APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5022274-41.2024.4.03.6100
RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO
APELANTE: CASAR.COM SITE DE CASAMENTO E EVENTOS S.A.
Advogados do(a) APELANTE: FERNANDO AUGUSTO WATANABE SILVA - SP343510-A, VINICIUS PIMENTA SEIXAS PEREIRA - SP306674-A
APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA DE FISCALIZAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEFIS/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5022274-41.2024.4.03.6100 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: CASAR.COM SITE DE CASAMENTO E EVENTOS S.A. Advogados do(a) APELANTE: FERNANDO AUGUSTO WATANABE SILVA - SP343510-A, VINICIUS PIMENTA SEIXAS PEREIRA - SP306674-A APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA DE FISCALIZAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEFIS/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por CASAR.COM SITE DE CASAMENTO E EVENTOS S.A., em face da sentença que, em mandado de segurança, denegou a segurança pleiteada por entender que ocorreu a litispendência. O mandado de segurança foi ajuizado com o objetivo garantir o seu direito de usufruir do benefício fiscal instituído pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, nos termos da redação original da Lei 14.148/21, até 17/03/2027, sem as limitações impostas pela Lei 14.859/24. O magistrado de primeiro grau entendeu ter ocorrido a litispendência pelo fato de a impetrante ter ajuizado anteriormente o Mandado de Segurança 5007649-02.2024.403.6100 para contestar a Medida Provisória 1.202/23, que teria revogado o benefício do PERSE. Alega a apelante que o presente mandado de segurança possui causa de pedir e pedido diversos, uma vez que a Lei 14.859/24, ora impugnada, não é fruto de conversão da Medida Provisória 1.202/23, e trouxe inovações diversas, como a exclusão de duas atividades por ela exercidas; à limitação dos benefícios às pessoas jurídicas que, em 18.3.2022, possuíam como código CNAE principal ou atividade preponderante uma das atividades econômicas contempladas no âmbito do PERSE; à limitação dos benefícios para, partir de 2025 e 2026, somente o PIS e a COFINS pelas pessoas jurídicas optantes pelo lucro real; a obrigatoriedade de habilitação prévia perante à RFB para fruição do benefício; e, por fim, a revogação antecipada do benefício quando a renúncia fiscal atingir o limite de 15 bilhões de reais. Requer o provimento integral do recurso “a fim de que seja afastada a suposta litispendência entre este processo e o Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100, bem como que seja determinado o retorno dos presentes autos ao I. Juízo a quo para análise do mérito e concessão da segurança pleiteada” Subsidiariamente, após superada a litispendência, requer a aplicação do disposto no artigo 1.013, §3º, inciso I, do CPC (teoria da causa madura), para reconhecer seu direito líquido e certo da Apelante: “(i) à fruição dos benefícios fiscais de alíquota zero de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL até 17.3.2027, nos termos da redação original da Lei nº 14.148/21, em conjunto com a Portaria nº 7.163/21, afastando-se definitivamente todas as restrições e disposições trazidas pela Lei nº 14.859/24; (ii) de reaver eventuais valores recolhidos desde a vigência da Lei nº 14.859/24, inclusive aqueles eventualmente recolhidos no curso e/ou após a tramitação da presente ação mandamental, decorrentes de pagamentos indevidos de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, devidamente atualizados, via compensação na forma prevista na IN RFB nº 2.055/21 (ou outra legislação que vier a substituila), aplicando-se a taxa SELIC ou outro indexador que venha a substitui-la, ressalvando-se o direito fiscalizatório da RFB; e (iii) Ainda de forma subsidiária, na remota hipótese de não serem acolhidos os pedidos acima, o que se admite apenas para argumentar, a Apelante requer que seja reconhecida a inconstitucionalidade e a ilegalidade da Lei nº 14.859/24, por ofensa aos princípios das anterioridades anual e nonagesimal, reconhecendo-se a impossibilidade de tributar os resultados da Apelante até 20.8.2024 para a CSLL, PIS e COFINS, e até 31.12.2024 para o IRPJ, com o consequente reconhecimento à restituição de valores eventualmente recolhidos de forma indevida”. A União Federal apresentou contrarrazões. Intimado, o Ministério Público Federal opinou pelo regular prosseguimento do feito. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5022274-41.2024.4.03.6100 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: CASAR.COM SITE DE CASAMENTO E EVENTOS S.A. Advogados do(a) APELANTE: FERNANDO AUGUSTO WATANABE SILVA - SP343510-A, VINICIUS PIMENTA SEIXAS PEREIRA - SP306674-A APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA DE FISCALIZAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO (DEFIS/SPO), DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): Cinge-se a controvérsia em definir se ocorreu litispendência entre o presente processo e o Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100 e, caso concluído que não ocorreu tal litispendência, se o processo deve retornar à origem para que seja julgado o seu mérito ou, presentes os pressupostos do artigo 1.013, § 3º, inciso I, do CPC (teoria da causa madura), com o consequente julgamento do mérito do Writ, se a impetrante possui o direito líquido de usufruir do PERSE com base na redação originária da Lei 14.148/21, sem as alterações introduzidas pela Lei 14.859/24. Inicialmente verifico que não ocorreu litispendência entre o presente Mandado de Segurança e o Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100. Vejamos. No Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100 o contribuinte se insurge contra a Medida Provisória 1.202/23, que simplesmente revogou o benefício do PERSE previsto no art. 4º da Lei 14.148/21. No presente Mandado de Segurança, por sua vez, o contribuinte se insurge contra as alterações legislativas da Lei 14.589/24, que revogou a Medida Provisória 1.202/23 e limitou a fruição de seu benefício fiscal. Em ambos os processos, o impetrante pretende usufruir do benefício do art. 4º da Lei do PERSE até 17.3.2027. Porém, os fundamentos utilizados em tais pedidos são distintos. Assim, embora as partes sejam as mesmas e os pedidos nesses processos sejam do mesmo gênero, observa-se que a causa de pedir é distinta, de modo que não ocorreu a litispendência, já que a Medida Provisória 1.202/23 e a Lei 14.859/24 veiculam alterações distintas na legislação do benefício em comento. Por outro lado, também verifico que não há risco de decisões conflitantes entre este Mandado de Segurança e o Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100. Com efeito, caso seja decidido neste último pela legalidade da MP 1.202/23, que revogou o benefício do PERSE com um todo, a Lei 14.859/23, ao restabelecê-lo, introduziu novas regras, que serão objeto de análise no presente writ. Da mesma forma, caso seja decidido no Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100 pela ilegalidade da MP 1.202/23, o PERSE ainda vigente também sofreu alterações pela Lei 14.859/23, que por meio deste Mandado de Segurança se buscam atacar. Uma vez superada essa questão, cumpre analisar se estão presentes os requisitos do artigo 1.013, §3º, inciso I, do CPC (teoria da causa madura). De acordo com o referido artigo: “Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: I - reformar sentença fundada no art. 485 ;” No caso do Mandado de Segurança, dada a sua natureza de procedimento especial típico de remédio constitucional, a decisão que o extingue sem apreciar o mérito é uma decisão de denegação da própria segurança, nos termos do art. 6º, § 5o, da Lei 12.016/09, o que corresponde ao atual art. 485 do CPC acima mencionado. No presente caso, como se trata de controvérsia exclusivamente de direito, estando a situação fática suficientemente delineada e comprovada nos documentos anexados pela impetrante, entendo cabível a aplicação da teoria da causa madura, de modo que passo a analisar o mérito do processo. Pois bem. Vejamos as alegadas alterações promovidas pela Lei 14.859/24 contra as quais a impetrante se insurge: a) exclusão das atividades por ela exercidas, constantes nos CNAEs 74.90-1-04 (Atividades de Intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários), e 62.01-5-01 (Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda); b) limitação dos benefícios às pessoas jurídicas que, em 18.3.2022, possuíam como código CNAE principal ou atividade preponderante uma das atividades econômicas contempladas no âmbito do PERSE; c) limitação dos benefícios para, partir de 2025 e 2026, somente o PIS e a COFINS pelas pessoas jurídicas optantes pelo lucro real; d) obrigatoriedade de habilitação prévia perante à RFB para fruição do benefício; e, e) revogação antecipada do benefício quando a renúncia fiscal atingir o limite de 15 bilhões de reais. Inicialmente verifico que a Lei 14.859/24 não excluiu os CNAEs 74.90-1-04 e 62.01-5-01 do benefício do PERSE, como a alega a recorrente (item “a)” acima. A exclusão do CNAE 74.90-1-04 se deu com a publicação da Portaria ME 11.266/22, que, com fundamento no art. 2º, § 2º, da Lei 14.148/21, atualizou a relação das empresas beneficiadas pelo PERSE, não mais contemplando as atividades descritas nesse CNAE. Por sua vez, o CNAE 62.01-5-01 não foi contemplado no PERSE pela Portaria ME 7.163/21, como afirma a impetrante. Assim, a impetrante carece de interesse de agir quanto ao seu pedido de permanecer utilizando-se do PERSE a esses CNAEs afastando-se as alterações da Lei 14.859/24, de modo que extingo o processo sem apreciação do mérito, em relação a esse pedido, denegando consequentemente a segurança, nos termos do art. 6º, § 5º, da Lei 12.016/09 c/c art. 17 e 485, VI, do CPC). Vejamos agora a alegada limitação dos benefícios às pessoas jurídicas que, em 18.3.2022, possuíam como código CNAE principal ou atividade preponderante uma das atividades econômicas contempladas no âmbito do PERSE (item “b” acima). Nesse ponto, também carece a recorrente de interesse de agir. A necessidade limitação dos benefícios do PERSE às pessoas jurídicas que, em 18.3.2022, possuíam como código CNAE principal ou atividade preponderante uma das atividades econômicas contempladas no âmbito do benefício não muda em nada a situação da impetrante, uma vez que a única atividade sua que foi contemplada pelo benefício (CNAE 82.30-0-01) foi justamente a sua atividade principal. Assim, a impetrante carece de interesse de agir quanto a essa nova regra trazida pela Lei 14.859/24 pedido, de modo que extingo o processo sem apreciação do mérito, em relação a esse pedido, denegando consequentemente a segurança, nos termos do art. 6º, § 5º, da Lei 12.016/09 c/c arts. 17 e 485, VI, do CPC). Vejamos agora a limitação dos benefícios para, a partir dos anos de 2025 e 2026, somente o PIS e a COFINS pelas pessoas jurídicas optantes pelo lucro real (item “c” acima). Dentre os benefícios previstos na referida Lei, está a redução à alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), bem como das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e Financiamento da Seguridade Social (COFINS) às pessoas jurídicas que exercem atividades elencadas em seu art. 4º. A Lei 14.859/24 acrescentou o § 12 ao art. 4º da Lei 14.148/21, que determinou que para as pessoas jurídicas beneficiárias do Perse tributadas com base no lucro real ou no lucro arbitrado, a alíquota zero do benefício será restrita ao PIS e a COFINS durante os exercícios de 2025 e 2026. Ou seja, tais pessoas jurídicas não mais gozarão de alíquota zero do IRPJ e da CSLL nos anos de 2025 e 2026. Nesse ponto, não identifico ilegalidade na Lei 14.859/24, uma vez que o benefício do PERSE configura modalidade de isenção onerosa, a teor do art. 178 do CTN, pois a lei não estabeleceu qualquer contraprestação por parte do contribuinte para fruição do benefício, de modo que não há impedimento algum para sua revogação. Da mesma forma, verifico que a Lei 14.859/24 observou o princípio da anterioridade anual e nonagesimal, pois publicada no DOU de 23.5.2024 e retificado em 28.5.2024, com vigência somente a partir de 01.01.2025. Em relação obrigatoriedade de habilitação prévia perante à RFB para fruição do PERSE a que se insurge o contribuinte (item “d” acima), o novo art. 4º-B da Lei 14.148/21, introduzido pela Lei 14.859/24 determinou que a fruição do benefício do PERSE é condicionada à habilitação prévia, no prazo de 60 dias a contar da sua regulamentação, por meio de apresentação, por plataforma eletrônica automatizada da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, dos atos constitutivos e respectivas alterações da pessoa jurídica beneficiada. Não há, ao meu ver, qualquer ilegalidade na nova regra. A prévia habilitação determinada pelo novo art. 4º-B da Lei do PERSE se dá somente a partir da regulamentação de tal dispositivo pela RFB, no prazo de 60 dias, que reputo razoável para que o contribuinte possa reunir a documentação necessária para tanto. Tal habilitação é legítima para que a autoridade fiscal possa exercer a fiscalização e controle do benefício. Além disso, a despeito da expressão “prévia” existente no texto legal, a referida habilitação não é condição para que o contribuinte possa usufruir do benefício que já está em vigor desde 18.03.2022, e sim, condição de manutenção do benefício, pois sua implementação não se dá de forma retroativa. Por fim, quanto à revogação antecipada do benefício quando a renúncia fiscal atingir o limite de 15 bilhões de reais (item “e” acima), o novo art. 4º-A da Lei 14.148/21, introduzido pela Lei 14.859/24 assim dispõe: “Art. 4º-A. O benefício fiscal estabelecido no art. 4º terá o seu custo fiscal de gasto tributário fixado, nos meses de abril de 2024 a dezembro de 2026, no valor máximo de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), o qual será demonstrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em relatórios bimestrais de acompanhamento, contendo exclusivamente os valores da redução dos tributos das pessoas jurídicas de que trata o art. 4º que foram consideradas habilitadas na forma do art. 4º-B desta Lei, com desagregação dos valores por item da CNAE e por forma de apuração da base de cálculo do IRPJ, sendo discriminados no relatório os valores de redução de tributos que sejam objeto de discussão judicial não transitada em julgado, ficando o benefício fiscal extinto a partir do mês subsequente àquele em que for demonstrado pelo Poder Executivo em audiência pública do Congresso Nacional que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado.” Com isso, a Lei 14.859/24 possibilitou a revogação do benefício previsto no art. 4º da Lei do PERSE tão logo a renúncia fiscal tenha atingido o total de R$ 15 bilhões de reais, estabelecendo mecanismos de transparência para aferição de tal montante atendendo ao princípio da anterioridade e prestigiando o equilíbrio orçamentário previsto no art. 113 do ADCT. Como dito anteriormente, o PERSE não é um benefício fiscal oneroso, de modo que sua fruição se dá tão somente pelo fato do contribuinte preencher as condições previamente estabelecidas em lei, sem necessidade de qualquer contrapartida de sua parte, de modo que não se aplica as regras previstas no art. 178 do CTN e na Súmula 544 do STF (Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas") tão somente por possuir, na origem, um prazo pré-determinado. Assim, não há qualquer ilegalidade na revogação do benefício fiscal operado pela Lei 14.859/24, sendo uma opção legítima do legislador. Nesse sentido: TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERSE. POSTERIOR EXCLUSÃO DO CNAE. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIOS FISCAL. POSSIBILIDADE. ISENÇÃO SIMPLES. NECESSIDADE DE OBSERVÂNICAS DOS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE E ANTERIORIDADE. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES DA UNIÃO E DA IMPETRANTE DESPROVIDAS. 1 - A Lei n.º 14.148/2021 instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos pudesse mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública. Dentre os benefícios do Programa foi prevista, inicialmente, a redução a zero 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas da tributação de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, incidentes sobre as receitas e o resultado auferido pelas pessoas jurídicas do setor de eventos. Ressalta-se que, posteriormente, com a vigência da Medida Provisória n.º 1.147/2022, convertida na Lei n.º 14.592/2023, referida redução a zero 0% (zero por cento) das alíquotas tributárias passou a incidir, restritivamente, sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas no ato do Ministério da Economia. 2 - Com vistas à regulamentação da lei destacada, com amparo no § 2º, do artigo 2º, da Lei n.º 14.148/2021, em 23.01.2021, foi publicada a Portaria do Ministério da Economia n.º 7.163/21, que definiu os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para determinação das empresas destinatárias da benesse fiscal. Diante da modificação do artigo 4º da Lei do PERSE pelo advento da Medida Provisória n.º 1.147/22, em 02.01.2023, por orientação do § 4º do mesmo dispositivo, em substituição à Portaria ME n.º 7.163/21, foi publicada nova Portaria do Ministério da Economia, de n.º 11.266/22, que excluiu alguns códigos CNAE do benefício fiscal previsto. 3 - Posteriormente, a Lei n.º 14.592/2023, publicada em 30.05.2023 e vigente desde então (artigo 15), alterou em parte as disposições da Lei n.º 14.148/2021 e passou a prever expressamente os códigos CNAE enquadrados no PERSE. Após, foi editada a Medida Provisória n.ª 1.202/2023, publicada em 29.12.2023, que, submetida aos princípios da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ (produção de efeitos a partir de 1º de janeiro de 2025 – artigo 6º, I, a) e da anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social (produção de efeitos a partir de 1º de abril de 2024 – artigo 6º, I, b), revogou expressamente o benefício fiscal relativo à redução a zero das alíquotas dos tributos previstos no PERSE (artigo 6º, I). Contudo, referido inciso I, do artigo 6º, da Medida Provisória n.º 1.202/2023 foi expressamente revogado pelo artigo 5º da Lei n.º 14.859/2024, publicada em 23.05.2024 e vigente desde então (artigo 6º), a qual, em seu artigo 1º, modificou a redação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, inclusive quanto ao rol de códigos CNAE enquadrados no PERSE. Ressalte-se que a Lei n.º 14.859/2024, em seu artigo 3º, possibilitou a repetição das contribuições sociais eventualmente recolhidas por força da produção de efeitos da Medida Provisória n.º 1.202/2023. 4 - O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal. 5 - Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos. É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação. 6 - A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos. O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos. 7 - Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração. A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço de tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária. 8 - A Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Precedentes. 9 - Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”). Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos. 10 - Figura como requisito legal (e não condição de caráter oneroso) para a obtenção das benesses fiscais o exercício de atividades no setor de eventos na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”). 11 - Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei. Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais. 12 - No caso concreto, o contribuinte exerce atividade que , embora constasse da Portaria ME n.º 7.163/2021, foi excluída do rol de atividades da Portaria ME n.º 11.266/2022, não constando dos róis posteriormente contemplados nas Leis n.ºs 14.592/2023 e 14.854/2024 13 - A atividade do contribuinte não se insere, obrigatoriamente, no setor de eventos, razão pela qual não foge à razoabilidade e proporcionalidade sua exclusão do rol taxativo de códigos CNAE para fins de fruição do benefício fiscal previsto no PERSE, haja vista que referido Programa visou à recuperação de determinados setores da economia, especialmente afetados pela pandemia da Covid-19, e que, justamente, visou ao princípio da isonomia. De sorte que, sob pena de ofensa à separação dos Poderes, não cabe ao Judiciário substituir os demais Poderes no âmbito da discricionariedade que lhes é própria. 14 - O contribuinte faz jus à fruição do benefício fiscal até que observado, Portaria ME nº 11.266/22, o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social. 15 - Remessa necessária e apelações da União e da impetrante desprovidas. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002321-47.2023.4.03.6126, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 02/06/2025, Intimação via sistema DATA: 03/06/2025) Ante o exposto, dou provimento ao recurso da impetrante para afastar a extinção do processo sem apreciação do mérito e, com fundamento no art. 1.013, § 3º do CPC, julgo extinto, sem apreciação do mérito, os pedidos do autor de declaração de ilegalidade da exclusão de suas atividades descritas nos CNAEs 7490-01-04 e 62.01-5-01 do benefício do PERSE, bem como da limitação do referido benefício às pessoas jurídicas que, em 18.3.2022, possuíam como código CNAE principal ou atividade preponderante uma das atividades econômicas contempladas no âmbito do PERSE, nos termos do art. 6º, §5º, da Lei 12.016/09 e, em relação aos demais pedidos, denego à segurança. É o voto.
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO DE APELAÇÃO. TRIBUTÁRIO. LEI 14.148/21, ART. 4º. PROGRAMA EMERGENCIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS (PERSE). NÃO PREVISÃO DAS ATIVIDADES DOS IMPETRANTES NA PORTARIA ME 11.266/22, DE 02/01/2023. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO ART. 178 DO CTN. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO SUJEITA AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE ANUAL (IRPJ) E NONAGESIMAL (CSLL, PIS E COFINS). UTILIZAÇÃO DO BENEFÍCIO RESTRITA À RECEITA / LUCRO DECORRENTE DA ATIVIDADE BENEFICIADA NO RESPECTIVO PERÍODO.
- Cinge-se a controvérsia em definir se ocorreu litispendência entre o presente processo e o Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100 e, em caso negativo, se o processo deve retornar à origem para que seja julgado o seu mérito ou, presentes os pressupostos do artigo 1.013, § 3º, inciso I, do CPC (teoria da causa madura), com o consequente julgamento do mérito do Writ, se a impetrante possui o direito líquido de usufruir do PERSE com base na redação originária da Lei 14.148/21, sem as alterações introduzidas pela Lei 14.859/24.
- Não ocorreu litispendência entre o presente Mandado de Segurança Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100, pois no Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100 o contribuinte se insurge contra a Medida Provisória 1.202/23, que simplesmente revogou o benefício do PERSE previsto no art. 4º da Lei 14.148/21, ao passo que no presente Mandado de Segurança, por sua vez, o contribuinte se insurge contra as alterações legislativas da Lei 14.589/24, que revogou a Medida Provisória 1.202/23 e limitou a fruição de seu benefício fiscal.
- Em ambos os processos, o impetrante pretende usufruir o benefício do art. 4º da Lei do PERSE até 17.3.2027. Porém, os fundamentos utilizados em tais pedidos são distintos. Assim, embora as partes nesses processos sejam as mesmas e o pedido seja do mesmo gênro, observa-se que a causa de pedir é distinta, de modo que não ocorreu a litispendência.
- A Medida Provisória 1.202/23 e a Lei 14.859;24 veiculam alterações distintas na legislação do benefício. Por outro lado, também verifico que não há risco de decisões conflitantes entre este Mandado de Segurança e o Mandado de Segurança nº 5007649-02.2024.4.03.6100.
- No presente caso, como se trata de controvérsia exclusivamente de direito, estando a situação fática suficientemente delineada e comprovada nos documentos anexados pela impetrante, entendo cabível a aplicação da teoria da causa madura (CPC, art. 1.013, § 3º), de modo que é possível analisar o mérito do processo.
- Inicialmente verifica-se que a Lei 14.859/24 não excluiu os CNAEs 74.90-1-04 e 62.01-5-01 do benefício do PERSE, como a alega a recorrente. A exclusão do CNAE 74.90-1-04 se deu com a publicação da Portaria ME 11.266/22, que, com fundamento no art. 2º, § 2º, da Lei 14.148/21, atualizou a relação das empresas beneficiadas pelo PERSE, não mais contemplando as atividades descritas nesse CNAE.
- Por sua vez, o CNAE 62.01-5-01 não foi contemplado no PERSE pela Portaria ME 7.163/21, como afirma a impetrante.
- Assim, a impetrante carece de interesse de agir quanto ao seu pedido de permanecer utilizando-se do PERSE a esses CNAEs afastando-se as alterações da Lei 14.859/24.
- Quanto à alegada limitação dos benefícios às pessoas jurídicas que, em 18.3.2022, possuíam como código CNAE principal ou atividade preponderante uma das atividades econômicas contempladas no âmbito do PERSE, também carece a recorrente de interesse de agir.
- A necessidade limitação dos benefícios do PERSE às pessoas jurídicas que, em 18.3.2022, possuíam como código CNAE principal ou atividade preponderante uma das atividades econômicas contempladas no âmbito do benefício não muda em nada a sua situação, uma vez que a única atividade sua que foi contemplada pelo benefício (CNAE 82.30-0-01) foi justamente a sua atividade principal.
- A Lei 14.859/24 acrescentou o § 12 ao art. 4º da Lei 14.148/21, que determinou que para as pessoas jurídicas beneficiárias do Perse tributadas com base no lucro real ou no lucro arbitrado, a alíquota zero do benefício será restrita ao PIS e a COFINS durante os exercícios de 2025 e 2026. Ou seja, tais pessoas jurídicas não mais gozarão de alíquota zero do IRPJ e da CSLL nos anos de 2025 e 2026.
- Nesse ponto, não identifica-se ilegalidade na Lei 14.859/24, uma vez que o benefício do PERSE configura modalidade de isenção onerosa, a teor do art. 178 do CTN, pois a lei não estabeleceu qualquer contraprestação por parte do contribuinte para fruição do benefício, de modo que não há impedimento algum para sua revogação.
- Da mesma forma, verifica-se que a Lei 14.859/24 observou o princípio da anterioridade anual e nonagesimal, pois publicada no DOU de 23.5.2024 e retificado em 28.5.2024, com vigência somente a partir de 01.01.2025.
- Em relação à obrigatoriedade de habilitação prévia perante à RFB para fruição do PERSE a que se insurge o contribuinte, o novo art. 4º-B da Lei 14.148/21, introduzido pela Lei 14.859/24 determinou que a fruição do benefício do PERSE é condicionada à habilitação prévia, no prazo de 60 dias a contar da sua regulamentação, por meio de apresentação, por plataforma eletrônica automatizada da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, dos atos constitutivos e respectivas alterações da pessoa jurídica beneficiada.
- Também não há qualquer ilegalidade na nova regra. A prévia habilitação determinada pelo novo art. 4º-B da Lei do PERSE se dá somente a partir da regulamentação de tal dispositivo pela RFB, no prazo de 60 dias, que reputo razoável para que o contribuinte possa reunir a documentação necessária para tanto.
- Tal habilitação é legítima para que a autoridade fiscal possa exercer a fiscalização e controle do benefício. Além disso, a despeito da expressão “prévia” existente no texto legal, a referida habilitação não é condição para que o contribuinte possa usufruir do benefício que já está em vigor desde 18.03.2022, e sim, condição de manutenção do benefício, pois sua implementação não se dá de forma retroativa.
- Por fim, quanto à revogação antecipada do benefício quando a renúncia fiscal atingir o limite de 15 bilhões de reais, o novo art. 4º-A da Lei 14.148/21, introduzido pela Lei 14.859/24 estabeleceu mecanismos de transparência para aferição de tal montante, atendendo ao princípio da anterioridade e prestigiando o equilíbrio orçamentário previsto no art. 113 do ADCT.
- O PERSE não é um benefício fiscal oneroso, de modo que sua fruição se dá tão somente pelo fato do contribuinte preencher as condições previamente estabelecidas em lei, sem necessidade de qualquer contrapartida de sua parte, de modo que não se aplica as regras previstas no art. 178 do CTN e na Súmula 544 do STF (Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas") tão somente por possuir, na origem, um prazo pré-determinado.
- Assim, não há qualquer ilegalidade na revogação do benefício fiscal operado pela Lei 14.859/24, sendo uma opção legítima do legislador.
- Recurso de apelação da impetrante provido para afastar a extinção do processo sem apreciação do mérito e, com fundamento no art. 1.013, § 3º do CPC, julgar extinto, sem apreciação do mérito, os pedidos do autor de declaração de ilegalidade da exclusão de suas atividades descritas nos CNAEs 7490-01-04 e 62.01-5-01 do benefício do PERSE, bem como da limitação do referido benefício às pessoas jurídicas que, em 18.3.2022, possuíam como código CNAE principal ou atividade preponderante uma das atividades econômicas contempladas no âmbito do PERSE, nos termos do art. 6º, §5º, da Lei 12.016/09 e, em relação aos demais pedidos, denegar à segurança.