Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000893-79.2021.4.03.6003

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: AMPS TRANSPORTES RODOVIARIO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: GUILHERME DE ALMEIDA SOUZA - PR86416-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000893-79.2021.4.03.6003

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

APELANTE: AMPS TRANSPORTES RODOVIARIO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: GUILHERME DE ALMEIDA SOUZA - PR86416-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/MS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de apelação criminal interposta por  AMPS TRANSPORTES RODOVIARIO LTDA, em face da sentença (ID 325956852) proferida em embargos de terceiro pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Três Lagoas/MS, que julgou improcedente os embargos de terceiro para manter o bloqueio sobre os veículos sequestrados nos autos de nº 0000076-59.2019.4.03.6007,  que pertenceriam à empresa Locatelli Armazéns Gerais Ltda.

Em seu recurso, a defesa da apelante requer a reforma da sentença alegando que os veículos adquiridos pela empresa Locatelli Armazéns Gerais Ltda. mediante contratos de alienação fiduciária, não integravam o seu patrimônio, dado que a propriedade fiduciária pertencia ao Banco Volkswagen S/A que, posteriormente, cedeu seus direitos sobre os contratos à apelante.  Afirma que a cessão de crédito, prevista no art. 286 do Código Civil, opera-se independentemente de anuência do devedor, podendo o credor originário transferir, total ou parcialmente, seus direitos a terceiro, com efeito "erga omnes", sub-rogando-se o cessionário em todos os direitos e garantias (art. 289, CC). No caso, a apelante adquiriu os créditos do Banco Volkswagen S/A por meio de Termo de Cessão de Crédito, passando a deter a propriedade fiduciária dos quatro veículos listados nos contratos nº 28527512 e 361127. Argumenta que o bem objeto da alienação fiduciária não integra o patrimônio da devedora fiduciante, nos termos do artigo 7º-A, do Decreto-Lei 911/1969, o que indica a impossibilidade de seu bloqueio judicial, posto que não houve o pagamento de nenhuma parcela contratual por parte da devedora. Alega que é legítima a substituição processual quando ocorre a cessão de crédito sobre os contratos de alienação fiduciária. Requer, portanto, o reconhecimento da legalidade do negócio jurídico de cessão de crédito celebrado entre as partes e, consequentemente, o imediato levantamento do bloqueio imposto sobre os veículos em questão. Alega não haver indícios de má-fé na conduta da apelante, devendo prevalecer a presunção de  boa-fé no caso. Alternativamente requer a suspensão do bloqueio até a conclusão de eventuais investigações. Pugna pela condenação da parte contrária ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais (ID 325956855).

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões no ID 325956861.

A Excelentíssima Procuradora Regional da República, ADRIANA DA SILVA FERNANDES, manifestou-se pelo desprovimento do recurso da embargante (ID 327341242).

É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais. 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000893-79.2021.4.03.6003

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

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V O T O

 

 

 

Do caso dos autos.

Os embargos de terceiro foram opostos por AMPS TRANSPORTES RODOVIÁRIO LTDA – ME em face da decisão proferida, em 08/11/2019, nos autos de nº 0000076-59.2019.4.03.6007, que determinou o sequestro de, entre outros,  04 (quatro) veículos que teriam sido adquiridos pela empresa Locatelli Armazéns Gerais Ltda, mediante financiamento, com cláusula de alienação fiduciária junto ao Banco Volkswagen S/A.

Em 10/12/2020, a embargante pactuou com o Banco Volkswagen S/A, um Termo de Cessão de Crédito e Outras Avenças, através do qual, a instituição financeira (cedente) transferiu à embargante (cessionária) os créditos que possuía em face da devedora Locatelli Armazéns Gerais Ltda, oriundos dos contratos nº 361127 e 28527512.

O “Contrato de Abertura de Crédito Fixo com Garantia de Alienação Fiduciária - FINAME”, nº. 361127, refere-se aos bens abaixo, os quais foram dados em garantia do contrato, em alienação fiduciária:

- Modelo: SEMI REBOQUE BASCULANTE; Marca: NOMA DO BRASIL S/A; Chassi: 9AA02102GDC117856; Cor: cinza; Placa: NRM 7654; Ano/Modelo: 2013/2013;

- Modelo: SEMI REBOQUE BASCULANTE; Marca: NOMA DO BRASIL S/A; Chassi: 9AA02102GDC117857; Cor: CINZA; Placa: HTO6816; Ano/Modelo: 2013/2013;

- Modelo: SEMI REBOQUE BASCULANTE; Marca: NOMA DO BRASIL S/A; Chassi: 9536T8279DR306931; Cor: CINZA; Placa: NRM 7655; Ano/Modelo: 2013/2013;

Já o “Contrato de Financiamento ao Consumidor Final Garantido por Alienação Fiduciária – CDC”, nº. 28527512, refere-se ao veículo Modelo: CAMINHÃO TGX 29.440 XLX 6X4 (C. LE); Marca: VOLKSWAGEN; Chassi: 95328XZZXCE000358; Cor: Branco Polar; movido a diesel; Placa: NRZ 0296; Ano/Modelo: 2012/2012, o qual também foi dado em garantia do contrato, em alienação fiduciária.

Em razão da Cessão de Crédito entre a instituição financeira e a empresa peticionante, esta se tornou a titular dos direitos dos dois contratos acima, com garantias de alienação fiduciária, cujos veículos foram objeto do referido bloqueio judicial no sistema RENAJUD.

A embargante alega que o bloqueio dos bens não pode subsistir em razão de se tratar de veículos com garantia de alienação fiduciária, nos termos dos artigos 2º, e 7º-A, do Decreto-Lei 911/69:

Art. 2o  No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.

Art. 7o-A.  Não será aceito bloqueio judicial de bens constituídos por alienação fiduciária nos termos deste Decreto-Lei, sendo que, qualquer discussão sobre concursos de preferências deverá ser resolvida pelo valor da venda do bem, nos termos do art. 2º.

A embargante afirma ser a atual titular dos veículos descritos acima em decorrência da Cessão de Crédito firmada entre  ela  e o Banco Volkswagen S/A, e considera injustificável que seu patrimônio responda pelos crimes cometidos pela devedora fiduciante.

Dessa forma requer o cancelamento da restrição judicial realizada por meio do sistema RENAJUD dos veículos acima relacionados. 

A embargante juntou aos autos seu Contrato Social,  o Termo de Cessão de Crédito e Outras Avenças, Termo de Cessão de Crédito e os contratos 28527512 e 361127.

Em sua primeira manifestação nos autos, o Ministério Público Federal condicionou a liberação dos bens sequestrados à devolução dos valores já pagos pela devedora fiduciante Locatelli Armazéns Gerais Ltda (ID 325956560). 

O juízo de origem determinou, então, que a requerente depositasse os valores adimplidos pela devedora, sob pena de indeferimento dos embargos (ID 325956561).

A ora apelante opôs embargos de declaração afirmando que não só não recebeu qualquer pagamento pela devedora Locatelli Armazéns Gerais Ltda, como, inclusive, pagou à instituição financeira o valor de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) em decorrência da cessão de crédito. Argumentou que o contrato de cessão de crédito oneroso cria ao cessionário a expectativa de recebimento do crédito que o cedente possuía em relação ao devedor. Alegou que não possui qualquer participação no que, porventura, tenha sido pago pela devedora para a instituição financeira, pois não há relação direta entre a embargante e a devedora.

Salientou que a alienação fiduciária em garantia não implica na propriedade dos bens pela devedora fiduciante (Locatelli Armazéns Gerais Ltda), senão somente após a quitação do contrato, de sorte que, no curso do contrato, a propriedade dos bens em discussão pertence a credora fiduciária, na esteira do Decreto-Lei nº 911 de 1969, que regulamenta a alienação fiduciária de bens móveis. Em razão disso, com a cessão de crédito, a propriedade dos bens passou a pertencer à embargante que, por isso, reiterou os termos da inicial, requerendo o desbloqueio dos bens sem o pagamento dos valores que porventura já houvessem sido adimplidos (ID 325956562).

O Ministério Público Federal destacou que o negócio jurídico realizado entre a embargante e o Banco Volkswagen foi pactuado em 10/12/2020, sendo que a decisão que determinou o sequestro dos bens é anterior, de 08/11/2019 e, portanto era, desde o início, do conhecimento da embargante (ID 325956566).

Em sua decisão, o juízo de origem rejeitou os embargos por entender que, para se obter a liberação dos veículos constritos, o embargante deverá depositar os valores das prestações pagas pela devedora fiduciante pois, a circunstância de o banco fiduciário ter cedido seus direitos em favor da embargante não modifica os efeitos da constrição judicial (ID 325956568).

A defesa da empresa apelante voltou a requerer a liberação dos veículos do sistema RENAJUD alegando que nenhum valor havia sido pago pela empresa devedora fiduciante. Baseou sua afirmação em petições iniciais de Ações de Busca e Apreensão movidas pelo Banco Volkswagen em 2013, na Justiça Estadual, onde este alegava que as primeiras parcelas dos contratos não haviam sido pagas (ID 325956572).

O Ministério Público Federal se manifestou afirmando que a condição em que se encontrava os bens quando do entabulamento do referido negócio jurídico entre a embargante AMPS TRANSPORTES RODOVIÁRIO LTDA – ME, e o BANCO VOLKSWAGEN S/A era de perfeito conhecimento das partes envolvidas, uma vez que na Cláusula 6 do Instrumento Particular de Cessão, Aquisição e Transferência de Créditos Sem Coobrigação e Outras Avenças consta que efetuaram pesquisa e descobriram a existência das ações judiciais de execução 0801301-44.2013.8.12.0046 e 0801385-45.2013.8.12.0046, ambas em tramitação da 1ª Vara Cível da Comarca de Chapadão do Sul//MS. Em razão disso, alega que a embargante não pode ser considerada terceiro de boa-fé. 

Afirmou, ainda, que a empresa embargante tem como única titular a Sra. Cleomar Gregolin, que possuía até o ano de 2013 registros como empregada na função de vendedora do comércio varejista e que solicitou auxílio emergencial, não tendo, contudo, recebido qualquer parcela do benefício. Além disso, a empresa embargante não possui registro de qualquer empregado desde 2012, o que “soa estranho” para uma empresa do ramo de transporte rodoviário. 

Por tais razões, se manifestou pela improcedência dos embargos de terceiro (ID 325956579).

O juízo “a quo” determinou a expedição de ofício ao Banco Volkswagen S/A para que informasse sobre os valores pagos pela devedora relativo aos contratos em questão e sobre quando cedeu sua posição contratual (ID 325956832) 

O Banco Volkswagen S/A apresentou resposta  juntando extrato de financiamento  relativo ao CDC 28527512, (ID 325956839), e documento de Controle de Ação de Cobrança referente ao contrato 361127 (ID 325956840). Em seguida relatou o seguinte:

“O Banco  Volkswagen, em resposta à notificação encaminhada, apresenta alguns esclarecimentos pertinentes acerca do caso em questão, instruindo também o extrato analítico em anexo.

Caminhão Volkswagen TGX 29.440, placa NRZ-0296

O veículo foi adquirido por meio da celebração de um contrato de financiamento formalizado pela CCB de nº 28527512. O contrato estabeleceu o pagamento de 58 prestações de R$ 7.384,46, estando atualmente: (I) com 58 prestações adimplidas, estando integralmente quitado, conforme extrato analítico, tendo pagado o total de R$ 428.298,68.

Semirreboques basculantes, marca Noma, placas NRM-7654, HTO-6816 e NRM-7655

Os semirreboques foram adquiridos por meio de contrato FINAME sob nº 361127, estando atualmente com o status liquidado em perdas.

(...)

Com relação a cessão da posição contratual, esta cia informa que o Termo de Cessão foi firmado com a AMPS TRANSPORTES RODOVIÁRIOS LTDA - ME - CNPJ Nº 15.930.174/0001-20, conforme documentação anexa na integra (...) ” (ID 325956843).

O Ministério Público Federal manifestou-se em seguida, novamente afirmando a inexistência de boa-fé no negócio celebrado, uma vez que foi pactuado em 10/12/2020, sendo que a decisão que determinou o sequestro especial dos bens em tela é muito anterior, de 08/11/2019, de modo que a condição em que se encontrava os bens quando do entabulamento do referido negócio jurídico era de perfeito conhecimento das partes envolvidas, tanto da embargante, como da instituição financeira, reiterando o pedido de improcedência dos embargos de terceiro (ID 325956846).

A defesa da embargante se manifestou afirmando que  desde 10/12/2020, o Banco Volkswagen não é mais detentor dos direitos e garantias atreladas ao Contrato de nº 28527512 e que o próprio Banco Volkswagen requereu, por meio de petitório datado de 02/02/2021, pela exclusão do Contrato de nº 28527512 do bojo da Ação de Execução (Busca e Apreensão convertida em Execução), em razão da cessão firmada em 10/12/2020.

Alegou que é notável que se destoa da realidade fática e jurídica, o formato das informações constantes no Extrato de ID 325956839, no sentido de que todas as parcelas do financiamento foram pagas em 21/01/2021, até porque em tal data já havia sido firmado o Termo de Cessão em favor da AMPS, não sendo condizente que todas as parcelas tenham sido pagas em favor do Banco Volkswagen em data posterior à pactuação do Termo de Cessão, pior ainda, em valor original, mesmo com as parcelas vencidas há 8 (oito) anos.

Já em relação ao contrato 361127 alegou que, de acordo com a manifestação do Banco Volkswagen S/A, seu status operacional é “Liquidado em Perdas”. Neste contrato também consta que as parcelas adimplidas foram baixadas em 21/01/2021.  Afirmou também que nos autos de nº 0801385-45.2013.8.12.0046 (Ação de Busca e Apreensão convertida em Ação de Execução), cujo objeto era os Semirreboques basculantes, placas NRM-7654, HTO-6816 e NRM-7655, o Banco Volkswagen também peticionou requerendo a substituição do polo ativo da demanda em razão do Termo de Cessão de Crédito envolvendo o contrato 361127, pactuado na data de 10/12/2020.

Dessa forma, reiterou o pedido de baixa das restrições via RENAJUD lançadas sobre os veículos em questão. Alternativamente, requereu a reintimação do Banco Volkswagen  para que esclareça as informações anteriormente prestadas (ID 325956847).

O juízo sentenciante entendeu que, em razão do Termo de Cessão de Crédito pactuado entre o Banco Volkswagen e a embargante, em relação aos contratos 28527512 e 361127 ter sido  celebrado somente em 18/11/2019, portanto mais de um ano após a determinação do sequestro dos veículos objetos dos referidos contratos, haveria indícios de má-fé, pois a condição em que se encontravam os bens quando do entabulamento do referido negócio jurídico era de perfeito conhecimento das partes envolvidas, tanto da embargante, como da instituição financeira, o que impediria o desbloqueio dos bens (ID 325956852).

Em seu recurso, a defesa da apelante requer a reforma da sentença alegando que os veículos adquiridos pela empresa Locatelli Armazéns Gerais Ltda mediante contratos de alienação fiduciária, não integravam o seu patrimônio, dado que a propriedade fiduciária pertencia ao Banco Volkswagen S/A que, posteriormente, cedeu seus direitos sobre os contratos à apelante.  Afirma que a cessão de crédito, prevista no art. 286 do Código Civil, opera-se independentemente de anuência do devedor, podendo o credor originário transferir, total ou parcialmente, seus direitos a terceiro, com efeito “erga omnes”, sub-rogando-se o cessionário em todos os direitos e garantias (art. 289, CC). No caso, a apelante adquiriu os créditos do Banco Volkswagen S/A por meio do Termo de Cessão de Crédito, passando a deter a propriedade fiduciária dos quatro veículos listados nos contratos nº 28527512 e 361127. Argumenta que o bem objeto da alienação fiduciária não integra o patrimônio do devedor fiduciante, nos termos do artigo 7º-A, do Decreto-Lei 911/1969, o que indica a impossibilidade de seu bloqueio judicial, posto que não houve o pagamento de nenhuma parcela contratual por parte da devedora fiduciante. Alega que é legítima a substituição processual quando ocorre a cessão de crédito sobre os contratos de alienação fiduciária. Requer, portanto, o reconhecimento da legalidade do negócio jurídico de cessão de crédito celebrado entre as partes e, consequentemente, o imediato levantamento do bloqueio imposto sobre os veículos em questão. Alega não haver indícios de má-fé na conduta da apelante, devendo prevalecer a presunção de  boa-fé no caso. Alternativamente requer a suspensão do bloqueio até a conclusão de eventuais investigações. Pugna pela condenação da parte contrária ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais (ID 325956855).

Do mérito.

Em embargos de terceiro no direito penal, a legitimidade ativa recai sobre o terceiro que, não sendo parte no processo principal, sofre ou está na iminência de sofrer uma constrição judicial sobre bens que lhes foram transferidos a título oneroso, sob o fundamento de tê-los adquiridos de boa-fé, conforme artigo 130, do Código de Processo Penal.

A  boa-fé no Direito Penal se configura quando o terceiro,  desconhece, ou não tem possibilidade de ter conhecimento, de que o bem adquirido foi considerado provento de prática de algum delito anterior. 

No caso, a empresa embargante adquiriu os direitos sobre os contratos garantidos por alienação fiduciária muito tempo depois de ter sido determinada a constrição dos bens relativos àqueles contratos, não podendo ser considerada terceiro de boa-fé.

Realmente, a empresa ora apelante não foi surpreendida pelo sequestro de seus bens, ao contrário, tinha plena ciência de que os veículos estavam com constrições judiciais, que puderam ser aferidas pela consulta ao RENAJUD (ID 325956553) com os dados dos veículos objetos dos contratos  englobados no Termo de Cessão, Aquisição e Transferências de Créditos sem Coobrigação e Outras Avenças (ID 325956549).

O afastamento da boa-fé da embargante AMPS TRANSPORTES RODOVIÁRIO LTDA – ME  também se fundamenta no fato de que sua única proprietária CLEOMAR GREGOLIN, moradora de uma pequena cidade do Mato Grosso, teria como ocupação anterior a de vendedora de comércio varejista, auferindo por mês valores próximos ao salário mínimo (ID325956581), além de ter solicitado auxílio emergencial (apesar de não ter recebido nenhuma parcela do benefício), e  também em razão da empresa não ter nenhum funcionário registrado entre os anos de 2012 e 2019, conforme pesquisa realizada pelo Ministério Público Federal (ID 325956580).

Ademais, o Banco Volkswagen trouxe aos autos planilhas que demonstram que a empresa devedora fiduciante já houvera pago parte do que fora acordado nos contratos, conforme extrato de financiamento do contrato 28527512 (ID 325956839) e Controle de Ação de Cobrança do contrato FINAME 361127 (ID 325956840).

No entanto,  a embargante alegou que não possui qualquer participação no que, porventura, tenha sido pago pela devedora fiduciante para a instituição financeira, pois não há relação direta entre a embargante e a devedora.

Ocorre que a proibição do pacto comissório presente no Código Civil impede o credor fiduciário de ficar com o bem dado em garantia para pagamento da dívida, o que afeta diretamente o desbloqueio pretendido.

Há previsão a respeito da situação narrada nestes autos no Código Civil, conforme transcrevo:

"Art. 1.364. Vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor.

Art. 1.365. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento."

Deste modo, o posicionamento adotado nesta Corte segue neste sentido e está de acordo com a legislação civil aplicável ao contrato em questão. Transcrevo:

"INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO. VEÍCULO APREENDIDO EM INQUÉRITO POLICIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INADIMPLEMENTO DO CONTRATO. LEILÃO. QUITAÇÃO DA DÍVIDA JUNTO AO BANCO. VALOR EXCEDENTE PARA A UNIÃO. PEDIDO PARCIALMENTE PROCEDENTE

I - A propriedade do bem é da instituição financeira ora requerente e não de Silvio Sodré que possuía tão somente a posse direta do bem.

II - O devedor fiduciante não possui qualquer direito á propriedade do veículo em comento até a satisfação integral do débito, cuja titularidade é do credor fiduciário, no caso, a instituição financeira.

III - Na condição de proprietária do bem constrito a embargante não possui qualquer responsabilidade pelos delitos que estão sendo apurados no âmbito do inquérito policial nº 2006.60.04.000779-1, em que figura como investigado Manoel Orlando Coelho Junior, entre outros, a evidenciar tratar-se de terceiro de boa-fé.

IV - Quanto à restituição do bem, esta Colenda Turma sedimentou o entendimento de que, no caso como o destes autos, de inadimplência do devedor em relação à obrigação principal do contrato, a proibição do pacto comissório presente no Código Civil impede o credor fiduciário de ficar com o bem dado em garantia para pagamento da dívida.

V - O desfecho mais adequado é a realização do leilão do bem em questão, a fim de que seja quitado o valor remanescente do financiamento junto à instituição financeira requerente, com juros e correção monetária, revertendo-se o excedente para a União.

VI - Recurso parcialmente procedente para determinar que seja efetuada a venda do bem objeto deste incidente, sendo o produto da alienação destinado ao pagamento do valor remanescente do financiamento, com juros e correção monetária, em favor do requerente, revertendo-se à União, em caso de perdimento, eventual valor remanescente obtido com a venda." (TRF3 - ACR 45147 (Proc. 00013093020104036000) - 11ª Turma - rel. Des. Fed. CECILIA MELLO, j. 23/09/2014, v.u., e-DJF3 30/09/2014)

"INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO. VEÍCULO APREENDIDO EM AÇÃO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PERDIMENTO DECRETADO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INADIMPLEMENTO DO CONTRATO. LEILÃO. QUITAÇÃO DA DÍVIDA JUNTO AO BANCO. VALOR EXCEDENTE PARA A UNIÃO. PEDIDO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

1. Incidente processual em que, diante do descumprimento de contrato de crédito garantido por alienação fiduciária, se discute a possibilidade de restituição ao credor do veículo dado em garantia, apreendido nos autos de uma ação penal que apura delitos relacionados ao tráfico transnacional de entorpecentes.

2. Os elementos constantes dos autos autorizam a solução acerca da propriedade do veículo na esfera criminal, não havendo necessidade de maior dilação probatória. Inteligência do art. 120 do Código de Processo Penal.

3. Embora certa a propriedade do bem em favor da instituição financeira, a restituição do automóvel se mostra desproporcional, notadamente levando-se em conta que apenas uma parcela do contrato não foi paga. Além disso, a proibição do pacto comissório, prevista no Código Civil, impede o credor fiduciário, nas hipóteses de inadimplemento do devedor, de ficar com o bem dado em garantia para pagamento da dívida.

4. Dessa forma, o desfecho mais adequado é a realização do leilão do bem em questão, a fim de que seja quitado o valor remanescente do financiamento junto à instituição financeira requerente, com juros e correção monetária, revertendo-se o excedente para a União.

5. Pedido de restituição julgado parcialmente procedente." (TRF3 - ReCoAp 35 (Proc. 0008885-61.2012.4.03.0000/SP) - 11ª Turma - rel. Des. Fed. NINO TOLDO, j. 29.07.2014, v.u., D.E. 05.08.2014)

A questão levantada pela embargante, de que, nos extratos juntados aos autos pelo Banco Volkswagen, constavam prestações pagas posteriormente ao Termo de Cessão de Crédito firmado entre eles, refoge ao âmbito do que está sendo discutido nestes autos.

Descabe, outrossim, a suspensão do bloqueio até a conclusão de eventuais investigações, conforme requerido alternativamente pela embargante, já que a constrição se refere apenas à transferência dos bens.

Dispositivo.

Ante o exposto, nego provimento à apelação da embargante.

É como voto.



E M E N T A

 

 

 

APELAÇÃO CRIMINAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. RESTITUIÇÃO DE BEM. SEQUESTRO NO INTERESSE DE AÇÃO PENAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INDÍCIOS DE MÁ FÉ DA EMBARGANTE. INADIMPLEMENTO PARCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DA CONSTRIÇÃO JUDICIAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DESPROVIDO.

1. Sequestro de bens no interesse de ação penal, determinado em 08/11/2019.  Quatro veículos apreendidos, cujos financiamentos eram garantidos por alienação fiduciária. A aquisição da propriedade pela devedora fiduciante somente se daria com a satisfação integral do débito. 

2. A embargante pactuou, em 10/12/2020, com o credor fiduciário, um Termo de Cessão de Crédito e Outras Avenças, através do qual, a instituição financeira (cedente) transferiu à embargante (cessionária) os créditos que possuía em face da devedora fiduciante, relativos aos veículos bloqueados.

3. No caso, a empresa embargante adquiriu os direitos sobre os contratos garantidos por alienação fiduciária muito tempo depois de ter sido determinada a constrição dos bens relativos àqueles contratos, não podendo ser considerada terceiro de boa-fé, pois tinha plena ciência do anterior sequestro dos veículos.

4. Recai sobre a embargante a dúvida sobre a sua boa-fé também por ter uma única proprietária, que nos últimos empregos auferia vencimentos próximos a um salário mínimo e que pediu auxílio emergencial, e pelo fato de não haver registro de funcionários por ela contratados.

5. Inadimplência parcial do devedor. Proibição do pacto comissório. Credor fiduciário é impedido de ficar com o bem dado em garantia para pagamento da dívida. Artigos 1.364, e 1.365, do Código Civil. Impossibilidade de restituição do bem.

6. A questão levantada pela embargante, de que, nos extratos juntados aos autos pelo Banco Volkswagen, constavam prestações pagas posteriormente ao Termo de Cessão de Crédito firmado entre eles, refoge ao  âmbito do que está sendo discutido nestes autos.

7. Descabe, outrossim, a suspensão do bloqueio até a conclusão de eventuais investigações, conforme requerido alternativamente pela embargante, já que a constrição se refere apenas à transferência dos bens.

8. Recurso improvido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu negar provimento à apelação da embargante, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
PAULO FONTES
Desembargador Federal