APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000451-55.2022.4.03.6108
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: JOAO HENRIQUE PEREIRA
Advogados do(a) APELANTE: WELLINGTON AMARO CORREA - SP488672-A, WILLY AMARO CORREA - SP384684-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000451-55.2022.4.03.6108 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: JOAO HENRIQUE PEREIRA Advogados do(a) APELANTE: WELLINGTON AMARO CORREA - SP488672-A, WILLY AMARO CORREA - SP384684-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de concessão de APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE, com fundamento na ausência de incapacidade laborativa, isentando a parte autora do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita. Em suas razões de recurso, sustenta a parte autora: - que o laudo pericial não pode prevalecer, pois não considerou os documentos médicos constantes dos autos, os quais atestam que ela está incapacitada para o trabalho; - que o juiz não está adstrito à conclusão do laudo pericial, podendo considerar outras provas constantes dos autos; - estar incapacitada total e permanentemente para sua atividade habitual, fazendo jus à concessão do benefício pleiteado. Por fim, prequestiona, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais. Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional. É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000451-55.2022.4.03.6108 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: JOAO HENRIQUE PEREIRA Advogados do(a) APELANTE: WELLINGTON AMARO CORREA - SP488672-A, WILLY AMARO CORREA - SP384684-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Em razão de sua regularidade formal, recebo o recurso, nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, nova nomenclatura da aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio por incapacidade temporária, antigo auxílio-doença (artigo 59). E a nomenclatura “auxílio por incapacidade temporária” é um termo guarda-chuva, que abriga não apenas aqueles casos de incapacidade temporária, mas também os de incapacidade definitiva para a atividade habitual, sendo que o primeiro cessa com a recuperação da capacidade laboral do segurado e o último, com a sua reabilitação para outra atividade que lhe garanta a subsistência (artigo 62), podendo, ainda, se o segurado for considerado insusceptível de reabilitação, ser convertido em aposentadoria por incapacidade permanente (parágrafo 1º). Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei. Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral. No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 29/03/2023 constatou que a parte autora, motorista, idade atual de 38 anos, está temporariamente incapacitada para o exercício de sua atividade laborativa habitual, como se vê do laudo constante do ID 325965482, complementado no ID 325965497 e ID 325965507: "Periciando, motorista, 35 anos, dependente químico de cocaína/ crack desde os 18 anos, já teve diversas internações, comparece em perícia sob efeito de benzodiazepínicos (medicamentos para dormir) por ter usado substâncias psicoativas segundo o pai, até hoje pela manhã. Possui atestado de 20/03/2023 - Dr Carlos Augusto Hueb -138776, que o paciente encontra se em depressão grave, irritabilidade extrema, insônia + uso abusivo de crack com prejuízos físicos e sociais (CIDs: F32.2/ F14.) em ajuste de medicação. Desta forma após análise dos autos, anamnese e exame físico, pela gravidade da adicção , mais a necessidade de ajuste de medicamentos, concluo pela incapacidade total e temporária às atividades laborativas, a ser reavaliado em 90 dias a partir da data de hoje." (ID 325965482, pág. 03) "c) Favor explorar a incompatibilidade entre a doença e seus sintomas específicos com o exercício das atividades que o periciado desempenhava. R.: São incompatíveis, principalmente pelo risco a terceiros. d) A parte autora faz uso de remédios prescritos por médico? Quais os efeitos colaterais que tais remédios podem provocar, segundo a bula do medicamento, e como podem interferir nas funções executadas pela periciada? R.: Sim, sonolência principalmente." (ID 325965482, pág. 03) "q) Favor descrever todas as sequelas permanentes existentes. R.: Não há como se falar em sequelas se o periciando compareceu à perícia sob efeito de substâncias psicoativas + benzodiazepínicos." (ID 325965482, pág. 04) O laudo em questão foi realizado por profissional habilitado, equidistante das partes, capacitado, especializado em perícia médica, e de confiança do r. Juízo, cuja conclusão encontra-se lançada de forma objetiva e fundamentada, não havendo que se falar em realização de nova perícia judicial. Outrossim, levou em consideração, para formação de seu convencimento, a documentação médica colacionada aos autos, bem como atendeu às necessidades do caso concreto, possibilitando concluir que o perito realizou minucioso exame clínico, respondendo aos quesitos formulados. Embora o perito judicial, em seu laudo, não tenha fixado um termo inicial da incapacidade, há elementos, nos autos, que conduzem à conclusão de que a parte autora, desde a cessação administrativa, em 31/03/2021, continuava incapacitada para o trabalho: - ID 325965255, pág. 01: declaração do coordenador da Comunidade Terapêutica Masculina Bom Pastor, datado de 22/02/2022, informando que a parte autora esteve internada de 01/02/2021 a 15/11/2021 e a partir de 06/02/2022, para tratamento de dependência química; - ID 325965255, pág. 02: relatório médico, datado de 16/02/2022, elaborado por médico psiquiatra, atestando que a parte autora foi acolhido na mencionada na referida comunidade terapêutica para tratamento da Síndrome da Dependência de Substâncias Psicoativas (CID10 F19) desde 06/02/2021, pelo prazo estimado de 180 dias; - ID 325965513: laudo administrativo, datado de 10/07/2023, reconhecendo incapacidade laboral decorrente da Síndrome da Dependência de Substâncias Psicoativas (CID10 F19); - ID 325965513: laudo administrativo, datado de 17/01/2024, reconhecendo incapacidade laboral decorrente de Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos (CID10 F32.2). Destaco que o magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõe o artigo 479 do CPC/2015, também podendo ser considerados, como no caso presente, outros elementos de prova constantes dos autos. Desse modo, considerando que a parte autora, conforme conjunto probatório constante dos autos, não pode ainda exercer, de forma temporária, a sua atividade laborativa habitual, é possível o restabelecimento do benefício de auxílio por incapacidade temporária NB 633.970.507-7, até porque preenchidos os demais requisitos legais. Restou incontroverso, nos autos, que a parte autora é segurada da Previdência Social e cumpriu a carência de 12 (doze) contribuições, exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91, como se vê do documento constante do ID 325965514 (dossiê previdenciário). Consta, desse documento, que a parte autora recebeu o auxílio por incapacidade temporária nos períodos de 01/02/2021 a 31/03/2021, de 04/04/2023 a 10/07/2023 e de 07/10/2023 a 08/01/2024. A presente ação foi ajuizada em 22/02/2022. O termo inicial do benefício por incapacidade, em regra, deve ser fixado à data do requerimento administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de benefício indevidamente cessado, no dia seguinte ao da cessação indevida. No caso, o termo inicial do benefício é fixado em 01/04/2021, dia seguinte ao da cessação administrativa do benefício NB 633.970.507-7, pois, nessa ocasião, a parte autora continuava incapacitada para o trabalho, conforme conjunto probatório dos autos. Os valores recebidos administrativamente após esse marco a título de benefício não acumulável deverão ser descontados do montante devido. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices e critérios previstos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, vigente na data da execução. Vale ressaltar que o referido manual foi instituído pelo Conselho da Justiça Federal com o objetivo de unificar os critérios de cálculo a serem aplicados a todos os processos sob sua jurisdição, na fase de execução, e seus parâmetros são estabelecidos com base na legislação vigente e na jurisprudência dominante, por meio de Resolução, devendo ser observado, sem ofensa à coisa julgada, a versão mais atualizada do manual. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data deste julgamento, já que, nos casos em que o benefício previdenciário não é concedido em sentença, mas apenas em sede recursal, a base de cálculos da verba honorária, conforme entendimento dominante esposado pelas Turma da 3ª Seção deste Egrégio Tribunal, compreende as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício. No que se refere às custas processuais, no âmbito da Justiça Federal, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96. Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora. Também não o dispensa do pagamento de honorários periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela Justiça Federal, devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32). Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo da parte autora, para condenar o Instituto-réu a restabelecer o AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA, nos termos dos artigos 59 e 61 da Lei nº 8.213/91, a partir de 01/04/2021, dia seguinte ao da cessação administrativa do benefício NB 633.970.507-7, descontados, do montante devido, os valores recebidos após esse marco a título de benefício não acumulável, determinando, ainda, na forma acima explicitada, a aplicação de juros de mora e correção monetária, bem como o pagamento de encargos de sucumbência. Independentemente do trânsito em julgado, requisite-se à Gerência Executiva do INSS, com base no artigo 497 do CPC/2015, que, no prazo de 45 dias, sob pena de multa-diária no valor de R$ 100,00, cumpra a obrigação de fazer em favor do segurado JOÃO HENRIQUE PEREIRA, consistente na imediata implantação do benefício de AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA, com data de início (DIB) em 01/04/2021 (dia seguinte ao da cessação administrativa do benefício NB 633.970.507-7), e renda mensal a ser calculada de acordo com a legislação vigente. COMUNIQUE-SE. É COMO VOTO. /gabiv/asato
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. DEPENDÊNCIA QUÍMICA. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. CESSAÇÃO ADMINISTRATIVA INDEVIDA. PROVA PERICIAL E DOCUMENTAL. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA. APELO PROVIDO. PEDIDO PROCEDENTE.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por incapacidade permanente, sob fundamento de inexistência de incapacidade laboral, isentando a parte autora do pagamento de custas e honorários, diante da concessão de gratuidade da justiça.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em definir se a parte autora faz jus à concessão de aposentadoria por incapacidade permanente ou ao restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, nova nomenclatura da aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio por incapacidade temporária, antigo auxílio-doença (artigo 59).
4. Laudo pericial judicial reconhece a existência de incapacidade total e temporária, mas sem fixar uma data de início da incapacidade. Há, nos autos, entretanto, documentos médicos comprovando que a a parte autora, desde a cessação administrativa do auxílio por incapacidade temporária, em 31/03/2021, continuava incapacitada para a sua atividade habitual.
5. O magistrado não está adstrito à conclusão do perito judicial (artigo 479 do CPC/2015), podendo valorar livremente as provas dos autos.
6. Preenchidos os requisitos legais, é devido o restabelecimento do auxílio por incapacidade temporária, nos termos dos artigos 59 e 61 da Lei nº 8.213/91, a partir de 01/04/2021, dia seguinte ao da cessação do benefício NB 633.970.507-7.
7. Os valores recebidos administrativamente após esse marco, a título de benefício não acumulável, deverão ser compensados do montante devido.
8. O benefício é devido desde 01/04/2021, dia seguinte ao da cessação indevida, com aplicação de juros de mora e correção monetária, na forma prevista no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, vigente na data da execução, devendo o INSS arcar com o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data do presente julgamento (Súmula nº 111/STJ), bem como com o reembolso de eventuais despesas processuais e honorários periciais já antecipados, estando isento, contudo, do pagamento de custas.
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Apelo da parte autora provido. Pedido procedente.
Tese de julgamento:
1. É devido o restabelecimento do auxílio por incapacidade temporária ao segurado cuja incapacidade total e temporária para a atividade laboral habitual persiste após a cessação administrativa do benefício anteriormente concedido.
2. O juiz não está vinculado ao laudo pericial e pode formar sua convicção com base em outros elementos presentes nos autos.
* * *
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.213/91, arts. 25, I; 26, II; 59; 61; CPC/2015, arts. 85, §§ 2º e 3º; 479; 497; 1.011; Lei nº 9.289/96, arts. 1º, I, 4º, I e parágrafo único; Resolução CJF nº 305/2014, art. 32.
Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 576; TRF3, ApCiv nº 0003966-53.2012.4.03.6103, Rel. Des. Fed. Jean Marcos, DJEN 22/05/2024; TRF3, ApCiv nº 5068264-32.2023.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Marcelo Vieira, DJEN 20/10/2023.