direito adquirido ao prazo originário, pois se trata de ato administrativo de autorização, que pode ser revogado ou alterado a qualquer tempo, sem que se fale em violação a direito adquirido. 

4. Agravo de instrumento provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal