
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000329-51.2021.4.03.6181
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: ANDRE ROBERTO DA SILVA, FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: CARLOS BODRA KARPAVICIUS - SP292107-A, CASSIUS ABRAHAN MENDES HADDAD - SP254871-A, MARCIO NUNES DA SILVA - SP322201-A
Advogado do(a) APELANTE: ROGERIO LEANDRO - SP305897-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, OPERAÇÃO CALVARY
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000329-51.2021.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: ANDRE ROBERTO DA SILVA, FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: CARLOS BODRA KARPAVICIUS - SP292107-A, CASSIUS ABRAHAN MENDES HADDAD - SP254871-A, MARCIO NUNES DA SILVA - SP322201-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, OPERAÇÃO CALVARY OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Foi interposta Apelação pela Defesa de FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS (ID’s 279920846 e 279920873) e pela Defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA (ID’s 279920880 e 2800724102) em face da r. sentença (ID 279920825), publicada em 28.07.2023 e proferida pelo Exmo. Juiz Federal Diego Paes Moreira (6ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP), que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para: a) condenar ANDRÉ ROBERTO DA SILVA pela prática dos crimes previstos no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, artigo 35 c.c. o artigo 40, I, da Lei n. 11.343/2006 e artigo 1º, caput, c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998 (de forma reiterada), na forma do artigo 69 do CP, à pena de 27 (vinte e sete) anos e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial FECHADO, bem como ao pagamento de 2.457 (dois mil, quatrocentos e cinquenta e sete) dias-multa, cada qual no valor de R$ 2.090,00, totalizando o valor de R$ 5.135.130,00 (cinco milhões, cento e trinta e cinco mil e cento e trinta reais), atualizado desde a data do fato (outubro de 2020). Após a reavaliação dos requisitos da prisão preventiva, na forma do art. 387, §1º do CPP, a sentença manteve a prisão preventiva do réu; b) condenar FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS pela prática do crime previsto no artigo 1º, caput, c.c. o §4º da Lei nº 9.613/1998 (de forma reiterada) à pena de 07 (sete) anos de reclusão, em regime ABERTO, bem como ao pagamento de 209 (duzentos e nove) dias-multa, cada qual no valor de R$ 1.567,50, totalizando a multa no valor de R$ 327.607,50 (trezentos e vinte e sete mil e seiscentos e sete reais e cinquenta centavos), o que corresponde a 209 dias-multa no valor de R$ 1.567,50 o dia-multa, atualizado desde a data do fato (outubro de 2020). Após a reavaliação dos requisitos da prisão preventiva, na forma do art. 387, §1º do CPP, o magistrado a quo entendeu pela desnecessidade da prisão preventiva do referido corréu, mantendo a liberdade provisória anteriormente concedida e revogando as medidas cautelares anteriormente impostas; c) absolver FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS da acusação da prática dos crimes previstos no artigo 33, caput, e artigo 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006, com fundamento no artigo 386, VII, do CPP (inexistência de prova suficiente para a condenação). De acordo com a denúncia bem resumida no Relatório da Sentença (ID 279920825): “Trata-se de denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal nos autos nº 5000329-51.2021.403.6181 contra JOÃO CARLOS CAMISA NOVA JÚNIOR, ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, ANDERLEI JOSÉ DOS SANTOS e FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 35, caput, da Lei 11.343/2006, ambos com a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da mesma Lei, e no artigo 1º, caput, da Lei 9.613/98, por duas vezes, todos na forma do artigo 29, caput, c/c artigo 69, do Código Penal (Id 253783280). Segundo a denúncia, os corréus, acertados entre si e com unidade de desígnios, pelo menos entre os meses de maio e outubro de 2020, supostamente teriam armazenado, transportado e ao fim exportado um total de 2.724kg (dois mil, setecentos e vinte e quatro quilos) de cocaína escondida em uma carga de milho destinada à Europa no navio UNISPIRIT. Consta ainda da exordial acusatória que, pelo menos entre os meses de agosto e outubro de 2020, os corréus em tese acertados entre si e com unidade de desígnios, supostamente teriam ocultado a origem, a localização, a movimentação e a propriedade de R$ 5.799.772,78 (cinco milhões setecentos e noventa e nove mil setecentos e setenta e dois reais e setenta e oito centavos) de proveniência ilícita. Posteriormente, esse valor supostamente teria sido utilizado para pagar a carga de milho empregada para esconder o entorpecente apreendido. Por fim, narra a denúncia que os corréus em tese teriam ocultado, mediante registro em nome de interpostas pessoas, a propriedade de bens móveis e imóveis supostamente adquiridos com o produto do tráfico internacional de drogas, bem como de valores provenientes desse ilícito criminal.” Com relação a ANDERLEI JOSÉ DOS SANTOS, o corréu não foi encontrado para ser citado no endereço informado nos autos, tendo o feito sido desmembrado, prosseguindo-se em relação a JOÃO CARLOS CAMISA NOVA JÚNIOR, ANDRÉ ROBERTO DA SILVA e FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS. A decisão de ID 265930608 determinou o desmembramento do feito com relação a , nos termos do artigo 80 do Código de Processo Penal. Tipificação: artigos 33, caput, e 35, caput, da Lei nº 11.343/2006, ambos com a causa de aumento prevista no artigo 40, I, do mesmo Diploma legal, e em concurso material, na forma do artigo 29, caput, c.c. artigo 69 do Código Penal, e por duas vezes, no artigo 1º, caput, da Lei nº 9.613/1998, na forma do artigo 29, caput, c.c. artigo 69 do Código Penal. O recebimento da denúncia deu-se em 15.06.2022 (ID 254007561). Sobreveio a r. sentença (ID 279920825) que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para: a) condenar ANDRÉ ROBERTO DA SILVA pela prática dos crimes previstos no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, artigo 35 c.c. o artigo 40, I, da Lei n. 11.343/2006 e artigo 1º, caput, c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998 (de forma reiterada), na forma do artigo 69 do CP, à pena de 27 (vinte e sete) anos e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial FECHADO, bem como ao pagamento de 2.457 (dois mil, quatrocentos e cinquenta e sete) dias-multa, cada qual no valor de R$ 2.090,00, totalizando o valor de R$ 5.135.130,00 (cinco milhões, cento e trinta e cinco mil e cento e trinta reais), atualizado desde a data do fato (outubro de 2020). Após a reavaliação dos requisitos da prisão preventiva, na forma do art. 387, §1º do CPP, a sentença manteve a prisão preventiva do réu; b) condenar FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS pela prática do crime previsto no artigo 1º, caput, c.c. o §4º da Lei nº 9.613/1998 (de forma reiterada) à pena de 07 (sete) anos de reclusão, em regime ABERTO, bem como ao pagamento de 209 (duzentos e nove) dias-multa, cada qual no valor de R$ 1.567,50, totalizando a multa no valor de R$ 327.607,50 (trezentos e vinte e sete mil e seiscentos e sete reais e cinquenta centavos), o que corresponde a 209 dias-multa no valor de R$ 1.567,50 o dia-multa, atualizado desde a data do fato (outubro de 2020). Após a reavaliação dos requisitos da prisão preventiva, na forma do art. 387, §1º do CPP, o magistrado a quo entendeu pela desnecessidade da prisão preventiva do referido corréu, mantendo a liberdade provisória anteriormente concedida e revogando as medidas cautelares anteriormente impostas; c) absolver FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS da acusação de prática dos crimes previstos no artigo 33, caput e artigo 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006, com fundamento no artigo 386, VII, do CPP (inexistência de prova suficiente para a condenação). Foram opostos embargos declaratórios pela defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA (ID 279920828), os quais foram conhecidos e acolhidos parcialmente, para fins de prequestionamento, passando a sentença a constar que (ID279920875): “dos equipamentos eletrônicos apreendidos na decisão de busca e apreensão, parte foi periciada consoante os laudos de Ids 242729042, 242729556, 242729561, 242729571, 242729577, 242729583, 242729588242729599, 242730519, 242730530, 242730543, 242731102, 242731117, 242731132, 242731143, 242731556, 242731569, 242732352, 242732363, 242732376 e 242733436; outra parte dos equipamentos eletrônicos apreendidos não havia sido acessado pela autoridade policial, a qual informou ao final da instrução, em janeiro de 2023, que o material ainda se encontrava em tentativa de quebra de senha (Id 272134779). O material decorrente da análise pericial dos equipamentos eletrônicos não faz parte da denúncia e dos elementos probatórios presentes nos autos considerados na prolação da sentença. A defesa não formulou requerimento específico a seu respeito durante a instrução processual e apresentou requerimentos específicos de produção probatória (Ids 26753378 e 270303161).” A defesa de FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS interpôs recurso de Apelação (ID’s 279920846 e 279920873), alegando que de fato há “altas movimentações nas contas bancárias do acusado, todavia oriundas de atividades lícitas e não ligadas a qualquer crime investigado nestes autos”, todas atreladas ao comércio de carros de luxo. Pontua que o réu estava afastado das atividades empresariais “tendo em vista que iria se retirar da sociedade” e que neste período “a empresa era administrada exclusivamente por seu sócio (André), sendo que o Apelante realizava operações solicitadas pelo sócio, pois este gozava de sua total confiança”. Sustenta que não tinha conhecimento de qualquer atividade ilícita dos envolvidos e que sempre agiu de boa-fé, motivo pelo qual deve ser absolvido já que não caracterizado o dolo. Subsidiariamente, requer a redução da pena-base ao mínimo legal. Argumenta que não seria razoável o réu ter sido absolvido pelo crime de tráfico de drogas e no vetor culpabilidade do crime de lavagem ter sua pena exasperada sob o fundamento de que ‘protagonizou a lavagem de valores oriundos do tráfico de drogas, utilizando-se de inúmeras pessoas jurídicas e físicas como interpostas pessoas.” Por fim, na terceira fase dosimétrica, requer o afastamento da causa de aumento disposta no parágrafo 4º do artigo 1º da Lei n.º 9.613/1998. A defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA interpôs recurso de Apelação (ID’s 279920880 e 2800724102) e requer preliminarmente que seja declarada a nulidade das provas coletadas na fase inquisitorial, notadamente em razão da falta de acesso às provas, pela violação da cadeia de custódia, não observância da garantia constitucional do contraditório, do direito à ampla defesa, e da devida produção da prova, à paridade de armas e à Súmula Vinculante nº 14 do STF, devendo ser desconsiderados todos os elementos de convicção derivados das referidas provas. Subsidiariamente, requer o acesso integral às provas produzidas na fase inquisitorial que originaram o presente processo com base no Full Disclosure. Pontua que a defesa contratou perícia técnica complementar que apontou diversas inconsistências, notadamente a ausência de documentação mínima essencial e falhas insanáveis na preservação da integridades das provas digitais (violação da cadeia de custódia). Requer a consideração do parecer técnico juntado aos autos e que “as informações nele contidas sejam consideradas por esse d. juízo para que se reconheça a nulidade das provas produzidas em fase inquisitorial, ou ao menos, a conversão do julgamento em diligência para se ter acesso às provas que estão acessíveis apenas ao órgão investigatório”. Aduz que houve quebra da cadeia de custódia das provas telemáticas e digitais oriundas da conta em nuvem icloud de João Camisa Nova Júnior, o que comprometeu a confiabilidade dos dados. Também pontua que não foram gerados hashes criptográficos, o que inviabiliza a verificação da integridade dos dados, tendo as provas sido baseadas em prints de tela sem origem comprovada e sem metadados. Esclarece que tal proceder compromete a rastreabilidade e impossibilita assegurar que não houve manipulação ou adulteração. Argumenta que os dados telemáticos extraídos da nuvem do icloud de João Camisa Nova Júnior encontram-se acautelados na 6ª Vara Federal Criminal em um HD, mas que não há nenhuma informação se o conteúdo do referido HD, entregue pela Polícia Federal, ainda possui o mesmo hash code da prova original e que “a falta de documentação no processo impossibilita a verificação do que ocorreu com a coleta, análise e disponibilização da prova digital após o recebimento dos arquivos pela Apple. Consequentemente, não se pode afirmar que a prova permanece íntegra e se algum elemento exculpatório pode ter sido alterado”. Aventa que “não há laudo, não há repositório original, não há extração por perito oficial, não há um hash para confrontar a mesmidade dos arquivos”, ou seja, houve a adoção de um procedimento “que não permite a aferição da higidez da prova nem a afirmação de que não houve alteração ou adulteração”. Igualmente aduz que com relação às provas decorrentes da busca e apreensão dos aparelhos celulares e computadores “existem os laudos técnicos e documentação com os hashes, mas não tem os dados telemáticos e digitais”. Alega que não foram identificadas e documentadas todas as informações relevantes, como o local, data, hora e descrição detalhada dos dispositivos ou mídias envolvidos, bem ainda que todos os links de acessos a dados estão inacessíveis, foram apagados dos servidores dos órgãos investigativos estatais, impossibilitando o acesso ao repositório original e metadados. Aventa que a coleta forense não fora realizada por perito oficial, bem como que não foram documentadas todas as etapas de coleta de provas digitais. Esclarece que as mídias acauteladas em cartório não foram protegidas contra alteração, destruição ou acesso não autorizado, bem ainda que não poderiam ser consideradas como provas válidas captura de tela de celular. Argumenta violação à paridade de armas porquanto a defesa não teve acesso às contas Apple, Globo e Gmail de João Carlos Camisa Nova Júnior, mas tão somente a acusação, com a extração apenas daquilo que interessaria à condenação. Aduz que a interceptação dos dados ultrapassou o período de 15 (quinze) dias (período compreendido entre 19 de janeiro de 2021 e 26 de maio de 2021 totaliza 117 dias), bem como que nas representações para afastamento do sigilo telemático a autoridade policial apresenta fotos sem indicar a origem, áudio ou localização do repositório original ou link de acesso. Expõe que o prejuízo advindo da nulidade é patente na medida que “a coleta de prova na nuvem de um corréu foi a única utilizadas para instruir todo o processo contra ANDRÉ e FRANCISCO”. Subsidiariamente, requer conversão do julgamento em diligência, a fim de obter acesso às provas consubstanciadas nos dados telemáticos e digitais de todos os equipamentos eletrônicos alvo da busca e apreensão realizada na deflagração da Operação no dia 18.11.2021. Postula a expedição de ofício dirigido ao órgão investigatório, a fim de obter os documentos mínimos indispensáveis para justificar o acautelamento do HD externo presente na 6ª Vara Federal Criminal/SP, bem ainda para que a acusação reapresente as provas, de molde a permitir que a defesa apresente suas argumentações e conteste as demais provas produzidas nos autos, com acesso ao repositório original dos dados, ou seu espelho com preservação e registro do hash original dos arquivos. Requer, ainda, subsidiariamente, a realização de nova perícia, observando-se os procedimentos adequados, com a participação da defesa técnica, oportunizando-se a nomeação de um assistente pericial, se o caso. No mérito, requer a absolvição do réu por ausência de provas. Aduz que existiriam dúvidas acerca da autoria delitiva “que obstam a transposição, com o grau de certeza exigido, do standard mínimo probatório” para que o réu seja condenado. Pontua que “conforme explicado no relatório policial, que foi anexado aos autos como prova pré-constituída, houve um intervalo de algumas horas (aproximadamente 3 horas) na madrugada do dia 2 de outubro de 2020, em que a carga de milho ficou sem vigilância da Receita Federal do Brasil e Polícia Federal. Os policiais responsáveis descansaram durante esse período e deixaram a carga no porto sem qualquer tipo de vigilância, retornando apenas pela manhã”, de modo que a inserção clandestina das drogas em cargas lícitas “poderia ter sido feita por qualquer traficante não identificado, aproveitando a falta de vigilância sobre a carga de milho, uma vez que o ambiente portuário apresentava intenso fluxo de pessoas”. Também pontua que “não se pode ignorar a possibilidade de ter ocorrido uma negligência durante a fiscalização na madrugada do dia 2, especialmente diante das contradições em relação ao momento da apreensão (um policial menciona que ocorreu à tarde, enquanto outros dois afirmam que foi pela manhã), além da possibilidade de a inserção da cocaína no navio ter ocorrido em alto-mar, como por exemplo, através de lanchas menores, ou ainda, anteriormente ao carregamento do milho. Em caso de entendimento contrário, postula isonomia com o corréu FRANCISCO, sendo condenado apenas pelas imputações que restarem comprovadas, lastreadas em provas não contaminadas, na medida em que ambos os increpados estariam em situações fático-processuais análogas (ambos são sócios na empresa C1P Consultoria e Representações Ltda.). Aduz que “não há que se falar em lavagem de dinheiro nas movimentações financeiras e na questão os imóveis apontados como de propriedade do réu André.” Requereu a redução da pena-base no crime de lavagem de dinheiro, bem ainda a exclusão da causa de aumento disposta no parágrafo 4º do artigo 1º da Lei n.º 9.613/1998. Especificamente em relação ao crime de associação para o tráfico de drogas aduz “manifesta atipicidade pela ausência de estabilidade e permanência”. No caso de se entender pela participação do réu em eventos de tráfico de drogas, que seja condenado apenas pela associação ao tráfico (artigo 35 da Lei n.º 11.343/2006), com a redução da pena-base. Na hipótese de se entender pelo cometimento do crime de tráfico de drogas que haja a redução da pena-base, bem como que o réu seja condenado com a redutora disposta do parágrago 4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006. Postula que seja desconsiderado o disposto no inciso I do artigo 40 da Lei n.º 11.343/2006, uma vez que o núcleo do tipo penal do art. 33 já engloba a transnacionalidade. Requer a aplicação do artigo 29, § 1º, do CP, com a redução de 1/3 (um terço) pela participação de menor importância. Postula, ainda, “a diminuição dos dias-multa ao mínimo legal em quantidade e também em valor”, bem ainda que “caso condenado, requer a aplicação de pena não afastada da mínima cominada a espécie, substituição de pena, detração, suspensão condicional do processo ou regimes menos gravosos. Ainda, se condenado, que seja deferida a liberdade provisória ou medida cautelar de acordo com o art. 387, § 1º, possibilitando que, em liberdade, e com a aplicação de cautelares diversas da prisão, aguarde o réu os julgamentos dos recursos.” Recebido os recursos, o Ministério Público Federal apresentou contrarrazões atinente ao Recurso de Apelação interposto pelo corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS (ID 279920885). A defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA pugnou pela apresentação das razões recursais em segundo grau de jurisdição, nos termos do artigo 600, parágrafo 4º, do Código de Processo Penal, e a acusação de primeiro grau deixou de apresentar contrarrazões com fundamento no Enunciado nº 8, da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal em Brasília-DF (ID 279920884). Oficiando nesta instância (ID283214282), o órgão ministerial, em relação às contrarrazões de Apelação de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, pontuou que sobre o tema, em decisão do colegiado dos Procuradores Regionais da República da 3ª Região, oficiantes no núcleo criminal, restou decidido que, nas hipóteses do artigo 600, § 4º, do Código de Processo Penal, haverá apresentação de uma peça única, tendo apresentado parecer opinando pelo não provimento dos recursos de ambos os réus. ID 310688876: A defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA requer a juntada aos autos da inicial do Habeas Corpus n.º 5028247-41.2024.403.0000 (ID 310688997), solicitando que todos os pedidos ali inseridos sejam analisados em conjunto com sua Apelação (ID’s 279920880 e 2800724102). Foram acostados, ainda, o v. acórdão prolatado pela Décima Primeira Turma que não conheceu dos referidos Habeas Corpus (ID 310688995), jurisprudência (ID 310689002), bem ainda Laudo Técnico-Pericial de análise forense da preservação da cadeia de custódia de provas digitais, elaborado aos 17.10.2024. O feito foi convertido em diligência para manifestação ministerial (ID 312617306). ID 313066539: Sobreveio manifestação do Ministério Público Federal pelo não conhecimento da petição apresentada pela defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA no ID 310688876, com o consequente desentranhamento dos autos. Aduz, em síntese, que não se revela possível a juntada de documento novo pela defesa após a apresentação das razões de apelação, em razão da unirrecorribilidade das decisões judiciais e da existência da preclusão consumativa É o relatório. À revisão.
Advogado do(a) APELANTE: ROGERIO LEANDRO - SP305897-A
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000329-51.2021.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: ANDRE ROBERTO DA SILVA, FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: CARLOS BODRA KARPAVICIUS - SP292107-A, CASSIUS ABRAHAN MENDES HADDAD - SP254871-A, MARCIO NUNES DA SILVA - SP322201-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, OPERAÇÃO CALVARY OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Da apresentação de documentos após as razões de Apelação ID 310688876: A defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA requer a juntada aos autos da inicial do Habeas Corpus n.º 5028247-41.2024.403.0000 (ID 310688997), solicitando que todos os pedidos ali inseridos sejam analisados em conjunto com sua Apelação (ID’s 279920880 e 2800724102). Foram acostados, ainda, o v. acórdão prolatado pela Décima Primeira Turma que não conheceu dos referidos Habeas Corpus (ID 310688995), jurisprudência (ID 310689002), bem ainda Laudo Técnico-Pericial de análise forense da preservação da cadeia de custódia de provas digitais, elaborado aos 17.10.2024. O pleito não comporta provimento. Uma vez interposta a apelação com a devida apresentação das respectivas razões, resta exaurido o direito da parte de complementar ou modificar os fundamentos do recurso. A prática de novo ato processual com esse objetivo encontra óbice na preclusão, que visa assegurar a estabilidade e a segurança jurídica do processo. Nesse sentido: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA INTERPOSTA NA ORIGEM, ALEGANDO QUE A CONDENAÇÃO SERIA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. VERTENTE NARRATIVA CONDENATÓRIA COM RESPALDO PROBATÓRIO. DOSIMETRIA. MATÉRIA NÃO ALEGADA EM TEMPO NA ORIGEM. ADITAMENTO POSTERIOR DAS RAZÕES RECURSAIS. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. - O Tribunal estadual examinou detidamente a prova oral produzida e concluiu que a vertente narrativa eleita pelo Conselho de Sentença e que resultou na condenação do agravante tem assento nos autos, não havendo que se falar em decisão manifestamente contrária à prova. A alteração desse entendimento não tem lugar na via estreita, de cognição sumária do writ. - Acerca das teses de ilegalidade na dosimetria da pena, o Tribunal local não se pronunciou. Dessarte, não pode esta Corte Superior sobre elas decidir, em caráter originário, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância. - Não há que se falar em omissão indevida no acórdão de apelação criminal ou em negativa de prestação jurisdicional, já que o capítulo da dosimetria da pena não foi oportunamente devolvido ao exame da Corte local, nas razões recursais. - De modo especial, no procedimento perante o Tribunal do Júri, o efeito devolutivo da apelação é adstrito aos fundamentos da sua interposição (Súmula n. 713/STF). - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, "[i]nterposta apelação, a prática de novo ato processual com intuito de aditar às razões recursais fica obstada pela preclusão consumativa" (HC n. 469.281/SP, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 8/11/2018, DJe 23/11/2018). - Agravo regimental desprovido.” (STJ, AgRg no HC n. 652.079/MG, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/4/2021, DJe de 26/4/2021) (grifei) “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ADITAMENTO ÀS RAZÕES DE APELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA . INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Uma vez interposta a apelação, a prática de novo ato processual com o objetivo de aditar às razões já apresentadas fica obstada em razão da preclusão consumativa, conforme firme orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal . 2. Os temas objeto de aditamento (suposta atipicidade e reavaliação da dosimetria), sobre os quais a defesa atribui a natureza de ordem pública - por isso mesmo, em sua ótica, cognoscível a qualquer tempo -, somente justificariam a abordagem específica pelo acórdão, à mingua de impugnação na apelação, caso fosse constatada eventual ilegalidade, o que não ocorreu. 3. Agravo regimental não provido .” (STJ - AgRg no AgRg no AREsp: 1737896 SC 2020/0194719-4, Relator.: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 16/11/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/11/2021) (grifei) “HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ADITAMENTO ÀS RAZÕES DE APELAÇÃO. PRETENSÃO DE CONVERTER O JULGAMENTO EM DILIGÊNCIAS. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. ORDEM DENEGADA. 1. Interposta apelação, a prática de novo ato processual com intuito de aditar às razões recursais fica obstada pela preclusão consumativa. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, "não se acolhe alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função do indeferimento de diligências requeridas pela defesa, pois o magistrado, que é o destinatário final da prova, pode, de maneira fundamentada, indeferir a realização daquelas que considerar protelatórias ou desnecessárias ou impertinentes (REsp. 1.519.662/DF, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 1/9/2015)" (AgRg no AREsp 1.035.285/ES, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2018, DJe 13/09/2018). 3. Ordem de habeas corpus denegada.” (STJ, HC n. 469.281/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 8/11/2018, DJe de 23/11/2018) (grifei) Demais disso, como bem ponderado pelo órgão ministerial (ID 313066539): “Feitas tais considerações, verifica-se que, no presente caso, não se revela possível a juntada de documento novo pela defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, após a apresentação das razões de apelação, por força do princípio da unirrecorribilidade das decisões judiciais, bem como em razão da existência da preclusão consumativa. Ressalte-se, ainda, que ambas as manifestações processuais, quais sejam, razões de apelação (ID 280724102) e petição de juntada de documentação, com nítido intuito de aditamento às razões recursais (ID 310688876), foram formalizadas pelos mesmos defensores, sem qualquer inovação do pedido final, no sentido de ser declarada a nulidade das provas produzidas, por suposta quebra da cadeia de custódia.” Frente ao exposto, rejeita-se o quanto peticionado pela Defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, diante da preclusão consumativa, prosseguindo-se ao julgamento das Apelações interpostas. PRELIMINARES Da alegação de que o prazo de 15 (quinze) dias da interceptação de dados telemáticos não foi observado, bem como de vício das Representações Policiais A defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA aduz que a interceptação dos dados ultrapassou o período de 15 (quinze) dias (período compreendido entre 19 de janeiro de 2021 e 26 de maio de 2021 totaliza 117 dias), bem como que nas representações para afastamento do sigilo telemático a autoridade policial apresentou fotos sem indicar a origem, áudio ou localização do repositório original ou link de acesso. A sentença já refutou aludida preliminar, nos seguintes termos: “1.4. Afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior. Rejeito a alegação de nulidade referente ao afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior. A defesa alega que a empresa de tecnologia Apple não cumpriu adequadamente a ordem judicial, apresentando dados indevidamente. Alega ainda que o prazo de quinze dias da interceptação de dados telemáticos não foi observado. A empresa de tecnologia Apple é um terceiro não interessado na causa, que apresentou os dados do afastamento do sigilo telemático em cumprimento a ordem judicial. Não há indício de que a empresa de tecnologia ou qualquer de seus funcionários tenha atuado de má-fé no fornecimento dos dados objeto do afastamento de sigilo telemático. Ao dar cumprimento à ordem judicial, a empresa de tecnologia o fez dentro de sua capacidade técnica. Da mesma forma, rejeito a alegação de que o prazo de interceptação de dados tenha superado o período de quinze dias. A ordem judicial permitiu o acesso aos dados já existentes, bem como aos que viriam a ser armazenados dentro do prazo de 15 (quinze) dias. Esse prazo de 15 (quinze) dias refere-se à interceptação de dados em tempo real, de modo semelhante ao que ocorre na interceptação telefônica. Os dados existentes anteriormente são acessados por decorrência do afastamento do sigilo telemático, de forma semelhante ao que ocorre com dados bancários ou fiscais. Não se computa o prazo de 15 (quinze) dias nesse afastamento de sigilo, eis que tais dados não são acessados em tempo real, mas constituem apenas vestígios do que já havia ocorrido e poderia ser acessado por meio de ordem judicial fundamentada, como foi o caso. O prazo de 15 (quinze) dias para acesso de dados em tempo real é contado do momento em que a medida é efetivada pela empresa de tecnologia, assim como ocorre na interceptação telefônica. No caso concreto, a empresa Apple informou que os dados fornecidos atendem aos parâmetros da ordem judicial e o acesso de dados em tempo real atendeu ao prazo de 15 (quinze) dias (autos n. 500789-38.2021.403.6181, Id 48021580). A conta-espelho é a técnica utilizada para permitir o acesso a dados em tempo real, conforme esclarecido pela empresa Apple (autos n. 500789-38.2021.403.6181, Id 48021580). (...) Assim sendo, não verifico violação aos parâmetros da ordem de afastamento de sigilo telemático. 1.5. Representações da autoridade policial. Rejeito a alegação de nulidade por vício nas provas apresentadas nas representações da autoridade policial. As provas foram obtidas por meio de ordens judiciais fundamentadas. O conteúdo integral das provas acessadas está disponível tanto nos diversos autos eletrônicos no sistema PJE, como nas mídias acauteladas em juízo.” (grifei) Com fundamento no artigo 1º e seguintes da Lei n. 9.296/1996 e no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, foi deferida a representação da Autoridade Policial corroborada pelo Ministério Público Federal para determinar o afastamento do sigilo telemático, aos 16/03/2021. Nesta ocasião, foi autorizado o acesso aos dados e informações telemáticos armazenados do período de 01/01/2020 a 18/01/2021, e interceptação pelo prazo de 15 (quinze) dias. Como já explicitado, para os dados já existentes e que estavam armazenados não se computa o interregno de 15 (quinze) dias. Já os dados da interceptação telemática, a própria empresa Apple informou que “Em resposta a Ordem Judicial para a Apple Inc. (“Apple”), a Apple criou uma conta de e-mail “duplicada" para a conta de iCloud identificada, pois o e-mail é um recurso ativo da conta. A conta "duplicada" estará ativa de 2021-03-29 até 2021-04-12, por um período de 15 dias, conforme a Ordem Judicial.” Não há, pois, que se falar em excesso de prazo. Para além disso, o monitoramento telemático ocorreu por apenas um interregno de 15 (quinze) dias. Também não há que se falar em vício nas Representações Policiais, porquanto como já testificado todo o conteúdo das provas acessadas está disponível tanto nos diversos autos eletrônicos no sistema PJE, como nas mídias acauteladas em juízo. Afastada, portanto, referida preliminar. Da alegada falta de acesso às provas, não observância da garantia constitucional do contraditório, do direito à ampla defesa e à paridade de armas A defesa do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA requer preliminarmente que seja declarada a nulidade das provas coletadas na fase inquisitorial, notadamente em razão da falta de acesso às provas, não observância da garantia constitucional do contraditório, do direito à ampla defesa, à paridade de armas, devendo ser desconsiderados todos os elementos de convicção derivados das referidas provas. Argumenta violação à paridade de armas porquanto a defesa não teve acesso às contas Apple, Globo e Gmail de João Carlos Camisa Nova Júnior, mas tão somente a acusação, com a extração apenas daquilo que interessaria à condenação. Subsidiariamente, requer conversão do julgamento em diligência, a fim de obter acesso às provas consubstanciadas nos dados telemáticos e digitais de todos os equipamentos eletrônicos alvo da busca e apreensão realizada na deflagração da Operação no dia 18.11.2021. Postula a expedição de ofício dirigido ao órgão investigatório, a fim de obter os documentos mínimos indispensáveis para justificar o acautelamento do HD externo presente na 6ª Vara Federal Criminal/SP, bem ainda para que a acusação reapresente as provas, de molde a permitir que a defesa apresente suas argumentações e conteste as demais provas produzidas nos autos. Com efeito, tal tema já foi devidamente apreciado pelo juízo a quo, nos seguintes termos (ID 279920818): “(…) 1.1. Acesso de dados e provas à defesa, paridade de armas. Rejeito a alegação de nulidade por suposta ausência de acesso da defesa às provas produzidas na investigação. Conforme certificado nos autos, às defesas de todos os corréus sempre foram disponibilizadas todas as provas produzidas na investigação e utilizadas para o embasamento da ação penal. A principal insurgência da defesa a respeito do acesso às provas refere-se às provas digitais fornecidas pelas empresas Apple, Globo e Gmail, derivadas da interceptação telemática de João Carlos Camisa Nova Júnior. A integralidade das referidas provas sempre esteve disponível às defesas por meio de mídia eletrônica (HD) acautelado na secretaria deste juízo, conforme certificado nos autos n. 5000789-38.2021.403.6181 (Ids 170670018 e 170670372 daqueles autos). Também foi dada ciência à defesa de que poderia acessar as mídias acauteladas em secretaria, conforme as respectivas certidões nos autos (Id 290405588). Observe-se que a defesa possui ciência desse material, tanto que há referência expressa a ele no laudo particular apresentado nos autos, no qual consta que deveria “ser solicitada a clonagem forense do HDD de marca Seagate, com 1 Tb de capacidade nominal, modelo SRD0NF1, número de série NA8PQTWD entregue pela PF (Num. 170670372) em 03/12/2021 que encontra-se acautelada em secretaria” (Id 293335540, p. 14). Verifica-se ainda do referido laudo que as mídias não foram analisadas no âmbito do laudo particular, o qual restringiu seu objeto ao conteúdo dos autos n. 5000329-51.2021.403.6181 e n. 5000789-38.2021.403.6181 (Id 293335540, p. 02). Logo, a defesa possui acesso às mesmas provas acessadas pela acusação, de forma que a preliminar de deficiência de acesso às provas, bem como de violação à paridade de armas, deve ser rejeitada.” Deve ser rejeitada a preliminar fundada em suposta ausência de acesso da defesa às provas produzidas na fase inquisitorial. Conforme certificado nos autos, as referidas provas colhidas durante a investigação e que embasaram o oferecimento da ação penal foram devidamente disponibilizadas à defesa, tal como lançado na sentença. De acordo com o mencionado pelo magistrado, nos autos de decretação do afastamento do sigilo telemático nº 5000789-38.2021.403.6181, as mídias digitais atinentes à quebra do sigilo de dados de João Carlos Camisa Nova Júnior que não foram inseridas no PJe ficaram acauteladas em Secretaria (ID 170670018 e 170670372 daquele feito). Para além disso, houve o deferimento pelo juízo a quo, na presente ação penal, de requerimento da defesa para habilitação de advogado para acesso a todo material produzido durante a investigação e a instrução, inclusive os acautelados na Vara (ID 279920797), nos seguintes termos: “(...) ID 289966814: a defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA requer a habilitação de advogado substabelecido com reservas nestes autos principais e nos acessórios nº 5005527-69.2021.4.03.6181, nº 5000789-38.2021.4.03.6181 e nº 5005529-39.2021.4.03.6181, bem como acesso a todo material produzido durante a investigação e a instrução, notadamente os registros audiovisuais das audiências e eventuais materiais acautelados na Vara. Requereu, por fim, a devolução do prazo para apresentação de alegações finais, a contar do efetivo acesso a todo material que embasa a acusação, tendo em vista, sobretudo, o estágio avançado da marcha processual, o ingresso recente dos patronos na causa e o vasto material que compõe os autos. Defiro. Promova a Secretaria as anotações de praxe no sistema processual. Determino ainda a habilitação dos advogados em todos os processos nos quais os patronos anteriores de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA tenham sido cadastrados. Certifique-se nos autos. Certifique-se ainda se estão acessíveis, no sistema PJe, os registros audiovisuais da audiência de instrução. Caso verificada alguma dificuldade de acesso, disponibilize-se cópias à defesa, em balcão. Ciência à defesa de que a eventual existência de materiais relacionados à investigação acautelados em Secretaria consta certificada nos autos respectivos, sendo franqueado à defesa constituída o acesso e a extração de cópias em cartório. Acolho as razões apresentadas pela defesa e, mormente considerando a recém constituição dos atuais advogados e o breve prazo legal, concedo o prazo de 20 (vinte) dias para a apresentação de alegações finais, contado a partir da intimação. (…)” Ademais, insta destacar que foram opostos embargos declaratórios em face da sentença pela defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA (ID 279920828), os quais foram conhecidos e acolhidos parcialmente, para fins de prequestionamento, passando a sentença a constar que (ID279920875): “dos equipamentos eletrônicos apreendidos na decisão de busca e apreensão, parte foi periciada consoante os laudos de Ids 242729042, 242729556,242729561,242729571,242729577,242729583,242729588242729599,242730519,242730530,242730543,242731102,242731117,242731132,242731143,242731556,242731569,242732352,242732363,242732376e242733436; outra parte dos equipamentos eletrônicos apreendidos não havia sido acessado pela autoridade policial, a qual informou ao final da instrução, em janeiro de 2023, que o material ainda se encontrava em tentativa de quebra de senha (Id272134779). O material decorrente da análise pericial dos equipamentos eletrônicos não faz parte da denúncia e dos elementos probatórios presentes nos autos considerados na prolação da sentença. A defesa não formulou requerimento específico a seu respeito durante a instrução processual e apresentou requerimentos específicos de produção probatória (Ids 26753378 e270303161).” (grifei) Como se vê, ao contrário do aventado, a defesa teve acesso à totalidade das mídias digitais obtidas a partir da quebra do sigilo de dados de João Carlos Camisa Nova Júnior, bem ainda, no que diz respeito ao conteúdo dos equipamentos eletrônicos apreendidos por ocasião da busca e apreensão, consoante consignado nos embargos declaratórios, teve acesso sobre aquilo que foi laudado, até porque os demais materiais não foram acessados pela polícia (impossibilidade técnica), tampouco periciados, ou seja não foram extraídos dados, não tendo feito parte da denúncia, sequer da sentença. Refutada, portanto, alegada preliminar, não havendo que se falar em violação à paridade de armas, não observância do contraditório e ampla defesa. Da alegada quebra da cadeia de custódia e da utilização de captura de tela A defesa alega a violação à cadeia de custódia. Pontua que foi contratada perícia técnica complementar que apontou diversas inconsistências, notadamente a ausência de documentação mínima essencial e falhas insanáveis na preservação da integridade das provas digitais (violação da cadeia de custódia). Requer a consideração do parecer técnico juntado aos autos e que “as informações nele contidas sejam consideradas por esse d. juízo para que se reconheça a nulidade das provas produzidas em fase inquisitorial, ou ao menos, a conversão do julgamento em diligência para se ter acesso às provas que estão acessíveis apenas ao órgão investigatório”. Aduz que houve quebra da cadeia de custódia das provas telemáticas e digitais oriundas da conta em nuvem icloud de João Camisa Nova Júnior, o que comprometeu a confiabilidade dos dados. Também pontua que não foram gerados hashes criptográficos, o que inviabiliza a verificação da integridade dos dados, tendo as provas sido baseadas em prints de tela sem origem comprovada e sem metadados. Esclarece que tal proceder compromete a rastreabilidade e impossibilita assegurar que não houve manipulação ou adulteração. Argumenta que os dados telemáticos extraídos da nuvem do icloud de João Camisa Nova Júnior encontram-se acautelados na 6ª Vara Federal Criminal em um HD, mas que não há nenhuma informação se o conteúdo do referido HD, entregue pela Polícia Federal, ainda possui o mesmo hash code da prova original e que “a falta de documentação no processo impossibilita a verificação do que ocorreu com a coleta, análise e disponibilização da prova digital após o recebimento dos arquivos pela Apple. Consequentemente, não se pode afirmar que a prova permanece íntegra e se algum elemento exculpatório pode ter sido alterado”. Aventa que “não há laudo, não há repositório original, não há extração por perito oficial, não há um hash para confrontar a mesmidade dos arquivos”, ou seja, houve a adoção de um procedimento “que não permite a aferição da higidez da prova nem a afirmação de que não houve alteração ou adulteração”. Igualmente aduz que com relação às provas decorrentes da busca e apreensão dos aparelhos celulares e computadores “existem os laudos técnicos e documentação com os hashes, mas não tem os dados telemáticos e digitais”. Alega que não foram identificadas e documentadas todas as informações relevantes, como o local, data, hora e descrição detalhada dos dispositivos ou mídias envolvidos, bem ainda que todos os links de acessos a dados estão inacessíveis, foram apagados dos servidores dos órgãos investigativos estatais, impossibilitando o acesso ao repositório original e metadados. Aventa que a coleta forense não fora realizada por perito oficial, bem como que não foram documentadas todas as etapas de coleta de provas digitais. Esclarece que as mídias acauteladas em cartório não foram protegidas contra alteração, destruição ou acesso não autorizado, bem ainda que não poderiam ser consideradas como provas válidas captura de tela de celular. A sentença rebateu aludida preliminar, da seguinte forma: “(...) 1.2. Quebra da cadeia de custódia, identificação e documentação, preservação, documentação detalhada, coleta forense por perito oficial, proteção das evidências, provas apagadas, inacessíveis e não concluídas. Afasto a alegação de nulidade por suposta quebra da cadeia de custódia e as demais dela decorrentes (identificação e documentação, preservação, coleta forense por perito oficial, documentação detalhada, proteção das evidências, provas apagadas, inacessíveis e não concluídas). A cadeia de custódia é definida pelo art. 158-A do CPP como o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. Os principais procedimentos inerentes à cadeia de custódia são descritos nos artigos 158-A a 158-F do CPP. As alegações da defesa se distribuem em duas vertentes: (i) quanto às provas decorrentes de apreensão de mídias em meio físico; e (ii) da colheita de provas digitais obtidas pelo afastamento do sigilo telemático. Com relação às provas decorrentes de apreensão de mídias e dispositivos eletrônicos em meio físico, ou seja, em cumprimento dos mandados de busca e apreensão expedidos nos autos, observo que todos os resultados foram juntados aos autos, acompanhados dos respectivos laudos periciais que atestam a extração dos dados pela perícia oficial. O único laudo apontado pela defesa como inconsistente com o procedimento de cadeia de custódia é o laudo n. 2.919/2021 (Id 242731143). Segundo referido laudo, o aparelho celular apreendido estava acondicionado em um saco plástico lacrado, porém havia um rasgo no referido saco plástico. Contudo, consta dos autos que referido aparelho de celular foi apreendido pela equipe n. 11, na posse do investigado Rafael Polo Azinário. O aparelho celular foi identificado pela marca Samsung Galaxy S20, modelo SM-G980F, série RQ8N806POFJ (autos n. 5005527-69.2021.403.6181, Id 161984615, p. 27). Não consta da acusação a referência a quaisquer dados eventualmente extraídos daquele aparelho celular, pertencente a outro investigado que sequer foi denunciado nestes autos. As provas indicadas na acusação e no relatório do inquérito policial, em desfavor dos corréus, não foram obtidas a partir da busca e apreensão do referido aparelho de celular em posse de Rafael Polo Azinário. Por consequência, a apreensão dos materiais físicos apreendidos nos autos, efetivamente apontados pela acusação como provas em desfavor dos corréus, observou o procedimento correto de cadeia de custódia. Não foram utilizadas eventuais provas decorrentes do aparelho celular, pertencente a outro investigado, referente ao único laudo apontado pela defesa para questionar a idoneidade da cadeia de custódia dos materiais apreendidos. Quanto às provas digitais obtidas por meio da interceptação telemática, também não assiste razão à defesa. Observe-se inicialmente que os artigos 158-A a 158-F do CPP disciplinam de forma mais precisa o procedimento de cadeia de custódia de vestígios físicos. Quanto às provas digitais, devem-se observar as mesmas razões, entretanto não há previsão legal específica para como se procede à cadeia de custódia. De forma global, tanto para vestígios físicos como para as provas em meio digital, a análise da cadeia de custódia é realizada caso a caso, com base nos elementos existentes no caso concreto, de forma que o principal elemento a ser observado é a presença de indícios de que a prova possa ter sido alterada, ou de alguma forma tenha ocorrido interferência em sua apresentação em juízo. Essa é a posição consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO OCORRÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DA MEDIDA. LIAME SUBJETIVO ENTRE OS AGENTES. REVERSÃO DAS PREMISSAS FÁTICAS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 580 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Quanto à suposta quebra da cadeia de custódia, o Tribunal de origem afirmou não vislumbrar "nenhum elemento do feito demonstra que houve adulteração, alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência de terceiros para invalidar a prova produzida", sendo certo que a defesa também não foi capaz de apontar a ocorrência de adulterações, supressões ou inserções de arquivos no material coletado. Dessa maneira, não há como acolher o pleito defensivo nos moldes postulados sem nova e aprofundada incursão no conjunto probatório, providência que encontra óbice na Súmula 7 do STJ. 2. O art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal assegura a inviolabilidade das comunicações. A mesma norma ressalva a possibilidade de quebra de sigilo telefônico, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma estabelecida pela Lei 9.296/1996, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Por se tratar de norma restritiva de direito fundamental, estabelece o inciso II do art. 2º da Lei 9.296/1996 que não será admitida a interceptação telefônica se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, a denotar, assim, seu caráter subsidiário, exigindo-se, ainda, a existência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal punida com reclusão. 3. Na hipótese, "as interceptações telefônicas foram imprescindíveis para comprovar o liame subjetivo entre os agentes. Aliás, apenas por meio destas é que se chegou aos nomes de todos os acusados, situação que reforça a legitimidade da sua realização", destacando-se que "a alta periculosidade dos integrantes do PGC, a complexidade de sua organização, os sofisticados meios utilizados na prática de crimes e de ocultação de seus lideres revelaram a ineficácia de outros meios de obtenção de prova". 4. Para se chegar à conclusão diversa, como pretende a defesa, no sentido da ausência elementos que justificassem a interceptação telefônica e de esgotamento de outros meios de obtenção da prova, nos termos do art. 2º, II, da Lei 9.296/1996, demandaria reexame do conjunto fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ. 5. Nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal, a decisão do recurso interposto por um dos acusados, se fundada em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros. 6. No caso, não há falar na violação do art. 580 do CPP, pois expressamente mencionado no acórdão a situação particular dos corréus Adair, Lucinei e Helen, "reclusos desde o dia 13-7-2018 (evento n. 2014, docs. 4468, 4476 e 4472)", razão pela qual foi aplicado o regime prisional aberto em razão da detração. 7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.142.095/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 29/5/2023.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUIÇÃO DE MILÍCIA PRIVADA. NULIDADE. COLHEITA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS. NÃO VERIFICAÇÃO. DENÚNCIA RECEBIDA. PREJUDICIALIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ANÁLISE FÁTICO-PROBATÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "[E]ventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, dada a natureza inquisitiva do inquérito policial, não contaminam a ação penal" (HC n. 586.321/AP, Relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 18/8/2020, DJe 28/8/2020). No mesmo sentido: "[e]ventual vício no inquérito policial não tem o liame de contaminar a ação penal, dada a natureza meramente informativa das peças processuais e sua dispensabilidade na formação da opinio delicti" (AgRg no AREsp n. 1374735/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 4/2/2019). 2. Tal entendimento prevalece ainda que a nulidade venha a ser comprovada, sobretudo se não há demonstração de prejuízo à defesa, tudo em conformidade com o princípio do pas de nullité sans grief (informações complementares à ementa (voto vista do Ministro Luis Felipe Salomão) na APn 741-DF, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 19/9/2018, DJe de 23/10/2018). 3. Hipótese em que a denúncia já foi oferecida e devidamente recebida, razão pela qual a pretensão de reconhecimento de eventuais nulidades ocorridas durante a fase inquisitiva encontra-se prejudicada, pois, uma vez instaurada a ação penal, todo o conteúdo probatório obtido será revisitado durante a fase instrutória, sob o pálio do devido processo legal, nos quais são assegurados o exercício do contraditório e da ampla defesa. 4. A configuração da quebra da cadeia de custódia, com efeito, pressupõe a existência de irregularidades no procedimento de colheita e conservação da prova, não demonstrados de plano pelo recorrente. 5. Instâncias ordinárias que foram firmes ao asseverar a presença de elementos informativos suficientes para justificar a persecução criminal em desfavor do recorrente, devendo ser ressaltado que o reconhecimento da ocorrência de quebra da cadeia de custódia, neste momento processual, demandaria amplo revolvimento do conjunto fático-probatório, o que, como é sabido, não é possível na via eleita. 6. O reconhecimento da ausência de justa causa exige profundo exame do contexto probatórios dos autos, o que é inviável na via estreita do writ. Nesse sentido: RHC 51.659/CE, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 5/5/2016, DJe 16/5/2016; e RHC 63.480/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 1/3/2016, DJe 9/3/2016. 7. Se as instâncias ordinárias reconheceram que as condutas imputadas ao recorrente, em princípio, se subsomem ao tipo previsto no art. 288-A do Código Penal, porquanto presentes todas as elementares do crime de constituição de milícia privada, verifica-se a existência de justa causa para o prosseguimento da ação penal. 8. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 176.926/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 8/5/2023, DJe de 12/5/2023.) PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E INDÍCIOS DA AUTORIA. AFASTAMENTO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O instituto da quebra da cadeia de custódia refere-se à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, e uma vez ocorrida qualquer interferência durante o trâmite processual, esta pode implicar, mas não necessariamente, a sua imprestabilidade (AgRg no RHC n. 147.885/SP, relator Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 13/12/2021). 2. Não há se falar em nulidade decorrente da inobservância da cadeia de custódia pelas instâncias ordinárias, na medida em que a defesa não apontou nenhum elemento capaz de desacreditar a preservação das provas produzidas, conforme bem destacado no acórdão impugnado [...] (AgRg no HC n. 744.556/RO, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 13/9/2022.) 3. Conforme consignado pela Corte de origem, a consequência jurídica do extravio de uma prova é a impossibilidade, por ambas as partes, de sua utilização (RHC n. 145.418/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 1/6/2021, DJe de 8/6/2021), não havendo qualquer ilegalidade a ser sanada. Nesse contexto, verificada, na espécie, a impossibilidade de se produzir prova no notebook pessoal da vítima, em razão do desaparecimento do aparelho eletrônico em tela, o juízo sentenciante e o Tribunal de origem basearam, corretamente, a decisão de pronúncia nas demais provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não havendo qualquer ilegalidade no ponto. 4. A pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação da sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se pro societate. 5. Para a admissão da denúncia, há que se sopesar as provas, indicando os indícios da autoria e da materialidade do crime, bem como apontar os elementos em que se funda para admitir as qualificadoras porventura capituladas na inicial, dando os motivos do convencimento, sob pena de nulidade da decisão, por ausência de fundamentação. 6. No presente caso, o Tribunal local, soberano na análise do conjunto fático-probatório, colhido nas fases inquisitorial e judicial, mantendo a sentença de pronúncia, concluiu pela presença de elementos indicativos da autoria do acusado pelo crime do artigo 121, § 2°, incisos I, II e IV, do Código Penal. Assim, para alterar a conclusão a que chegou a instância ordinária e decidir, nesse momento processual, pela inexistência de indícios da autoria delitiva demandaria, necessariamente, o revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos, providência incabível em sede de recurso especial, ante o óbice contido na Súmula n. 7/STJ. 7. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.296.332/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/4/2023, DJe de 3/5/2023.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE AMEAÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. COMPETÊNCIA. VARA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ANÁLISE FÁTICO-PROBATÓRIA. ILICITUDE DA PROVA. NÃO OCORRÊNCIA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA. INCURSÃO EM CONTEÚDO PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. MANIFESTAÇÃO DAS PARTES. INVERSÃO DA ORDEM. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO . AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "[A] jurisprudência da Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que, para a aplicação da Lei 11.340/2006, não é suficiente que a violência seja praticada contra a mulher e numa relação familiar, doméstica ou de afetividade, mas também há necessidade de demonstração da sua situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência, numa perspectiva de gênero." (AgRg no REsp 1.430.724/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 17/3/2015, DJe 24/3/2015). 2. In casu, dentro do contexto descrito nos autos, afastar a conclusão das instâncias ordinárias, a fim de se analisar as peculiaridades do caso concreto acerca da efetiva demonstração da vulnerabilidade ou hipossuficiência da vítima, numa perspectiva de gênero, implica revolvimento de conteúdo fático-probatório, inviável na via estreita do habeas corpus. 3. A jurisprudência desta Corte entende que "a gravação de conversa realizada por um dos interlocutores é considerada prova lícita, não se confundindo com interceptação telefônica." (AgRg no HC n. 549.821/MG, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe de 19/12/2019). Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal: "é lícita a prova produzida a partir de gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, quando não existir causa legal de sigilo ou de reserva da conversação." (STF, RE n. 630.944 AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 19/12/2011). 4. Hipótese em que o Tribunal de Justiça registrou que não há nos autos nada que revele a ocorrência da quebra da cadeia de custódia, cuja configuração pressupõe a existência de irregularidades no procedimento de colheita e conservação da prova, não demonstrados de plano pelo recorrente. 5. Se as instâncias ordinárias foram firmes ao asseverar a presença de elementos informativos suficientes para justificar a persecução criminal em desfavor do recorrente, o reconhecimento da ocorrência de quebra da cadeia de custódia, neste momento processual, demandaria amplo revolvimento do conjunto fático-probatório, o que, como é sabido, não é possível na via eleita. 6. Não verificada a existência de nenhuma ilegalidade em razão da abertura de vista ao Ministério Público para manifestação acerca da resposta à acusação, haja vista que foram suscitadas preliminares pela defesa, as quais deveriam ser objeto de manifestação por parte da acusação, inclusive em respeito ao contraditório, princípio que deve ser observado em relação a ambas as partes. 7. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "[i]nexiste nulidade pela abertura de vista ao Ministério Público para se manifestar sobre a resposta à acusação, quando nela a Defesa suscitou questões preliminares. Além disso, [...], tanto nos casos de nulidade relativa quanto nos casos de nulidade absoluta, o reconhecimento de vício que enseje a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo, o que não ocorreu na espécie." (RHC n. 133.584/AC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 28/6/2022, DJe de 1/7/2022). 8. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 174.867/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 27/4/2023.) No caso concreto, foi autorizado o afastamento do sigilo telemático do investigado João Carlos Camisa Nova Júnior por meio de decisões fundamentadas. Por consequência, empresas de tecnologia receberam ofícios emitidos por este juízo e apresentaram respostas à autoridade policial. Os ofícios contendo a ordem de afastamento de sigilo telemático, bem como os ofícios com as respectivas respostas das empresas de tecnologia, foram devidamente registrados nos autos. A autoridade policial apresentou a este juízo mídia contendo o teor integral do afastamento do sigilo telemático, a qual foi acautelada na secretaria do juízo conforme certificado nos autos n. 5000789-38.2021.403.6181 (Ids 170670018 e 170670372 daqueles autos). Observe-se que as provas digitais não foram encontradas com terceiros, nem foram colhidas em mídias apreendidas na busca e apreensão. Foram fornecidas diretamente pelas empresas de tecnologia que prestaram serviços ao investigado, fontes independentes e não interessadas na causa que prestaram as informações em cumprimento de decisão judicial fundamentada. Verifica-se que o procedimento adotado é o padrão nos casos de afastamento do sigilo telemático. Não consta dos autos nenhuma situação extravagante ou anormal que indique eventual interferência na colheita ou apresentação da prova decorrente do afastamento de sigilo telemático. Não verifico indício de ausência de preservação dos dados coletados ou de documentação de sua origem, ausência de proteção das evidências acauteladas em cartório, ou de que quaisquer provas tenham sido apagadas ou sejam inacessíveis. Observe-se que no julgado indicado pela defesa como paradigma para suas alegações, o E. Superior Tribunal de Justiça constatou que naquele caso concreto houve extravagância do procedimento de colheita da prova, eis que foi realizada busca e apreensão de mídias eletrônicas em formato físico, as quais não foram submetidas ao procedimento de preservação de dados, posteriormente analisados por terceiro em perícia particular, sem registro se a perícia particular foi realizada diretamente no material apreendido ou em cópia efetuada pela polícia, situação anormal e cuja violação da cadeia de custódia foi verificada naquele caso concreto, ante suas peculiares circunstâncias (STJ, AgRg no RHC n. 143.169/RJ, DJe 02/03/2023, Id 293336530). Considerando esses fatores, verifica-se a idoneidade das referidas provas. (…)” Com efeito, a principal finalidade da cadeia de custódia é garantir que os vestígios materialmente deixados por uma infração penal correspondam exatamente àqueles arrecadados pela polícia, dizendo respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado. Qualquer interferência durante o processo pode levar à sua inutilização, não como uma nulidade processual, mas sim como uma questão que afeta a eficácia da prova em cada caso. Como bem explicitado pelo juízo a quo, tanto as mídias físicas apreendidas nos autos e que efetivamente foram indicadas pela acusação como provas em desfavor dos corréus, quanto o material digital obtido com o afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior observaram o procedimento correto de cadeia de custódia. Não há sequer indícios de que tenha ocorrido de outro modo. As mídias apreendidas em meio físico (obtidas por meio da Busca e Apreensão) e constante no feito foram laudadas por perito oficial, tendo sido observado o procedimento correto da cadeia de custódia. Ao contrário do aduzido pela defesa, não houve manipulação ou adulteração, tampouco a adoção de procedimentos que não permitam a aferição da higidez da prova. Por sua vez, o material digital obtido a partir do afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior foi devidamente acautelado em Secretaria, tendo sido oportunizado vista à defesa, consoante certificado nos autos n.º 5000789-38.2021.403.6181 (IDs 170670018 e 170670372) e ID 279920797 da presente ação penal. Como muito bem esmiuçado na sentença, houve decisão devidamente fundamentada deferindo o pedido formulado pela autoridade policial para o afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior. Após a expedição de ofícios às operadoras de tecnologia, os materiais digitais foram por elas fornecidos, em cumprimento às decisões judiciais. Tudo registrado nos autos. Dentre esse material obtido estavam as capturas de tela de conversas em aplicativos realizadas pelo próprio investigado. Mais uma vez, não há qualquer indicativo de que tenha havido adulteração, tampouco a interferência de terceiros a infirmar a prova produzida. Como bem explicitado em sentença “Não é crível que o investigado tenha removido ou acrescentado mensagens, feito a referida captura de tela, objetivando prejudicar a si mesmo ou a terceiros em uma futura investigação criminal na qual a autoridade policial obteve acesso a tais dados diretamente junto à empresa de tecnologia responsável pelo seu armazenamento.” Para além disso, as capturas de tela não foram os únicos elementos probatórios a respaldar a condenação, que também foi capitaneada em outros elementos de prova, como a prova oral. Portanto, inexiste elementos a indicar adulteração, manipulação ou interferências nas provas produzidas, sendo lícitas e regulares para serem utilizadas na ação penal. Nesse sentido: “PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA . FALTA GRAVE. ART. 50, INCISO VII, DA LEP. POSSE DE APARELHO DE TELEFONIA CELULAR DURANTE O TRABALHO EXTERNO . AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. É cediço que "o instituto da quebra da cadeia de custódia diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade. Tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita" (AgRg no RHC n . 147.885/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe 13/12/2021). 2 . Colhe-se do acórdão recorrido que, in casu, a mera guarda do aparelho na empresa em que o acusado realizava atividade laborterápica externa não caracteriza, por si só, quebra da cadeia de custódia.Ademais, o Tribunal de origem ressaltou que a falta grave praticada pelo agravante caracteriza-se com a mera posse ou uso do telefone celular, sendo absolutamente irrelevante se tal uso consistiu na realização de chamadas telefônicas ou no registro de imagens, por meio de fotos ou de vídeos. 3. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, não evidenciada a existência de adulteração da prova, supressão de trechos, alteração da ordem cronológica dos diálogos ou interferência de terceiros, como na espécie, não há falar em nulidade por quebra da cadeia de custódia . 4. Ademais, a jurisprudência desta Corte Superior se firmou no sentido de que, no campo da nulidade no processo penal, vigora o princípio pas de nullité sans grief, previsto no art. 563, do CPP, segundo o qual, o reconhecimento de nulidade exige a comprovação de efetivo prejuízo. Nesse contexto, foi editada pelo Supremo Tribunal Federal a Súmula n . 523, que assim dispõe: No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. 5. No presente caso, a defesa não logrou demonstrar prejuízo em razão do alegado vício, tampouco comprovou cabalmente a ocorrência de quebra da cadeia de custódia, tendo a Corte local assentado que não foram constatados quaisquer indícios de que tenha ocorrido adulteração de dados. Assim, não demonstrado efetivo prejuízo, tampouco comprovada a quebra da cadeia de custódia pela defesa, não merece prosperar a pretensão defensiva . (...) (STJ - AgRg no AREsp: 2684625 SP 2024/0245120-5, Relator.: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 10/09/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2024) Afastada, portanto, a preliminar de nulidade em razão da violação da cadeia de custódia, bem como de nulidade em razão da utilização de captura de tela como prova. Pedido de conversão do feito em diligência Requer, a defesa, subsidiariamente, a realização de perícia, observando-se os procedimentos adequados, com a participação da defesa técnica, oportunizando-se a nomeação de um assistente pericial, se o caso. Postulou, ainda, de modo subsidiário, a conversão do julgamento em diligência, a fim de obter acesso às provas consubstanciadas nos dados telemáticos e digitais de todos os equipamentos eletrônicos alvo da busca e apreensão realizada na deflagração da Operação no dia 18.11.2021. Como já mencionado anteriormente, já foi oportunizada à defesa o conteúdo dos equipamentos eletrônicos apreendidos por ocasião da busca e apreensão e que se encontram laudados, até porque, consoante consignado em sentença, os demais materiais não foram acessados pela polícia (impossibilidade técnica), tampouco laudados, ou seja não foram extraídos dados, sequer tendo feito parte da denúncia ou considerados pelo decisum a quo. No que diz respeito ao pedido de produção de prova pericial, a sentença bem pontuou que: “1.6. Pedido de conversão do julgamento em diligência. Indefiro o pedido de conversão do julgamento em diligência, para determinação de prova pericial. Consoante todo o exposto nos itens anteriores desta sentença (itens 1.1 a 1.5), reconheço a regularidade da produção da prova na presente ação penal e na investigação que a subsidiou. Em que pese as considerações da defesa, observo que nos presentes autos não houve pedido de realização de prova pericial das provas digitais durante toda a instrução processual. A matéria não foi suscitada na resposta à acusação, nem na fase do artigo 402 do CPP. A defesa foi inicialmente intimada para a apresentação de alegações finais em 19 de abril de 2023 (Id 283342807). Não foram apresentadas alegações finais, tampouco justificativa para sua omissão (Id 285709633). Na sequência, o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA foi pessoalmente intimado sobre a ausência das alegações finais e sobre a necessidade de sua apresentação no prazo legal (Ids 285709633 e 287659166). O corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA constituiu nova defesa. Foi concedido prazo para alegações finais, porém igualmente não houve sua apresentação (Id 289694761). Posteriormente a defesa requereu novo prazo, estendido, para apresentação de alegações finais (Id 289966814). O pedido foi deferido pelo juízo (Id 290405588). Nesse período a defesa teve acesso a todo o material probatório dos autos, inclusive foi facultado o acesso à mídia com a integralidade dos dados obtidos no afastamento de sigilo telemático, acautelada em secretaria (Ids 170670018 e 170670372 dos autos n. 5000789-38.2021.403.6181). A defesa apresentou o laudo particular de Id 293335540. Não consta que o conteúdo da referida mídia com a integralidade dos dados obtidos no afastamento de sigilo telemático tenha sido analisado, eis que a defesa forneceu ao referido perito somente cópias dos autos digitais do sistema PJE em formato .pdf (Id 293335540, p. 02). No laudo há referência de que é conhecida a existência da mídia com a integralidade dos dados obtidos no afastamento de sigilo telemático (Id 293335540, p. 14). Assim sendo, a defesa não apresentou nenhuma impugnação efetiva sobre o conteúdo da mídia disponível em cartório, limitando-se a questionar sua idoneidade sem análise do conteúdo. Não verifico indício de ausência de preservação dos dados coletados ou de documentação de sua origem, ausência de proteção das evidências acauteladas em cartório, ou de que quaisquer provas tenham sido apagadas ou sejam inacessíveis. Da mesma forma, não verifico indício de interferência na cadeia de custódia ou de manipulação de dados por terceiros ou pela autoridade policial. Observo ainda que as provas decorrentes dos diversos afastamentos de sigilo de dados telemáticos, bancário e fiscal são corroboradas por outras fontes de prova, dentre elas testemunhal e documental, por fontes públicas, tais como registros públicos, e ainda por diversas diligências policiais, inclusive a cooperação realizada pela autoridade policial da Espanha, local de apreensão de parte da droga, a qual forneceu informações sobre a referida apreensão e a empresa destinatária da carga. Considerando todos esses fatores em conjunto, reconheço a idoneidade das provas produzidas na investigação criminal e indefiro o pedido de conversão do julgamento em diligência. Superadas as preliminares, avanço ao mérito.” O pedido formulado em sede de apelação para conversão do feito em diligência, com a finalidade de realização de prova pericial, não merece acolhida. Observa-se que na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, oportunizada às partes a formulação de requerimentos de diligências, a defesa do ora apelante quedou-se inerte, tal como restou consignado na sentença. Ora, o momento processual adequado para a formulação de requerimentos de provas suplementares é justamente o previsto no artigo 402 do CPP, conforme entendimento consolidado na jurisprudência, sob pena de preclusão. Demais disso, como já pontuado inexiste elementos a indicar qualquer adulteração, manipulação ou interferências nas provas produzidas, sendo lícitas e regulares para serem utilizadas na ação penal. Resta, portanto, superada a questão e afastado o pleito de conversão do feito em diligência. DO TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS A materialidade delitiva não foi questionada nos autos, no entanto, restou bem delineada conforme pode ser aferido pelo seguinte trecho da sentença (ID 279920833): “O crime de tráfico de drogas descrito na denúncia ocorreu nas modalidades transporte e exportação, referente a 2.724 kg (dois mil, setecentos e vinte e quatro quilos) de cocaína escondida em uma carga de milho destinada à Europa no navio UNISPIRIT. Dessa quantidade de droga, uma parte foi apreendida ainda em solo brasileiro, durante inspeção realizada na carga do navio (cerca de 1.500 Kg). Na sequência, o navio partiu rumo à Espanha, onde foi encontrado o restante da droga apreendida. A materialidade é demonstrada pelo termo de apreensão da droga (Id 44334490, p. 08), pelo relatório da apreensão, pelo laudo pericial que constata a natureza das drogas (cloridrato de cocaína – Id 44334490, pp. 09/10) e pela informação policial fornecida pela autoridade espanhola (Polícia Nacional) relatando a apreensão da droga na Espanha e subsequente operação policial naquele país que resultou na prisão de duas pessoas, apreensão de armas, dinheiro em espécie, veículos e dispositivos eletrônicos (Id 239808306, pp. 09/18).” ANDRÉ ROBERTO DA SILVA A defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA requer a absolvição do réu por ausência de provas. Aduz que existiriam dúvidas acerca da autoria delitiva “que obstam a transposição, com o grau de certeza exigido, do standard mínimo probatório” para que o réu seja condenado. Pontua que “conforme explicado no relatório policial, que foi anexado aos autos como prova pré-constituída, houve um intervalo de algumas horas (aproximadamente 3 horas) na madrugada do dia 2 de outubro de 2020, em que a carga de milho ficou sem vigilância da Receita Federal do Brasil e Polícia Federal. Os policiais responsáveis descansaram durante esse período e deixaram a carga no porto sem qualquer tipo de vigilância, retornando apenas pela manhã”, de modo que a inserção clandestina das drogas em cargas lícitas “poderia ter sido feita por qualquer traficante não identificado, aproveitando a falta de vigilância sobre a carga de milho, uma vez que o ambiente portuário apresentava intenso fluxo de pessoas”. Também pontua que “não se pode ignorar a possibilidade de ter ocorrido uma negligência durante a fiscalização na madrugada do dia 2, especialmente diante das contradições em relação ao momento da apreensão (um policial menciona que ocorreu à tarde, enquanto outros dois afirmam que foi pela manhã), além da possibilidade de a inserção da cocaína no navio ter ocorrido em alto-mar, como por exemplo, através de lanchas menores, ou ainda, anteriormente ao carregamento do milho. Conforme Relatório Final da Polícia Federal João Carlos Camisa Nova Júnior participava dos quadros societários da empresa CBA EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA. (ID 279920055 – fl. 08). Tal empresa atuou formalmente na logística envolvendo a exportação da carga de milho embarcada no navio UNISPIRIT. Para melhor esclarecimento dos fatos e de acordo com o que também constou no Relatório Final da Polícia Federal, a exportação da carga de milho em que fora localizada a droga teve a participação da CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA (“CBA TRADING”), que como dito, atuou nos trâmites logísticos da exportação da carga de milho, a serviço da C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. (esta atuou como a exportadora da carga de milho e tinha em seu contrato social ANDRÉ ROBERTO DA SILVA); da HACHEMUNDA MORENO SLU empresa espanhola que atuou como importadora da carga de milho e da PROPORTO BRASIL OPERAÇÕES PORTUÁRIAS EIRELI, pessoa jurídica que atuou na logística portuária, realizando o içamento dos bags de milho no navio UNISPIRIT e armazenando a carga antes do carregamento (ID 279920055). É de se lembrar que a decisão de ID 265930608 determinou o desmembramento do feito com relação aJoão Carlos Camisa Nova Júnior, nos termos do artigo 80 do Código de Processo Penal, tendo sido formados os autos n.º 5008242-50.2022.403.6181, cuja condenação pela prática dos crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro foi mantida à unanimidade por essa 11ª Turma aos 23.05.2025. Há prova nos autos no sentido de que João Carlos Camisa Nova Júnior foi o responsável por toda a operação consubstanciada na exportação da droga juntamente com ANDRÉ ROBERTO DA SILVA. Desde o pagamento do milho utilizado para a ocultação da droga, o transporte da mercadoria até o porto, além do carregamento na embarcação. De acordo com as declarações prestadas perante a autoridade policial por Cleyton Ferreira da Silva e Giovanni Di Silvério, os quais também eram sócios da CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA. juntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior, este último efetivamente foi o responsável por atuar na logística envolvendo a exportação que culminou na apreensão da droga, tendo inclusive adotado uma série de procedimentos que não eram usuais para tal consecução. Tais declarações foram bem sintetizadas no Relatório Final da Polícia Federal. Em relação a João Carlos Camisa Nova Júnior (ID 279920055 – fls. 08/11): “I. JOÃO CARLOS teria sido o quarto e último sócio a ingressar nos quadros sociais da CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA, tendo sido admitido porque faltava à empresa uma “estrutura financeira fora do país”, a qual JOÃO CARLOS aparentemente poderia proporcionar. II. JOÃO CARLOS teria coordenado integralmente a exportação da carga de milho a granel, na qual foram encontrados os tabletes de cocaína, inclusive tendo escolhido o Porto de São Sebastião/SP para a remessa da carga para Europa. III. JOÃO CARLOS teria insistido com os outros sócios em contratar a empresa PROPORTO BRASIL OPERAÇÕES PORTUÁRIAS EIRELI para realizar operação portuária, embora outra empresa, que inclusive possui mais renome no mercado, tenha cobrado um preço menor pelo serviço. IV. JOÃO CARLOS teria transferido, de forma fracionada, valores diretamente de sua conta de pessoa física para a conta da corretora Comércio de Grãos e Produção Terra Viva Ltda, responsável pelo fornecimento de parte do milho embarcado no navio UNISPIRIT. Tal fato teria acarretado o bloqueio da conta da empresa corretora, gerando prejuízos comerciais a todos os envolvidos na operação, já que, enquanto o negócio permaneceu suspenso, aguardando a regularização da conta bancária, o preço de mercado do milho dobrou. V. Em decorrência dessa variação de preço, representantes da corretora teriam dito que não poderiam fornecer a quantidade inicialmente acordada, o que teria causado insatisfação em JOÃO CARLOS, o qual, em companhia de outros dois indivíduos, teria tentado intimidar um funcionário da Comércio de Grãos e Produção Terra Viva Ltda a fornecer a quantidade inicialmente acordada. VI. Como não conseguiu obter a quantidade de milho desejada com a Comércio de Grãos e Produção Terra Viva Ltda, JOÃO CARLOS teria negociado milho diretamente com produtores do Estado do Mato Grosso, indo de encontro às práticas comerciais tradicionais relacionadas à exportação de grãos. VII. JOÃO CARLOS, indo novamente contra as práticas de mercado, teria contratado três caminhoneiros para realizar o transporte de parte da carga adquirida, do Estado do Mato Grosso até o Porto de São Sebastião/SP. Curiosamente, dois dos caminhoneiros contratados por JOÃO CARLOS teriam levado o dobro do tempo necessário para chegar ao destino. (...) VIII. Após a descoberta da droga em meio a carga destinada à exportação, JOÃO CARLOS teria sido inquirido pelos demais sócios da CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA a respeito do fato. Em resposta, JOÃO CARLOS teria mentido, ao relatar que havia acompanhado a operação policial e tomado conhecimento de que dois indivíduos teriam ingressado na área portuária, no período noturno, e ocultado a droga em meio aos bags de milho. IX. Antes da exportação interceptada pelas autoridades, JOÃO CARLOS teria coordenado, em nome da CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA, outras duas exportações para a pessoa jurídica CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA, as quais, no entanto, teriam despertado a atenção dos demais sócios devido às suas peculiaridades. a. A primeira exportação teria se tratado da remessa de dois contêineres de argamassa, para o Porto da Antuérpia, Bélgica, através do Porto de Salvador/BA, realizada entre os dias 17/08/2020 a 24/08/2020. Considerando que a argamassa teria sido produzida no Estado de São Paulo, a decisão de JOÃO CARLOS em realizar a exportação por um porto da Bahia teria acarretado prejuízos à CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA., o que teria gerado inclusive uma discussão entre JOÃO CARLOS e os demais sócios. b. A segunda exportação, realizada alguns dias depois da primeira, teria consistido na remessa de três contêineres de carvão para a Espanha, os quais teriam sido supostamente negociados pela empresa CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. com empresa espanhola Carbon Industrializado Sustenible S.L. Assim como na anterior, a operação teria gerado prejuízos financeiros, na casa de R$ 9.000,00, à CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA., novamente em razão da escolha do porto de saída (Salvador/BA).” Já sobre o envolvimento de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA na logística da exportação da cocaína, esclareceram que (ID 279920055): “I. Antes da exportação realizada através do navio UNISPIRIT, o investigado JOÃO CARLOS CAMISA NOVA JÚNIOR já havia coordenado, em nome da CBA TRADING EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA, outras duas exportações para a pessoa jurídica CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA, as quais, devido às suas peculiaridades, teriam despertado a atenção dos demais sócios, por envolver práticas comerciais atípicas, as quais, em condições normais, teriam ocasionado prejuízos financeiros para as partes. II. ANDRÉ teria se apresentado a Cleyton Ferreira da Silva como representante da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA, em uma reunião de negócios, da qual também participaram os investigados JOÃO CARLOS, FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS e VINÍCIUS SANTANA RIBEIRO. Ademais, nesta reunião, ANDRÉ e FRANCISCO teriam se apresentado falsamente como inspetores da Receita Federal do Brasil. III. ANDRÉ se trataria de um dos indivíduos que, no contexto da exportação realizada através do navio UNISPIRIT, teria, junto com JOÃO CARLOS, tentado intimidar um funcionário da empresa corretora (Comércio de Grãos e Produtos Alimentícios Terra Viva) a entregar mais milho do que o acordado, depois da variação de preço de mercado.” Ouvida em juízo (ID 279920405) a testemunha Cleyton Ferreira da Silva afirmou que a empresa CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA. foi formalizada na época da pandemia. A vinda de João Carlos Camisa Nova Júnior foi importante por conta do aporte financeiro e do contato que ele detinha no exterior. A compra do milho, os pagamentos e toda a parte financeira foi feita por ele. Os depósitos foram feitos diretamente para a empresa no Mato Grosso. Os diversos depósitos “picados” que foram feitos para a conta da empresa corretora Comércio de Grãos e Produção Terra Viva Ltda, no banco Safra acabaram bloqueando a conta daquela empresa. Nesse período, houve o aumento do preço do grão onde a empresa fornecedora não fez a entrega total do milho acordado com João Carlos Camisa Nova Júnior. Confirmou que presenciou a reunião entre João Carlos Camisa Nova Júnior e ANDRÉ ROBERTO DA SILVA com o fornecedor do milho em Mato Grosso, ocasião que foi exigido daquele fornecedor que o milho fosse disponibilizado. Disse que o fornecedor do milho sofreu pressão naquele momento, esclarecendo que isso consistiu em uma cobrança firme. Soube que teve a apreensão ocorrida no navio UNISPIRIT. Ele e Giovanni, por orientação do advogado, foram até a Polícia Federal em São Sebastião para colher informações do que tinha acontecido e colaborar com a Polícia, já que a contratação do navio tinha sido feita pela CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA. Conversaram com João Carlos Camisa Nova Júnior e este disse que fora à Polícia Federal e que já teria sido identificado como se dera a entrada de droga e que estava tudo certo. Mesmo assim, ele e Giovanni, por preocupação, decidiram ir à Polícia Federal para colaborarem com as investigações. João Carlos Camisa Nova Júnior era o sócio investidor da empresa CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA. Kilinger foi quem indicou João Carlos Camisa Nova Junior. Foram realizadas três exportações. Uma de argamassa, uma de carvão mineral e outra de milho pela empresa. A exportação de argamassa o depoente estranhou. Não foi usual. A fábrica da argamassa era próxima a São Paulo então deveria ter sido utilizado o Porto de Santos, mais próximo pelo custo/logística. No entanto, quando foi para o Porto de Fortaleza eles estranharam pois a maior preocupação seria a redução de custos para ser viável para o cliente comprador. Conversaram sobre isso com João Carlos Camisa Nova Júnior. Este disse que o cliente que teria optado pelo Porto de Fortaleza. A exportação de argamassa foi toda coordenada por João Carlos Camisa Nova Júnior. Também houve estranhamento em relação à segunda exportação realizada (carvão mineral). O fornecedor estaria muito longe do Porto e isso não faria sentido pois tinham que reduzir os custos. Eles indicaram a empresa TRANSCOPA que já conheciam e apresentava custo melhor, porém João Carlos Camisa Nova Júnior quis a empresa PROPORTO BRASIL OPERAÇÕES PORTUÁRIAS EIRELI. O poder de decisão era de João Carlos Camisa Nova Júnior. A PROPORTO não era bem referenciada pela qualidade do trabalho. Todas as exportações foram realizadas tendo como exportadora a empresa C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. Tal empresa foi trazida por João Carlos Camisa Nova Júnior para trabalharem. Em relação à exportação do milho, além do pagamento de forma parcelada para a empresa fornecedora deste produto, o que culminou com o bloqueio da conta desta pessoa jurídica, também houve inusual pagamento por meio de transferência de conta pessoa física para conta pessoa jurídica. Para fazer a exportação era necessário que os depósitos fossem realizados de pessoa jurídica para pessoa jurídica em razão dos trâmites burocráticos. Isso causou um estranhamento por parte do depoente. Conversou com João Carlos Camisa Nova Júnior sobre isso e ele respondeu que era o tipo de depósito que podia fazer no momento. Que João Carlos Camisa Nova Júnior juntamente com ANDRÉ ROBERTO DA SILVA fez grave pressão sobre Roberto, fornecedor do milho. Com relação ao transporte deste produto houve um atraso que também foi inusual. João Carlos Camisa Nova Júnior adquiriu três carretas para o transporte do milho. Uma ou duas delas atrasaram por problemas no compressor. Os caminhoneiros foram contratados por João Carlos Camisa Nova Júnior. Quem mandava na empresa CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA., realizava os pagamentos, era João Carlos Camisa Nova Júnior. Ele e Giovanni atuavam como funcionários. João Carlos Camisa Nova Júnior lhe disse que já tinha ido à Polícia Federal e que “estava tudo certo”, pois haviam identificado dois carros entrando com droga no terminal portuário. Ouvido em juízo (ID 279920406), Giovanni Di Silverio afirmou que em relação à empresa CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA. era sócio juntamente com Cleyton e João Carlos Camisa Nova Júnior. João Carlos Camisa Nova Júnior tinha clientes na Europa e utilizaria a sua expertise e a de Cleyton de contato de fornecedores para então realizarem exportações. João Carlos Camisa Nova Júnior montou a empresa. Alugou a sala e comprou mesas e cadeiras. Foram realizadas três exportações. As exportações eram comandadas por João Carlos Camisa Nova Júnior, já que ele tinha o capital para comprar junto aos fornecedores. Ele questionou João Carlos Camisa Nova Júnior em razão de algumas exportações terem sido realizadas a partir de portos distantes dos fornecedores do material. Começaram a estranhar o porquê dessas operações. Do ponto de vista econômico não fazia nenhum sentido. Seria uma situação não usual. O depoente não atuou na operação de exportação de milho. João Carlos Camisa Nova Júnior dava preferência à PROPORTO BRASIL OPERAÇÕES PORTUÁRIAS EIRELI ao invés da TRANSCOPA. A empresa TERRANOVA não entregou toda mercadoria de milho e João Carlos Camisa Nova Júnior foi até a empresa. Cleyton lhe dissera que João Carlos Camisa Nova Júnior ameaçou um funcionário da referida empresa em razão da não entrega total do milho. Soube que João Carlos Camisa Nova Júnior fez a contratação dos caminhoneiros para fazer o transporte do milho. Quando ficaram sabendo da apreensão da cocaína, entraram em contato com João Carlos Camisa Nova Júnior e este lhes dissera que já teria ido à Polícia Federal alegando que um carro foi fazer entrega e as pessoas que nele se encontravam tinham sido os responsáveis pela droga. Embora João Carlos Camisa Nova Júnior tenha lhes dito para ficarem tranquilos, não estavam mais acreditando no que ele falava. Na ocasião da exportação do milho foram contratados para o agenciamento marítimo (prestação de serviço aduaneiro). Demais disso, na fase inquisitorial tais testigos carrearam ao feito documentação de transações bancárias levadas a efeito por João Carlos Camisa Nova Júnior para pagamento dos fornecedores de milho, havendo na mesma data inúmeros depósitos fracionados, inclusive partindo da própria conta pessoa física de João Carlos Camisa Nova Júnior. Tais dados estão a revelar que João Carlos Camisa Nova Júnior não era só quem liderava a empresa CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA., mas também o responsável pelas tratativas atinentes à aquisição e transporte do milho, bem como por insistir na contratação de empresa de logística portuária não bem quista no mercado (empresa que promoveu o içamento das bags de milho no navio). Para além disso, tentou dissuadir seus sócios (Cleyton e Giovanni) ao atribuir a responsabilidade a terceiros pela droga. Ouvido em juízo (ID 279920404), Luccas Ribeiro De Souza D’Athayde, Delegado de Polícia Federal, sustentou que presidiu o Inquérito da “Operação Calvary” desde o início. Houve uma apreensão de drogas em um navio no Porto de São Sebastião e na Espanha foi encontrada maior quantidade de drogas ocultas na carga de milho que seguiu na aludida embarcação para aquele país. Que o inquérito se iniciou na Polícia Federal de São Sebastião, tendo sido apurada a participação de João Camisa Nova Júnior. Foi realizada a quebra do sigilo telemático deste último. Foram identificados, mas não qualificados, os fornecedores da droga. Foi identificado e qualificado o grupo logístico que fez a intermediação para o destino final que no caso era a Europa. Os fornecedores foram identificados pelo apelido Esmeralda e Logan, os quais eram chamados pelos investigados como “mãe” e “pai”. Embora o grupo logístico não venda a droga ele acaba fazendo chegar a droga ao destino final. Há uma predominância de João Carlos Camisa Nova Junior sobre os demais integrantes do grupo, com participação de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, Francisco e Anderley. As conversas entre eles eram realizadas pelo aplicativo que não se encontra mais em atividade, o SKY ECC, que era utilizado majoritariamente pelo crime organizado, sobretudo para o tráfico de drogas, pois conferia uma criptografia de alta performance. Utilizaram também tal aplicativo por ocasião dos fatos ocorridos atinentes ao UNISPIRIT. Após a análise fiscal e bancária, não foi possível comprovar de onde vinha o dinheiro movimentado (por João Carlos Camisa Nova Junior, ANDRÉ ROBERTO DA SILVA e Francisco). Não houve justificativa plausível sobre os valores movimentados. As empresas em nome de João Carlos Camisa Nova Junior não tinham atividade empresarial por detrás do CNPJ. O transporte da carga de milho começou no Mato Grosso até o Porto de São Sebastião. Não é possível dizer a origem da droga, se seria da Bolívia, Colômbia, etc. A contaminação dos bags de milho com a droga pode ter ocorrido em Mato Grosso ou São Paulo. Os fornecedores da droga eram “pai” e “mãe” e o grupo de coordenação logística era composto por João Carlos Camisa Nova Junior, ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, Francisco e Anderley. João Carlos Camisa Nova Junior era proeminente em relação ao grupo logístico, que tomava a frente para a exportação da droga, sendo o principal responsável pelo pagamento da droga. Foi a pessoa que utilizou a CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA. para realizar a exportação. Acumulava grande quantidade de dinheiro em espécie no escritório. Se revelou como a pessoa que mais contribuiu para o procedimento logístico da exportação da droga. Pelas apurações também foi possível entrever que os investigados já se encontravam associados para praticar crimes mesmo antes do evento do UNISPIRIT. Em relação à contaminação da carga de milho de cerca de 8 toneladas pela droga nos big bags (no meio da carga), afirmou que tal procedimento não consegue ser feito rapidamente, em poucas horas, tampouco pela tripulação. Em seu interrogatório judicial, ANDRÉ ROBERTO DA SILVA exerceu o direito de permanecer em silêncio (ID 279920513). Para além disso, as provas obtidas a partir do afastamento do sigilo de dados telemáticos da conta jrcamisanova@icloud.com, as buscas realizadas nos endereços do increpado, bem ainda o cruzamento de dados realizados a partir da quebra dos sigilo fiscal e bancário revelam com maior clareza o envolvimento direto de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA na traficância, tendo desempenhado papel de destaque na coordenação das atividades logísticas. Como bem pontuado na sentença, “o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é sócio da empresa C1P e participou diretamente da exportação de milho, sabendo que a operação seria utilizada para o tráfico transnacional de drogas.” (ID 279920818) Com efeito, João Carlos Camisa Nova Júnior armazenava em suas nuvens imagens relativas à operação logística da exportação, diversos comprovantes relacionados com a compra da carga de milho utilizada para camuflar a droga acondicionada nas bags. De acordo com a autoridade policial os comprovantes “revelam despesas de pelo menos R$ 5.799.772,78 (cinco milhões setecentos e noventa e nove mil setecentos e setenta e dois reais e setenta e oito centavos). Ele também acumulava em sua nuvem toda a operação logística portuária que envolveu o carregamento de milho no navio UNISPIRIT, inclusive do içamento dos bags de milho no navio pela empresa PROPORTO. Nos endereços de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA em que realizadas as buscas e apreensão foram encontrados diversos elementos que corroboram ainda mais o envolvimento do réu com o tráfico e associação com o tráfico de drogas, conforme é possível entrever do Relatório Final Policial (ID 279920055): “(...) II. Diversos comprovantes de compra e venda de veículos de luxo. Cite-se, por exemplo, uma proposta de venda de veículo datada de 09/09/2021, emitida pela pessoa jurídica Mile Car Comércio de Veículos Eireli, no valor de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais) referente a um Mustang 5.0 V8, Black Shadow, de placas QTU6I00, ano 2019/2020. Ainda, documentos revelam que ANDRÉ já figurou como proprietário do veículo Dodge Challenger SRT Hellcat, vermelho, ano 2018/2019, de placas DOD0H19, com valor estimado em R$ 840.000,00 (oitocentos e quarenta mil reais). (...) IV. Documentação referente à exportação de milho investigada, como, por exemplo, os documentos denominados “Packing List” [É o documento de embarque que discrimina todas as mercadorias embarcadas ou todos os componentes de uma carga em quantas partes estiver fracionada. O objetivo do “Packing” é facilitar a identificação e localização de qualquer produto dentro de um lote, além de facilitar a conferência da mercadoria por parte da fiscalização, tanto no embarque como no desembarque – nota de rodapé 224] e “Bill of Landing” [É o instrumento do contrato de transporte firmado entre embarcador e transportador, como partes contratantes, orientando as relações decorrentes do respectivo contrato e valendo, desta forma, como um título de crédito em relação a terceiros, regulando, em última análise, a relação entre o transportador e o seu portador – nota de rodapé 225]. (...) VI. Dinheiro em espécie: R$ 80.878,00 (oitenta mil oitocentos e setenta e oito reais), US$ 26.675,00 (vinte e seis mil seiscentos e setenta e cinco dólares) e € 14.545,00 (quatorze mil quinhentos e quarenta e cinco euros). Valores encontrados na residência Detalhe de interesse é que parte desse numerário se encontrava oculto em compartimentos secretos da casa de ANDRÉ (Rua Professor Pedreira de Freitas, n° 372, Bloco D, Apto. Nº 72, Ed. Londres, Tatuapé, em São Paulo – SP). Esse compartimento estava localizado ao lado direito do closet do investigado, no que se pode chamar de espécie de fundo falso do armário. (...) VIII. Objetos pessoais de alto-luxo. A título de exemplo, cite-se o relógio da marca Rolex, modelo Sky Dweller Black, avaliado em aproximadamente R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), bem como diversos outros da mesma estirpe. Diversos itens de vestuário de valor considerável também foram encontrados na residência do investigado. IX. O veículo Porsche Macan, blindada, ano 2015/2015, de placas FVN3B33, licenciado em nome da pessoa jurídica RAQUEL APARECIDA SANAGIOTTO - ME. De acordo com o Laudo nº 3615/2021-NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP, o veículo se encontra avaliado em R$ 294.000,00 (duzentos e noventa e quatro mil reais). X. O veículo Volvo XC60 T5, ano 2019/2020, de placas GCS2C58, registrado em nome do investigado FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, o qual aguarda a realização de perícia. XI. O veículo Porsche Macan, de placas FVN3B33 (sic) [EJR 0A86], 2015/2015, registrado em nome de RAQUEL APARECIDA SANAGIOTTO, esposa do investigado ANDRÉ. O veículo aguarda realização de perícia. XII. Um crachá de motorista (provisório), emitido em nome da PROPORTO OPERAÇÕES PORTUÁRIAS LTDA, que dá acesso à área portuária de São Sebastião/SP. Recordemos que a PROPORTO OPERAÇÕES PORTUÁRIA LTDA foi a pessoa jurídica que atuou na operação portuária relacionada ao carregamento do navio UNISPIRIT Ainda, de acordo com o Relatório Policial, a partir da análise do conteúdo do celular da marca Apple, modelo iPhone Pro Max 13, de IMEI nº 359.811.264.659.159 apreendido (ID 279920055 – fls. 200/205) foram identificadas diversas mensagens travadas entre o réu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA e João Carlos Camisa Nova Júnior a respeito da operação logística envolvendo a exportação da droga: “• A primeira conversação sobre a remessa de milho identificada ocorreu no dia 04/08/2020, quando, então, JOÃO CARLOS informou a ANDRÉ sobre sua intenção em depositar uma quantia para “adiantar” (a compra) o milho do “PAI”, o qual, posteriormente, aportaria a mesma quantia na conta da “C1P”. Em resposta, ANDRÉ concordou com o posicionamento de JOÃO CARLOS. • Ainda em 04/08/2020, JOÃO CARLOS enviou a ANDRÉ os dados de duas contas bancárias de pessoas jurídicas envolvidas na aquisição da carga de milho, quais sejam: Comércio de Grãos e Produtos Alimentícios Terra Viva Ltda. e SGT PROJETOS LTDA. Na sequência, JOÃO CARLOS questionou se ANDRÉ poderia providenciar a transferência bancária para a conta do banco Safra, ou seja, com destino à empresa Comércio de Grãos e Produtos Alimentícios Terra Viva Ltda, no valor de R$ 248.000,00 (duzentos e quarenta e oito mil reais). Em resposta, ANDRÉ afirmou que providenciaria e, logo depois, encaminhou um comprovante de transferência bancária realizada através de conta titulada pela C1P CONSULTORIA E REPRESENTACOES LTDA. • Em 05/08/2020, ANDRÉ encaminhou para JOÃO CARLOS outro comprovante de transferência bancária, na qual também consta uma transferência de valores de conta titulada pela pessoa jurídica C1P CONSULTORIA E REPRESENTACOES LTDA para a Comércio de Grãos e Produtos Alimentícios Terra Viva Ltda, no valor de R$ 222.630,00 (duzentos e vinte e dois mil seiscentos e trinta reais). • Em 09/08/2020, ANDRÉ solicitou que JOÃO CARLOS “passasse” as coisas para ele, evitando, assim, ficar desinformado. Em resposta, JOÃO CARLOS disse para ANDRÉ ficar tranquilo, pois iriam começar a logística da carga de milho naquela semana. • Em 12/08/2020, JOÃO CARLOS destacou que só faltava “Caetité” (referindo-se ao investigado ANDERLEI JOSÉ DOS SANTOS) confirmar algo para o início do transporte das cargas de drogas. Detalhe de interesse é a mensagem seguinte, na qual JOÃO CARLOS esclarece que isso precisava ser “fechado” (resolvido) para que “ESMERALDA” fosse comunicada, acrescentando que ela estaria pagando “100 por frete”, ou seja, R$ 100.000,00 (cem mil reais) por cada deslocamento com cargas de drogas. Em resposta, ANDRÉ observou que ESMERALDA estaria pagando bem pelo operativo. • Ainda em 12/08/2020, ANDRÉ enviou a JOÃO CARLOS 03 (três) capturas de telas de conversas ocorridas através do SKY ECC com interlocutores de apelidos “ÁLCOOL” ou “CAETITÉ”, utilizados por ANDERLEI JOSÉ DOS SANTOS. Além das imagens, ANDRÉ também compartilhou com JOÃO CARLOS um áudio que recebeu de ANDERLEI pelo SKY ECC, o qual se transcreve a seguir. • Em 02/09/2020, JOÃO CARLOS enviou uma captura de tela para ANDRÉ, na qual aparece fragmento de diálogo travado pelo aplicativo SKY ECC, com o investigado de apelido PAI, tratando sobre o operativo da exportação da carga da carga de cocaína. • Em 03/09/2020, JOÃO CARLOS noticiou a ANDRÉ que o navio que seria utilizado seria o denominado UNISPIRIT. Na sequência, JOÃO CARLOS solicitou que ANDRÉ verificasse a localização dessa embarcação. • Em 06/09/2020, JOÃO CARLOS relatou a ANDRÉ que estaria resolvendo assuntos do milho com o “PAI”. Em seguida, enviou o que fora um suposto contato dos destinatários da carga de milho a ser exportada. • Entre os dias 12/09/2020 e 18/09/2020, houve constante troca de mensagens a respeito do andamento dos trabalhos ilícitos, inclusive, com a troca de capturas de telas de conversa travadas, pelo aplicativo SKY ECC, com “ESMERALDA”. • Em 19/09/2020, ANDRÉ assumiu protagonismo na resolução de entrave referente a aquisição/contratação de caminhão para transporte do “chupim” utilizado na mescla do milho com os tabletes de cocaína. • Em 20/09/2020, JOÃO CARLOS narrou problemas com o deslocamento dos motoristas. Em resposta, ANDRÉ observou que o “come merda” (referindo-se a ANDERLEI JOSÉ DOS SANTOS) não estava resolvendo nada. • Ainda em 20/09/2020, ANDRÉ enviou um áudio para JOÃO CARLOS explicando que o caminhão para transporte dos equipamentos já havia sido providenciado para o dia seguinte (21/09/2020) com destino a São Sebastião/SP. Nesse mesmo áudio, ANDRÉ relatou que já havia conversado com ANDERLEI e que, àquela altura, aguardava o endereço. • Em 29/09/2020 JOÃO CARLOS disse que “logo estaria de volta para brindarem” (o sucesso da empreitada) e que era para ANDRÉ “focar no trabalho” naquele momento. Em resposta, ANDRÉ expôs que São Sebastião/SP era “tudo nosso”. • Em 30/09/2020 ANDRÉ disse a JOÃO CARLOS que ANDERLEI teria chegado e que estaria tudo alinhado para “sexta à tarde” (02/10/2020 – carregamento do navio Unispirit no Porto de São Sebastião – SP). Em resposta, JOÃO CARLOS observou para que (sic) ANDRÉ que após sexta se veriam livres do navio. • Em 01/10/2020, ANDRÉ enviou uma mensagem em áudio para JOÃO CARLOS, relatando que o “PAI” havia perguntado se poderia mandar, primeiramente, apenas “1.6” (um ponto seis) e, posteriormente, quando da chegada do navio no destino, o restante do pagamento. • Ainda em 01/10/2020, JOÃO CARLOS noticiou a ANDRÉ que a PF e a RFB estavam vistoriando os big bags. De pronto, JOÃO CARLOS disse que era necessário avisar “RICARDO” para “tomar cuidado”; “para os caminhões ficarem guardados e não expostos”. • Ainda em 01/10/2020, ANDRÉ enviou mensagens para JOÃO CARLOS relatando que ANDERLEI estaria fazendo contato, alegando ser urgente. No áudio, resta claro que a preocupação girava em torno da carga ilícita que ainda se encontrava nos caminhões estacionados na região portuária de São Sebastião/SP. • Em 02/10/2020 (dia da apreensão das drogas), JOÃO CARLOS informou a ANDRÉ que apenas eles “entrariam”, referindo-se à região portuária. Analisando os registros de localização do terminal telefônico utilizado por ANDRÉ, percebe- se que o investigado de fato estava naquela região, tanto no dia da apreensão, como nos dias 03/10/2020 e 30/09/2020.” Pelo depoimento em juízo do Delegado de Polícia Federal responsável pelas investigações, a pessoa de alcunha “LOGAN” seria o fornecedor da droga a quem os envolvidos se reportavam como “PAI”. Ouvida em juízo, a testemunha de defesa Gilberto Antonio de Castro Junior, Delegado de Polícia Federal (ID 279920422), afirmou que é delegado há dezenove anos com ampla experiência no combate ao tráfico de drogas. Sustentou que trabalhou nos fatos e que a Polícia Federal e a Receita Federal estavam fazendo a verificação de praxe de carga que estava sendo exportada. Eram big bags de milho. O policial André informou que havia sido detectado droga. Presenciou a abertura desses sacos e a continuidade da abertura dos demais sacos. Havia uma suspeita derivada de uma apreensão anterior ocorrida no navio Srakane com tripulação estrangeira e que essas pessoas não estavam tendo acesso à alimentação e ao mínimo necessário, sem pagamento e situação precária, com suspeita de trabalho escravo. Foi realizada vistoria no referido navio e verificou-se que a embarcação estava com problemas. Detectaram uma pessoa chamada Geovane que se apresentou como pessoa contratada para trabalhar em solo brasileiro. Descobriram que uma pessoa estava adquirindo o navio e que iria arcar com todas as despesas, tendo sido citado o nome de João Carlos Camisa Nova Junior. Havia um estranhamento a respeito desse navio. Passaram a suspeitar sobre tráfico de drogas. Os tripulantes não queriam falar sobre o trabalho deles e eles queriam desesperadamente voltar para seus países. João Carlos Camisa Nova Junior desembolsou valores de cerca de um milhão de reais para pagamento do necessário relativo às questões trabalhistas para que essa tripulação voltasse para a Europa, sem que tivesse qualquer vinculação com o navio, sem ser do ramo. Foram feitas pesquisas e havia notícias de que João Carlos estava sendo investigado por homicídio. Tempos depois surgiu o navio UNISPIRIT e souberam através de pesquisas de empresa CBA o nome novamente de João Carlos Camisa Nova Junior. Então o navio UNISPIRIT foi fiscalizado de forma pormenorizada e encontrada a droga. Quem opera o guindaste é um tripulante de dentro do navio. Essas big bags com droga estavam colocadas uma do lado da outra. Quem fazia a operação de içamento era a empresa PROPORTO. A única possibilidade dessa droga ter sido inserida nas bags de milho seria antes de chegar no porto. Nesse caso essas bags de milho já estavam preparadas com sua droga no interior antes de chegar ao porto. Seria impossível colocar a droga nas big bags dentro do navio. Houve uma diferença brutal de pesagem identificada em dois caminhões que trouxeram as bags para o porto, comparando a pesagem da bag declarada na nota fiscal saindo do produtor de milho até a balança do Porto de São Sebastião. Pelo que percebeu a logística utilizada para implementar a droga no navio foi ampla, somente com estrutura grande, organização criminosa com caráter internacional. Por sua vez, ouvida a testemunha de defesa Carlos André Monteiro Leal, agente de polícia federal (ID 279920504), esclareceu que o UNISPIRIT estava há um bom tempo esperando para ser carregado e o valor da carga de milho não era muito alto, o que despertou a atenção da Receita Federal, já que a operação geraria muito custo para ficar esperando no porto. A droga foi encontrada. A empresa que fazia a logística, a PROPORTO, era a mesma responsável em outra operação em carga de açúcar no Porto de Santos, em que já tinha sido encontrada droga. A droga localizada no navio UNISPIRIT já veio inserida dentro dos caminhões nas bags em razão da pesagem das cargas. A droga foi encontrada no navio no dia 02 (02.10.2020). Afirmou que o Porto é monitorado por câmeras e, em razão da droga estar nas bags, não tinha como ter sido inserida no Porto ou no navio. Como se vê, embora não tenha sido possível aferir o momento exato que houve a contaminação da droga, como visto acima pelos depoimentos prestados em juízo, seria impossível que o entorpecente já não estivesse acondicionado nas bags de milho quando chegou ao Porto de São Sebastião. Não haveria outra maneira de os tabletes circularem despercebidos pelo porto. O manuseio da carga de quase três toneladas chamaria a atenção das autoridades portuárias. Para além disso, para a droga ser acomodada dentro das bags de milho possivelmente elas teriam de ser esvaziadas para que, após a alocação do entorpecente, fossem preenchidas novamente com o milho, o que certamente não poderia ser realizado dentro do navio, sem que chamada a atenção das autoridades. Afastada, portanto, a tese defensiva de que a carga de milho poderia ter sido contaminada por terceiros alheios às apurações. A corroborar ainda mais o envolvimento direto de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA na traficância foram os dados levantados após o afastamento dos sigilos bancário e fiscal, tanto em relação a ele quanto à pessoa jurídica da qual o increpado figura como sócio (C1P CONSULTORIA E REPRESENTACOES LTDA.). De acordo com o Relatório Final Policial (ID 279920039 – fls. 190/192): “O primeiro ponto a se observar diz respeito à discrepância entre as declarações prestadas pelo investigado ANDRÉ e a sua movimentação real de valores através do sistema financeiro nacional. Conforme se verifica do cruzamento das informações prestadas pela Receita Federal do Brasil com os dados bancários transmitidos pelas instituições financeiras, através do sistema financeiro SIMBA, embora tenha declarado renda nos últimos 5 (cinco) anos, ANDRÉ movimentou somente em suas contas bancárias pessoais mais de R$ 7.800.000,00 (sete milhões e oitocentos mil reais) desde 2016, sendo que mais de 75% deste valores foram movimentados em 2020 e 2021. Outra observação pertinente na mesma linha é o fato de que em 2020, ano no qual ocorreu a exportação de drogas investigada, a movimentação bancária de ANDRÉ atingiu seu pico, registrando uma movimentação superior a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). (...) Outras inconsistências também são observadas no cotejamento de dados bancários e fiscais relativos à C1P CONSULTORIA E REPRESENTACOES LTDA, pessoa jurídica da qual ANDRÉ figura como sócio. Isso porque, não obstante tenha declarado faturamento à RFB apenas em 2020, no valor de R$ 611.112,00 (seiscentos e onze mil, cento e doze reais), as contas bancárias da pessoa jurídica já haviam registrado movimentação superior a R$ 1.400.000,00 (um milhão, quatrocentos mil reais) em 2019. Por sua vez, em 2020, ano no qual ocorreu a exportação de drogas investigada, a movimentação saltou para mais de R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais). (...) Portanto, nota-se que ANDRÉ auferia sua renda através de fonte desconhecida, deixando de comunicar operações financeiras e apresentando declarações falsas ao FISCO. Outrossim, percebe-se que, em 2020, ano no qual o investigado esteve envolvido em eventos de tráfico internacional de drogas, as contas bancárias de ANDRÉ registram movimentação recorde, sem qualquer razão lícita aparente que justificasse, fatos que corroboram o envolvimento do investigado com as condutas criminosas ora investigadas. Como se vê, comprovada eficazmente a autoria delitiva de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA. Aludido corréu acompanhou o processo de exportação do milho e transporte da droga, atuando conjuntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior com o intuito da traficância. Deve, pois, ser mantida a condenação por tráfico transnacional de drogas. DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS - ARTIGO 35 DA LEI N.º 11.343/2006 ANDRÉ ROBERTO DA SILVA Em relação ao crime de associação para o tráfico transnacional de drogas a defesa do réu aduz a “manifesta atipicidade pela ausência de estabilidade e permanência”. Verifica-se que a materialidade e autoria delitivas advieram de farta investigação baseada precipuamente em escorreita quebra de sigilo de dados telemáticos. Assim, dentre outros elementos amealhados no conjunto probatório, as conversações levadas a efeito mostram-se aptas a demonstrar a prática do delito pelo réu. Além disso, a prova testemunhal colhida em juízo confirmou tal investigação. Transcrevo os fundamentos da r. sentença para a condenação (ID 279920818): “Dispõe o artigo 35, caput da Lei n. 11.343/2006: Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei. Está demonstrada nos autos, de forma clara e suficiente, a existência de associação estável e permanente de várias pessoas para a prática do tráfico de drogas, na forma do artigo 35 da Lei n. 11.343/2006. As principais provas da associação para o tráfico são relacionadas no relatório do IPL (Id 239808956, pp. 52/58, Id 239808963, pp. 01/255 e Id 239808968, pp. 01/128) e nos autos de afastamento de sigilo telemático (autos n. 5000789-38.2021.403.6181). Conforme apurado no relatório de análise de dados telemáticos 01/2021 (autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Ids 64641110, 64641126, 64641137 e 64641401), João Carlos Camisa Nova Júnior comunicava-se com outros membros da organização criminosa por meio de um aplicativo de mensagens denominado SKY ECC, o qual é dotado de criptografia de ponta a ponta. Os diálogos foram identificados por meio de prints realizados pelo próprio réu, os quais foram armazenados em nuvem e acessados por meio da quebra de sigilo telemático da conta. Os diálogos foram realizados com outros associados, dos quais destaca-se o codinome “LOGAN” ou “PAI”, pessoa que seria o fornecedor da cocaína apreendida no navio UNISPIRIT (Id 239808963, pp. 24/31). Nos diálogos verifica-se que “LOGAN” ou “PAI” havia indicado a compradora do milho na Espanha (empresa Hachemuda Moreno SLU), bem como é revelado que o objetivo inicial era o transporte de 5,5 toneladas de cocaína, porém parte da droga havia sido previamente apreendida em outra ocasião. Observe-se que “LOGAN” ou “PAI” menciona em um diálogo que recebeu um pedido de “Fuminho”. Conforme noticiado na imprensa, trata-se da alcunha de um dos maiores traficantes de droga brasileiros, preso em abril de 2020 em Moçambique, associado da organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital – PCC (Id 239808963, pp. 29/30). Além dos investigados supramencionados, a autoridade policial identificou diversos membros da associação para o tráfico de drogas nas referidas comunicações identificadas por meio da interceptação telemática (relatório de análise de dados telemáticos 01/2021, autos 5000789-38.2021.403.6181, Ids 64641110, 64641126, 64641137 e 64641401). O conjunto probatório demonstra que a associação para o tráfico de drogas é estável e permanente, composta por diversas pessoas, caracterizada pela divisão de tarefas entre os membros e criação de estrutura sofisticada para a consecução do objetivo final de tráfico transnacional de drogas. 3.2. Mérito – artigo 35 da Lei n. 11.343/2006 – autoria e dolo. 3.2.1. Corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA. Está demonstrado nos autos, de forma clara e suficiente, que o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA se associou de forma estável e permanente a outras pessoas para o fim de praticar o crime de tráfico de drogas ao longo de maio a outubro de 2020. O relatório do inquérito policial compila as principais provas da atividade criminosa descortinada na investigação (Id 239808963, pp. 166/247). O afastamento do sigilo telemático autorizado por este juízo (autos n. 5000789-38.2021.403.6181) revelou diversos diálogos que indicam que o réu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, além participar do tráfico da cocaína apreendida no navio UNISPIRIT, também se associou a outras pessoas com o objetivo de efetivar a atividade contínua de tráfico de drogas transnacional. Conforme apurado no relatório de análise de dados telemáticos 01/2021 (autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Ids 64641110, 64641126, 64641137 e 64641401), o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA comunicava-se com outros membros da organização criminosa por meio dos aplicativos de mensagens denominados Sky ECC e Whataspp, os quais são dotados de criptografia de ponta a ponta. Os diálogos foram identificados por meio de prints realizados por João Carlos Camisa Nova Júnior, os quais foram armazenados em nuvem e acessados por meio da quebra de sigilo telemático da conta jrcamisanova@icloud.com. Uma das alcunhas utilizadas pelo corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é “Big Urso”. Na agenda de contatos de João Carlos Camisa Nova Júnior, o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é indicado como “André Big Urso” (autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641110, pp. 18/22). Também consta dos autos da prisão cautelar e busca e apreensão (n. 5005527-69.2021.4.03.6181) que o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é ainda chamado de “Dzao” por outros membros da associação para o tráfico (autos n. 5005527-69.2021.4.03.6181, Id 62004545, pp. 142/144). Os diálogos foram realizados com outros associados, dentre eles João Carlos Camisa Nova Júnior. Nas conversas há menção a recolhimento de valores, pagamento a doleiros, valores a título de “descida” (importação de droga), pagamentos em dinheiro em espécie, uso do aplicativo Sky ECC. Há ainda menções a conversas com traficantes de drogas (autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641137, pp. 51/57). Destacam-se os seguintes diálogos mantidos com João Carlos Camisa Nova Júnior, transcritos no referido relatório de análise de dados telemáticos 01/2021 (autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641137, pp. 51/57): ANDRÉ ROBERTO DA SILVA: (Início aos 0:29”) [...] qualquer coisa liga, tá?! Amanhã de manhã eu “tô” no ar. Eu vou pegar o Enrico... É... Mas assim que você tiver horário para fazer os “recolhe”, me avisa que eu “tô”. E na hora que marcar com o... O Senna, só chamar que eu também vou, “tá” bom?! Se precisar pra outra coisa também, “tô” em QAP! (912d1aca-20c6-46a8-bd7c-c07ac2150575.opus) JOÃO CARLOS CAMISA NOVA JÚNIOR: Irmão, os 200 (duzentos) também já foi. “Tô” só esperando o comprovante. O pessoal já foi para o banco. Já disparei já, entendeu?! Aí “tô” só aguardando só. Num consigo mudar esse horário aqui não... Por onde... Onde eu estou, entendeu?! Porque eu já deixei os “token” tudo certo já. Infelizmente dessa vez não. Fala com os “parça” lá da gente mandar onde eles quiserem, tá ok?! (f3625717-9460-4c14-a798-b43b0c2d5cd2.opus) ANDRÉ ROBERTO DA SILVA: Oh irmão, aí a gente so... Sobe na “piscininha” e já resolve já. Tranquilo, tá? Esqueci minha anotação lá em casa lá e a outra tá na Amarok. Mas é aquilo lá, “bele”?! 25% da descida... É... 8% do doleiro... É... As “peças” e os dois milhões de dólares que você já investiu em Roraima, entendeu?! O que sobrar... Vai sobrar praticamente quatro milhões. Divide em cinco: eu, você, Chicão, Ted e Exu Tiriri. (8748734c-dc81-45f4-ba1d-739b8eeb2910.opus) ANDRÉ ROBERTO DA SILVA: Meu irmão, o Ted me chamou aqui e falou assim, que o Magrelo falou assim: “se arrumar 200 (duzentos) mil verde hoje...” que eles têm uma respon... ele tem uma “responsa” ele falou. Ele falou: “se arrumar 200 (duzentos) mil verde, o resto pode ser em real. Aí já ajuda, né?! (fd513b56-6203-49fe-ae8b-4a48c22cdb09.opus) JOÃO CARLOS CAMISA NOVA JÚNIOR: Oh irmão, eu “tô” correndo aqui. Eu juro pra você! Eu pedi 400 (quatrocentos) mil dólares, tá bom?! Mas eu vou ver se bato ali pra chegar nos 200 (duzentos) mil rapidinho, tá bom?! Fica tranquilo que eu faço acontecer, caralho! Beijo! (755f68ba-c93e-4e1f-adcd-99438c3078af.opus) JOÃO CARLOS CAMISA NOVA JÚNIOR: Irmão, maravilha aqui. Deu tudo certo, tá bom?! A troca... Eu “tô” levando pra minha casa, tá bom?! E... os 10 (dez) que ficou faltando da semana passada daquela de 170 (cento e setenta), que era com a “comissão”, né?! Dos “pontos”. Tá comigo também aqui. Aí eu tirei 1,5, né?! Um ponto e meio e repassei. Deu quatrocentos e oitenta pra cada. Aí o resto tá comigo aqui, tá bom? E... Aí amanhã você só avisa por favor aí... Meu, meu telefone lá num ficou pronto hoje, irmão, tá?! Tá até comigo aqui. Só arrumei a parte de trás. Aí que que acontece. Depois “cê” manda o telefone do Vinão para mim. Do Vinícius e aí eu já vou falando com ele pra não ficar enchendo seu saco, tá bom? Tá na responsa aí. Tamo junto, irmão! (897d1372-e558-420b-9adc-a39469977354.opus) Consta ainda diálogo com outro investigado, que comenta com o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA que acha que “Don esta de mau” (João Carlos Camisa Nova Júnior), pois “nem me responde mais”, e pede ao corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA se poderia “entrar lá SKY quero resolver lá com pai logo” (“PAI” ou “LOGAN”), recebendo respostas do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA por áudio e por escrito (relatório de análise de dados telemáticos 01/2021, autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641137, p. 51). Além das provas supramencionadas, observem-se ainda as comunicações entre o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA e João Carlos Camisa Nova Júnior na época da apreensão da droga (relatório do IPL, Id 239808963, pp. 200/206 e relatório de análise de dados telemáticos 01/2021, autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Ids 64641110, 64641126, 64641137 e 64641401). Verifica-se das referidas conversas que o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA também conhecia e estava associado aos traficantes de drogas “PAI” ou “LOGAN” e “ESMERALDA”, assim como a João Carlos Camisa Nova Júnior e outros investigados. Consta ainda dos autos do pedido de prisão cautelar e busca e apreensão (n. 5005527-69.2021.4.03.6181) que o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA intermediou a prestação de informações a “PAI” ou “LOGAN” e “ESMERALDA” por meio do aplicativo Sky Ecc para tratar de outra apreensão de droga, ocorrida em 13.05.2020 no porto de Santos/SP. As informações foram prestadas por um investigado denominado “MOLEIJÃO” (autos n. 5005527-69.2021.4.03.6181, Id 62004545, pp. 142/144). Note-se ainda que o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA constituiu a empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. com o objetivo de atuar na atividade de exportação de mercadorias brasileiras em conjunto com a CBA Trading, administrada por João Carlos Camisa Nova Júnior, tendo por objetivo final a utilização de ambas as empresas para o tráfico de drogas transnacional de forma contínua e estável. Assim, o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA utilizou a empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. para dar aparência de legalidade à atividade de exportação, utilizando-a para formalizar a exportação de cargas de produtos lícitos e nelas esconder a droga. Enfim, o conjunto probatório indica que o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA utilizou de forma estável sua pessoa jurídica para a movimentação de valores referentes à atividade de tráfico de drogas, tendo se associado a outras pessoas de forma estável e permanente para a consecução desse objetivo. Assim sendo, há elementos de prova suficientes para concluir com segurança e certeza que ANDRÉ ROBERTO DA SILVA praticou o crime previsto no artigo 35 c.c. 40, I da Lei n. 11.343/2006 (associação para o tráfico de drogas).” A associação para o tráfico trata-se de crime formal, que se consuma no momento da constituição da associação, independentemente da prática efetiva de atos criminosos. Para a caracterização deste crime, exige-se finalidade específica de praticar os delitos previstos nos artigos 33, caput e § 1º, e 34, ambos da Lei de Drogas, bem como o agrupamento de pelo menos duas pessoas, além de ajuste prévio e certa estabilidade de propósito (animus associativo), isto é, dolo de se associar com permanência e estabilidade. Para que o crime de associação para o tráfico de droga esteja configurado é imprescindível que haja prova inconteste que os acusados estavam associados de forma estável e duradoura para a prática do delito. Neste caso, é necessário que o animus associativo seja separado da convergência ocasional de vontades para a prática de determinado delito, que determinaria, ao revés, a coautoria e concurso de agentes. Nesse mesmo sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DEMONSTRAÇÃO DE VÍNCULO DURADOURO ESTÁVEL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. É imperioso assinalar que '[a] jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a configuração do crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006) exige a demonstração do elemento subjetivo do tipo específico, qual seja, o ânimo de associação de caráter duradouro e estável. Do contrário, o caso é de mero concurso de pessoas' (HC n.482.028/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 19/2/2019). 2. Na hipótese, as instâncias ordinárias ressaltaram a participação do agravante em um dos diversos núcleos integrantes da estrutura hierárquica da associação criminosa em exame, o qual seria responsável pela em varejo da droga apreendida, o que evidencia o elemento subjetivo do tipo penal, de modo que infirmar a conclusão a que elas chegaram implicaria indevida dilação probatória.” (STJ, AgRg no HC 500.927/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 06.08.2019, DJe de 13.08.2019) No caso em comento, ficou comprovada a existência de uma organização estruturada previamente para a prática de delitos de tráfico ilícito de drogas, de forma estável e permanente perfazendo o elemento subjetivo do tipo específico, consubstanciado no ânimo de associação de caráter duradouro e estável. Foi possível aquilatar, ao menos desde maio de 2020, a demonstração da concreta estabilidade e permanência da associação criminosa, notadamente dos elementos extraídos do aparelho celular de João Carlos Camisa Nova Júnior, pela criação de grupo de mensagens entre traficantes no aplicativo de mensagens SKY ECC em maio de 2020 para tratar de temas relacionados à traficância, pela troca de informações com as pessoas de codinomes “LOGAN” ou “PAI” e “ESMERALDA ou MÃE”. A evidenciar ainda mais a estabilidade e permanência, foi a utilização da empresa C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA., da qual o réu era sócio, para dar aparência de legalidade à atividade de exportação do entorpecente, tudo em conjunto com a criação da empresa CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA. capitaneada por João Carlos Camisa Nova Júnior. Ademais, ouvida em juízo, a testemunha de defesa Gilberto Antonio de Castro Junior, Delegado de Polícia Federal (ID 279920422), afirmou que é delegado há dezenove anos com ampla experiência no combate ao tráfico de drogas. Sustentou que a logística utilizada para implementar a droga no navio UNISPIRIT foi ampla, somente possível com estrutura grande e atuação de organização criminosa com caráter internacional, a demonstrar que não se cuidava de tratativas para operacionalizar apenas uma única remessa de drogas ao exterior (que poderia configurar mero concurso de agentes), mas de aparato devidamente estruturado para a consecução de outras remessas de substâncias ilícitas pela via marítima. Também, ouvido em juízo, Luccas Ribeiro De Souza D’Athayde, Delegado de Polícia Federal, sustentou que presidiu o Inquérito da “Operação Calvary”. Houve uma apreensão de drogas no Porto de São Sebastião e na Espanha foi encontrada maior quantidade de drogas ocultas na carga de milho. Que o inquérito se iniciou na Polícia Federal de São Sebastião. Foi apurada a participação de João Camisa Nova Júnior. Foi realizada a quebra do sigilo telemático de referido indivíduo, tendo sido encontrados comprovantes, imagens e vídeos que não deixavam dúvidas da participação nos fatos. Foram identificados, mas não qualificados, os fornecedores da droga. Foi identificado e qualificado o grupo logístico que fez a intermediação para o destino final que, no caso, era a Europa. Os fornecedores foram identificados pelo apelido Esmeralda e Logan, os quais eram chamados pelos investigados como “mãe” e “pai”. Declarou que, embora o grupo logístico não venda a droga, acaba fazendo chegar ao destino final. Há uma predominância de João Carlos Camisa Nova Junior sobre os demais integrantes do grupo, com atuação de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, Francisco e Anderley. As conversas entre eles eram realizadas pelo aplicativo que não se encontra mais em atividade, o SKY ECC, que era utilizado majoritariamente pelo crime organizado, sobretudo para o tráfico de drogas, pois conferia uma criptografia de alta performance. Utilizaram também tal aplicativo por ocasião dos fatos ocorridos atinentes ao UNISPIRIT. Afirmou que os fornecedores da droga eram “pai” e “mãe” e o grupo de coordenação logística era composto por João Carlos Camisa Nova Junior, ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, Francisco e Anderley. João Carlos Camisa Nova Junior era proeminente em relação ao grupo logístico, que tomava a frente para a exportação da droga, sendo o principal responsável pelo pagamento desta. Foi a pessoa que utilizou a CBA EXPORTACAO DE PRODUTOS AGRICOLAS LTDA. para realizar a exportação. Por fim, aduziu que pelas apurações também foi possível entrever que os acusados já se encontravam associados para praticar crimes mesmo antes do evento do UNISPIRIT. De qualquer modo, ressalte-se que, em se tratando de associação complexa e sofisticada para o tráfico de drogas, não é incomum que a execução se perfaça de maneira que o verdadeiro arquiteto permaneça mais às escondidas, ou seja, oculto às vistas alheias, devendo salientar-se ser rotineiro o cuidado dos agentes envolvidos, especialmente dos reais proprietários da droga, de não atuarem diretamente na prática do crime como forma de se eximirem de suas responsabilidades. Em tais circunstâncias o levantamento das provas revela nuances intrinsecamente mais dificultosas, sendo certo que, a fim de amparar uma condenação criminal, a força dos indícios assume notável importância, tratando-se, sim, de elemento de prova, o qual, em consonância com os demais elementos de convicção do julgador, autorizam um édito condenatório. Demais disso, a quebra do sigilo telemático foi decisiva no sentido de desnudar a articulação para a prática do crime em questão, tendo sido de fundamental importância. Nesse sentido: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE APREENSÃO DE DROGAS. PRESENÇA DE OUTROS ELEMENTOS QUE EVIDENCIAM OS CRIMES. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIÁVEL NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A consolidada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça já se posicionou quanto à desnecessidade de apreensão de drogas para caracterização do crime de tráfico, desde que outros elementos de prova evidenciem a materialidade do ilícito. No caso, as interceptações telefônicas foram decisivas no sentido de desnudar a articulação para a prática dos crimes imputados. Precedentes. 2. Nesse contexto, tendo as instâncias ordinárias decidido pela materialidade do crime de tráfico de drogas de modo fundamentado e consonante com a jurisprudência desta Corte, inviável infirmar tais conclusões, uma vez que demandaria amplo revolvimento de matéria fático-probatória, o que é incompatível com a via estreita do writ. 3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no HC n. 733.581/CE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 21/9/2022) (grifei) Portanto, plenamente configurada a associação de mais de duas pessoas para o fim de praticar, reiteradamente, o tráfico ilícito de entorpecentes, devendo ser mantida a condenação por associação ao tráfico de drogas de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA. CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º DA LEI Nº 9.613, DE 03.03.1998) O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem (ilação que deve ser compreendida em coerência com a aplicação dos postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção do Direito Penal). Cumpre asseverar que, de acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente (cite-se, como exemplo, as operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras realizadas de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas - vide STF, AP n. 996, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 29.05.2018, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção); controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas. Imperioso destacar, que, para fins de consumação do delito, não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas, dispensando-se a comprovação de que os valores que foram ocultados, por exemplo, retornaram ao seu real proprietário (ainda que tal contexto possa ocorrer no mundo fenomênico) - sinteticamente, cada uma das etapas declinadas, isoladamente consideradas, tem o condão de configurar o crime de lavagem de dinheiro. Portanto, sob o aspecto jurídico não há a necessidade da ocorrência de todas as fases da lavagem para a sua configuração. No que tange à desnecessidade da ocorrência de todas as etapas da lavagem e da sofisticação das condutas, confira-se: “Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de ‘lavagem de capitais’ mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, ‘caput’): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada ‘engenharia financeira’ transnacional, com os quais se ocupa a literatura”. (STF, RHC 80816, Rel. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/04/2001, DJ 18.06.2001) A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Tendo em vista a especial efetividade de que a persecução estatal deve imbuir-se no combate à criminalidade organizada, consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal, de sorte que o legislador pátrio o fez refletir na Lei nº 9.613/1998, cujo art. 2º, inc. II e § 1º, estabelece que: “II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (...) § 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. A autonomia da repressão ao delito de lavagem mostra-se certíssima medida processual penal assimilada pelo sistema normativo atual, o qual exige apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ARTIGO 1º, INCISO V, DA LEI 9.613/98. ABSOLVIÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE: INOCORRÊNCIA DO CRIME DE LAVAGEM. CRIME DE DESCAMINHO. MODALIDADE TER EM DEPOSITO. APREENSÃO DA MERCADORIA: AUSENCIA DE PROVEITO ECONÔMICO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Habeas corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, que rejeitou a absolvição sumária do paciente, nos autos da ação penal nº 0000172-23.2008.403.6181. 2. O paciente foi denunciado porque teria ocultado a propriedade de bens, provenientes de delito contra a Administração Pública, consistente em contrabando e descaminho, crime este apurado nos autos 2007.61.81.014628-5. 3. A Primeira Turma desta Corte, por ocasião do julgamento da apelação 2007.61.81.014628-5, por unanimidade, negou provimento ao apelo da acusação e deu parcial provimento ao recurso do réu para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 334, §1º, "c", c.c art. 29, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, tendo o acórdão transitado em julgado. 4. Considerada a absolvição do crime antecedente, não há que se falar na ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. 5. Nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998, em sua redação original, vigente ao tempo dos fatos, anteriormente à alteração dada pela Lei 12.683/2012, e artigo 2º, inciso II, e §1º, da referida lei, prescinde-se da condenação em relação ao crime antecedente para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente. Não se exige a prova cabal da existência do crime antecedente nem que seja conhecido o autor do crime antecedente. 6. No caso em tela, há uma particularidade, o crime antecedente nessa ação penal foi um crime bem definido e com uma autoria imputada ao mesmo réu do crime de lavagem. E não houve prova suficiente para condenação do réu no crime antecedente, de modo que não restou caracterizado o crime de lavagem, por ausência da prévia ocorrência de crime do qual o numerário seja proveniente. 7. Caso não fosse imputada a autoria conhecida a alguém, o fato de não existir condenação não impediria que o crime de lavagem fosse imputado a outra pessoa. Mas uma vez imputada a autoria do crime de lavagem a um autor, que é o mesmo agente que se imputa o crime de lavagem, a absolvição com relação ao crime antecedente, esvazia a própria imputação de lavagem. 8. O Estado reconheceu em outra ação penal que não existe prova suficiente para relacionar o acusado com a obtenção ilícita daqueles bens. Assim, não há como imputar a esse acusado a mera ocultação da proveniência ilícita desses bens. Se o Estado não conseguiu provar que o agente obteve ilicitamente o bem, não pode mais tentar provar que o agente está ocultando ou dissimulando bem que tinha conhecimento que era ilícito. Sobrevindo sentença absolutória em relação ao crime antecedente, ainda que por insuficiência de provas em relação à autoria delitiva, entendo que não subsiste o crime de lavagem de capitais. 9. Ainda que assim não se entenda, observa-se que foi apontado na denúncia como crime antecedente ao da lavagem de dinheiro, o descaminho na modalidade 'ter em depósito'. Nessa modalidade de descaminho, ter em depósito, a única dissimulação ou ocultação possível seria dos próprios bens descaminhados, mas isso não existe, pois os bens foram aprendidos naquela operação, ou seja, para que seja possível o crime de lavagem nessa modalidade (ter em depósito), teria que se imputar ao paciente a ocultação dos próprios bens descaminhados, o que não ocorreu. Ao contrário, a denúncia imputa ao paciente a conduta de ter adquirido outros bens em nome de terceiras pessoas, na modalidade dissimulação, dissimulando a propriedade daqueles bens. 10. Se as mercadorias, objeto do crime de descaminho, não foram vendidas, pois foram apreendidas, imputando-se ao agente crime na modalidade ter em depósito, como esse agente poderia ter transformado o produto do descaminho apreendido em dinheiro, para posteriormente adquirir os bens que foram colocados em nomes de terceiros? Seria necessário que o agente vendesse o produto descaminhado, para conseguir transformá-los em dinheiro e adquirir aqueles bens que colocou em nome de outras pessoas. 11. É certo que os bens adquiridos em nome de terceiros poderiam ter sido adquiridos com o proveito de outros crimes de descaminho, em outras modalidades, mas não foi esse crime antecedente que a denúncia se referiu. A denúncia é explícita, apontando um crime específico como antecedente, qual seja, o descaminho relativo à apreensão ocorrida no dia 14/11/2007 que resultou na ação penal 2007.61.81.014628-5. E no tocante a esse descaminho, toda mercadoria que era mantida em depósito foi apreendida, não havendo que se falar em proveito econômico advindo do descaminho, de modo que não resta caracterizada um dos elementos objetivos do crime de lavagem, que é a proveniência ilícita dos bens. 12. Ausência de justa causa. Ordem concedida”. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 52049 - 0033971-34.2012.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 22.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.10.2013 - destaque nosso) “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO V, DA LEI 8.137/1990 COMO DELITO ANTECEDENTE. TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DENÚNCIAS QUE NARRAM A OCORRÊNCIA DE CRIME MATERIAL. APLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. RECURSO PROVIDO. (...) 2. Embora independa a persecução pelo crime de lavagem de valores do processo e julgamento pelo crime antecedente, na forma do art. 2º, II, da Lei nº 9613/1998, exigido é que a denúncia seja instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 2º, § 1º, da Lei nº 9613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012). (...) 4. Sem crime antecedente, resta configurado o constrangimento ilegal na persecução criminal por lavagem de dinheiro. (...)”. (STJ, RHC 73.599/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13.09.2016, DJe de 20.09.2016) Em suma, deverá o órgão acusatório indicar na denúncia, de maneira certa, específica e individualizada, quais infrações subjacentes levaram à conclusão sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou valores, de modo a permitir ao acusado sua ampla defesa e o respeito ao princípio do contraditório. A devida caracterização do tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 exige que os fatos delituosos descritos não tenham caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Especificamente acerca do que se acaba de tratar, vide as palavras de Renato Brasileiro: “Em se tratando de crime de lavagem de capitais, porém, não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrado que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei 9.613/98, art. 1º, caput, com redação dada pela Lei 12.683/12). Tem-se aí o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e quanto à infração precedente. A propósito, o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98, estabelece que a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (LIMA. Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p. 173) - destaque nosso. A esse respeito, válida a referência à fundamentação irretocável trazida no precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual se determinou o trancamento da ação penal precisamente em razão da inicial acusatória falhar em delimitar, de maneira clara, precisa e individualizada, as infrações subjacentes que embasavam a lavagem de dinheiro. In verbis: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N. 9.618/98. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO REPASSE DE VALORES AO PACIENTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FORMA PRECISA E OBJETIVA DOS CRIMES ANTECEDENTES. FALTA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS VALORES RECEBIDOS PELO PACIENTE E OS SUPOSTOS EMPRÉSTIMOS FRAUDULENTOS. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O paciente foi denunciado pelo crime capitulado no artigo 1º, caput, incisos V e VI e § 1º, inciso II, da Lei n. 9.613/98, cujo feito foi instaurado a partir do desmembramento do Inquérito Policial 2.474 em curso no STF, com o escopo de investigar os diversos repasses efetuados pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, no valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao paciente. 2. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para o inquérito ou para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória. 3. Em casos extremos, todavia, em que a acusação se desenvolve de maneira claudicante, isto é, apresentando denúncia imprecisa, genérica e indeterminada, a jurisprudência não fecha a porta à possibilidade de trancamento da ação penal, especialmente, quando, pela imprecisão ou generalidade da peça acusatória, falhando no dever de bem delimitar e individualizar os fatos delituosos, dificulte a defesa de ordem a concretizar violação à ampla defesa e ao contraditório. 4. Dispõe o artigo 41 do CPP que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Em síntese, a legislação penal exige da denúncia elementos mínimos, em descrição circunstanciada, de ordem a conferir ao acusado, com precisão, determinação e certeza, condições concretas para uma defesa eficaz, em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 5. O Supremo Tribunal Federal tem imposto mesmo ao Ministério Público o dever de deduzir denúncia com idoneidade, de ordem a narrar os fatos de forma certa, determinada e precisa, para propiciar ao acusado a possibilidade de, sabendo a natureza e extensão da acusação contra ele dirigida, bem poder se defender. 6. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: 'O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado 'reato societario', a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do 'due process of law' (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado' (HC 84580, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 Divulg 17-09-2009 Public 18-09-2009 Ement VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513). 7. No caso, a denúncia relata que o paciente, no ano de 2003, teria recebido das empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, indicado na AP 470/STF como operador do 'Mensalão', quatro depósitos bancários, que totalizaram o valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Posteriormente, consoante a denúncia, o paciente, em 23/06/2005, teria retificado sua Declaração do Imposto de Renda referente ao ano-calendário 2003, para declarar os valores recebidos como sendo provenientes de serviços prestados, sem, contudo, ter sido demonstrado documentalmente que se tratava de recursos obtidos em virtude da atividade profissional do paciente. 8. A denúncia, em redação pouco precisa, às vezes sem congruência, indica, num primeiro passo, ao início da descrição dos fatos delituosos, que os chamados crimes antecedentes consistiriam estritamente em empréstimos fraudulentos de onde originariam os recursos, posteriormente, transferidos à conta do paciente; sendo que, contraditoriamente, num segundo passo, em capítulo final, especialmente aberto para descrever e delimitar os crimes antecedentes, parece pretender imputar ao paciente, como crimes antecedentes que compõe a conduta a ele imputada, todos os crimes que eventualmente tenham sido processados e julgados na referida ação 470 (Mensalão). 9. No particular, verifica-se que não há qualquer remissão acerca dos crimes antecedentes ao suposto de crime de lavagem de dinheiro, limitando-se a denúncia a tecer considerações acerca dos crimes apurados na AP 470/STF. Ou seja, a denúncia não logrou demonstrar a vinculação objetiva ou subjetiva dos alegados crimes antecedentes com o ilícito de lavagem de ativos imputado ao paciente. Pior do que não indicar, com certeza e precisão, quais os crimes anteriores de que o acusado deve se defender, é atribuir-lhe uma quantidade indeterminada de delitos, afogando a sua defesa em indeterminação e incerteza. 10. Assim, embora tenha sido consignado na denúncia todos os crimes apurados na AP 470/STF (corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e formação de quadrilha), não houve a indicação de qual ou quais seria(m) o(s) crime(s) antecedente(s) do crime de lavagem de dinheiro atribuído ao paciente, restando apenas genérica imputação de que seriam os crimes apurados na referida ação penal. 11. Aliás, o próprio Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, após a realização de diversas diligências, que objetivavam esclarecimentos por parte dos peritos da Polícia Federal acerca da demonstração de vínculo entre os repasses realizados ao paciente e os supostos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do empresário Marcos Valério, em manifestação anterior à denúncia ora sob análise, havia requerido, em petição datada de 30/03/2015, o arquivamento do inquérito policial, por entender não presentes as evidências de que os repasses realizados em favor do paciente se vinculavam aos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do publicitário Marcos Valério, assim como por não reunir elementos indiciários da prática do crime de lavagem de dinheiro. Porém o pedido de arquivamento foi indeferido pelo juízo a quo e a denúncia foi apresentada por determinação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. 12. Consta dos autos que a manifestação técnica, que subsidiou à época o pedido de arquivamento do inquérito policial, foi precisa ao certificar que foram apurados apenas, com amparo em laudos produzidos nos autos da AP 470/STF, que o paciente havia recebido quatro repasses que totalizavam R$ 300.000,00, no período de 18/03/2003 a 25/04/2003, sem contudo indicar a origem dos recursos, pois, conforme justificativa apresentada, '(...) para se vincular exatamente os valores recebidos por João Pimenta da Veiga Filho aos 'empréstimos fraudulentos' será necessário reexaminar novamente os valores que ingressaram na conta corrente 60199, da agência 3032, do Banco do Brasil, e na conta corrente 60025952, da agência 009, do Banco Rural, identificando a origem do saldo disponível para efetuar os repasses da empresa DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda. ao beneficiário João Pimenta da Veiga Filho'. 13. Caracteriza violações ao direito do acusado: de um lado, a inaceitável formulação de denúncia genérica, que não permite ao denunciado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada; de outro, a indesculpável formulação de peça acusatória que endereça ao acusado o crime de lavagem de ativos, o qual apenas se concretiza com a presença de delitos antecedentes, mas não lhe propicia, entretanto, em aberta violação ao disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF/88, defesa idônea e suficiente, com todos os meios de prova e recursos a ela inerentes, de ordem a poder confrontar específico elemento do tipo legal incriminador que o Ministério Público afirma presente na conduta supostamente praticada pelo denunciado. 14. O fato de, conforme o art. 2º, II, da Lei 9.613/98, o processo e o julgamento dos crimes previstos nesse estatuto legal independerem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, não infirma nem pode infirmar, seja acentuado, o direito do acusado de ver reconhecida pelo Estado-juiz a conclusão incontornável de que tem o direito de defender-se de todos os elementos que compõem o tipo penal da conduta que concretamente o Estado-acusador lhe imputa. 15. No caso, o tipo penal claramente inclui como um de seus elementos o fato de que só haverá crime de lavagem se os valores eventualmente dissimulados ou omitidos tenham sido provenientes direta ou indiretamente, de infração penal anterior (cito e realço a dicção expressa da Lei): 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal'. 16. Portanto, se não há crime anterior, ou se, pelo menos, por defeituosa descrição dos fatos típicos, não se consegue demonstrar o vínculo, objetivo ou subjetivo, entre o delito antecedente e aquele outro cuja prática se atribui ao paciente, obviamente, não se poderá, ao final, impor-lhe um juízo condenatório pelo crime de lavagem de ativos. 17. Configurada a formulação de denúncia genérica e imprecisa, em especial por não individualizar quais seriam os empréstimos fraudulentos e delimitar, entre todos os crimes apurados na AP 470/STF, quais exatamente maculariam os valores repassados ao paciente, resta conformada a sua inépcia, nos termos dos artigos 395, I do CPP e, em consequência, a coação ilegal a que está sendo submetido o paciente (CPP, art. 647), razão pela concedo a ordem de habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal 0010250-17.2016.4.01.3800, em curso na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em relação ao paciente João Pimenta da Veiga Filho”. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus nº 00160028420174010000, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, julgado em 26.06.2017 - destaque nosso) Como se vê, o próprio delito de lavagem de dinheiro contém o elemento normativo infração penal, no sentido de que somente restará caracterizado o delito parasitário desde que eventualmente os proveitos econômicos que tenham sido ocultados, dissimulados, integrados ou reciclados, sejam oriundos de infração penal subjacente. Significa dizer, na fase do oferecimento da denúncia deverá o órgão ministerial apresentar indícios suficientes de que o objeto material da lavagem esteja vinculado, direta ou indiretamente, com a infração subjacente. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998. Na mesma linha de raciocínio, vide precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da justa causa duplicada nos crimes de lavagem, oportunidade em que se afirmou a necessidade de demonstração de lastro mínimo probatório acerca do delito acessório e da infração subjacente: “PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. JUSTA CAUSA DUPLICADA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ANTECEDENTE E DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito - justa causa do processo penal -, ou ainda quando se mostrar inepta a denúncia por não atender aos requisitos essenciais do art. 41 do Código de Processo Penal - CPP. Precedentes. 2. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 3. A denúncia de crimes de branqueamento de capitais, para ser apta, deve conter, ao menos formalmente, justa causa duplicada, que exige elementos informativos suficientes para alcançar lastro probatório mínimo da materialidade e indícios de autoria da lavagem de dinheiro, bem como indícios de materialidade do crime antecedente, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98. 4. Outrossim, por ocasião da elaboração da inicial com indícios suficientes da materialidade da infração antecedente, é despiciendo o conhecimento da autoria, a verificação de seu substrato da culpabilidade e sua punibilidade, sendo irrelevante haver condenação transitada em julgado ou até mesmo o trâmite processual persecutório, haja vista a autonomia relativa do processo penal do crime acessório da lavagem em relação ao seu antecedente, principal. Entrementes, necessário que se conste na peça acusatória não apenas o modus operandi do branqueamento, mas também em que consistiu a infração antecedente e quais bens, direitos ou valores, dela provenientes, foram objeto da lavagem, sem, contudo, a necessidade de descrição pormenorizada dessa conduta antecedente. 5. No presente caso, o Parquet não observou sequer a exigência da exposição formal da justa causa duplicada, porquanto, mais do que não demonstrar lastro probatório mínimo do crime antecedente, o que obstaria o prosseguimento da persecução penal por violação à justa causa, o dominus litis nem mesmo indicou a conduta penalmente relevante antecedente, o que leva à inépcia da denúncia. Verifica-se que não é possível à defesa realizar sua resposta à acusação de forma adequada, porquanto indefinidos elementos mínimos do que consistiu a infração antecedente e a origem ilícita dos valores que teriam sido objeto do branqueamento. A denúncia apenas aponta que os valores seriam oriundos do orçamento municipal e o modus operandi do branqueamento, consistente no depósito do cheque, cuja beneficiária é uma sociedade empresária, em conta bancária de terceiro, sem qualquer vínculo formal com a pessoa jurídica da empresa contratada beneficiária. 6. Recurso provido para que seja trancado o processo penal que apura o crime de lavagem de capitais em questão, haja vista a inépcia da denúncia, facultando-se a oferta de nova denúncia, com o devido preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP”. (RHC 106.107/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 25.06.2019, DJe 01.07.2019 - destaque nosso) “PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA.DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA.REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO.JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO.PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE.RECEBIMENTO. (...) 7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado. 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. (...)”. (APn 923/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23.09.2019, DJe 26.09.2019) Cite-se, ainda, importante precedente do C. Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido: “Habeas Corpus. Ação penal. Lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, com a redação anterior à Lei nº 12.683/12). Trancamento. Inépcia da denúncia. Superveniência de sentença condenatória. Prejudicialidade do writ. Precedentes. Exame da questão de fundo. Admissibilidade. Manifesta inviabilidade da ação penal. Ausência de descrição mínima dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro (art. 41, CPP). Inteligência do art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98. Defeito que não se sana pelo advento da condenação. Violação da regra da correlação entre acusação e sentença. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98. 1. A superveniência da sentença condenatória torna superada a alegação de inépcia da denúncia, ainda que anteriormente deduzida. Precedentes. 2. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, embora assentando a prejudicialidade do habeas corpus, tem examinado a questão de fundo para afastar a arguição de inépcia. 3. Na espécie, por maior razão, não há como se deixar de analisar a viabilidade da denúncia, diante de sua manifesta inépcia. 4. Como sabido, o trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia (HC nº 125.873/PE-AgR, Segunda Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13/3/15) 5. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 6. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 7. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 8. A denúncia não descreve minimamente os fatos específicos que constituiriam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, limitando-se a narrar que o paciente teria dissimulado a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. 9. Não há descrição das licitações que supostamente teriam sido fraudadas, nem os contratos que teriam sido ilicitamente modificados, nem os valores espuriamente auferidos com essas fraudes que teriam sido objeto de lavagem. 10. A rigor, não se cuida de imputação vaga ou imprecisa, mas de ausência de imputação de fatos concretos e determinados. 11. O fato de o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram esses crimes antecedentes. 12. O grave defeito genético - ausência de descrição mínima da conduta delituosa - de que padece a denúncia não pode ser purgado pelo advento da sentença condenatória, haja vista que, por imperativo lógico, o contraditório e a ampla defesa, em relação à imputação inicial, devem ser exercidos em face da denúncia, e não da sentença condenatória. 13. A sentença condenatória jamais poderia suprir omissões fáticas essenciais da denúncia, haja vista que o processo penal acusatório se caracteriza precisamente pela separação funcional das posições do juiz e do órgão da persecução. 14. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação da regra da correlação entre acusação e sentença. 15. A deficiência na narrativa da denúncia inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa. 16. Ordem de habeas corpus concedida para determinar, em relação ao paciente, o trancamento da ação penal quanto ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98, por inépcia da denúncia”. (HC 132179, Rel. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 26.09.2017, processo eletrônico DJe 09.03.2018 - destaque nosso) Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis. As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores. Indo adiante, cumpre asseverar que eu vinha entendendo no sentido de que a infração tida como subjacente deveria ser necessariamente pretérita aos atos apontados como de lavagem dos proveitos econômicos auferidos - em outras palavras, compreendia-se que não seria possível, em princípio, cogitar-se de lavagem tendo como base patrimônio amealhado anteriormente à prática da primeira infração que potencialmente teria gerado o lucro econômico ao seu agente. Acerca de tais marcações temporais, em feito de minha relatoria, já decidiu a 11ª Turma do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS. CRIME DO ARTIGO 1, INCISO I, DA LEI 9.613/1998. LAVAGEM DE CAPITAIS. DATA DO CRIME ANTECEDENTE É POSTERIOR AO CRIME DE LAVAGEM. ATIPICIDADE DO FATO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. - O crime antecedente (tráfico de drogas) praticado pelo requerente ocorreu em 25.09.2010, e a lavagem de dinheiro, da qual é acusado, especificamente quanto ao imóvel descrito na letra 'o' da denúncia, teria se consumado em abril de 2010, com o registro do citado imóvel em nome de terceiros, de forma que o ato de branqueamento de capitais teria se dado anteriormente à data do crime de tráfico de drogas. - A imputação do delito de lavagem de capitais ao requerente mostra-se descabida, haja vista que a ocorrência da transação reputada como suspeita é anterior a 25.09.2010. - Nesse contexto, a determinação temporal da prática do tráfico enquanto delito antecedente delimitava, à época, e delimita ainda o subsequente crime de branqueamento de lavagem de dinheiro dele proveniente, e não, por óbvio, o contrário. - Diante da atipicidade da conduta imputada ao requerente, resta configurado o constrangimento ilegal. - Deferido o pedido de extensão, de forma a determinar o trancamento apenas quanto ao item 'o' da denúncia, da ação penal nº 0011209-37.2014.4.03.6181. - Esta decisão não autoriza a devolução do imóvel, objeto do presente writ, uma vez que nos termos dos §§1º e 2º, do artigo 91, do Código Penal: '... Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Na hipótese do §1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.', já que o requerente integra associação criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas, devendo se apurar a aquisição lícita do referido imóvel. - Agravo regimental provido”. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5029387-23.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, julgado em 24.04.2019, Intimação via sistema data: 25.04.2019) Contudo, revisitando a temática, é possível deparar-se com situações concretas em que determinado agente, antes de praticar ato lesivo à Administração Pública, no caso de corrupção passiva/ativa, por exemplo, receba valores que são dissimulados no exterior, passando a constar como beneficiário final, e somente após este ato beneficie um dos licitantes. Ou, ainda, na hipótese em que um traficante recebe valores antes da prática criminosa e os lava servindo-se de interpostas pessoas anteriormente ao envio da droga ao beneficiário final. Tais situações foram por diversas vezes observadas em processos que tramitaram perante a 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Financeiros e em Lavagem de Dinheiro, oportunidades em que houve troca de experiências com o Eminente Juiz Federal Marcelo Costenaro Cavali, então juiz substituto. Dentro de tal contexto, em revisão de posicionamento, chega-se à conclusão de que, a teor da legislação de regência, os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica). Aliás, o entendimento em tela foi trazido à baila em artigo por meio do qual se infere, de forma percuciente, que não há a necessidade de que haja uma precedência estritamente cronológica propriamente dita, mas apenas jurídica, acerca do que se convencionou nominar "crime antecedente", expressão que seria melhor compreendida, na realidade, por meio da locução "crime subjacente" - vamos ao artigo (CAVALI, Marcelo Costenaro; LORENCINI, Bruno César. Separando Joio, Peste e Praga: ‘Caixa Dois’ Eleitoral, Corrupção e Lavagem de Dinheiro. In Direito, Instituições e Políticas Públicas. O papel do jusidealista na formação do Estado. Coordenação: Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, André Tito da Motta Oliveira, Rafael Hamze Issa e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2017, p. 40-41): “(...) Proveniência cronológica ou jurídica de infração penal? Virou voz comum o entendimento de que a infração penal antecedente tem de ser cronologicamente antecedente à lavagem do seu produto. E não só: não bastaria ter sido iniciada a execução, teria de estar consumado o delito antecedente para que se pudesse cogitar da realização de algum ato de lavagem. No caso do 'Mensalão', o STF decidiu que 'A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)' (AP 470 EI-sextos, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 13.03.2014). De fato, como regra, os atos de lavagem do dinheiro ocorreram somente após a ocorrência da infração penal antecedente. Mas não tem de ser assim, nem fática nem juridicamente. Do ponto de vista jurídico, a Lei nº 9.613/1998 não prevê essa antecedência cronológica, mas apenas uma derivação jurídica, quando o art. 1º se refere aos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. A antecedência tem de ser lógica - não cronológica. Faticamente, alguns exemplos ilustram como é possível lavar o dinheiro de um crime antes mesmo que ele tenha sua execução iniciada. Pense-se num caso em que um 'matador de aluguel' é contratado para assassinar uma pessoa. O mandante e o futuro executor do delito celebram, então, um 'contrato de prestação de serviços de consultoria em segurança'; os valores são pagos e declarados à Receita Federal. Depois disso, o homicídio contratado é executado. Note-se que todos os atos de dissimulação da natureza do dinheiro recebido ocorreram antes do início da execução do delito, embora a causa real do pagamento já fosse conhecida pelos envolvidos. Seria essa cronologia razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro? A resposta para essa pergunta é, a nosso ver, negativa. Os valores recebidos pelo 'matador de aluguel' configuram, uma vez combinados, produto do ilícito a ser perpetrado. É claro que, se o homicídio não vier a ter sua execução iniciada, não se poderá falar em lavagem de dinheiro, pois não houve infração penal antecedente, sequer na forma tentada. Por isso, nos casos em que as condutas próprias do delito de lavagem de dinheiro ocorrerem anteriormente à infração penal antecedente que deu causa ao ativo lavado, o delito da Lei nº 9.613/1998 somente se consumará no momento em que iniciada a execução da infração penal antecedente. A solução apresentada pode parecer heterodoxa, mas, se bem examinada, sua engrenagem não é diversa daquela que rege a incidência de qualquer norma jurídica. É preciso que todos os pressupostos da hipótese de incidência estejam preenchidos para o desencadear de suas consequências jurídicas; por vezes, tais pressupostos são preenchidos em momentos diferentes, de modo que somente quando caracterizado o último dos pressupostos normativos exigidos haverá a incidência da norma. Tampouco existe qualquer empecilho do ponto de vista subjetivo, pois as partes envolvidas conhecem a origem do dinheiro, isto é, sabem que os valores foram pagos para o cometimento de um futuro homicídio - embora ainda não iniciado. De igual modo, não existe razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro concomitantemente à infração penal antecedente. O melhor exemplo para ilustrar essa possibilidade encontramos no delito de corrupção. No referido precedente do STF, entendeu-se que a autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos e posteriores do produto do crime antecedente (já consumado). A conclusão não se sustenta, em primeiro lugar, pelo fato de que é possível a lavagem de dinheiro de infração penal antecedente tentada. Mesmo que o agente não consiga consumar o delito, é possível que a tentativa gere um produto ilícito. Pense-se, para continuar com o exemplo anterior, no caso do homicida que, tendo recebido antecipadamente o pagamento pelo delito, não tem sucesso em consumá-lo. Mas não é só. O crime de corrupção compreende, de fato, a conduta de receber 'direta ou indiretamente' a vantagem indevida. Com isso, mesmo que o valor seja repassado por meio de um intermediário, haverá corrupção. No entanto, desde o advento da Lei nº 9.613/1998, em razão de uma nova política-criminal legislativa, o recebimento indireto dos valores da corrupção, quando gere especiais dificuldades para a sua identificação, apreensão e confisco pelas autoridades competentes - como, por exemplo, quando o pagamento é realizado através de um 'contrato de consultoria' realizado com um 'laranja' -, não caracteriza apenas a corrupção, mas também a lavagem de dinheiro. Essa é, a propósito, a razão de ser da criação do tipo penal da lavagem de dinheiro. A corrupção, no mais das vezes, compreenderá desde a aceitação até o recebimento da vantagem indevida. Tratando-se de crime de ação múltipla, as duas condutas caracterizam um único delito. Por sua vez, a lavagem de dinheiro, envolvendo um processo que compreende atos de ocultação, mas também o recebimento do dinheiro, pode ser compreendida juridicamente como sendo a mesma ação da corrupção. Justamente para esses casos, em que, por meio de uma mesma conduta - recebimento do valor indevido de forma indireta - o autor perpetra dois crimes, o Código Penal prevê a figura do concurso formal (CP, art. 70). Aceitas as premissas sobre a política-criminal da lavagem de dinheiro, no exemplo mencionado a conduta representa violação de bens jurídicos distintos: lesa a probidade na Administração Pública e ofende a Administração da Justiça. É verdade que a diversidade de bens jurídicos não é o único critério a ser adotado na resolução de possíveis concursos de delitos: é possível consunção de um delito por outro mesmo que os tipos penais examinados tutelem bens jurídicos diversos. Mas também se pensarmos, como sugere Figueiredo Dias (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. São Paulo-Coimbra: RT-Coimbra, 2007. p. 990), na existência de um único ou de uma pluralidade de sentidos autônomos de ilicitude para diferenciar um concurso aparente de um concurso real, verificaremos que, nos casos aqui examinados, a atuação do corrupto possui claramente dois sentidos de ilicitude: o primeiro é o sentido de venda da função pública, o segundo o de recebimento da vantagem já aparentemente imaculada de sua ilicitude originária. O desvalor de registrar a propina como recebimento de um legítimo contrato de consultoria é claramente maior do que o de simplesmente receber o dinheiro e o esconder em casa, sem dificultar sobremaneira a aplicação integral da lei penal no que se refere aos efeitos patrimoniais da condenação. Aquele que recebe a propina como se se tratasse de honorários de consultoria já age com o intuito de criar uma justificativa aparentemente lícita para o dinheiro recebido (...)”. Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Veja que não deveria surpreender tal entendimento. As implicações em razão da Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal – STF, a qual preconiza que: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”, poderiam levar a essa conclusão. A referida Súmula prevê que a tipificação (e consumação) do delito nos crimes tributários ocorre com o lançamento definitivo do crédito tributário. Acontece que o Direito Penal só pode punir a conduta da pessoa que pratica o ato. A consumação não poderia depender de um ato de terceiro. Ela só poderia existir com ação ou omissão, ainda que outro seja o resultado (conforme dispõe o art. 4º do Código Penal - teoria da atividade), de modo que a consumação não poderia depender de um ato de terceiro que nada tem a ver com o delito. Falar-se que a materialidade de um crime material dependeria de uma apuração administrativa por si só seria contraditória com a doutrina e mesmo a jurisprudência consagrada aos crimes materiais. Por exemplo, Nelson Hungria preconizava que o corpo não é necessário para a prova do homicídio em havendo certeza moral da existência desse crime. No caso de corrupção, nas modalidades “aceitar” e “receber’, não há necessidade de nenhuma comprovação material fora da análise das condutas como tem sido exigida pela Súmula Vinculante n. 24 para os crimes tributários e, finalmente, o fato de mencionar tributo, que seria o elemento normativo do tipo, apenas sugere ao intérprete que se faça um juízo de valor do que seja tributo. Tributo está definido no Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, como estão definidas as contribuições sociais no art. 149 da CF, e isso não faz depender, necessariamente como imposto pela Súmula, da existência de uma apuração administrativa para verificação desse elemento normativo. Existem outros elementos normativos em vários tipos penais (tais como: como coisa alheia, funcionário público, vantagem indevida) que demandam atividade valorativa que pode, sim, ser feita pelo intérprete, independentemente do resultado obtido pela Administração Pública. E, finalmente, não se pode distinguir crime tributário como se fosse algo diferente do delito de corrupção, pois ambos tutelam os recursos da Administração Pública. No primeiro caso, o tributo ainda está com o particular, ao passo que na corrupção os valores já estão em poder do Estado, mas são desviados ou apropriados. A similitude é evidente. Para a identificação da corrupção não se exige um procedimento por parte dos órgãos de controle (Controladoria Geral da União, por exemplo), portanto, sistematicamente não tem coerência exigir para o delito tributário algo que não se pode exigir para o reconhecimento nos casos de crimes contra a Administração Pública. Em síntese, no crime tributário material não deveria haver a exigência do lançamento definitivo para a sua caracterização. No entanto, o entendimento sumular supramencionado, impõe que a consumação dos crimes de tal jaez ocorra somente com a constituição definitiva do crédito tributário. Excepcionalmente nas hipóteses em que houver a lavagem de dinheiro e o delito subjacente for um crime tributário material, s.m.j., a Súmula n.º 24 poderá ser mitigada. Ora, não se deveria exigir o lançamento definitivo do crime subjacente para dar início à apuração da lavagem decorrente deste crime tributário. A despeito de tratar-se de entendimento minoritário, há julgado do STF consignando que a regra inserta no aludido entendimento sumular pode ser mitigada nos crimes contra a Ordem Tributária nas hipóteses de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal (possibilidade de se dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo): “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 24. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O PARADIGMA INVOCADO. INVESTIGAÇÃO CONCOMITANTE DE CRIMES DE NATUREZA DISTINTA DA FISCAL. VIABILIDADE, EM TESE, DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 8. Sobressai da narrativa dos agravantes que ‘são investigados outros crimes além dos tipificados no ‘art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90’, dentre eles, crimes contra a administração em geral e de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”, sendo certo o entendimento sufragado por esta Corte no sentido da prescindibilidade do esgotamento das vias administrativas para a investigação do crime de lavagem de dinheiro, conquanto o crime antecedente possa se consubstanciar em crime material contra a ordem tributária, mostrando-se possível a mitigação do enunciado nº 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal na hipótese da investigação de crimes cuja natureza é distinta da fiscal. Precedentes: HC 118.985-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 21/06/2016; e ARE 936.653-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 14/06/2016. 9. Agravo regimental desprovido”. (Rcl 28147 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018)” (grifei) Lado outro, a exigência do lançamento definitivo, que muitas vezes ocorre após a lavagem, leva, necessariamente, a uma inversão do marco temporal: ou seja, a infração subjacente pode ocorrer posteriormente à lavagem de dinheiro, de forma consumada ou tentada. Portanto, a lavagem não requer que a infração subjacente seja cronologicamente anterior, mas apenas que haja uma decorrência lógica. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro. Por exemplo, contratação de matador de aluguel que recebe uma vultosa quantia para matar alguém. Ele recebe o valor, lava, coloca em nome de laranjas e somente depois consuma ou tenta o homicídio; no crime tributário, a pessoa lava, coloca os bens em nome de terceiros e depois comete o delito tributário; no caso do delito de corrupção, nas modalidades de “aceitar” ou “receber”, a lavagem pode ocorrer antes destas. A lavagem de dinheiro pode concorrer formalmente com a infração subjacente. Uma conduta pode gerar um delito tributário e ao mesmo tempo gerar lavagem de dinheiro porque o âmbito de proteção do bem jurídico pelo legislador é diverso. Uma conduta, nos termos da teoria do concurso formal, atinge dois resultados: no caso do delito tributário tem uma proteção específica - os recursos que devem ser dirigidos à Administração Pública e as políticas públicas decorrentes da ausência desses recursos, ao passo que a lavagem de dinheiro tem um bem jurídico específico que é a Ordem Econômico-financeira e a Administração da Justiça. Ora pendendo mais à Administração da Justiça, ora à Ordem socioeconômico/financeira, a depender do caso concreto. A leitura que se faz é que a infração ligada à lavagem de dinheiro possui autonomia mais do que sufragada pelo legislador e acessoriedade limitada. A existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito que acabou se consagrando e a referência à expressão “antecedente” permanece como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando aduz no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º à infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que tem que ocorrer é algo vinculado. Os valores podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois da infração subjacente. Exige-se que o tipo subjacente seja ao menos tentado para a existência da lavagem de dinheiro, não importando a sua concretização em tempo determinado. Embora o art. 2º da Lei de Lavagem utilize a expressão "infração penal antecedente", a interpretação meramente literal do dispositivo não espelha, nesse caso, a finalidade da lei. In casu, devem ser aplicados os métodos sistemático e teleológico de exegese, a fim de que sejam atendidos tanto os fins sociais a que a norma se dirige quanto as exigências do bem comum. Nesse contexto, não é razoável excluir da persecução penal aqueles agentes que praticam a lavagem de bens ou valores comprovadamente advindos do cometimento de infração(ões) subjacente(s) não necessariamente pretérita(s) ou antecedente(s), cronologicamente falando. Em suma, a existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito, mas a referência à expressão “antecedente” permanece apenas como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando menciona no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º a expressão infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que se requer é a existência de produtos e proveitos logicamente decorrentes de infração(ões) subjacente(s) e não cronologicamente decorrentes. Não se deve, pois, obrigar a existência de um fato criminoso anterior uma vez que fatos criminosos podem mesmo ocorrer, por mais curioso que possa parecer, após a lavagem de dinheiro, como os exemplos citados, entendimento este reforçado pela consagração da Súmula do STF n.º 24 que entende típico o delito tributário material somente com o lançamento definitivo. Assim, urge a existência de algo ilícito vinculado. Os valores decorrentes de uma infração subjacente podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois deste. Por outro lado, cabe enfatizar que o mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem. No caso Mensalão (AP n.º 470/MG), por exemplo, o STF decidiu que o recebimento da corrupção por terceiros não configura o crime de lavagem de dinheiro, mas concretização do delito contra a Administração Pública. Imprescindível, portanto, para a configuração desse delito, identificar-se a ocorrência de ocultação ou de dissimulação. Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima pontua: “(...) com as mudanças produzidas pela Lei 12.683/12, admitindo que, doravante, qualquer infração penal possa figurar como antecedente de lavagem de capitais, é extremamente importante ressaltar que a tipificação da figura delituosa prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.613/98, na modalidade de ocultação ou dissimulação, demanda a prática de mascaramento do produto direto ou indireto da infração antecedente. Isso significa dizer que o uso aberto do produto da infração antecedente não caracteriza a lavagem de capitais. Logo, se determinado criminoso utiliza o dinheiro obtido com a prática de crimes patrimoniais para comprar imóveis em seu próprio nome, ou se gasta o dinheiro obtido com o tráfico de drogas em viagens ou restaurantes, não há falar em lavagem de capitais. Em síntese, o simples usufruto do produto ou proveito da infração antecedente não tipifica o crime de lavagem de capitais. [...] Portanto, se o agente se limita a comprar um imóvel com o produto da infração antecedente, registrando-o em seu nome, não há falar sequer na prática do tipo objetivo de lavagem de capitais, porquanto aquele que pretende ocultar ou dissimular a origem de valores espúrios jamais registraria a propriedade do imóvel em seu nome. No entanto, se o agente registra o imóvel em nome de um 'laranja', a fim de ocultar o rastreamento dos valores ilícitos, aí sim dar-se-á o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais (...)” (in Legislação Criminal Especial Comentada. JusPodivm. 2. ed. 2014. p. 306-307). Mais recentemente, no ano de 2019, também em hipótese de corrupção, o STF, pela análise do cenário probatório descrito nos autos, entendeu que, para além do recebimento clandestino da vantagem indevida, restou evidenciada a dissimulação e ocultação próprios do delito de lavagem: “HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONSUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. PLURALIDADE DE CONDUTAS. DOLOS DISTINTOS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, o eventual cabimento de recurso extraordinário não subtrai, por si só, a cognoscibilidade do habeas corpus. Precedentes. 2. O sistema jurídico brasileiro não exclui os autores do delito antecedente do âmbito de incidência das normas penais definidoras do crime de lavagem de bens, direitos ou valores, admitindo, por consequência, a punição da chamada autolavagem. É possível, portanto, em tese, que um mesmo acusado responda, concomitantemente, pela prática dos delitos antecedente e de lavagem, inexistindo bis in idem decorrente de tal proceder. 3. Nada obstante, a incriminação da autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação, dissimulação ou integração autônomos ao delito antecedente, ainda que se verifique, eventualmente, consumações simultâneas. 4. A consunção constitui critério de resolução de conflito aparente de normas penais incidente em casos em que a norma consuntiva contemple e esgote o desvalor da consumida, em hipótese de coapenamento de condutas. Assim, eventual coincidência temporal entre o recebimento indireto de vantagem indevida, no campo da corrupção passiva, e a implementação de atos autônomos de ocultação, dissimulação ou integração na lavagem, não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem. 5. O habeas corpus consubstancia via processual inadequada para o reconhecimento da ocorrência de consunção, forte na necessidade de exame do acervo probatório para o fim de avaliar o esgotamento do juízo de censura entre as condutas, providência que desborda dos limites cognitivos do writ. 6. Caso concreto em que se reconheceu a constituição de contas secretas e remessa clandestina de recursos ao exterior, atos que consubstanciaram práticas de ocultação, dissimulação ou integração, possibilitando fruição oportuna do resultado econômico do crime antecedente. O presente quadro processual diferencia-se, portanto, do enfrentado pelo Tribunal Pleno na AP 470 (EI-sextos e EI-décimos sextos), na qual se afastou a configuração do delito de lavagem em caso de recebimento de vantagem indevida mediante interposta pessoa e em hipótese na qual se exigiria a prática de atos subsequentes para fins de branqueamento do produto da infração penal antecedente. 7. Em caso de concurso de crimes, é incabível o reconhecimento, em habeas corpus, da incidência do critério da exasperação se as instâncias ordinárias atestaram a pluralidade de condutas e a presença de desígnios autônomos. 8. Não configura vulneração ao dever de motivação das decisões judiciais a rejeição de aplicação da regra do concurso formal próprio baseada em óbices normativos ao critério da exasperação. 9. Ordem denegada”. (HC 165036, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 09.04.2019, processo eletrônico DJe 10.03.2020) (destaque nosso) Haverá, assim, tão somente a prática da infração penal subjacente quando apenas houver uma utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas. Do contrário, haveria verdadeiro bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Com isto, ficariam afastadas desta infração penal as condutas de guardar dinheiro em colchão, subornar testemunhas para se conseguir álibi etc. O STF, nos autos do Inquérito n.º 3.515/SP (Rel. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 08.10.2019, acórdão eletrônico DJe 23.06.2020), explicitou hipótese em que o ato de receber “de forma indireta, valores supostamente provenientes de corrupção, integra o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal, de modo que a conduta de esconder notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias não se reveste de indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998”. Também cumpre asseverar, por exemplo, que a realização de transferências bancárias sucessivas, segregando-se determinado montante de dinheiro em várias contas bancárias diferentes, é conduta que, indubitavelmente, dificulta o rastreamento da quantia inicial advinda da infração subjacente, já que, a cada nova transação, torna-se mais difícil determinar a origem daquele valor, inclusive porque essa prática possibilita que fundos “limpos” e “sujos” se misturem para compor o saldo disponível em cada conta, o que torna ainda mais complexa a localização do produto criminoso original, fato que caracterizaria a lavagem. No entanto, nem todas e quaisquer transações bancárias envolvendo dinheiro ilícito caracterizam lavagem de dinheiro. Em se constatando, por exemplo, que o produto da infração subjacente foi simplesmente depositado e/ou transferido, uma única vez, para conta(s) bancária(s) claramente identificável(eis) como pertencente(s) à(s) pessoa(s) que cometeu(ram) a infração subjacente, não se haverá que falar em lavagem, mas sim em mero exaurimento, ou seja, mera consequência lógica e natural da anterior ação criminosa. A simples distribuição do produto da infração entre os seus autores, mediante depósito/transferência do quinhão atribuído a cada participante, é desdobramento natural da infração penal subjacente e, portanto, não configura prática de lavagem. Em suma, se os agentes criminosos não se limitarem a mediante transferências (isoladas) para suas respectivas contas bancárias, simplesmente repartir, entre si, os valores obtidos pela prática de uma infração penal subjacente (o que caracterizaria o mero exaurimento), mas sim efetivarem a remessa dessas quantias a partir de transações bancárias de maneira deliberadamente pulverizadas, isto é, fracionadas e transferidas, múltiplas vezes, para diversas contas bancárias, em sua maioria abertas em nome de pessoas físicas ou jurídicas fictícias (e não em nome dos próprios agentes), restará evidenciada a intenção de mascaramento, e, por via de consequência, a lavagem de dinheiro. Em outra hipótese, em havendo a imputação de tráfico transnacional de drogas, com a apreensão dos valores oriundos desta infração pela autoridade policial em uma blitz, cujo objetivo era o desembaraço de carregamento de cocaína junto aos fornecedores da droga, devem ser considerados mero desdobramento da traficância (iter criminis), não se vislumbrando o cometimento do delito de branqueamento. No crime de lavagem de dinheiro terá que haver, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Embora adote o entendimento de que é desnecessária a precedência cronológica da infração subjacente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tendo-se em vista que a lavagem pode, excepcionalmente, ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente ao qual se vincula, é evidente que a precedência lógico-jurídica (e não estritamente cronológica) é indispensável. Em outras palavras, é imprescindível que os ganhos atrelados à suposta prática de corrupção, por exemplo, tenham sido obtidos em data anterior à da prática dos atos de ocultação/dissimulação, mesmo que o ato de corrupção, em si, possa vir a ser praticado depois da lavagem. Nesse contexto lógico-jurídico, faz sentido apenas falar-se em necessidade de demonstração de relação de anterioridade e posterioridade entre os ganhos decorrentes da infração subjacente e a lavagem de dinheiro, embora a infração subjacente possa ocorrer posteriormente. No caso de a lavagem ter sido cometida anteriormente à infração subjacente, para o reconhecimento de sua consumação é indispensável que tenha se iniciado a execução desta última, que, repise-se pode ocorrer depois daquela. CASO CONCRETO Dos delitos antecedentes e/ou subjacentes. O chamado delito de lavagem de dinheiro é crime derivado de outro, não existindo sem a comprovação da existência de uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. In casu, há elementos probatórios suficientes nos autos para se concluir acerca da infração subjacente. Como já exposto anteriormente, o crime de tráfico transnacional de drogas ocorreu nas modalidades transporte e exportação referente a 2.724 kg (dois mil, setecentos e vinte e quatro quilos) de cocaína escondida em uma carga de milho destinada à Europa no navio UNISPIRIT, tendo sido evidenciado que o réu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA juntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior foram responsáveis por toda a operação que objetivou a exportação da droga. Desde o pagamento do milho utilizado para a ocultação da cocaína, o transporte da mercadoria até o porto, além do carregamento na embarcação. Cumpre ainda salientar, como visto alhures, que foram encontrados nos endereços do réu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA vasta quantia de dinheiro em espécie, carros e objetos luxuosos o que evidencia eficazmente o seu envolvimento com a traficância. No que diz respeito a FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, tem-se que fora absolvido dos crimes de tráfico de drogas e associação criminosa, sem qualquer recurso da acusação. Aqui vale pontuar entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “para configuração do crime do artigo art. 1º da Lei n. 9.613/98, não é necessário que o acusado tenha sido condenado pelo delito antecedente, pois embora derivado ou acessório, o delito de lavagem de dinheiro é autônomo, também não se exigindo processo criminal ou condenação pelo prévio delito, nem mesmo que o acusado seja o autor do delito, bastando, para tanto, a presença de indícios suficientes de sua existência” (RHC n. 94.233/RN, Relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 21/8/2018, DJe de 3/9/2018). Tudo isso nos induz à conclusão de que os recursos movimentados e os bens adquiridos pelos réus não teriam outra origem que não a espúria. É de se notar, portanto, indícios fortes e suficientes de que o patrimônio angariado pelos réus advém dos lucros obtidos com o tráfico transnacional de drogas. ANDRÉ ROBERTO DA SILVA Da ocultação e/ou dissimulação. O crime de lavagem de dinheiro descrito na peça vestibular estaria consubstanciado na movimentação financeira de quantias milionárias via sistema bancário em conta de pessoa jurídica da qual o referido réu figurava como sócio, bem como por meio de aquisições de bens de alto valor em nome de terceiros, tudo com o objetivo de ocultar/dissimular a propriedade de valores e bens espúrios advindos da traficância. Com efeito, a infração subjacente descrita nos autos e levada a efeito pelo réu ao longo do tempo trouxe-lhe vantagem econômica, permitindo-lhe amealhar vultoso patrimônio, não existindo nos autos qualquer arrazoado que nos permita deduzir que este patrimônio tenha outra origem que não os proventos do tráfico de drogas. A Defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA em sua Apelação aduz que “não há que se falar em lavagem de dinheiro nas movimentações financeiras e na questão os imóveis apontados como de propriedade do réu André.” Da imputação da lavagem de dinheiro consubstanciada na movimentação financeira de quantias milionárias em conta pessoa jurídica da qual o réu figurava como sócio Quanto a esta modalidade de lavagem de dinheiro, a r. sentença sintetizou que: “ (...) No que se refere à movimentação de valores, a denúncia imputa a prática de lavagem (ocultação da origem ilícita, localização, movimentação e propriedade) de R$ 5.799.772,78 (cinco milhões, setecentos e noventa e nove mil, setecentos e setenta e dois reais e setenta e oito centavos) de proveniência ilícita, utilizados para a aquisição do milho empregado para esconder as drogas apreendidas (Id 253783280, p. 02). O corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, por meio da empresa C1P Consultoria e Representações Ltda, participou da lavagem de valores utilizados para a aquisição do milho empregado para esconder as drogas apreendidas. A C1P foi utilizada para o recebimento de € 720.000,00 (setecentos e vinte mil euros) em 15/09/2020, depositados por Hachemuda Morelo S.L. em conta bancária em Portugal, conforme revelado pela medida de afastamento do sigilo telemático da conta jrcamisanova@icloud.com. Além disso, a empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. foi utilizada para o pagamento de parte da carga de milho, transferindo valores às empresas Terra Viva Comércio de Grãos e Agro Irmãos de Campos Novos Paulista, no total de R$ 749.130,00 (setecentos e quarenta e nove mil, cento e trinta reais) (Id 253783280, pp. 13/14). A utilização da empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. para a movimentação de valores provenientes do tráfico de drogas foi comprovada nos autos. Conforme descreve a autoridade policial, apurou-se que as contas bancárias da empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. foram utilizadas para dissimular a origem, propriedade e natureza dos valores oriundos do tráfico de drogas. As imagens armazenadas na conta jrcamisanova@icloud.com revelam comprovantes de transferências bancárias em que a C1P Consultoria e Representações Ltda. é destinatária de grandes quantias de dinheiro. No período de 15/09/2020 a 01/10/2020, foram depositados € 848.412,35 (oitocentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e doze euros e trinta e cinco centavos de euro) em sua conta bancária em Portugal, os quais, convertidos em moeda nacional, totalizariam aproximadamente R$ 5.400.000,00 (cinco milhões e quatrocentos mil reais) segundo o câmbio da época dos fatos (relatório do IPL, Id 239808963, pp. 95/96; relatório de análise telemática n. 01/21 – autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641110, pp. 72/74). A autoridade policial também identificou e juntou comprovantes de transferências da empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. em favor das fornecedoras de milho Terra Viva Comércio de Grãos e Agro Irmãos de Campos Novos Paulista, no valor total de R$ 749.130,00 (relatório do IPL, Id 239808963, pp. 97/98). Da mesma forma, as contas bancárias da C1P Consultoria e Representações Ltda. no Brasil foram utilizadas para receber depósitos em dinheiro, sem identificação do depositante, nos meses de agosto e setembro de 2020, no valor total de R$ 495.910,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil, novecentos e dez reais), conforme os comprovantes identificados e apresentados pela autoridade policial (relatório do IPL, Id 239808963, p. 98). A autoridade policial informa ainda que a análise dos dados bancários obtidos por meio do afastamento de sigilo bancário revela que, no total, a empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. foi utilizada para transferir R$ 997.630,00 (novecentos e noventa e sete mil, seiscentos e trinta reais) para empresas fornecedoras de milho utilizado como camuflagem para a droga, bem como a mesma pessoa jurídica foi utilizada para transacionar altos valores com as pessoas investigadas, no total de R$ 966.420,35 (novecentos e sessenta e seis mil, quatrocentos e vinte reais e trinta e cinco centavos), da seguinte forma: corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS – R$ 656.645,35 (seiscentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e trinta e cinco centavos) em vinte e seis transações; Construtora Aquilo Eireli EPP (pessoa jurídica utilizada por João Carlos Camisanova Júnior para lavagem de valores) – R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) em três transações; corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA – R$ 86.055,00 (oitenta e seis mil, cinquenta e cinco reais) em quatro transações; João Carlos Camisa Nova Júnior – R$ 54.720,00 (cinquenta e quatro mil, setecentos e vinte reais); Raquel Aparecida Sanagiotto, esposa do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA – R$ 19.000,00 (dezenove mil reais). Relatou ainda que mais de 70% (setenta por cento) dos valores movimentados na conta da referida pessoa jurídica foram transacionados em 2020, ano de consumação do tráfico de drogas transnacional por meio do transporte de milho no navio UNISPIRIT (relatório do IPL, Id 239808963, pp. 99/100). Enfim, nas informações apresentadas pela Receita Federal do Brasil sobre declarações e dossiê fiscal da empresa C1P Consultoria e Representações Ltda., verifica-se que não consta declaração a respeito dos valores recebidos e remetidos pela referida pessoa jurídica no período dos fatos (autos n. 5005529-39.2021.403.6181, Id 165633417, pp. 01/1.164). Destaquem-se os balanços patrimoniais referentes ao ano de 2020, constando nos campos “depósitos bancários à vista”, “bancos conta movimento – no país”, “bancos conta movimento – no exterior”, “numerários em trânsito” e “recursos no exterior decorrentes de exportação” o valor zero, tanto para débito como para crédito, nos quatro trimestres de apuração (autos n. 5005529-39.2021.403.6181, Id 165633417, pp. 711, 714, 715, 783, 784, 787, 856, 860, 929 e 933). Assim, conforme demonstrado nos autos, a pessoa jurídica administrada pelo corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA movimentou quantias milionárias em suas contas bancárias no Brasil e em Portugal. Essas quantias não foram declaradas nas respectivas declarações de imposto de renda e balanços patrimoniais registrados nas referidas declarações, bem como não foram emitidas notas fiscais correspondentes. Parte dos valores foram depositados em dinheiro, de forma esparsa, por depósitos sem identificação do depositante. A movimentação de tais quantias não possui justificativa plausível. Tendo em vista a intensa participação do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA em atividade de tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas, verifica-se que quantias originárias dessa atividade criminosa percorreram as contas bancárias da pessoa jurídica do réu, com a finalidade de ocultação e dissimulação de sua origem ilícita. (…)” De acordo com o Relatório Final da investigações, foi possível aquilatar que a empresa CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA., da qual ANDRÉ ROBERTO DA SILVA figurava como sócio, trata-se de pessoa jurídica que participou formalmente da exportação de milho realizada através do navio UNISPIRIT, especificamente na condição de exportadora dos grãos, bem ainda que, no ano em que levado a efeito o tráfico de drogas (2020), movimentou milhões por meio de referida pessoa jurídica. Não há que se falar na ocorrência da lavagem de dinheiro por intermédio da empresa supramencionada, tal como constou na sentença, no que diz respeito: a) à transação em que ela figurou para o recebimento de setecentos e vinte mil euros em 15.09.2020, depositados pela empresa Hachemuda Morelo S.L (pessoa jurídica que figurou formalmente como importadora da carga de milho utilizada na camuflagem da cocaína); b) nas transações em que ela foi utilizada para o pagamento de parte da carga do milho, no valor de R$ 749.130,00 (tendo como destinatárias as empresas Terra Viva Comércio de Grãos e Agro Irmãos de Campos Novos Paulista); c) nas transações em que a CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. foi utilizada para transferir R$ 997.630,00 para empresas fornecedoras de milho utilizado como camuflagem para a cocaína traficada. Isto porque, para além de a referida pessoa jurídica estar em nome de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, não há que se falar em ocultação ou dissimulação dos valores que ali transitaram. Trata-se, s.m.j., em tais hipóteses, de mero aproveitamento da vantagem proveniente do tráfico transnacional de drogas e do delito de associação para o tráfico, consistindo, nessa toada, em exaurimento daquelas práticas delituosas, e ainda, de eventual crime contra a Ordem Tributária, não bastando para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Os valores transitaram em conta de pessoa jurídica da qual ele titulava e para a consecução da traficância, não havendo que se falar em atos voltados à lavagem. Em hipóteses como tais (utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas), haverá apenas a prática da infração penal subjacente (tráfico transnacional de drogas). Do contrário, haveria bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Portanto, não prospera a imputação da lavagem de dinheiro consubstanciada na movimentação financeira de valores em conta da pessoa jurídica da qual o réu figurava como sócio (C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA.), no que diz respeito às seguintes transações: a) em que a referida empresa figurou para o recebimento de setecentos e vinte mil euros em 15.09.2020, depositados pela empresa Hachemuda Morelo S.L (pessoa jurídica que figurou formalmente como importadora da carga de milho utilizada na camuflagem da cocaína); b) nas transações em que a mencionada empresa foi utilizada para o pagamento de parte da carga do milho, no valor de R$ 749.130,00 (tendo como destinatárias as empresas Terra Viva Comércio de Grãos e Agro Irmãos de Campos Novos Paulista); c) nas transações em que a CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. foi utilizada para transferir R$ 997.630,00 para empresas fornecedoras de milho utilizado como camuflagem para a cocaína traficada, devendo o réu ser absolvido, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal). Já no que concerne às imputações de lavagem de dinheiro ante ao fato de: a) a empresa CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. ter sido utilizada “para transacionar altos valores com as pessoas investigadas, no total de R$ 966.420,35 (novecentos e sessenta e seis mil, quatrocentos e vinte reais e trinta e cinco centavos), da seguinte forma: corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS – R$ 656.645,35 (seiscentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e trinta e cinco centavos) em vinte e seis transações; Construtora Aquilo Eireli EPP (pessoa jurídica utilizada por João Carlos Camisanova Júnior para lavagem de valores) – R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) em três transações; corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA – R$ 86.055,00 (oitenta e seis mil, cinquenta e cinco reais) em quatro transações; João Carlos Camisa Nova Júnior – R$ 54.720,00 (cinquenta e quatro mil, setecentos e vinte reais); Raquel Aparecida Sanagiotto, esposa do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA – R$ 19.000,00 (dezenove mil reais)”; b) as contas da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. terem sido “utilizadas para receber depósitos em dinheiro, sem identificação do depositante, nos meses de agosto e setembro de 2020, no valor total de R$ 495.910,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil, novecentos e dez reais), conforme os comprovantes identificados e apresentados pela autoridade policial (relatório do IPL, Id 239808963); c) as contas da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. teriam sido utilizadas “para dissimular a origem, propriedade e natureza dos valores oriundos do tráfico de drogas. As imagens armazenadas na conta jrcamisanova@icloud.com revelam comprovantes de transferências bancárias em que a C1P Consultoria e Representações Ltda. é destinatária de grandes quantias de dinheiro. No período de 15/09/2020 a 01/10/2020, foram depositados € 848.412,35 (oitocentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e doze euros e trinta e cinco centavos de euro) em sua conta bancária em Portugal, os quais, convertidos em moeda nacional, totalizariam aproximadamente R$ 5.400.000,00 (cinco milhões e quatrocentos mil reais) segundo o câmbio da época dos fatos (relatório do IPL, Id 239808963, pp. 95/96; relatório de análise telemática n. 01/21 – autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641110, pp. 72/74)”, verifica-se que a sentença não apresenta fundamentação suficiente a amparar uma condenação, tendo se limitado a descrição de fatos sem esmiuçar a forma pela qual teria ocorrido a ocultação/dissimulação inerente à lavagem. Desta feita, o réu deve ser abolvido de tais imputações (transacionar altos valores por meio da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. com as pessoas investigadas, no total de R$ 966.420,35 - novecentos e sessenta e seis mil, quatrocentos e vinte reais e trinta e cinco centavos; recebimento por meio das contas da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. de depósitos em dinheiro, sem identificação do depositante, nos meses de agosto e setembro de 2020, no valor total de R$ 495.910,00; transacionar por meio da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. € 848.412,35 (oitocentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e doze euros e trinta e cinco centavos de euro), os quais, convertidos em moeda nacional, totalizariam aproximadamente R$ 5.400.000,00 (cinco milhões e quatrocentos mil reais), nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação). Da imputação da lavagem de dinheiro consubstanciada na aquisição de bens de alto valor em nome de terceiros Quanto a esta modalidade de lavagem de dinheiro, a r. sentença sintetizou que: "(...) O relatório da Receita Federal do Brasil referente ao corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA encontra-se a Id 238866321, pp. 28/31 dos autos n. 5005529-39.2021.403.6181. No referido relatório, a Receita Federal do Brasil apresentou as seguintes observações: “Não possui rendimentos declarados, por não ter apresentado declarações do imposto de renda (DIRPF) nos últimos cinco anos-calendário. (...) Contribuinte não vem apresentando declarações do imposto de renda, porém vem efetuando movimentação financeira e dispêndios incompatíveis com a condição de isento da obrigatoriedade de apresentar a DIRPF” (autos n. 5005529-39.2021.403.6181, Id 238866321, pp. 28/31). Conforme relata a autoridade policial, o cruzamento das informações prestadas pela Receita Federal com os dados bancários emitidos pelas instituições financeiras indica que o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA movimentou R$ 7.800.000,00 (sete milhões e oitocentos mil reais) de 2016 a 2021, sendo 75% desse volume movimentado nos anos de 2020 e 2021. Somente no ano de 2020, a movimentação bancária do corréu atingiu cerca de R$ 3 milhões (Id 239808963, pp. 190/191. A esposa do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é Raquel Aparecida Sanagiotto. Referida pessoa é sócia da pessoa jurídica Sanagiotto Holdings Participações Ltda. O relatório da Receita Federal do Brasil referente à Sanagiotto Holdings Participações Ltda. encontra-se a Id 238866321, pp. 151/153 dos autos n. 5005529-39.2021.403.6181. No referido relatório, a Receita Federal do Brasil informa que a Sanagiotto Holdings Participações Ltda. não apresentou declarações de imposto de renda. Verifica-se assim que o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA utilizou a Sanagiotto Holdings Participações Ltda., bem como sua própria esposa, Raquel Aparecida Sanagiotto, para a ocultação e dissimulação da origem ilícita de valores provenientes do tráfico de drogas. Conforme exposto na denúncia, foi apreendido na residência do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA o instrumento contratual de compra e venda, na qual Raquel Aparecida Sanagiotto (esposa do corréu) figura como promitente compradora do apartamento n. 302 do edifício residencial Saint Pietro, pelo valor de R$ 830.000,00 (oitocentos e trinta mil reais) – Id 239808963, pp. 196/197 e Id 239816849, pp. 05/21. Está ainda demonstrado que o veículo Porsche Macan, blindado, ano 2015/2015, de placas FVN3B33, avaliado em R$ 294.000,00 (duzentos e noventa e quatro mil reais), foi licenciado em nome da pessoa jurídica Raquel Aparecida Sanagiotto – ME (Id 239808963, pp. 198/199, Id 239816849, pp. 05/06, Id 239809872, p. 28, Id 239809876, pp. 01/05, Id 239809876, pp. 10/41 e Id 242734796). Da mesma forma, o veículo Porsche Macan, de placas EJR0A86, 2015/2015, avaliado em R$ 540.000,00 (quinhentos e quarenta mil reais), foi registrado em nome da esposa do corréu, Raquel Aparecida Sanagiotto (Id 239808963, p. 199, Id 239816849, pp. 05/24 e Id 245521099). Consta dos autos, ainda, que na busca e apreensão na residência do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA foi apreendido veículo Volvo XC60 T5, ano 2019/2020, de placas GCS2C58, registrado em nome do corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS (Id 239808963, pp. 198/199, Id 239816849, pp. 05/06, Id 239809872, p. 28, Id 239809876, pp. 01/05, Id 239809876, pp. 10/41). Está ainda demonstrado que o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é proprietário de fato de dois imóveis, os quais foram registrados em nome de Sanagiotto Holdings Participações Ltda.: a) imóvel registrado sob a matrícula n. 93.606 no 1º CRI de São Paulo/SP; e b) imóvel registrado sob a matrícula n. 201.254 no 9º CRI de São Paulo/SP. O imóvel registrado sob a matrícula n. 93.606 no 1º CRI de São Paulo/SP foi utilizado para integralizar o capital social da Sanagiotto Holdings Participações Ltda., no valor de R$ 1.107.132,00 (um milhão, cento e sete mil, cento e trinta e dois reais). O imóvel registrado sob a matrícula n. 201.254 no 9º CRI de São Paulo/SP também foi utilizado para integralizar o capital social da mesma pessoa jurídica. Dos extratos bancários juntados aos autos, consta que Gilson Fuscaldo, a pessoa física proprietária anterior, recebeu a quantia de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por meio de pagamento realizado pela pessoa jurídica SGT Projetos Ltda EPP, uma das pessoas jurídicas utilizadas pela associação criminosa para a movimentação de valores originários do tráfico de drogas. Na matrícula do imóvel consta que foi adquirido por Sanagiotto Holdings Participações Ltda. pela quantia de R$ 1.050.000,00 (um milhão e cinquenta mil reais) (Id 239808963, pp. 239/245 e autos n. 5005527-69.2021.403.6181, Ids 170175809 e 170175820). A Sanagiotto Holdings Participações Ltda. foi constituída em fevereiro de 2020 por Zhang Qunglan, sob a denominação Zhang Holding Participações Ltda. Sua titularidade foi transferida para João Carlos Camisa Nova Júnior um mês depois, alterando a razão social para Fênix Holding Participações Ltda. Em abril de 2020 a titularidade foi transferida a Raquel Aparecida Sanagiotto, esposa do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, sob a nova razão social Sanagiotto Holdings Participações Ltda. Em março de 2021, a titularidade da Sanagiotto Holdings Participações Ltda. foi transferida a Lucas Viveiro dos Santos, cunhado do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA (Id 239808963, pp. 239/245 e autos n. 5005529-39.2021.403.6181, Id 64507435, pp. 59/68). Foi ainda apreendido o instrumento contratual de mútuo firmado entre o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS e o investigado Vicente Ribeiro da Costa Barone (atualmente foragido da Justiça), no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), indicando que os dois primeiros emprestariam essa quantia ao último. Também foi apreendido o aditivo contratual desse mútuo, indicando que foi utilizada a empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. para receber a quantia de R$ 230.520,00 (duzentos e trinta mil, quinhentos e vinte reais), convertida em € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros), por meio de conta bancária localizada em Portugal. – Id 239808963, pp. 194/195 e Id 239809872, p. 28, Id 239809876, pp. 01/05, Id 239809876, pp. 10/41. (…)” Em relação ao imóvel de matrícula nº 93.606 do 1º CRI de São Paulo/SP, localizado na Rua Pedro Pomponazzi, n.º 890, apartamento n.º 152, São Paulo, Gleba 4-A da Fazenda Itupú, Piraporinha, São Paulo/SP, tem-se que efetivamente trata-se de bem pertencente de fato ao increpado. De acordo com o Relatório Final da Polícia Federal (ID 279920039 – fl. 239/240) referida pessoa jurídica foi constituída em fevereiro de 2020 por Zhang Qunglan, sob a razão social ZHANG HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA., tendo o capital social da empresa sido integralizado com o registro do imóvel supramencionado. Ocorre que um mês após a constituição da empresa ela foi transferida para João Carlos Camisa Nova Júnior, sob a razão social FÊNIX HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA., tendo em abril de 2020 novamente sido transferida para Raquel Aparecida Sanagiotto, mulher de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, sob a denominação SANAGIOTTO HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA., passando, portanto, a ser a proprietária do imóvel de matrícula n.º 93.606. A última alteração dos atos constitutivos da aludida pessoa jurídica ocorrera em março de 2021, quando suas cotas sociais foram transferidas para Lucas Viveiros dos Santos, cunhado do réu. A se confirmar que referido bem imóvel pertencia de fato ao réu, é de se notar que Raquel Aparecida Sanagiotto, sua esposa, quando ouvida perante a autoridade policial asseverou que (cf. trecho compilado do Relatório Policial – ID 279920055 – fl. 240): “DPF: Raquel, você já foi proprietária da Sanagiotto Holding Participações, né? RAQUEL: Sim. DPF: Tá, isso foi como que aconteceu? RAQUEL: Olha, esse assunto eu não conheço muito bem porque é na verdade, alguma coisa do André, né? Do meu esposo, então eu não sei te explicar exatamente sobre o que que se trata essa empresa.” Em relação a Lucas Viveiros dos Santos, cunhado do réu, como bem consignado no Relatório Policial “quando inquirido sobre os fatos em 24/11/2021, confirmou que apenas cedeu seus dados pessoais a ANDRÉ para que houvesse a transferência de cotas da SANAGIOTTO HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA., afirmando não ter qualquer relação de fato com a referida pessoa jurídica” (ID 279920055 – fl. 243). Para além disso, consoante constou da sentença, no Relatório da Receita Federal consta que “a Sanagiotto Holdings Participações Ltda. não apresentou declarações de imposto de renda.” (ID 279920818). Como se vê, tanto Raquel quanto Lucas apresentaram-se como como interpostas pessoas na consecução dos negócios escusos de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, tudo com o intento de dissimular/ocultar um patrimônio que efetivamente era seu. De mais a mais, também constou de aludido Relatório trecho do depoimento de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA na fase policial no qual declarou que (ID 279920055 – fl. 240/241): “DPF: Você é proprietário de bens imóveis André? ANDRÉ: Sim. DPF: Quantos? ANDRÉ: Eu sou proprietário de dois imóveis e três carros. DPF: Quais são os imóveis? Onde eles ficam? ANDRÉ: Sim, um é na um é na Pedro Pomponazzi, só não sei o número, doutor, o que é a minha residência onde eu resido que é João Professor Pedreira de Freitas, três sete dois. Apartamento de setenta e dois, torre Londres.” Como se vê, as diversas alterações no contrato social da SANAGIOTTO HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA. objetivaram, à toda evidência, a ocultação/dissimulação do aludido bem imóvel ilicitamente adquirido. Comprovada, portanto, a lavagem de dinheiro levada a efeito por ANDRÉ ROBERTO DA SILVA a partir do referido imóvel (matrícula n.º 93.606 do 1º CRI de São Paulo/SP) em nome de terceiro, cuja origem do dinheiro espúrio advém da traficância. Em relação ao imóvel de matrícula n.º 201.254 do 9º CRI de São Paulo/SP, localizado na Rua Professor Pedreira de Freitas, n.º 372, apartamento n.º 72, Tatuapé São Paulo/SP, tem-se que igualmente trata-se de bem pertencente de fato ao referido réu. Aludido imóvel está registrado em nome da SANAGIOTTO HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA. para integralizar seu capital social, empresa que como visto, também fora utilizada para dissimular a propriedade do imóvel de matrícula n.º 93.606 do 1º CRI de São Paulo/SP. Como mencionado anteriormente ANDRÉ ROBERTO DA SILVA afirmou perante a autoridade policial ser o efetivo proprietário do bem de imóvel n.º 201.254, bem como sua esposa Raquel sustentou que não é proprietária de nenhuma pessoa jurídica, já tendo sido proprietária da SANAGIOTTO HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA. mas que não conhece sobre o assunto “porque é assunto do André”. Não sabe do que se trata a empresa, desconhecendo sobre as transações realizadas (ID 279919980). Comprovada, portanto, a lavagem de dinheiro levada a efeito por ANDRÉ ROBERTO DA SILVA a partir do referido imóvel (matrícula n.º 201.254 do 9º CRI de São Paulo/SP) em nome de terceiro (SANAGIOTTO HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA.), cuja origem do dinheiro espúrio advém da traficância. Em relação ao imóvel do edifício Saint Pietro, apartamento n.º 302, adquirido por Raquel Aparecida Sanagiotto pelo valor de R$ 830.000,00, tem-se que igualmente trata-se de bem adquirido com os proventos da traficância e pertencente de fato ao increpado. Note-se que ouvida perante a autoridade policial, Raquel apesar de afirmar que antes de conhecer seu esposo ANDRÉ (em 2019), teve uma loja física de roupas durante cerca de dois ou três anos em Santa Catarina/SC e que na época da temporada auferia renda de aproximadamente sessenta a setenta mil reais, sustentou que fechou o estabelecimento e que desde então, por se tratar de estilista e ter estudado design de moda, começou a fabricar algumas roupas e vender pela internet. Aduz que ainda está desenvolvendo as peças e que ganha cerca de 3 a 4 mil reais mensais. Argumentou que foi proprietária da SANAGIOTTO HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA. mas que “não conhece do assunto, porque é assunto do André”; “não sabe do que se trata a empresa” e que “não sabe dizer o porquê André não colocou a holding no nome dele” (ID 279919980). Ora, não se torna crível a versão apresentada por Raquel que uma empresa que revendia roupas compradas no Brás e que durou apenas dois ou três anos faturasse na época de temporada cerca de sessenta ou setenta mil reais ao mês. Ainda que assim o fosse, a época de temporada é exígua e pelo tempo que perdurou o comércio não justificaria a aquisição dos bens em seu nome. Fica evidenciado, nessa toada, pelo depoimento supramencionado, que Raquel figurava como interposta pessoa na consecução dos negócios espúrios de ANDRÉ, com o objetivo de dissimular/ocultar um patrimônio que efetivamente era dele. Comprovada, portanto, a lavagem de dinheiro levada a efeito por ANDRÉ ROBERTO DA SILVA a partir do referido imóvel (imóvel do edifício Saint Pietro, apartamento n.º 302) em nome de terceiro (Raquel Aparecida Sanagiotto), cuja origem do dinheiro espúrio advém do tráfico de drogas. Pelos mesmos fundamentos supramencionados, resta comprovada a lavagem de valores no que diz respeito ao veículo Porshe Macan, 2015/2015, placas FVN 3B33, avaliado em R$ 294.000,00, licenciado em nome da pessoa jurídica Raquel Aparecida Sanagiotto-ME., bem como do veículo Porche Macan, placas EJR 0A86, 2015/2015, avaliado em R$ 540.000,00, registrado em nome da esposa do réu Raquel Aparecida Sanagiotto. Raquel sustentou perante a autoridade policial que não é sócia de nenhuma pessoa jurídica. Que já fora proprietária da SANAGIOTTO HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA. mas que “não conhece do assunto, porque é assunto do André”. Para além disso, afirmou que tinha um Porshe Macan em seu nome, mas que fora presente do marido. Comprovada, portanto, a lavagem de dinheiro levada a efeito por ANDRÉ ROBERTO DA SILVA a partir do veículo Porshe Macan, 2015/2015, placas FVN 3B33 (em nome de terceiro - Raquel Aparecida Sanagiotto -ME), bem como do veículo Porche Macan, placas EJR 0A86, 2015/2015, registrado em nome da esposa do réu Raquel Aparecida Sanagiotto, cuja origem do dinheiro espúrio advém do tráfico de drogas. Já no que concerne ao veículo Volvo apreendido na residência do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA (Volvo XC60 T5, ano 2019/2020, placas GCS 2C58), registrado em nome do corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, a sentença não apresenta fundamentação suficiente a amparar uma condenação. O decisum a quo limitou-se a descrever que “consta dos autos, ainda, que na busca e apreensão na residência do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA foi apreendido veículo Volvo XC60 T5, ano 2019/2020, de placas GCS2C58, registrado em nome do corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS (Id 239808963, pp. 198/199, Id 239816849, pp. 05/06, Id 239809872, p. 28, Id 239809876, pp. 01/05, Id 239809876, pp. 10/41).” Desta feita, o réu deve ser abolvido de tal imputação (lavagem de dinheiro relacionada ao veículo Volvo XC60 T5, ano 2019/2020, placas GCS 2C58), nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação). Também não se vislumbra a ocorrência da lavagem de dinheiro no que diz respeito ao “o instrumento contratual de mútuo firmado entre o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS e o investigado Vicente Ribeiro da Costa Barone (atualmente foragido da Justiça), no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), indicando que os dois primeiros emprestariam essa quantia ao último. Também foi apreendido o aditivo contratual desse mútuo, indicando que foi utilizada a empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. para receber a quantia de R$ 230.520,00 (duzentos e trinta mil, quinhentos e vinte reais), convertida em € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros), por meio de conta bancária localizada em Portugal. – Id 239808963, pp. 194/195 e Id 239809872, p. 28, Id 239809876, pp. 01/05, Id 239809876, pp. 10/41”, por não se vislumbrar nessa transação qualquer ato de dissimulação ou ocultação, especialmente ante ao fato de a empresa C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. pertencer aos corréus ANDRÉ ROBERTO DA SILVA e FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS. Portanto, não prospera a imputação da lavagem de dinheiro consubstanciada na transação por meio da utilização de pessoa jurídica da qual o réu figurava como sócio (C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA.), devendo ser absolvido, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal). FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS Como visto, FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS fora absolvido pela prática do crime de tráfico de drogas e de associação criminosa, tendo sido condenado pela lavagem de dinheiro por meio de movimentações financeiras e aquisição de bens de alto valor. A defesa de FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS interpôs recurso de Apelação (ID’s 279920846 e 279920873), alegando que de fato há “altas movimentações nas contas bancárias do acusado, todavia oriundas de atividades lícitas e não ligadas a qualquer crime investigado nestes autos”, todas atreladas ao comércio de carros de luxo. Pontua que o réu estava afastado das atividades empresariais “tendo em vista que iria se retirar da sociedade” e que neste período “a empresa era administrada exclusivamente por seu sócio (André), sendo que o Apelante realizava operações solicitadas pelo sócio, pois este gozava de sua total confiança”. Sustenta que não tinha conhecimento de qualquer atividade ilícita dos envolvidos e que sempre agiu de boa-fé, motivo pelo qual deve ser absolvido já que não caracterizado o dolo. Da imputação da lavagem de dinheiro consubstanciada na movimentação financeira de quantias milionárias pelo réu por meio de conta de pessoa jurídica da qual era titular, bem como por meio de suas próprias contas bancárias, além da aquisição de bem de luxo De acordo com o Relatório Final das investigações (ID 279920055 – fl. 250), foi possível aferir que a empresa CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA., da qual FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS figurava como sócio (juntamente com ANDRÉ ROBERTO DA SILVA), trata-se de pessoa jurídica que participou formalmente da exportação de milho realizada através do navio UNISPIRIT, especificamente na condição de exportadora dos grãos, bem ainda que, no ano em que levado a efeito o tráfico de drogas (2020), movimentou milhões por meio de referida pessoa jurídica. Cumpre ainda pontuar que tanto afirmaram ter conhecido FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS em São Paulo em uma reunião de negócios e que o réu se apresentou como sendo sócio da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA., circunstância que elide qualquer afirmação no sentido de que FRANCISCO seria mero “laranja” na consecução dos negócios levados a efeito pela empresa, bem como qualquer argumento defensivo de que realizaria as operações empresariais a pedido do sócio ANDRÉ, já que iria se retirar da sociedade. Vale notar, ademais, que FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, consoante análise fiscal e bancária constante no feito auferia sua renda por meio de fontes escusas, tendo deixado de apresentar toda sua movimentação financeira ao Fisco. Em contraste a tal fato, suas operações bancárias no período investigado apresentaram movimentações expressivas, sem qualquer razão lícita aparente. Como bem pontuado na sentença (ID 279920818): “Conforme relata a autoridade policial, o cruzamento das informações prestadas pela Receita Federal com os dados bancários emitidos pelas instituições financeiras indica que o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS movimentou R$ 11.383.243,60 (onze milhões, trezentos e oitenta e três mil, duzentos e quarenta e três reais e sessenta centavos) de 2016 a 2021, sendo 80% desse volume movimentado nos anos de 2020 e 2021. Somente no ano de 2020, a movimentação bancária do corréu atingiu cerca de R$ 4 milhões. O relatório da Receita Federal do Brasil referente ao corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS encontra-se a Id 238866321, pp. 90/93 dos autos n. 5005529-39.2021.403.6181. No referido relatório, a Receita Federal do Brasil apresentou as seguintes observações: “Contribuinte apresentou declaração de imposto de renda apenas para o ano-calendário 2020, apesar de ter efetuado dispêndios que indicam omissão de receitas, conforme quadro acima. Além disso, em 2020, apresentou expressiva movimentação financeira, em valores equivalentes a 73 vezes os rendimentos declarados” (autos n. 5005529-39.2021.403.6181, Id 238866321, pp. 90/93). Na referida declaração de imposto de renda apresentada para o ano-calendário 2020, o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS declarou no campo de rendimentos tributáveis a quantia de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), ao passo que sua movimentação financeira foi consideravelmente superior no mesmo período (autos n. 5005529-39.2021.403.6181, Id 238866321, p. 93).” Para além disso, consta do Relatório Final Policial (ID 279920055 – fl. 252) que não obstante o patrimônio considerável acumulado, de 2011 a 2017 o réu exerceu atividades laborais de baixa remuneração, tendo trabalhado como motorista de 29.08.2011 a 09.09.2016, recebendo ao mês R$ 1.376,10 (mil trezentos e setenta e seis reais e dez centavos), bem como trabalhou em outra empresa de 29.08.2016 a 12.10.2017, na mesma função, auferindo mensalmente R$ 1.977,73 (mil novecentos e setenta e sete reais e setenta e três centavos). Também vale mencionar que consoante pontuado na sentença (ID 279920833): “(...) Conforme a informação policial n. 119/2021, constatou-se ainda que uma das pessoas jurídicas das quais o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS figura como sócio, a Brasil Holding Consultoria e Comércio Ltda., seria sediada em endereço incompatível com sua atividade, eis que se trata de residência de alvenaria na qual reside pessoa que aparentemente não possui relação com o corréu (Id 239808963, pp. 251/252 e Id 239808306, pp. 08). Ademais, conforme a informação policial n. 018/2021, constatou-se que o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS é possuidor de imóvel em nome de terceiros, bem como verificou-se que sua esposa possui uma empresa denominada Himalaia Ice Indústria de Comércio e Gelo, cujo endereço da sede corresponde a um barracão aparentemente em desuso. A abertura da referida empresa foi realizada por um dos contadores investigados de participação na associação criminosa, cuja função seria a abertura de empresas de fachada (Id 239807638, pp. 17/25). (...)” Pelas características das operações realizadas por FRANCISCO, tem-se que elas foram levadas a efeito objetivando ocultar/dissimular bens oriundos da traficância perpetrado por outrem, especialmente porque consoante provas colacionadas ao feito não havia atividade lícita apta a lastrear a movimentação de valores levadas a efeito pelo referido corréu. O increpado mantinha estreito relacionamento com João Carlos Camisa Nova Júnior e com o réu ANDRÉ (do qual era sócio), os quais como visto foram condenados pela prática de tráfico de drogas e associação criminosa. Como explicado na sentença (ID 279920833): “(...) Ademais, o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS possuía contato constante com João Carlos Camisa Nova Júnior e com o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, conforme se verifica das fotografias encontradas no afastamento de dados telemáticos de João Carlos Camisa Nova Júnior, nas transações financeiras realizadas entre eles, bem como no perfil de aplicativo Whatsapp no qual o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS consta como contato de João Carlos Camisa Nova Júnior. Observe-se que na fotografia utilizada por FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS no referido perfil consta que o corréu estava em uma viatura da Receita Federal. O perfil é identificado como “Chicão Receita” (Id 239808963, pp. 253/255 e Id 239808968, pp. 01/02; e autos n. 5005529-39.2021.403.6181, Id 64507695, pp. 38/39; e relatório de análise de dados telemáticos 01/2021, autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641137, p. 52). Observe-se ainda que na medida de afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior constatou-se que o perfil “Chicão Receita” enviou um comprovante bancário datado de 05/08/2020, referente a uma transferência realizada entre a C1P Consultoria e Representações Ltda. e a fornecedora de milho Terra Viva Comércio de Grãos, no valor de R$ 248.500,00 (duzentos e quarenta e oito mil e quinhentos reais) (relatório de análise de dados telemáticos 01/2021, autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641137, pp. 63/65). (...) Enfim, consta da medida de afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior um áudio no qual o corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA comenta com João Carlos Camisa Nova Júnior sobre a divisão de lucros em determinada oportunidade, tendo expressamente mencionado o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS (apelido: “Chicão”) como um dos beneficiários da divisão: “...oh irmão, aí a gente só... sobe na piscininha e já resolve já. Tranquilo tá? Esqueci minha anotação lá em casa lá e a outra tá na Amarok. Mas é aquilo lá, bele? 25% da descida... é 8% do doleiro... é... as peças e os dois milhões de dólares que você já investiu em Roraima, entendeu? O que sobrar... vai sobrar praticamente quatro milhões. Divide em cinco: eu, você, Chicão, Ted e Exu Tiriri” (Id 239808968, p. 14 e relatório de análise de dados telemáticos 01/2021, autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641137, pp. 54 e 63). (…)” Deve ser mantida a condenação por lavagem de dinheiro no que diz respeito às seguintes transações levadas a efeito por FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, conforme consignado na sentença: "(...) A autoridade policial acrescenta que o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS transacionou com outras empresas utilizadas por João Carlos Camisa Nova Júnior para a lavagem de valores, tais como a JRCN Taxi Aereo Ltda. (R$ 250 mil), a RCN Regulamentação e Soluções Imobiliárias Ltda. (R$ 50.750,00) e a JRCN Assessoria C e Ltda. (R$ 11.608,55), bem como com o próprio João Carlos Camisa Nova Júnior (R$ 67.662,15) (Id 239808968, p. 07).” De acordo com o Relatório Final das investigações, foi possível aquilatar que João Carlos Camisa Nova Júnior figurava como sócio das empresas JRCN ASSESSORIA E CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA., JRCN TÁXI AÉREO LTDA., RCN REGULAMENTAÇÃO E SOLUÇÕES IMOBILIÁRIAS LTDA. e que no ano em que levado a efeito o tráfico de drogas (2020), bem como o delito previsto no artigo 35 da Lei de Drogas, movimentou milhões por meio de referidas pessoas jurídicas. Ainda de acordo com o Relatório Policial: “A pessoa jurídica JRCN ASSESSORIA E CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA movimentou mais de R$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais), em 2020/2021, sendo mais de R$ 23.000.000,00 (vinte e três milhões de reais) somente em 2020, ano no qual ocorreu a exportação de cocaína investigada. Em que pese toda essa movimentação, a pessoa jurídica não declarou qualquer renda à Receita Federal, não emitiu notas fiscais no período e não empregou formalmente qualquer pessoa. (...) A pessoa jurídica JRCN TÁXI AÉREO LTDA. movimentou mais de R$11.421.761,48 (onze milhões, quatrocentos e vinte e um mil, setecentos e sessenta e um reais e quarenta e oito centavos), em 2020/2021, sendo mais de R$ 9.000,00 (nove milhões de reais) somente em 2020, ano no qual ocorreu a exportação de cocaína investigada. Em que pese toda essa movimentação, a pessoa jurídica não declarou qualquer renda à Receita Federal, não emitiu notas fiscais no período e não empregou formalmente qualquer pessoa. (...) A pessoa jurídica RCN REGULAMENTAÇÃO E SOLUÇÕES IMOBILIÁRIAS LTDA. movimentou mais de R$ 13.491.393,53 (treze milhões, quatrocentos e noventa e um mil, trezentos e noventa e três reais e cinquenta e três centavos), em 2020/2021, sendo mais de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais) somente em 2020, ano no qual ocorreu a exportação de cocaína investigada. Em que pese toda essa movimentação, a pessoa jurídica não declarou qualquer renda à Receita Federal, não emitiu notas fiscais no período e não empregou formalmente qualquer pessoa.” Os elementos constantes nos autos devidamente consolidados no Relatório Final Policial diante do cruzamento de dados bancários e fiscal, bem como dos elementos obtidos por meio da quebra telemática, notadamente as imagens armazenadas na conta jrcamisanova@icloud, comprovam a realização de diversas operações financeiras levadas a efeito por FRANCISCO juntamente com pessoas jurídicas titularizadas por João Carlos Camisa Nova Júnior, tudo com o objetivo de ocultar a origem e a propriedade do dinheiro amealhado com ação criminosa do tráfico de drogas. Portanto, os valores que eram movimentados juntamente com empresas de fachada se originaram do lucro da traficância, de modo que a realização de sucessivas operações bancárias nada mais era do que um mecanismo de afastar o dinheiro de sua origem criminosa. Em suma, o objetivo era o de tirar a visibilidade do dinheiro espúrio para que este transparecesse lícito, tornando-o difícil de ser rastreado pelas autoridades competentes. Para tanto, eram realizadas diversas operações em instituições financeiras. Fica mantida, portanto, a lavagem de dinheiro por meio da movimentação financeira levada a efeito por FRANCISCO junto as empresas de fachada JRCN Taxi Aereo Ltda. (R$ 250 mil), a RCN Regulamentação e Soluções Imobiliárias Ltda. (R$ 50.750,00) e a JRCN Assessoria C e Ltda. (R$ 11.608,55), bem como com o próprio João Carlos Camisa Nova Júnior (R$ 67.662,15). Também deve ser mantida a condenação pela lavagem de dinheiro em relação ao cheque no valor de R$ 250.000,00 emitido pela pessoa jurídica RCN REGULAMENTAÇÃO E SOLUÇÕES IMOBILIÁRIAS LTDA. (empresa de fachada titularizada por João Carlos Camisa Nova Júnior) encontrado em endereço de FRANCISCO quando da realização da busca e apreensão (ID 279920060 – fl. 30), pelos mesmos fundamentos supramencionados, bem ainda do veículo BMW, ano 2021, placas BRZ 0J95, licenciado em nome da empresa de fachada pertencente ao increpado, a Brasil Holding Consultoria e Comércio Ltda.( ID 279920055 – fls. 251/252), no valor de aproximadamente R$ 105.000,00 considerados pela sentença. A sentença (ID 279920825 – fl. 600) chegou ao valor aproximado da lavagem da BMW (R$ 105.000,00) porquanto em razão da restituição do veículo à Financeira, considerou a somatória do valor efetivamente já pago e o que fora financiado (R$ 10.413,00 + R$ 180.000,00): “Com relação ao veículo BMW/320i, ano 2021, de placas BRZ0J95, foi objeto de pedido de restituição por BMW Financeira S.A., eis que o veículo é objeto de alienação fiduciária em garantia de contrato de financiamento formalizado entre BMW Financeira S.A. e a Brasil Holding Consultoria e Comércio Ltda., representada pelo corréu, no valor de R$ 179.148,07 (autos n. 5010061-22.2022.403.6181, Id 270714785). A instituição financeira comprovou a propriedade do veículo e informou que ao tempo da medida de busca e apreensão, o corréu já havia desembolsado R$ 10.413,00 (dez mil quatrocentos e treze reais). Assim, o pedido de restituição foi julgado procedente, mediante o depósito em juízo da quantia de R$ 10.413,00 (autos n. 5010061-22.2022.403.6181, Id 274696470). Em sede de alegações finais, a defesa alega que o fato de o veículo ter sido objeto de financiamento demonstraria que o corréu não teria obtido vantagem ilícita e não ostentaria vida luxuosa (Id 285113050). Contudo, verifica-se que ao tempo do financiamento, o veículo financiado era novo e de luxo, sendo certo que as parcelas no valor de R$ 5.206,50 são por si só superiores à renda declarada do corréu (autos n. 5010061-22.2022.403.6181, Id 270714785). Observe-se que a celebração do financiamento é uma forma de dissimular a origem ilícita dos valores utilizados no pagamento das parcelas e configura lavagem de valores. Note-se ainda que o contrato informa que o valor do veículo, ao tempo do financiamento, é de R$ 274.950,00 (duzentos e setenta e quatro mil, novecentos e cinquenta reais). Tendo em vista que somente R$ 180 mil foram objeto do financiamento, verifica-se que o corréu deu cerca de R$ 94.950,00 de entrada para o vendedor do veículo (autos n. 5010061-22.2022.403.6181, Id 270714785, p. 01).” Por sua vez, a defesa de FRANCISCO sustenta que não tinha conhecimento de qualquer atividade ilícita dos envolvidos e que sempre agiu de boa-fé, motivo pelo qual deve ser absolvido já que não caracterizado o dolo. Destaque-se que, nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que o corréu FRANCISCO agiu, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiu o risco de produzir resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraír-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisar lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. A propósito, confira-se: (...). Firmada a materialidade do crime de lavagem, resta analisar o elemento subjetivo. Questão que se coloca é a da efetiva ciência dos beneficiários quanto à procedência criminosa dos valores recebidos e à possibilidade do dolo eventual. O dolo eventual na lavagem significa, apenas, que o agente da lavagem, embora sem a certeza da origem criminosa dos bens, valores ou direitos envolvidos quando pratica os atos de ocultação e dissimulação, tem ciência da elevada probabilidade dessa procedência criminosa. Não se confundem o autor do crime antecedente e o autor do crime de lavagem, especialmente nos casos de terceirização da lavagem. O profissional da lavagem, contratado para realizá-la, pelo autor do crime antecedente, adota, em geral, uma postura indiferente quanto à procedência criminosa dos bens envolvidos e, não raramente, recusa-se a aprofundar o conhecimento a respeito. Doutro lado, o autor do crime antecedente quer apenas o serviço realizado e não tem motivos para revelar os seus segredos, inclusive a procedência criminosa específica dos bens envolvidos, ao lavador profissional. A regra no mercado profissional da lavagem é o silêncio. Assim, parece-me que não admitir a realização do crime de lavagem com dolo eventual significa na prática excluir a possibilidade de punição das formas mais graves de lavagem, em especial a terceirização profissional da lavagem. O caso presente ilustra essa hipótese, pois houve, no caso do PP e do PL, a contratação de empresas financeiras que lavaram o numerário repassado pelas contas das empresas de Marcos Valério de uma forma bastante sofisticada. Ainda que tivessem ciência da elevada probabilidade da procedência criminosa dos valores lavados, é difícil, do ponto de vista probatório, afirmar a certeza dos dirigentes dessas empresas quanto à origem criminosa dos recursos. Sem admitir o dolo eventual, revela-se improvável, em regra, a condenação dos lavadores profissionais. O tipo do caput do art. 1º da Lei 9.613/1998, de outra parte, comporta o dolo eventual pois, em sua literalidade, não exige elemento subjetivo especial, como o conhecimento específico da procedência criminosa dos valores objeto da lavagem. Essa interpretação encontra apoio expresso no item 40 da Exposição de Motivos n.º 692/1996: ‘Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1º, §1º, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou dissimulação da utilização de bens, direito ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo’. A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal específico. O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine). Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa. Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito. Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo eventual, também presente no Direito brasileiro. Na hipótese sub judice, há elementos probatórios suficientes para concluir por agir doloso - se não com dolo direto, pelo menos com dolo eventual (...) – grifo nosso. (STF, Plenário, AP n.° 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg. em 17.12.2012, Public. em 22.04.2013, páginas 1.271/1.273 do Acórdão) Também o C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento relacionado à prática do delito de lavagem de dinheiro, já asseverou que a denominada teoria da cegueira deliberada, criação doutrinária e jurisprudencial, preconiza que é possível a condenação pelo crime de lavagem de capitais, ainda que ausente o dolo direto, sendo admitida a punição a título de dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos, a saber, que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento da intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer, quando teria plenas condições de investigar a proveniência ilícita dos bens (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp n.° 1.793.377/PR – 2019/0020620-1, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Julg em 15.03.2022, DJe de 31.03.2022). Em suma, ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo de FRANCISCO, o qual, transacionou com empresas de fachada, bem como adquiriu bem de alto valor para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de tráfico de drogas e associação criminosa. Comprovada, portanto, a lavagem de dinheiro levada a efeito por FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS a partir das movimentações financeiras levadas a efeito com as empresas de fachada JRCN TAXI AÉREO LTDA. (R$ 250.000,00), RCN REGULAMENTAÇÃO E SOLUÇÕES IMOBILIÁRIAS LTDA. (R$ 50.750,00 e R$ 250.000,00), JRCN ASSESSORIA E CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. (R$ 11.608,55), bem como com João Carlos Camisa Nova Júnior (R$ 67.662,15), além da lavagem por meio da aquisição do veículo BMW de placas BRZ 0J95, licenciado em nome da empresa de fachada BRASIL HOLDING CONSULTORIA E COMÉRCIO LTDA., no valor de aproximadamente R$ 105.000,00 considerados pela sentença, cuja origem do dinheiro espúrio advém do tráfico de drogas e da associação para o tráfico. No entanto, não há que se falar na ocorrência da lavagem de dinheiro por intermédio da empresa CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA., tal como constou na sentença, no que diz respeito: a) à transação em que ela figurou para o recebimento de setecentos e vinte mil euros em 15.09.2020, depositados pela empresa Hachemuda Morelo S.L (pessoa jurídica que figurou formalmente como importadora da carga de milho utilizada na camuflagem da cocaína); b) nas transações em que ela foi utilizada para o pagamento de parte da carga do milho, no valor de R$ 749.130,00 (tendo como destinatárias as empresas Terra Viva Comércio de Grãos e Agro Irmãos de Campos Novos Paulista). Tais fatos não descrevem a ocultação ou a dissimulação característicos da lavagem, mas sim o exaurimento do crime de traficância levado a efeito pelo corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA e por João Carlos Camisa Nova Júnior, consoante tratado em tópico precedente, não bastando, portanto, para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Portanto, não prospera a imputação da lavagem de dinheiro consubstanciada na movimentação financeira de valores em conta da pessoa jurídica da qual o réu figurava como sócio (C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA.), no que diz respeito às seguintes transações: a) em que a referida empresa figurou para o recebimento de setecentos e vinte mil euros em 15.09.2020, depositados pela empresa Hachemuda Morelo S.L (pessoa jurídica que figurou formalmente como importadora da carga de milho utilizada na camuflagem da cocaína); b) nas transações em que a mencionada empresa foi utilizada para o pagamento de parte da carga do milho, no valor de R$ 749.130,00 (tendo como destinatárias as empresas Terra Viva Comércio de Grãos e Agro Irmãos de Campos Novos Paulista), devendo o réu ser absolvido, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal). Já no que concerne à imputação de lavagem de dinheiro ante ao fato de: a) as contas da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. terem sido “utilizadas para receber depósitos em dinheiro, sem identificação do depositante, nos meses de agosto e setembro de 2020, no valor total de R$ 495.910,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil, novecentos e dez reais), conforme os comprovantes identificados e apresentados pela autoridade policial (relatório do IPL, Id 239808963, p. 98); b) as contas da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. teriam sido utilizadas “para dissimular a origem, propriedade e natureza dos valores oriundos do tráfico de drogas. No período de 15/09/2020 a 01/10/2020, foram depositados € 848.412,35 (oitocentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e doze euros e trinta e cinco centavos de euro) em sua conta bancária em Portugal, os quais, convertidos em moeda nacional, totalizariam aproximadamente R$ 5.400.000,00 (cinco milhões e quatrocentos mil reais) segundo o câmbio da época dos fatos (relatório do IPL, Id 239808963, pp. 95/96; relatório de análise telemática n. 01/21 – autos n. 5000789-38.2021.403.6181, Id 64641110, pp. 72/74)”, verifica-se que a sentença não apresenta fundamentação suficiente a amparar uma condenação, tendo se limitado a descrição de fatos sem esmiuçar a forma pela qual teria ocorrido a ocultação ou dissimulação inerente à lavagem. Desta feita, o réu deve ser absolvido de tais imputações (recebimento de depósitos em dinheiro, por meio da conta da empresa CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA., sem identificação do depositante, nos meses de agosto e setembro de 2020, no valor total de R$ 495.910,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil, novecentos e dez reais); transacionar € 848.412,35 (oitocentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e doze euros e trinta e cinco centavos de euro), os quais, convertidos em moeda nacional, totalizariam aproximadamente R$ 5.400.000,00 (cinco milhões e quatrocentos mil reais), nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação). Também no que concerne à condenação por lavagem de dinheiro ante ao fato de: a) FRANCISCO ter transacionado “cerca de R$ 656.540,35 (seiscentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e quarenta reais e trinta e cinco centavos) com a C1P Consultoria e Representações Ltda., dos quais a maior parte foram transacionados no mês de setembro de 2020, pouco antes da apreensão de cocaína no navio UNISPIRIT; b) FRANCISCO ter transferido, em 18.09.2020, de sua conta bancária para a C1P Consultoria e Representações Ltda. a quantia de R$ 278.000,00 (duzentos e setenta e oito mil reais)”; c) “imóvel onde reside o corréu é de alto padrão, possuindo duas suítes, um quarto e ambiente com piscina no terceiro andar. As fotografias apresentadas indicam que o imóvel é efetivamente de alto padrão”, verifica-se que a sentença não apresenta fundamentação suficiente a amparar uma condenação, tendo se limitado a descrição de fatos sem esmiuçar a forma pela qual teria ocorrido a ocultação ou dissimulação inerente à lavagem. Assim, o réu deve ser absolvido de tais imputações, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação). DOSIMETRIA DA PENA O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição. DO TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS ANDRÉ ROBERTO DA SILVA PENA-BASE Na primeira fase da dosimetria houve a avaliação negativa de três circunstâncias judiciais. Uma relacionada à quantidade e natureza da droga (artigo 42 da Lei n.º 11.343/2006) e duas dispostas no artigo 59 do Código Penal (culpabilidade e circunstâncias do crime), razão pela qual a pena-base privativa de liberdade foi dobrada, estabelecendo-a em 10 (dez) anos de reclusão. Ponderou-se na sentença que: “a) Quantidade e natureza da droga (art. 42 da Lei n. 11.343/2006). (...) A autoridade policial apreendeu cerca de 2.724 Kg (dois mil setecentos e vinte e quatro quilogramas) de cocaína no navio UNISPIRIT (cerca de 1.500 Kg no Brasil e o restante na Espanha). Assim sendo, está demonstrado que o réu efetuou o transporte de toneladas de cocaína, imensa quantidade de droga de grave impacto na saúde e no equilíbrio social, cujo uso abusivo pode levar à morte súbita por overdose. Referida quantidade é muito superior ao que ordinariamente se verifica no crime de tráfico de drogas, o que justifica o agravamento da pena. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser substancialmente aumentada em razão da quantidade e natureza da droga. Justifica-se a adoção de um peso maior do que o normal em razão da extrema gravidade dos fatos. Tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 33 da Lei n. 11.343/2006 (de cinco a quinze anos de reclusão), aumento a pena em dois anos em razão dessa circunstância. b) Culpabilidade. A culpabilidade, analisada como circunstância judicial do art. 59, constitui um parâmetro de individualização da pena relacionado ao grau de reprovação da conduta. No caso concreto, a conduta de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é imensamente reprovável, justificando a punição mais gravosa. Conforme se depreende das provas colacionadas nos autos, ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é pessoa relevante em seu núcleo organização criminosa e atuou de forma decisiva, trabalhando em conjunto com João Carlos Camisa Nova Júnior para efetuar o tráfico de drogas em todas as etapas da operação logística de exportação. ANDRÉ ROBERTO DA SILVA fundou a empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. com o objetivo de dissimular a atividade de tráfico de drogas. Na fachada, tratava-se de operações de exportação de produtos de economia primária. A exportação de tais produtos era efetivamente realizada. Porém o objetivo final era esconder droga na carga de produtos lícitos, possibilitando assim a exportação de toneladas de droga ao exterior. Também foi o responsável por parte dos pagamentos necessários para a compra de milho e pelo carregamento da droga nos caminhões e demais necessidades logísticas do transporte da droga, inclusive tendo providenciado o aparelho necessário para a mescla da droga na carga de milho (o “chupim” - transportador helicoidal de grãos). Assim sendo, verifica-se ANDRÉ ROBERTO DA SILVA possui grande responsabilidade pela prática criminosa apurada nestes autos, o que repercute em maior reprovação de sua conduta. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser substancialmente aumentada em razão da culpabilidade. Justifica-se a adoção de um peso maior do que o normal em razão da extrema gravidade dos fatos. Tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 33 da Lei n. 11.343/2006 (de cinco a quinze anos de reclusão), aumento a pena em dois anos em razão dessa circunstância. (...) g) Circunstâncias do crime. Circunstância desfavorável. As circunstâncias do crime são mais graves do que o considerado inerente ao tipo penal. No caso concreto, o tráfico de drogas foi realizado por meio de transporte terrestre e naval. Várias pessoas foram envolvidas na atividade criminosa, com divisão de tarefas e funções. Diversas empresas foram utilizadas para viabilizar o tráfico de drogas. Diversas pessoas participaram dessa atividade. A atividade clandestina exigiu o emprego de elevados recursos, bem como houve promoção de atividade lícita de exportação para dissimular a remessa de droga ao exterior. Enfim, o réu utilizou sua pessoa jurídica de fachada para a movimentação de valores e realização de pagamentos, criando assim uma aparência de legitimidade na atividade de exportação. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser aumentada em razão das circunstâncias do crime. Trata-se de um fator objetivo que tem menos peso do que a culpabilidade ou a quantidade de droga. Assim sendo, tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 33 da Lei n. 11.343/2006 (de cinco a quinze anos de reclusão), aumento a pena em um ano em razão dessa circunstância. (...)” A defesa, em suas razões de Apelação, postula a redução da pena-base. Pois bem. No que concerne à natureza e quantidade da droga, tem-se que o aumento levado a efeito pelo magistrado foi bem inferior ao usual utilizado por esta 11ª Turma em crimes de tal jaez, na medida em que se fosse utilizada a fração de 7/5 a pena seria readequada para 12 (doze) anos de reclusão. Nesse sentido, sob pena de reformatio in pejus fica mantida a majoração levada a efeito pelo magistrado. Por outro lado, a pluralidade de ações do réu (ele foi responsável por toda a operação consubstanciada na exportação da droga, juntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior, desde o pagamento da carga de milho utilizado para a ocultação da droga, o transporte da mercadoria até o porto, além do carregamento na embarcação), evidencia maior culpabilidade do agente, justificando, assim, o aumento da pena-base do delito de tráfico também em razão da valoração negativa da culpabilidade. Essa atuação ativa demonstra claramente que ANDRÉ tinha pleno conhecimento sobre a operação criminosa de exportação da cocaína, o que reforça a culpabilidade e responsabilidade direta na prática do delito de tráfico de drogas. Mantida, pois, a valoração negativa desse vetor. No que tange às circunstâncias do delito constata-se a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi na hipótese dos autos e que desbordam do próprio tipo penal, como a utilização tanto da via terrestre quanto de embarcação marítima para a consecução do crime. Mantida, pois, a valoração negativa deste vetor. Acerca do quantum de aumento vale destacar que é permitido ao julgador mensurar com discricionariedade desde que observado o princípio do livre convencimento motivado, o que ocorreu in casu. Nesse sentido: (STJ - AgRg no AREsp: 1735236 CE 2020/0187089-9, Relator.: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 09/03/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/03/2021). Igualmente: PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA DOMICILIAR. JUSTA CAUSA OBSERVADA. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 4. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. (AgRg no REsp 143.071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). Isso significa que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor. (...) 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.595.884/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024) Mantida, portanto, a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão e ao pagamento de 1.000 (mil) dias multa. AGRAVANTES E ATENUANTES Nesta etapa da dosimetria, o juízo a quo não reconheceu a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Fica mantida a pena intermediária estabelecida em 10 (dez) anos de reclusão e ao pagamento de 1.000 (mil) dias multa. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO A defesa requereu a redutora disposta do parágrago 4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006. Postula que seja desconsiderado o disposto no inciso I do artigo 40 da Lei n.º 11.343/2006, uma vez que o núcleo do tipo penal do art. 33 já engloba a transnacionalidade. Requer, ainda, a aplicação do artigo 29, § 1º, do CP, com a redução de 1/3 (um terço) pela participação de menor importância. O r. Juízo a quo considerou inexistir causa de diminuição, entendendo ainda não se aplicar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006, pois o réu integra associação criminosa voltada para o tráfico de drogas. Não deve ser reconhecida a participação de menor importância do réu, porquanto como visto a sua atuação foi relevante para a atividade criminosa. Como já mencionado, ele foi responsável por toda a operação consubstanciada na exportação da droga, juntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior. Foi reconhecida a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, na fração de 1/6 (um sexto), o que deve ser mantido, ante ao fato da transnacionalidade do tráfico de drogas. É de se notar que o crime de tráfico de drogas encontra-se tipificado no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. A despeito disso, quando se trata de circunstâncias que agravam a pena, a legislação prevê de forma expressa hipóteses específicas no artigo 40 da mesma lei, entre as quais se destaca a transnacionalidade do delito. O artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas, estabelece que as penas previstas no artigo 33 serão aumentadas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) quando houver transnacionalidade. Sob este espeque, a transnacionalidade não constitui elemento do tipo penal descrito no artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006, mas sim uma causa de aumento de pena, que incide na terceira fase dosimétrica, conforme os critérios trifásicos do Código Penal (art. 68 do CP). Como bem pontuado na sentença (ID 279920818 – fl. 596): “Em que pese a defesa requerer sua desconsideração, é fato que a transnacionalidade do delito constitui causa de aumento de pena, conforme expressamente previsto na Lei n. 11.343/2006 e reiteradamente confirmado pela jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1862237/PR, 6ª T., Rel. Min. Sebastião Reis júnior, DJe 10/03/2023 e AgRg no REsp 1243663/SP, 6ª T., Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 27/08/2019, entre outros).” Portanto, na terceira fase da dosimetria, a pena para o crime de tráfico de drogas fica estabelecida em 11 (onze) anos, 08 (oito) meses de reclusão e ao pagamento de 1166 dias-multa. DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA TRÁFICO DE DROGAS PENA-BASE Na primeira fase da dosimetria houve a avaliação negativa de três circunstâncias judiciais. Uma relacionada à quantidade e natureza da droga (artigo 42 da Lei n.º 11.343/2006) e duas dispostas no artigo 59 do Código Penal (culpabilidade e circunstâncias do crime), razão pela qual a pena-base privativa de liberdade foi estabelecida em 07 (sete) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 997 dias-multa. Ponderou-se na sentença que (ID 279920818 – fl. 596): “a) Quantidade e natureza da droga (art. 42 da Lei n. 11.343/2006). Consoante o previsto no artigo 42 da Lei n. 11.343/2006, “O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.” A associação criminosa promoveu o tráfico de cocaína no mínimo entre maio e outubro de 2020, efetuando o transporte de imensa quantidade de droga. A autoridade policial apreendeu cerca de 2.724 Kg (dois mil setecentos e vinte e quatro quilogramas) de cocaína no navio UNISPIRIT (cerca de 1.500 Kg no Brasil e o restante na Espanha). Além da droga efetivamente apreendida, há indícios suficientes para concluir que a associação criminosa visava ao transporte contínuo de toneladas de cocaína por mais tempo. Assim sendo está demonstrado que a associação para o tráfico efetuou o transporte de toneladas de cocaína, imensa quantidade de droga de grave impacto na saúde e no equilíbrio social, cujo uso abusivo pode levar à morte súbita por overdose. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser substancialmente aumentada em razão da quantidade e natureza da droga. Justifica-se a adoção de um peso maior do que o normal em razão da extrema gravidade dos fatos. Tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 35 da Lei n. 11.3432006 (de três a dez anos de reclusão), aumento a pena em um ano e oito meses em razão dessa circunstância. b) Culpabilidade. A culpabilidade, analisada como circunstância judicial do art. 59, constitui um parâmetro de individualização da pena relacionado ao grau de reprovação da conduta. No caso concreto, a conduta de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é imensamente reprovável, justificando a punição mais gravosa. Conforme se depreende das provas colacionadas nos autos, ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é pessoa relevante em seu núcleo da organização criminosa e atuou de forma decisiva, trabalhando em conjunto com João Carlos Camisa Nova Júnior para efetuar o tráfico de drogas em todas as etapas da operação logística de exportação. ANDRÉ ROBERTO DA SILVA fundou a empresa C1P Consultoria e Representações Ltda. com o objetivo de dissimular a atividade de tráfico de drogas. Na fachada, tratava-se de operações de exportação de produtos de economia primária. A exportação de tais produtos era efetivamente realizada. Porém o objetivo final era esconder droga na carga de produtos lícitos, possibilitando assim a exportação de toneladas de droga ao exterior. Também foi o responsável por parte dos pagamentos necessários para a compra de milho e pelo carregamento da droga nos caminhões e demais necessidades logísticas do transporte da droga, inclusive tendo providenciado o aparelho necessário para a mescla da droga na carga de milho (o “chupim” - transportador helicoidal de grãos). Observe-se ainda que ANDRÉ ROBERTO DA SILVA era associado a outros traficantes, bem como integrava grupos em aplicativos de mensagens formados por traficantes internacionais. Assim sendo, verifica-se que ANDRÉ ROBERTO DA SILVA possui grande responsabilidade pela prática criminosa apurada nestes autos, o que repercute em maior reprovação de sua conduta. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser substancialmente aumentada em razão da culpabilidade. Justifica-se a adoção de um peso maior do que o normal em razão da extrema gravidade dos fatos. Tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 35 da Lei n. 11.343/2006 (de três a dez anos de reclusão), aumento a pena em um ano e oito meses em razão dessa circunstância. c) Antecedentes. Circunstância neutra. Em que pese responder a outra ação penal, o réu é primário. d) Conduta social. Circunstância neutra. Não há informações sobre a conduta social do réu. e) Personalidade. Circunstância neutra. Não há informações sobre a personalidade do réu. f) Motivos. Circunstância neutra. O motivo é o lucro fácil, o que é inerente ao tipo penal. g) Circunstâncias do crime. Circunstância desfavorável. As circunstâncias do crime são mais graves do que o que é considerado inerente ao tipo penal. No caso concreto, o tráfico de drogas foi realizado por meio de transporte terrestre e naval. Várias pessoas foram envolvidas na atividade criminosa, com divisão de tarefas e funções. Diversas empresas foram utilizadas para viabilizar o tráfico de drogas. Diversas pessoas participaram dessa atividade. A atividade clandestina exigiu o emprego de elevados recursos, bem como houve promoção de atividade lícita de exportação para dissimular a remessa de droga ao exterior. Enfim, a organização criminosa utilizou diversas pessoas jurídicas de fachada para a movimentação de valores e realização de pagamentos, criando assim uma aparência de legitimidade na atividade de exportação. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser aumentada em razão das circunstâncias do crime. Trata-se de um fator objetivo, que tem menos peso do que a culpabilidade ou a quantidade de droga. Assim sendo, tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 35 da Lei n. 11.343/2006 (de três a dez anos de reclusão), aumento a pena em dez meses em razão dessa circunstância. h) Consequências do crime. Circunstância neutra. O crime de associação para o tráfico não apresenta resultado material, bem como a quantidade e a natureza da droga (dimensão objetiva da gravidade em concreto do delito) são analisadas como circunstância própria (item “a” da presente análise). i) Comportamento da vítima. Circunstância neutra. Não houve interferência das vítimas.” A defesa, em suas razões de Apelação, postula a redução da pena-base para o mínimo legal. Pois bem. No que concerne à natureza e quantidade da droga, tem-se que o aumento levado a efeito pelo magistrado foi bem inferior ao usual utilizado por esta 11ª Turma em crimes de tal jaez, na medida em que se fosse utilizada a fração de 7/5 a pena seria readequada para 07 (sete) anos, 02 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão. Nesse sentido, sob pena de reformatio in pejus fica mantida a majoração levada a efeito pelo magistrado. Por outro lado, conforme exposto na sentença a associação para a traficância perdurou no mínimo 06 (seis) meses - entre maio e outubro de 2020, o que imprime relevância na propagação da atividade criminosa. Para além disso, a pluralidade de ações do réu (ele atuou conjuntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior em toda a operação consubstanciada na exportação da droga, atuando desde o pagamento da carga de milho utilizado para a ocultação da droga, o transporte da mercadoria até o porto, além do carregamento na embarcação), igualmente evidencia maior culpabilidade do agente, justificando, assim, o aumento da pena-base do delito de associação para o tráfico também em razão da valoração negativa da culpabilidade. Ademais, como bem destacado pelo r. juízo, a empresa C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. fora utilizada pelo réu com o objetivo de dissimular a atividade de tráfico de drogas sob a pretensa realização de operações de exportação de produtos de economia primária. A exportação de produtos lícitos era efetivamente realizada mediante complexa logística, porém o objetivo final era esconder droga na carga de produtos lícitos, possibilitando assim a exportação de toneladas de droga ao exterior. Mantida, pois, a valoração negativa desse vetor. No que tange às circunstâncias do delito constata-se a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi na hipótese dos autos e que desbordam do próprio tipo penal, como a utilização de diversas pessoas jurídicas de fachada, evidenciando, assim, uma atuação meticulosa e que desborda do usual para crimes de tal jaez. Demais disso, restou evidenciado nos autos que a associação criminosa direcionava suas atividades para a exportação de grande quantidade de cocaína via marítima. Mantida, pois, a valoração negativa deste vetor. Acerca do quantum de aumento vale destacar que é permitido ao julgador mensurar com discricionariedade desde que observado o princípio do livre convencimento motivado, o que ocorreu in casu. Nesse sentido: (STJ - AgRg no AREsp: 1735236 CE 2020/0187089-9, Relator.: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 09/03/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/03/2021). Igualmente: “PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA DOMICILIAR. JUSTA CAUSA OBSERVADA. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 4. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. (AgRg no REsp 143.071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). Isso significa que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor. (...) 6. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no AREsp n. 2.595.884/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024) Mantida, portanto, a pena-base em 07 (sete) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 997 dias multa. AGRAVANTES E ATENUANTES Nesta etapa da dosimetria, o juízo a quo não reconheceu a existência de circunstâncias agravantes e atenuantes. Fica mantida a pena intermediária estabelecida em 07 (sete) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 997 dias multa. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO A defesa requer a aplicação do artigo 29, § 1º, do CP, com a redução de 1/3 (um terço) pela participação de menor importância. O r. Juízo a quo considerou inexistir causa de diminuição, entendendo ainda não se aplicar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006, pois o réu integra associação criminosa voltada para o tráfico de drogas. Não deve ser reconhecida a participação de menor importância do réu, porquanto como visto a sua atuação foi relevante para a atividade criminosa. Como já mencionado, ele foi responsável por toda a operação consubstanciada na exportação da droga, juntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior. Foi reconhecida a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, na fração de 1/6 (um sexto), o que deve ser mantido, ante ao fato da transnacionalidade do tráfico de drogas. Como bem pontuado na sentença (ID 279920818 – fl. 596): “Em que pese a defesa requerer sua desconsideração, é fato que a transnacionalidade do delito constitui causa de aumento de pena, conforme expressamente previsto na Lei n. 11.343/2006 e reiteradamente confirmado pela jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1862237/PR, 6ª T., Rel. Min. Sebastião Reis júnior, DJe 10/03/2023 e AgRg no REsp 1243663/SP, 6ª T., Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 27/08/2019, entre outros).” Portanto, na terceira fase da dosimetria, a pena para o crime de associação para o tráfico de drogas fica mantida em 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão e ao pagamento de 1.082 dias-multa. DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO PENA-BASE Na primeira fase da dosimetria houve a avaliação negativa de duas circunstâncias judiciais (culpabilidade e consequências do crime), razão pela qual a pena-base privativa de liberdade foi estabelecida em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e ao pagamento de 93 (noventa e três) dias multa. Ponderou-se na sentença que (ID 279920818 – fl. 596): “a) Culpabilidade. A culpabilidade, analisada como circunstância judicial do art. 59, constitui um parâmetro de individualização da pena relacionado ao grau de reprovação da conduta. No caso concreto, a conduta de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA é imensamente reprovável, justificando a punição mais gravosa. Protagonizou a lavagem de valores oriundos do tráfico de drogas, utilizando-se de inúmeras pessoas jurídicas e físicas como interpostas pessoas. Utilizou tanto de empresas de fachada (sem atividade), como de empresa com atividade lícita na área de exportação, criada para ocultar e dissimular a origem ilícita de valores provenientes do tráfico de drogas. Dessa forma, várias pessoas foram usadas na atividade criminosa. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser aumentada em razão dessa circunstância. Tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 1º da Lei n. 9.613/1998 (de três a dez anos de reclusão), aumento a pena em um ano em razão dessa circunstância. b) Antecedentes. Circunstância neutra. Em que pese responder a outra ação penal, o réu é primário. c) Conduta social. Circunstância neutra. Não há informações sobre a conduta social do réu. d) Personalidade. Circunstância neutra. Não há informações sobre a personalidade do réu. e) Motivos. Circunstância neutra. O motivo é ocultar ou dissimular a origem ilícita do produto de outro crime, o que é inerente ao tipo penal da lavagem de capitais. f) Circunstâncias do crime. Circunstância neutra. No caso concreto do crime de lavagem de valores, as circunstâncias relevantes no caso concreto foram analisadas na culpabilidade e nas consequências do crime. g) Consequências do crime. Circunstância desfavorável. Foi demonstrado nos autos que o réu ocultou e dissimulou a origem ilícita de quantias milionárias. Considerando os valores das provas supramencionadas, bem como referências apresentadas na denúncia, arbitro a quantia cuja origem ilícita foi ocultada e dissimulada pelo corréu em pelo menos R$ 9,87 milhões de reais (C1P Consultoria e Representações Ltda.: cerca de R$ 5,799 milhões em diversas transações; apartamento n. 302 do edifício residencial Saint Pietro: cerca de R$ 830.000,00; imóvel registrado sob a matrícula n. 93.606 no 1º CRI de São Paulo/SP: cerca de R$ 1.107.132,00; imóvel registrado sob a matrícula n. 201.254 no 9º CRI de São Paulo/SP: cerca de R$ 1.050.000,00; veículo Porsche Macan de placas FVN3B33: cerca de R$ 294.000,00; veículo Porsche Macan, de placas EJR0A86: cerca de R$ 540.000,00; empréstimo a Vicente Ribeiro da Costa Barone: cerca de R$ 250.000,00). Observe-se que houve a ocultação e dissimulação da origem ilícita de valores utilizados para a compra de três imóveis e dois veículos de luxo, conforme descrito acima. Assim, o valor total oriundo do tráfico de drogas, cuja origem ilícita foi ocultada e dissimulada pelo réu, soma cerca de R$ 9,87 milhões de reais. Referida quantia é muito elevada, justificando o agravamento da pena-base. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser aumentada em razão dessa circunstância. No caso do corréu João Carlos Camisa Nova Júnior, a pena foi aumentada em razão dessa circunstância em 01 (um) ano. Contudo, no caso daquele corréu, foi reconhecida a lavagem de R$ 57,5 milhões, valor ainda mais expressivo do que o referente ao corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA. Assim, entendo que a pena deve ser agravada em grau um pouco inferior ao do outro corréu, em decorrência da menor extensão das consequências. Tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 1º da Lei n. 9.613/1998 (de três a dez anos de reclusão), aumento a pena em 08 (oito) meses em razão dessa circunstância. h) Comportamento da vítima. Circunstância neutra. Não houve interferência da vítima.” Em suas razões de Apelação, a defesa postula a redução da pena-base. Pois bem. Os fundamentos utilizados pela sentença para majorar o vetor culpabilidade, s.m.j, se amoldariam às circunstâncias do delito. A complexidade dos atos empreendidos para a execução criminosa, constituiria argumento eficaz para valorar negativamente aludido vetor. No entanto, considerando que o réu fora condenado apenas pela lavagem atinente a três imóveis e dois veículos, a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi descrita na sentença e que desbordaria do próprio tipo penal, como o uso de inúmeras pessoas jurídicas, não deve ser sopesado negativamente. Deve ser afastado, portanto, a negativação de aludido vetor. Em relação às consequências do crime o grande volume de recursos envolvidos na lavagem de valores (mais de 3 milhões – apartamento n. 302 do edifício residencial Saint Pietro: cerca de R$ 830.000,00; imóvel registrado sob a matrícula n. 93.606 no 1º CRI de São Paulo/SP: cerca de R$ 1.107.132,00; imóvel registrado sob a matrícula n. 201.254 no 9º CRI de São Paulo/SP: cerca de R$ 1.050.000,00; veículo Porsche Macan de placas FVN3B33: cerca de R$ 294.000,00; veículo Porsche Macan, de placas EJR0A86: cerca de R$ 540.000,00) já descontado os valores atinentes pelo que foi absolvido igualmente justifica o aumento da pena na primeira fase dosimétrica, uma vez que foi movimentado, ilicitamente, vultosos valores, o que tem o condão de majorar a pena. Tal numerário desborda do usual para crimes da mesma natureza. No entanto, diante da absolvição de parte da lavagem, deve ser reduzida a fração de aumento utilizada na sentença, aplicando-se a fração de 1/6 (um sexto). Adotando a fração de 1/6, a pena-base fica reduzida para 03 (três) anos, 06 (seis) meses e 11 (onze) dias-multa. AGRAVANTES E ATENUANTES Nesta etapa da dosimetria, o juízo a quo não reconheceu circunstâncias agravantes, tampouco atenuantes. Fica a pena intermediária estabelecida em 03 (três) anos, 06 (seis) meses e 11 (onze) dias-multa. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO A defesa requer a aplicação do artigo 29, § 1º, do CP, com a redução de 1/3 (um terço) pela participação de menor importância, bem como seja afastado o disposto no artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei n.º 9.613/1998. O r. Juízo a quo considerou inexistir causa de diminuição. Como bem ponderado em sentença não deve ser reconhecida a participação de menor importância, porquanto a atuação de ANDRÉ foi decisiva e relevante para a atividade criminosa. A sentença aplicou como causa de aumento a reiteração prevista no parágrafo 4º do artigo 1º da Lei n.º 9.613/1998, na fração de 1/2 (metade). Com efeito, o parágrafo 4º do art. 1º da Lei n.º 9.613/1998 dispõe que a pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se os crimes forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa (redação à época dos fatos). Na hipótese dos autos restou efetivamente demonstrada a reiteração da lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico internacional de drogas (lavagem de três imóveis e dois veículos de luxo), mostrando-se imperioso a majoração da causa de aumento de pena disposta no art. 1º, § 4º, da Lei n.º 9.613/1998. Considerando a absolvição de parte da lavagem, bem ainda ter remanescido a condenação por cinco atos de lavagem, deve ser mantida a majoração em decorrência da reiteração do delito, no entanto, por meio da redução da fração para 1/3 (um terço). Fica a pena estabelecida em 04 (quatro) anos, 08 (oito) meses e 14 (quatorze) dias-multa. CONCURSO DE CRIMES O juízo a quo aplicou a regra do concurso material disposta no artigo 69 do Código Penal, o que deve ser mantido. Assim sendo, a pena total fica estabelecida em 24 (vinte e quatro) anos, 08 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão e ao pagamento de 2.262 dias-multa. VALOR DA MULTA Com efeito, o r. juízo a quo estipulou o valor da cada dia-multa em dois salários mínimos, o que está dentro do parâmetro estipulado pelo artigo 49 do Código Penal, considerando que o salário-mínimo vigente à época dos fatos (2020) era de R$ 1.045,00. Conforme constou na sentença, considerando que o réu permaneceu em silêncio e não informou renda, bem como “considerando o padrão de vida luxuoso do acusado, o que se infere pelas diversas provas constantes dos autos a respeito de residências em locais nobres guarnecidas com mobília de luxo, posse de veículos de luxo, realização de viagens luxuosas etc.”, deve ser mantido tal arbitramento, ficando rechaçado o pleito defensivo de redução do quantum. REGIME INICIAL E SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Em tendo sido fixada a pena em 24 (vinte e quatro) anos, 08 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, fica mantido o regime inicial FECHADO de cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea “a”, do Código Penal, vedada a substituição por penas restritivas de direitos. PENA DEFINITIVA Pena total estabelecida em 24 (vinte e quatro) anos, 08 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial FECHADO de cumprimento da pena, e ao pagamento de 2.262 dias-multa, cada qual no valor de 02 (dois) salários mínimos. FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO PENA-BASE Na primeira fase da dosimetria houve a avaliação negativa de duas circunstâncias judiciais (culpabilidade e consequências do crime), razão pela qual a pena-base privativa de liberdade foi estabelecida em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e ao pagamento de 93 (noventa e três) dias multa. Ponderou-se na sentença que (ID 279920818 – fl. 596): “a) Culpabilidade. A culpabilidade, analisada como circunstância judicial do art. 59, constitui um parâmetro de individualização da pena relacionado ao grau de reprovação da conduta. No caso concreto, a conduta de FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS é imensamente reprovável, justificando a punição mais gravosa. Protagonizou a lavagem de valores oriundos do tráfico de drogas, utilizando-se de inúmeras pessoas jurídicas e físicas como interpostas pessoas. Utilizou tanto de empresas de fachada (sem atividade), como de empresa com atividade lícita na área de exportação, criada para ocultar e dissimular a origem ilícita de valores provenientes do tráfico de drogas. Dessa forma, várias pessoas foram usadas na atividade criminosa. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser aumentada em razão dessa circunstância. Tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 1º da Lei n. 9.613/1998 (de três a dez anos de reclusão), aumento a pena em um ano em razão dessa circunstância. (...) g) Consequências do crime. Circunstância desfavorável. Foi demonstrado nos autos que o réu ocultou e dissimulou a origem ilícita de quantias milionárias. Considerando os valores das provas supramencionadas, bem como referências apresentadas na denúncia, arbitro a quantia cuja origem ilícita foi ocultada e dissimulada pelo corréu em pelo menos R$ 6,154 milhões de reais (C1P Consultoria e Representações Ltda: cerca de R$ 5,799 milhões em diversas transações; entrada e pagamento de parcelas do financiamento do veículo BMW de placas BRZ0J95: cerca de R$105.000,00; transação com RCN Regulamentação e Soluções Imobiliárias Ltda.: cerca de R$ 250.000,00). Observe-se ainda que durante a investigação, foi constatado que o corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS utilizou diversos veículos de luxo e reside em imóvel de alto padrão, possuindo duas suítes, um quarto e ambiente com piscina no terceiro andar (autos n. 500527-69.2021.403.6181, Id 161984614). Assim, o valor total oriundo do tráfico de drogas, cuja origem ilícita foi ocultada e dissimulada pelo réu, soma cerca de R$ 6,154 milhões de reais. Referida quantia é muito elevada, justificando o agravamento da pena-base. Considerando todos esses fatores, a pena deve ser aumentada em razão dessa circunstância. No caso do corréu João Carlos Camisa Nova Júnior, a pena foi aumentada em razão dessa circunstância em 01 (um) ano. Contudo, no caso daquele corréu, foi reconhecida a lavagem de R$ 57,5 milhões, valor ainda mais expressivo do que o referente ao corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS. Assim, entendo que a pena deve ser agravada em grau um pouco inferior ao do outro corréu, em decorrência da menor extensão das consequências. Tendo em vista os limites mínimo e máximo da pena prevista no artigo 1º da Lei n. 9.613/1998 (de três a dez anos de reclusão), aumento a pena em 08 (oito) meses em razão dessa circunstância.” Os fundamentos utilizados pela sentença para majorar o vetor culpabilidade, s.m.j, se amoldam às circunstâncias do delito. A complexidade dos atos empreendidos para a execução criminosa, constitui argumento eficaz para valorar negativamente aludido vetor. A defesa argumenta que não seria razoável o réu ter sido absolvido pelo crime de tráfico de drogas e ter no crime de lavagem de dinheiro sua pena exasperada sob o fundamento de que protagonizou a lavagem de valores oriundos do tráfico de drogas, utilizando-se de inúmeras pessoas jurídicas e físicas como interpostas pessoas. Como já mencionado anteriormente, o referido corréu a despeito de ter sido absolvido do crime de tráfico de drogas e de associação criminosa atuou na lavagem de dinheiro no mínimo com dolo eventual no que diz respeito às infrações subjacentes. Em suma, ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo de FRANCISCO, o qual, transacionou com empresas de fachada, bem como adquiriu bem de alto valor para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de tráfico de drogas e associação criminosa. Com efeito constata-se a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi na hipótese dos autos e que desbordam do próprio tipo penal, como o uso de inúmeras pessoas jurídicas de fachada, tendo como objetivo que o dinheiro espúrio da traficância transparecesse lícito, tornando-o difícil de ser rastreado pelas autoridades competentes. Em suma, tal método utilizado para além de se amoldar ao próprio tipo penal da lavagem revela um incremento no modo de atuação, o que dificulta sobremaneira o rastreamento do crime e justifica a exasperação da pena. Tal atuar desborda do usual para crimes da mesma natureza. A sentença majorou na fração de 1/3 (um terço). No entanto, diante das absolvições levadas a efeito, torna-se suficiente a majoração na fração de 1/6 (um sexto) por este vetor. Em relação às consequências do crime o grande volume de recursos envolvidos na lavagem de valores (aproximadamente R$ 735.000,00) já descontado os valores atinentes pelo que foi absolvido igualmente justifica o aumento da pena na primeira fase dosimétrica, uma vez que foi movimentado, ilicitamente, vultosos valores, o que tem o condão de majorar a pena. Tal numerário desborda do usual para crimes da mesma natureza. No entanto, diante da absolvição de parte da lavagem, deve ser reduzida a fração de aumento utilizada na sentença, aplicando-se a fração de 1/6 (um sexto). Em razão de dois vetores negativados, a pena-base fica reduzida para 04 (quatro) anos de reclusão e 13 (treze) dias-multa. AGRAVANTES E ATENUANTES Nesta etapa da dosimetria, o juízo a quo não reconheceu circunstâncias agravantes, tampouco atenuantes. Fica a pena intermediária estabelecida em 04 (quatro) anos de reclusão e 13 (treze) dias-multa. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO A defesa requer seja afastado o disposto no artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei n.º 9.613/1998. O r. Juízo a quo considerou inexistir causa de diminuição. Por sua vez, aplicou como causa de aumento a reiteração prevista no parágrafo 4º do artigo 1º da Lei n.º 9.613/1998, na fração de 1/2 (metade). Com efeito, o parágrafo 4º do art. 1º da Lei n.º 9.613/1998 dispõe que a pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se os crimes forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa (redação à época dos fatos). Na hipótese dos autos restou efetivamente demonstrada a reiteração da lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico internacional de drogas (cinco transações financeiras e um veículo de luxo), mostrando-se imperioso a majoração da causa de aumento de pena disposta no art. 1º, § 4º, da Lei n.º 9.613/1998. Considerando a absolvição de parte da lavagem, bem ainda ter remanescido a condenação por seis atos de lavagem, deve ser mantida a majoração em decorrência da reiteração do delito, no entanto, por meio da redução da fração para 1/3 (um terço). Fica a pena estabelecida em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa. VALOR DA MULTA Com efeito, o r. juízo a quo estipulou o valor da cada dia-multa em 1,5 salários mínimos, o que está dentro do parâmetro estipulado pelo artigo 49 do Código Penal, considerando que o salário-mínimo vigente à época dos fatos (2020) era de R$ 1.045,00. Conforme constou na sentença, considerando que o réu aufere renda mensal de 15 mil reais e o padrão de vida luxuoso do acusado, deve ser mantido tal arbitramento. REGIME INICIAL E SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Em tendo sido fixada a pena em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, fica mantido o regime inicial SEMIABERTO de cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea “b”, do Código Penal. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito (artigo 44 do Código Penal), bem como incabível a concessão de sursis (artigo 77 do Código Penal). Consoante constou na sentença, deve ser mantida a progressão de regime, para o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena (ID 279920818): “Ante o disposto no art. 387, §2º do CPP, o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. O réu foi preso cautelarmente em novembro de 2021, conforme se verifica da audiência de custódia realizada na ocasião (autos n. 5005527-69.2021.403.6181, Id 160735249). Foi solto em 16 de maio de 2023 por decisão deste juízo (autos n. 5005527-69.2021.403.6181, Ids 287303714 e 287496778). (...) Assim sendo, aplico o artigo 387, § 2º do CPP, para determinar que o tempo de prisão cautelar é suficiente para a progressão de regime semiaberto para o regime aberto. Ante o exposto, fixo o regime aberto para o início de cumprimento de pena privativa de liberdade.” PENA DEFINITIVA DE ANDRÉ ROBERTO DA SILVA Pena total estabelecida em 24 (vinte e quatro) anos, 08 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial FECHADO de cumprimento da pena, e ao pagamento de 2.262 dias-multa, cada qual no valor de 02 (dois) salários mínimos. PENA DEFINITIVA DE FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS Pena total estabelecida em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO de cumprimento da pena, deve ser mantida a progressão de regime por força da detração, tal qual estabelecido na sentença, e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, cada qual no valor de 1,5 salários mínimos. DISPOSIÇÕES FINAIS Tendo em vista a manutenção da condenação pelos delitos de tráfico de drogas, associação para o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro para ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, bem como de lavagem de dinheiro para FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS: a) Em relação ao corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA fica mantida a perda do produto do crime, nos termos do artigo 91, II, “b”, do Código Penal, no valor de R$ 9,87 milhões de reais (aqui considerado não apenas os valores da lavagem mas também o produto do tráfico), tal como lançado na sentença; b) Em relação ao corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS fica estabelecida a perda do produto do crime, nos termos do artigo 91, II, “b”, do Código Penal, no valor de R$ 735.000,00. As demais constrições devem ser mantidas até que se faça prova de sua origem lícita. Note-se que o art. 120 do Código de Processo Penal dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem ou valor, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal: Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso. Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, até mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um bem ou valor apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como condenado deve, obrigatoriamente, demonstrar a origem lícita do bem ou valor para que se cogite de seu direito a vê-lo restituído. Mantida, ademais, a prisão cautelar de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, nos termos do artigo 387, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal, diante da permanência dos requisitos previstos no art. 312 c.c. art. 313, I, ambos do Código de Processo Penal, e forte na inferência de que não houve qualquer alteração fática no quadro que ensejou a segregação cautelar anteriormente decretada, não sendo viável ainda a substituição do encarceramento processual por medidas alternativas (artigo 319 do Código de Processo Penal). DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO às Apelações interpostas por: ANDRÉ ROBERTO DA SILVA para MANTER SUA CONDENAÇÃO pela prática dos crimes previstos no artigo 33,caput,c.c. o artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, artigo 35, c.c. o artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, e artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998 (de forma reiterada por 05 (cinco) vezes: 03 (três) imóveis e 02 (dois) veículos), na forma do artigo 69 do Código Penal, àpena de 24 (vinte e quatro) anos, 08 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial FECHADO de cumprimento da pena, e ao pagamento de 2.262 dias-multa, cada qual no valor de 02 (dois) salários mínimos, bem ainda PARA ABSOLVÊ-LO de 04 (quatro) imputações de lavagem de dinheiro (artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998), com fundamento no artigo 386, inciso III, do CPP, consubstanciadas em 04 (quatro) transações financeiras, e PARA ABSOLVÊ-LO de 04 (quatro) imputações de lavagem de dinheiro (artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998), com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP, consubstanciadas em 03 (três) transações financeiras e 01 (um) veículo. FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS para MANTER SUA CONDENAÇÃO pela prática do artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998 (de forma reiterada por 06 (seis) vezes: 05 (cinco) transações financeiras e 01 (um) veículo), à pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO de cumprimento da pena, deve ser mantida a progressão de regime por força da detração tal qual estabelecido na sentença e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, cada qual no valor de 1,5 salários mínimos, bem ainda PARA ABSOLVÊ-LO de 02 (duas) imputações de lavagem de dinheiro consubstanciadas em transações financeiras (artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998), com fundamento no artigo 386, inciso III, do CPP, e PARA ABSOLVÊ-LO de 05 (cinco) imputações de lavagem de dinheiro consubstanciadas em 04 (quatro) transações financeiras e 01 (um) imóvel (artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998), com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP. Oficie-se ao juízo das Execuções Penais, bem como a Embaixada dos Estados Unidos da América no Brasil para fins do disposto nos 8 USC 1101, S.II, c.c 3USC 301, ambos do United States Code, bem como do artigo 27, 1, "a", do Decreto n.º 5.015, de 12.03.2004 (Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional), encaminhando-se cópia do inteiro teor do julgado, tendo em vista que o réu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA está ou teria estado vinculado ao PCC e o réu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS promoveu a lavagem decorrente do tráfico atrelado ao PCC. Oficie-se, outrossim, a Embaixada dos Estados Unidos da América no Brasil para fins de comunicação da presente condenação dos apelantes ANDRÉ ROBERTO DA SILVA e FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, nos termos da Seção 212 (a)(3)(C) da Lei de Imigração e Nacionalidade e Ordem Executiva n.º 14059 (Disponível em: https://www.state.gov/releases/office-of-the-spokesperson/2025/06/new-visa-restriction-policy-to-deter-and-dismantle-flow-of-fentanyl-and-other-illicit-drugs-into-united-states/. Acessado em 04.07.2025). É o voto.
Advogado do(a) APELANTE: ROGERIO LEANDRO - SP305897-A
EMENTA
PENAL E PROCESSO PENAL. DA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS APÓS AS RAZÕES DE APELAÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. PRELIMINARES. DA ALEGAÇÃO DE QUE O PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS DA INTERCEPTAÇÃO DE DADOS TELEMÁTICOS NÃO FOI OBSERVADO, BEM COMO DE VÍCIO DAS REPRESENTAÇÕES POLICIAIS. AFASTAMENTO. DA ALEGADA FALTA DE ACESSO ÀS PROVAS, NÃO OBSERVÂNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO, DO DIREITO À AMPLA DEFESA E À PARIDADE DE ARMAS. NÃO ACOLHIMENTO. DA ALEGADA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA E DA UTILIZAÇÃO DE CAPTURA DE TELA. PRELIMINAR RECHAÇADA. PEDIDO DE CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA E DE ACESSO ÀS PROVAS RECHAÇADO. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. 2.724 KG (DOIS MIL, SETECENTOS E VINTE E QUATRO QUILOS) DE COCAÍNA ESCONDIDA EM UMA CARGA DE MILHO DESTINADA À EUROPA EM NAVIO. COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. DOSIMETRIA. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. CULPABILIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ARTIGO 40, I, DA LEI N.º 11.343/2006. NÃO APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 29 §1º, DO CÓDIGO PENAL. ATUAÇÃO RELEVANTE PARA A ATIVIDADE CRIMINOSA.TRANSNACIONALIDADE. CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. CONFIGURADA A ASSOCIAÇÃO DE MAIS DE DUAS PESSOAS PARA O FIM DE PRATICAR, REITERADAMENTE, O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. CULPABILIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ARTIGO 40, I, DA LEI N.º 11.343/2006. TRANSNACIONALIDADE. NÃO APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 29, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1° DA LEI N.° 9.613/1998. INFRAÇÃO SUBJACENTE CONSUBSTANCIADA NO TRÁFICO DE DROGAS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS EM RELAÇÃO À PARTE DA IMPUTAÇÃO PARA CADA UM DOS RÉUS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. A COMPLEXIDADE DOS ATOS EMPREENDIDOS PARA A EXECUÇÃO CRIMINOSA CONSTITUI ARGUMENTO EFICAZ PARA VALORAR NEGATIVAMENTE ALUDIDO VETOR. USO DE INÚMERAS PESSOAS JURÍDICAS. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. O GRANDE VOLUME DE RECURSOS ENVOLVIDOS NA LAVAGEM DE VALORES JUSTIFICA O AUMENTO DA PENA. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO. NÃO CARACTERIZADA A PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. ATUAÇÃO DECISIVA E RELEVANTE PARA A ATIVIDADE CRIMINOSA. DEMONSTRADA A REITERAÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO ORIUNDO DO NARCOTRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MAJORAÇÃO DA PENA PELO PARÁGRAFO 4º DO ART. 1º DA LEI N.º 9.613/1998. APLICAÇÃO DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES PARA UM DOS CORRÉUS. ARTIGO 69 DO CÓDIGO PENAL. PARCIAL PROVIMENTO DAS APELAÇÕES DAS DEFESAS.
-DA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS APÓS AS RAZÕES DE APELAÇÃO. Uma vez interposta a apelação com a devida apresentação das respectivas razões, resta exaurido o direito da parte de complementar ou modificar os fundamentos do recurso. A prática de novo ato processual com esse objetivo encontra óbice na preclusão, que visa assegurar a estabilidade e a segurança jurídica do processo. Preclusão consumativa.
-PRELIMINARES
-DA ALEGAÇÃO DE QUE O PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS DA INTERCEPTAÇÃO DE DADOS TELEMÁTICOS NÃO FOI OBSERVADO, BEM COMO DE VÍCIO DAS REPRESENTAÇÕES POLICIAIS. Com fundamento no artigo 1º e seguintes da Lei n. 9.296/1996 e no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, foi deferida a representação da Autoridade Policial corroborada pelo Ministério Público Federal para determinar o afastamento do sigilo telemático, aos 16/03/2021. Nesta ocasião, foi autorizado o acesso aos dados e informações telemáticos armazenados do período de 01/01/2020 a 18/01/2021, e interceptação pelo prazo de 15 (quinze) dias. Para os dados já existentes e que estavam armazenados não se computa o interregno de 15 (quinze) dias. Já os dados da interceptação telemática, a própria empresa Apple informou que “Em resposta a Ordem Judicial para a Apple Inc. (“Apple”), a Apple criou uma conta de e-mail “duplicada" para a conta de iCloud identificada, pois o e-mail é um recurso ativo da conta. A conta "duplicada" estará ativa de 2021-03-29 até 2021-04-12, por um período de 15 dias, conforme a Ordem Judicial.” Não há, pois, que se falar em excesso de prazo. Para além disso, o monitoramento telemático ocorreu por apenas um interregno de 15 (quinze) dias. Também não há que se falar em vício nas Representações Policiais, porquanto todo o conteúdo das provas acessadas está disponível tanto nos diversos autos eletrônicos no sistema PJE, como nas mídias acauteladas em juízo.Afastada referida preliminar.
- DA ALEGADA FALTA DE ACESSO ÀS PROVAS, NÃO OBSERVÂNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO, DO DIREITO À AMPLA DEFESA E À PARIDADE DE ARMAS. Rejeitada a preliminar fundada em suposta ausência de acesso da defesa às provas produzidas na fase inquisitorial. Conforme certificado nos autos, as provas colhidas durante a investigação e que embasaram o oferecimento da ação penal foram devidamente disponibilizadas à defesa, tal como lançado na sentença. De acordo com o mencionado pelo magistrado, nos autos de decretação do afastamento do sigilo telemático, as mídias digitais atinentes à quebra do sigilo de dados de João Carlos Camisa Nova Júnior que não foram inseridas no PJe ficaram acauteladas em Secretaria. Para além disso, houve o deferimento pelo juízo a quo, na presente ação penal, de requerimento da defesa para habilitação de advogado para acesso a todo material produzido durante a investigação e a instrução, inclusive os acautelados na Vara. Ademais, foram opostos embargos declaratórios em face da sentença pela defesa de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA (ID 279920828), os quais foram conhecidos e acolhidos parcialmente, para fins de prequestionamento, passando a sentença a constar que: “dos equipamentos eletrônicos apreendidos na decisão de busca e apreensão, parte foi periciada consoante os laudos de Ids 242729042, 242729556,242729561,242729571,242729577,242729583,242729588242729599,242730519,242730530,242730543,242731102,242731117,242731132,242731143,242731556,242731569,242732352,242732363,242732376e242733436; outra parte dos equipamentos eletrônicos apreendidos não havia sido acessado pela autoridade policial, a qual informou ao final da instrução, em janeiro de 2023, que o material ainda se encontrava em tentativa de quebra de senha (Id272134779). O material decorrente da análise pericial dos equipamentos eletrônicos não faz parte da denúncia e dos elementos probatórios presentes nos autos considerados na prolação da sentença. A defesa não formulou requerimento específico a seu respeito durante a instrução processual e apresentou requerimentos específicos de produção probatória (Ids 26753378 e270303161).” Ao contrário do aventado, a defesa teve acesso à totalidade das mídias digitais obtidas a partir da quebra do sigilo de dados de João Carlos Camisa Nova Júnior, bem ainda, no que diz respeito ao conteúdo dos equipamentos eletrônicos apreendidos por ocasião da busca e apreensão, consoante consignado nos embargos declaratórios, teve acesso sobre aquilo que foi laudado, até porque os demais materiais não foram acessados pela polícia (impossibilidade técnica), tampouco periciados, ou seja não foram extraídos dados, não tendo feito parte da denúncia, sequer da sentença. Refutada alegada preliminar, não havendo que se falar em violação à paridade de armas, não observância do contraditório e ampla defesa.
- DA ALEGADA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA E DA UTILIZAÇÃO DE CAPTURA DE TELA. A principal finalidade da cadeia de custódia é garantir que os vestígios materialmente deixados por uma infração penal correspondam exatamente àqueles arrecadados pela polícia, dizendo respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado. Qualquer interferência durante o processo pode levar à sua inutilização, não como uma nulidade processual, mas sim como uma questão que afeta a eficácia da prova em cada caso. Tanto as mídias físicas apreendidas nos autos e que efetivamente foram indicadas pela acusação como provas em desfavor dos corréus, quanto o material digital obtido com o afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior observaram o procedimento correto de cadeia de custódia. Não há sequer indícios de que tenha ocorrido de outro modo. As mídias apreendidas em meio físico (obtidas por meio da Busca e Apreensão) e constante no feito foram laudadas por perito oficial, tendo sido observado o procedimento correto da cadeia de custódia. Não houve manipulação ou adulteração, tampouco a adoção de procedimentos que não permitam a aferição da higidez da prova. Por sua vez, o material digital obtido a partir do afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior foi devidamente acautelado em Secretaria, tendo sido oportunizado vista à defesa. Houve decisão devidamente fundamentada deferindo o pedido formulado pela autoridade policial para o afastamento do sigilo telemático de João Carlos Camisa Nova Júnior. Após a expedição de ofícios às operadoras de tecnologia, os materiais digitais foram por elas fornecidos, em cumprimento à decisão judicial. Tudo registrado nos autos. Dentre esse material obtido estavam as capturas de tela de conversas em aplicativos realizadas pelo próprio investigado. Mais uma vez, não há qualquer indicativo de que tenha havido adulteração, tampouco a interferência de terceiros a infirmar a prova produzida. Como bem explicitado em sentença “Não é crível que o investigado tenha removido ou acrescentado mensagens, feito a referida captura de tela, objetivando prejudicar a si mesmo ou a terceiros em uma futura investigação criminal na qual a autoridade policial obteve acesso a tais dados diretamente junto à empresa de tecnologia responsável pelo seu armazenamento.” Para além disso, as capturas de tela não foram os únicos elementos probatórios a respaldar a condenação, que também foi capitaneada em outros elementos de prova, como a prova oral. Portanto, inexiste elementos a indicar adulteração, manipulação ou interferências nas provas produzidas, sendo lícitas e regulares para serem utilizadas na ação penal. Precedentes. Afastada a preliminar de nulidade em razão da violação da cadeia de custódia, bem como de nulidade em razão da utilização de captura de tela como prova.
- PEDIDO DE CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA OU ACESSO A TODAS AS PROVAS CONSUBSTANCIADAS NOS DADOS TELEMÁTICOS E DIGITAIS DE TODOS OS EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS ALVO DA BUSCA E APREENSÃO REALIZADA NA DEFLAGRAÇÃO DA OPERAÇÃO NO DIA 18.11.2021. Já foi oportunizada à defesa o conteúdo dos equipamentos eletrônicos apreendidos por ocasião da busca e apreensão e que se encontram laudados, até porque os demais materiais não foram acessados pela polícia (impossibilidade técnica), tampouco laudados, ou seja não foram extraídos dados, sequer tendo feito parte da denúncia ou considerados pelo decisum a quo. O pedido formulado em sede de apelação para conversão do feito em diligência, com a finalidade de realização de prova pericial, não merece acolhida. Observa-se que na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, oportunizada às partes a formulação de requerimentos de diligências, a defesa do ora apelante quedou-se inerte, tal como restou consignado na sentença. O momento processual adequado para a formulação de requerimentos de provas suplementares é justamente o previsto no artigo 402 do CPP, conforme entendimento consolidado na jurisprudência, sob pena de preclusão. Demais disso, inexiste elementos a indicar qualquer adulteração, manipulação ou interferências nas provas produzidas, sendo lícitas e regulares para serem utilizadas na ação penal. Superada a questão e afastado o pleito de conversão do feito em diligência.
- TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. Crime de tráfico transnacional de drogas que ocorreu nas modalidades transporte e exportação referente a 2.724 kg (dois mil, setecentos e vinte e quatro quilos) de cocaína escondida em uma carga de milho destinada à Europa no navio UNISPIRIT. Dessa quantidade de droga, uma parte foi apreendida ainda em solo brasileiro durante inspeção realizada na carga do navio (cerca de 1.500 kg). Na sequência, o navio partiu rumo à Espanha, onde foi encontrado o restante da droga apreendida. Há prova nos autos de que João Carlos Camisa Nova Júnior foi o responsável por toda operação consubstanciada na exportação da droga juntamente com o réu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA. Desde o pagamento do milho utilizado para a ocultação da droga, o transporte da mercadoria até o porto, além do carregamento na embarcação. Manutenção da condenação.
- Dosimetria da Pena de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA. Pena-base. No que concerne à natureza e quantidade da droga, tem-se que o aumento levado a efeito pelo magistrado foi bem inferior ao usual utilizado por esta 11ª Turma em crimes de tal jaez, na medida em que se fosse utilizada a fração de 7/5 a pena seria readequada para 12 (doze) anos de reclusão. Nesse sentido, sob pena de reformatio in pejus fica mantida a majoração levada a efeito pelo magistrado. Por outro lado, a pluralidade de ações do réu (ele foi responsável por toda a operação consubstanciada na exportação da droga, juntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior, desde o pagamento da carga de milho utilizado para a ocultação da droga, o transporte da mercadoria até o porto, além do carregamento na embarcação), evidencia maior culpabilidade do agente, justificando, assim, o aumento da pena-base do delito de tráfico também em razão da valoração negativa da culpabilidade. Essa atuação ativa demonstra claramente que ANDRÉ tinha pleno conhecimento sobre a operação criminosa de exportação da cocaína, o que reforça a culpabilidade e responsabilidade direta na prática do delito de tráfico de drogas. Mantida, pois, a valoração negativa desse vetor. No que tange às circunstâncias do delito constata-se a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi na hipótese dos autos e que desbordam do próprio tipo penal, como a utilização tanto da via terrestre quanto de embarcação marítima para a consecução do crime. Mantida, pois, a valoração negativa deste vetor. Acerca do quantum de aumento vale destacar que é permitido ao julgador mensurar com discricionariedade desde que observado o princípio do livre convencimento motivado, o que ocorreu in casu.Precedentes. Mantida, portanto, a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão e ao pagamento de 1.000 (mil) dias multa.
-Agravantes e atenuantes. Nesta etapa da dosimetria, o juízo a quo não reconheceu a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes. Fica mantida a pena intermediária estabelecida em 10 (dez) anos de reclusão e ao pagamento de 1.000 (mil) dias multa.
- Causas de aumento e diminuição. Não deve ser reconhecida a participação de menor importância do réu, como requerido pela defesa, porquanto a sua atuação foi relevante para a atividade criminosa. Ele foi responsável por toda a operação consubstanciada na exportação da droga, juntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior. Foi reconhecida a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, na fração de 1/6 (um sexto), o que deve ser mantido, ante ao fato da transnacionalidade do tráfico de drogas. É de se notar que o crime de tráfico de drogas encontra-se tipificado no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. A despeito disso, quando se trata de circunstâncias que agravam a pena, a legislação prevê de forma expressa hipóteses específicas no artigo 40 da mesma lei, entre as quais se destaca a transnacionalidade do delito. O artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas, estabelece que as penas previstas no artigo 33 serão aumentadas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) quando houver transnacionalidade. Sob este espeque, a transnacionalidade não constitui elemento do tipo penal descrito no artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006, mas sim uma causa de aumento de pena, que incide na terceira fase dosimétrica, conforme os critérios trifásicos do Código Penal (art. 68 do CP). Afastado o pleito da defesa de afastamento da transnacionalidade. Portanto, na terceira fase da dosimetria, a pena para o crime de tráfico de drogas fica estabelecida em 11 (onze) anos, 08 (oito) meses de reclusão e ao pagamento de 1166 dias-multa.
- ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. A materialidade e autoria delitivas advieram de farta investigação baseada precipuamente na quebra de sigilo telemático. Dentre outros elementos amealhados no conjunto probatório, as conversações levadas a efeito mostram-se aptas a demonstrar a prática do delito pelo réu. Além disso, a prova testemunhal colhida em juízo confirmou tal investigação. Comprovação da existência de uma organização estruturada previamente para a prática do delito de tráfico ilícito de drogas, de forma estável e permanente. Foi possível aquilatar, ao menos desde maio de 2020, a demonstração da concreta estabilidade e permanência da associação criminosa, notadamente dos elementos extraídos do aparelho celular de João Carlos Camisa Nova Júnior, pela criação de grupo de mensagens entre traficantes no aplicativo de mensagens SKY ECC em maio de 2020 para tratar de temas relacionados à traficância, pela troca de informações com as pessoas de codinomes “LOGAN” ou “PAI” e “ESMERALDA ou MÃE”. A evidenciar ainda mais a estabilidade e permanência foi a utilização de uma empresa (C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA.) da qual o réu ANDRÉ era sócio para dar aparência de legalidade à atividade de exportação do entorpecente. Plenamente configurada a associação de mais de duas pessoas para o fim de praticar, reiteradamente, o tráfico ilícito de entorpecentes. Manutenção da condenação.
- Dosimetria da Pena de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA. Pena-base. No que concerne à natureza e quantidade da droga, tem-se que o aumento levado a efeito pelo magistrado foi bem inferior ao usual utilizado por esta 11ª Turma em crimes de tal jaez, na medida em que se fosse utilizada a fração de 7/5 a pena seria readequada para 07 (sete) anos, 02 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão. Nesse sentido, sob pena de reformatio in pejus fica mantida a majoração levada a efeito pelo magistrado. Por outro lado, conforme exposto na sentença a associação para a traficância perdurou no mínimo 06 (seis) meses - entre maio e outubro de 2020, o que imprime relevância na propagação da atividade criminosa. Para além disso, a pluralidade de ações do réu (ele atuou conjuntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior em toda a operação consubstanciada na exportação da droga, atuando desde o pagamento da carga de milho utilizado para a ocultação da droga, o transporte da mercadoria até o porto, além do carregamento na embarcação), igualmente evidencia maior culpabilidade do agente, justificando, assim, o aumento da pena-base do delito de associação para o tráfico também em razão da valoração negativa da culpabilidade. Ademais, como bem destacado pelo r. juízo, a empresa C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. fora utilizada pelo réu com o objetivo de dissimular a atividade de tráfico de drogas sob a pretensa realização de operações de exportação de produtos de economia primária. A exportação de produtos lícitos era efetivamente realizada mediante complexa logística, porém o objetivo final era esconder droga na carga de produtos lícitos, possibilitando assim a exportação de toneladas de droga ao exterior. Mantida, pois, a valoração negativa desse vetor. No que tange às circunstâncias do delito constata-se a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi na hipótese dos autos e que desbordam do próprio tipo penal, como a utilização de diversas pessoas jurídicas de fachada, evidenciando, assim, uma atuação meticulosa e que desborda do usual para crimes de tal jaez. Demais disso, restou evidenciado nos autos que a associação criminosa direcionava suas atividades para a exportação de grande quantidade de cocaína via marítima. Mantida, pois, a valoração negativa deste vetor. Acerca do quantum de aumento vale destacar que é permitido ao julgador mensurar com discricionariedade desde que observado o princípio do livre convencimento motivado, o que ocorreu in casu. Precedentes. Mantida, portanto, a pena-base em 07 (sete) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 997 dias multa.
- Agravantes e atenuantes. Nesta etapa da dosimetria, o juízo a quo não reconheceu a existência de circunstâncias agravantes e atenuantes.Fica mantida a pena intermediária estabelecida em 07 (sete) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 997 dias multa.
- Causas de aumento e diminuição. Não deve ser reconhecida a participação de menor importância do réu, tal qual requerido pela defesa, porquanto como visto a sua atuação foi relevante para a atividade criminosa. ANDRÉ foi responsável por toda a operação consubstanciada na exportação da droga, juntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior. Foi reconhecida a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, na fração de 1/6 (um sexto), o que deve ser mantido, ante ao fato da transnacionalidade do tráfico de drogas. Portanto, na terceira fase da dosimetria, a pena para o crime de associação para o tráfico de drogas fica mantida em 08 (oito) anos, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão e ao pagamento de 1.082 dias-multa.
- LAVAGEM DE DINHEIRO. O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem.
- De acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente; controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas.
- Para fins de consumação do delito não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas. Precedentes.
- A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente.
- Consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal. Exige-se apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Os fatos delituosos descritos não devem ter caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998 (justa causa duplicada).
- Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis.
- As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores.
- Os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica).
Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro.
- O mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem.
- DOS DELITOS ANTECEDENTES E/OU SUBJACENTES. O chamado delito de lavagem de dinheiro é crime derivado de outro, não existindo sem a comprovação da existência de uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Existência de elementos probatórios suficientes nos autos para se concluir acerca da infração subjacente.
- O crime de tráfico transnacional de drogas ocorreu nas modalidades transporte e exportação referente a 2.724 kg (dois mil, setecentos e vinte e quatro quilos) de cocaína escondida em uma carga de milho destinada à Europa no navio UNISPIRIT, tendo sido evidenciado que o réu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA juntamente com João Carlos Camisa Nova Júnior foram responsáveis por toda a operação que objetivou a exportação da droga. Desde o pagamento do milho utilizado para a ocultação da cocaína, o transporte da mercadoria até o porto, além do carregamento na embarcação. Cumpre ainda salientar que foram encontrados nos endereços do réu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA vasta quantia de dinheiro em espécie, carros e objetos luxuosos o que evidencia eficazmente o seu envolvimento com a traficância.No que diz respeito a FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, tem-se que fora absolvido dos crimes de tráfico de drogas e associação criminosa, sem qualquer recurso da acusação. Aqui vale pontuar entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “para configuração do crime do artigo art. 1º da Lei n. 9.613/98, não é necessário que o acusado tenha sido condenado pelo delito antecedente, pois embora derivado ou acessório, o delito de lavagem de dinheiro é autônomo, também não se exigindo processo criminal ou condenação pelo prévio delito, nem mesmo que o acusado seja o autor do delito, bastando, para tanto, a presença de indícios suficientes de sua existência” (RHC n. 94.233/RN, Relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 21/8/2018, DJe de 3/9/2018). Tudo isso nos induz à conclusão de que os recursos movimentados e os bens adquiridos pelos réus não teriam outra origem que não a espúria. É de se notar, portanto, indícios fortes e suficientes de que o patrimônio angariado pelos réus advém dos lucros obtidos com o tráfico transnacional de drogas.
- DA OCULTAÇÃO E/OU DISSIMULAÇÃO.
- RÉU ANDRÉ ROBERTO DA SILVA
- DA IMPUTAÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO CONSUBSTANCIADA NA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DE QUANTIAS MILIONÁRIAS EM CONTA PESSOA JURÍDICA DA QUAL O RÉU FIGURAVA COMO SÓCIO. Não há que se falar na ocorrência da lavagem de dinheiro por intermédio de empresa em nome do réu, não havendo ocultação ou dissimulação dos valores que ali transitaram. Trata-se de mero aproveitamento da vantagem proveniente do tráfico transnacional de drogas e do delito de associação para o tráfico, consistindo, nessa toada, em exaurimento daquelas práticas delituosas, e ainda, de eventual crime contra a Ordem Tributária, não bastando para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Os valores transitaram em conta de pessoa jurídica da qual ele titulava e para a consecução da traficância, não havendo que se falar em atos voltados à lavagem. Em hipóteses como tais (utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas), haverá apenas a prática da infração penal subjacente (tráfico transnacional de drogas). Do contrário, haveria bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Portanto, não prospera a imputação da lavagem de dinheiro consubstanciada na movimentação financeira de valores em conta da pessoa jurídica da qual o réu figurava como sócio (C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA.), no que diz respeito às seguintes transações: a) em que a referida empresa figurou para o recebimento de setecentos e vinte mil euros em 15.09.2020, depositados pela empresa Hachemuda Morelo S.L (pessoa jurídica que figurou formalmente como importadora da carga de milho utilizada na camuflagem da cocaína); b) nas transações em que a mencionada empresa foi utilizada para o pagamento de parte da carga do milho, no valor de R$ 749.130,00 (tendo como destinatárias as empresas Terra Viva Comércio de Grãos e Agro Irmãos de Campos Novos Paulista); c) nas transações em que a CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. foi utilizada para transferir R$ 997.630,00 para empresas fornecedoras de milho utilizado como camuflagem para a cocaína traficada, devendo o réu ser absolvido, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal).
- Em relação à outras transações financeiras (transacionar altos valores por meio da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. com as pessoas investigadas, no total de R$ 966.420,35 - novecentos e sessenta e seis mil, quatrocentos e vinte reais e trinta e cinco centavos; recebimento por meio das contas da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. de depósitos em dinheiro, sem identificação do depositante, nos meses de agosto e setembro de 2020, no valor total de R$ 495.910,00; transacionar por meio da CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA. € 848.412,35 (oitocentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e doze euros e trinta e cinco centavos de euro), os quais, convertidos em moeda nacional, totalizariam aproximadamente R$ 5.400.000,00 (cinco milhões e quatrocentos mil reais), verifica-se que a sentença não apresenta fundamentação suficiente a amparar uma condenação, tendo se limitado a descrição de fatos sem esmiuçar a forma pela qual teria ocorrido a ocultação/dissimulação inerente à lavagem. Fica o réu absolvido, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação).
- DA IMPUTAÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO CONSUBSTANCIADA NA AQUISIÇÃO DE BENS DE ALTO VALOR EM NOME DE TERCEIROS
- Comprovada a lavagem de dinheiro levada a efeito por ANDRÉ ROBERTO DA SILVA a partir do imóvel matrícula n.º 93.606 do 1º CRI de São Paulo/SP em nome de terceiro, cuja origem do dinheiro espúrio advém da traficância.
- Comprovada a lavagem de dinheiro levada a efeito por ANDRÉ ROBERTO DA SILVA a partir do imóvel matrícula n.º 201.254 do 9º CRI de São Paulo/SP em nome de terceiro (SANAGIOTTO HOLDING PARTICIPAÇÕES LTDA.), cuja origem do dinheiro espúrio advém da traficância.
- Comprovada a lavagem de dinheiro levada a efeito por ANDRÉ ROBERTO DA SILVA a partir do imóvel do edifício Saint Pietro, apartamento n.º 302, em nome de terceiro (Raquel Aparecida Sanagiotto), cuja origem do dinheiro espúrio advém do tráfico de drogas.
- Comprovada a lavagem de dinheiro levada a efeito por ANDRÉ ROBERTO DA SILVA a partir do veículo Porshe Macan, 2015/2015, placas FVN 3B33 (em nome de terceiro - Raquel Aparecida Sanagiotto -ME), bem como do veículo Porche Macan, placas EJR 0A86, 2015/2015, registrado em nome da esposa do réu Raquel Aparecida Sanagiotto, cuja origem do dinheiro espúrio advém do tráfico de drogas.
- Já no que concerne ao veículo Volvo apreendido na residência do corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA (Volvo XC60 T5, ano 2019/2020, placas GCS 2C58), registrado em nome do corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, a sentença não apresenta fundamentação suficiente a amparar uma condenação. Réu absolvido nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação).
- Absolvição, ainda, da imputação da lavagem de dinheiro consubstanciada na transação por meio da utilização de pessoa jurídica da qual o réu figurava como sócio (C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA.) (contrato de mútuo), nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal).
- Dosimetria da pena de ANDRÉ ROBERTO DA SILVA. Pena-base. Os fundamentos utilizados pela sentença para majorar o vetor culpabilidade se amoldariam às circunstâncias do delito. A complexidade dos atos empreendidos para a execução criminosa, constituiria argumento eficaz para valorar negativamente aludido vetor. No entanto, considerando que o réu fora condenado apenas pela lavagem atinente a três imóveis e dois veículos, a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi descrita na sentença e que desbordaria do próprio tipo penal, como o uso de inúmeras pessoas jurídicas, não deve ser sopesado negativamente. Deve ser afastadado, portanto, a negativação de aludido vetor. Em relação às consequências do crime o grande volume de recursos envolvidos na lavagem de valores (mais de 3 milhões – apartamento n. 302 do edifício residencial Saint Pietro: cerca de R$ 830.000,00; imóvel registrado sob a matrícula n. 93.606 no 1º CRI de São Paulo/SP: cerca de R$ 1.107.132,00; imóvel registrado sob a matrícula n. 201.254 no 9º CRI de São Paulo/SP: cerca de R$ 1.050.000,00; veículo Porsche Macan de placas FVN3B33: cerca de R$ 294.000,00; veículo Porsche Macan, de placas EJR0A86: cerca de R$ 540.000,00) já descontado os valores atinentes pelo que foi absolvido igualmente justifica o aumento da pena na primeira fase dosimétrica, uma vez que foi movimentado, ilicitamente, vultosos valores, o que tem o condão de majorar a pena. Tal numerário desborda do usual para crimes da mesma natureza. No entanto, diante da absolvição de parte da lavagem, deve ser reduzida a fração de aumento utilizada na sentença, aplicando-se a fração de 1/6 (um sexto). Adotando a fração de 1/6, a pena-base fica reduzida para 03 (três) anos, 06 (seis) meses e 11 (onze) dias-multa.
- Agravantes e atenuantes. Nesta etapa da dosimetria, o juízo a quo não reconheceu circunstâncias agravantes, tampouco atenuantes. Fica a pena intermediária estabelecida em 03 (três) anos, 06 (seis) meses e 11 (onze) dias-multa.
- Causas de aumento e diminuição. Não deve ser reconhecida a participação de menor importância porquanto a atuação de ANDRÉ foi decisiva e relevante para a atividade criminosa. Demonstrada a reiteração da lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico internacional de drogas (lavagem de três imóveis e dois veículos de luxo), mostrando-se imperioso a majoração da causa de aumento de pena disposta no art. 1º, § 4º, da Lei n.º 9.613/1998. Considerando a absolvição de parte da lavagem, bem ainda ter remanescido a condenação por cinco atos de lavagem, deve ser mantida a majoração em decorrência da reiteração do delito, no entanto, por meio da redução da fração para 1/3 (um terço). Fica a pena estabelecida em 04 (quatro) anos, 08 (oito) meses e 14 (quatorze) dias-multa.
- Concurso de crimes. O juízo a quo aplicou a regra do concurso material disposta no artigo 69 do Código Penal, o que deve ser mantido. A pena total fica estabelecida em 24 (vinte e quatro) anos, 08 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão e ao pagamento de 2.262 dias-multa.
- Valor da multa. O r. juízo a quo estipulou o valor da cada dia-multa em dois salários mínimos, o que está dentro do parâmetro estipulado pelo artigo 49 do Código Penal, considerando que o salário-mínimo vigente à época dos fatos (2020) era de R$ 1.045,00. Conforme constou na sentença, considerando que o réu permaneceu em silêncio e não informou renda, bem como “considerando o padrão de vida luxuoso do acusado, o que se infere pelas diversas provas constantes dos autos a respeito de residências em locais nobres guarnecidas com mobília de luxo, posse de veículos de luxo, realização de viagens luxuosas etc.”, deve ser mantido tal arbitramento, ficando rechaçado o pleito defensivo de redução do quantum.
- Regime inicial e substituição por penas restritivas de direitos. Em tendo sido fixada a pena em 24 (vinte e quatro) anos, 08 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, fica mantido o regime inicial FECHADO de cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea “a”, do Código Penal, vedada a substituição por penas restritivas de direitos.
- DA OCULTAÇÃO E/OU DISSIMULAÇÃO.
- RÉU FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS
- DA IMPUTAÇÃO DA LAVAGEM DE DINHEIRO CONSUBSTANCIADA NA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DE QUANTIAS MILIONÁRIAS PELO RÉU POR MEIO DE CONTA DE PESSOA JURÍDICA DA QUAL ERA TITULAR, BEM COMO POR MEIO DE SUAS PRÓPRIAS CONTAS BANCÁRIAS, ALÉM DA AQUISIÇÃO DE BEM DE LUXO
- Comprovada a lavagem de dinheiro levada a efeito por FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS a partir das movimentações financeiras levadas a efeito com as empresas de fachada JRCN TAXI AÉREO LTDA. (R$ 250.000,00), RCN REGULAMENTAÇÃO E SOLUÇÕES IMOBILIÁRIAS LTDA. (R$ 50.750,00 e R$ 250.000,00), JRCN ASSESSORIA E CONSULTORIA EMPRESARIAL LTDA. (R$ 11.608,55), bem como com João Carlos Camisa Nova Júnior (R$ 67.662,15), além da lavagem por meio da aquisição do veículo BMW de placas BRZ 0J95, licenciado em nome da empresa de fachada BRASIL HOLDING CONSULTORIA E COMÉRCIO LTDA., no valor de aproximadamente R$ 105.000,00 considerados pela sentença, cuja origem do dinheiro espúrio advém do tráfico de drogas e da associação para o tráfico.
- Ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo de FRANCISCO, o qual, transacionou com empresas de fachada, bem como adquiriu bem de alto valor para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de tráfico de drogas e associação criminosa. Evidenciou-se que o corréu FRANCISCO agiu, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiu o risco de produzir resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraír-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisar lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos.
- Não prospera a imputação da lavagem de dinheiro consubstanciada na movimentação financeira de valores em conta da pessoa jurídica da qual o réu figurava como sócio (C1P CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA.), no que diz respeito às seguintes transações: a) em que a referida empresa figurou para o recebimento de setecentos e vinte mil euros em 15.09.2020, depositados pela empresa Hachemuda Morelo S.L (pessoa jurídica que figurou formalmente como importadora da carga de milho utilizada na camuflagem da cocaína); b) nas transações em que a mencionada empresa foi utilizada para o pagamento de parte da carga do milho, no valor de R$ 749.130,00 (tendo como destinatárias as empresas Terra Viva Comércio de Grãos e Agro Irmãos de Campos Novos Paulista), devendo o réu ser absolvido, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal). Tais fatos não descrevem a ocultação ou a dissimulação característicos da lavagem, mas sim o exaurimento do crime de traficância levado a efeito pelo corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA e por João Carlos Camisa Nova Júnior, não bastando, portanto, para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro.
- O réu deve ser absolvido das imputações atinentes ao recebimento de depósitos em dinheiro, por meio da conta da empresa CP1 CONSULTORIA E REPRESENTAÇÕES LTDA., sem identificação do depositante, nos meses de agosto e setembro de 2020, no valor total de R$ 495.910,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil, novecentos e dez reais); transacionar € 848.412,35 (oitocentos e quarenta e oito mil, quatrocentos e doze euros e trinta e cinco centavos de euro), os quais, convertidos em moeda nacional, totalizariam aproximadamente R$ 5.400.000,00 (cinco milhões e quatrocentos mil reais), nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação), porquanto verifica-se que a sentença não apresenta fundamentação suficiente a amparar uma condenação, tendo se limitado a descrição de fatos sem esmiuçar a forma pela qual teria ocorrido a ocultação ou dissimulação inerente à lavagem.
- Também no que concerne à condenação por lavagem de dinheiro ante ao fato de: a) FRANCISCO ter transacionado “cerca de R$ 656.540,35 (seiscentos e cinquenta e seis mil, quinhentos e quarenta reais e trinta e cinco centavos) com a C1P Consultoria e Representações Ltda., dos quais a maior parte foram transacionados no mês de setembro de 2020, pouco antes da apreensão de cocaína no navio UNISPIRIT; b) FRANCISCO ter transferido, em 18.09.2020, de sua conta bancária para a C1P Consultoria e Representações Ltda. a quantia de R$ 278.000,00 (duzentos e setenta e oito mil reais)”; c) “imóvel onde reside o corréu é de alto padrão, possuindo duas suítes, um quarto e ambiente com piscina no terceiro andar. As fotografias apresentadas indicam que o imóvel é efetivamente de alto padrão”, verifica-se que a sentença não apresenta fundamentação suficiente a amparar uma condenação, tendo se limitado a descrição de fatos sem esmiuçar a forma pela qual teria ocorrido a ocultação ou dissimulação inerente à lavagem, motive pelo qual o réu deve ser absolvido de tais imputações, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação).
- Dosimetria da pena de FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS. Pena-base. Os fundamentos utilizados pela sentença para majorar o vetor culpabilidade se amoldam às circunstâncias do delito. A complexidade dos atos empreendidos para a execução criminosa, constitui argumento eficaz para valorar negativamente aludido vetor. A defesa argumenta que não seria razoável o réu ter sido absolvido pelo crime de tráfico de drogas e ter no crime de lavagem de dinheiro sua pena exasperada sob o fundamento de que protagonizou a lavagem de valores oriundos do tráfico de drogas, utilizando-se de inúmeras pessoas jurídicas e físicas como interpostas pessoas. O referido corréu a despeito de ter sido absolvido do crime de tráfico de drogas e de associação criminosa atuou na lavagem de dinheiro no mínimo com dolo eventual no que diz respeito às infrações subjacentes. Ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo de FRANCISCO, o qual, transacionou com empresas de fachada, bem como adquiriu bem de alto valor para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de tráfico de drogas e associação criminosa. Com efeito constata-se a existência de aspectos mais reprováveis do modus operandi na hipótese dos autos e que desbordam do próprio tipo penal, como o uso de inúmeras pessoas jurídicas de fachada, tendo como objetivo que o dinheiro espúrio da traficância transparecesse lícito, tornando-o difícil de ser rastreado pelas autoridades competentes. Em suma, tal método utilizado para além de se amoldar ao próprio tipo penal da lavagem revela um incremento no modo de atuação, o que dificulta sobremaneira o rastreamento do crime e justifica a exasperação da pena. Tal atuar desborda do usual para crimes da mesma natureza. A sentença majorou na fração de 1/3 (um terço). No entanto, diante das absolvições levadas a efeito, torna-se suficiente a majoração na fração de 1/6 (um sexto) por este vetor. Em relação às consequências do crime o grande volume de recursos envolvidos na lavagem de valores (aproximadamente R$ 735.000,00) já descontado os valores atinentes pelo que foi absolvido igualmente justifica o aumento da pena na primeira fase dosimétrica, uma vez que foi movimentado, ilicitamente, vultosos valores, o que tem o condão de majorar a pena. Tal numerário desborda do usual para crimes da mesma natureza. No entanto, diante da absolvição de parte da lavagem, deve ser reduzida a fração de aumento utilizada na sentença, aplicando-se a fração de 1/6 (um sexto). Em razão de dois vetores negativados, a pena-base fica reduzida para 04 (quatro) anos de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
- Agravantes e atenuantes. O juízo a quo não reconheceu circunstâncias agravantes, tampouco atenuantes. Pena intermediária estabelecida em 04 (quatro) anos de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
- Causas de aumento e diminuição. Restou efetivamente demonstrada a reiteração da lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico internacional de drogas (cinco transações financeiras e um veículo de luxo), mostrando-se imperioso a majoração da causa de aumento de pena disposta no art. 1º, § 4º, da Lei n.º 9.613/1998. Considerando a absolvição de parte da lavagem, bem ainda ter remanescido a condenação por seis atos de lavagem, deve ser mantida a majoração em decorrência da reiteração do delito, no entanto, por meio da redução da fração para 1/3 (um terço). Fica a pena estabelecida em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa.
- Valor da multa. O r. juízo a quo estipulou o valor da cada dia-multa em 1,5 salários mínimos, o que está dentro do parâmetro estipulado pelo artigo 49 do Código Penal, considerando que o salário-mínimo vigente à época dos fatos (2020) era de R$ 1.045,00. Conforme constou na sentença, considerando que o réu aufere renda mensal de 15 mil reais e o padrão de vida luxuoso do acusado, deve ser mantido tal arbitramento.
- Regime inicial e Substituição por penas restritivas de direitos. Em tendo sido fixada a pena em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, fica mantido o regime inicial SEMIABERTO de cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, parágrafo 2º, alínea “b”, do Código Penal. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito (artigo 44 do Código Penal), bem como incabível a concessão de sursis (artigo 77 do Código Penal). Consoante constou na sentença, deve ser mantida a progressão de regime, para o regime inicial ABERTO de cumprimento da pena, em razão da detração.
- Disposições Finais. Tendo em vista a manutenção da condenação pelos delitos de tráfico de drogas, associação para o tráfico de drogas e lavagem de dinheiro para ANDRÉ ROBERTO DA SILVA, bem como de lavagem de dinheiro para FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS, tem-se que em relação ao corréu ANDRÉ ROBERTO DA SILVA fica mantida a perda do produto do crime, nos termos do artigo 91, II, “b”, do Código Penal, no valor de R$ 9,87 milhões de reais (aqui considerado não apenas os valores da lavagem mas também o produto do tráfico). Em relação ao corréu FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS fica estabelecida a perda do produto do crime, nos termos do artigo 91, II, “b”, do Código Penal, no valor de R$ 735.000,00. As demais constrições devem ser mantidas até que se faça prova de sua origem lícita. Note-se que o art. 120 do Código de Processo Penal dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem ou valor, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal: “Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes”. A inteligência do artigo supramencionado determina que, até mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um bem ou valor apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como condenado deve, obrigatoriamente, demonstrar a origem lícita do bem ou valor para que se cogite de seu direito a vê-lo restituído.
- Parcial provimento à Apelação interposta por ANDRÉ ROBERTO DA SILVA para MANTER SUA CONDENAÇÃO pela prática dos crimes previstos no artigo 33,caput,c.c. o artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, artigo 35, c.c. o artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, e artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998 (de forma reiterada por 05 (cinco) vezes: 03 (três) imóveis e 02 (dois) veículos), na forma do artigo 69 do Código Penal, àpena de 24 (vinte e quatro) anos, 08 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial FECHADO de cumprimento da pena, e ao pagamento de 2.262 dias-multa, cada qual no valor de 02 (dois) salários mínimos, bem ainda PARA ABSOLVÊ-LO de 04 (quatro) imputações de lavagem de dinheiro (artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998), com fundamento no artigo 386, inciso III, do CPP, consubstanciadas em 04 (quatro) transações financeiras, e PARA ABSOLVÊ-LO de 04 (quatro) imputações de lavagem de dinheiro (artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998), com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP, consubstanciadas em 03 (três) transações financeiras e 01 (um) veículo.
- Parcial provimento à Apelação interposta por FRANCISCO PEREIRA DOS SANTOS para MANTER SUA CONDENAÇÃO pela prática do artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998 (de forma reiterada por 06 (seis) vezes: 05 (cinco) transações financeiras e 01 (um) veículo), à pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO de cumprimento da pena, deve ser mantida a progressão de regime por força da detração tal qual estabelecido na sentença e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, cada qual no valor de 1,5 salários mínimos, bem ainda PARA ABSOLVÊ-LO de 02 (duas) imputações de lavagem de dinheiro consubstanciadas em transações financeiras (artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998), com fundamento no artigo 386, inciso III, do CPP, e PARA ABSOLVÊ-LO de 05 (cinco) imputações de lavagem de dinheiro consubstanciadas em 04 (quatro) transações financeiras e 01 (um) imóvel (artigo 1º,caput,c.c. o §4º da Lei n.º 9.613/1998), com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP.