APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004608-57.2020.4.03.6103
RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI
APELANTE: CARLA DE OLIVEIRA ALVES E SILVA
Advogado do(a) APELANTE: LEA RODRIGUES DIAS SILVA - SP340746-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004608-57.2020.4.03.6103 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI APELANTE: CARLA DE OLIVEIRA ALVES E SILVA Advogado do(a) APELANTE: LEA RODRIGUES DIAS SILVA - SP340746-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento proposta por Carla de Oliveira Alves e Silva em face da União Federal, objetivando o reconhecimento da “... nulidade do Procedimento de nº SEI 00461.000033/2020-84, que culminou com a conclusão de anulação de sua nomeação e expedição da Minuta de Portaria DRH/CGRH/DGP/PF 15395761, com a consequente permanência da Autora no Cargo de Perito Criminal Federal”. Requer também que lhe seja oportunizado o a cesso aos autos do Procedimento de nº SEI 00461.000033/2020-84 que culminou com a conclusão de anulação de sua nomeação e consequente exoneração. Narra que tomou posse no cargo de perita criminal em 2004, com exercício em 2005, em virtude de determinação judicial exarada no mandado de segurança 2005.34.00.006248-5 , impetrado no Distrito Federal. Prossegue informando que ajuizou mais duas ações: - Processo n. 000250-88.2005.4.02.5101 pedia segunda chamada pois estava lesionada – RJ – Reformada em segunda instância - Processo n. 0037686-07.2004.4.013400 - isonomia na aplicação da prova física para mulheres – DF – _ procedente em fase de conhecimento Afirma a parte autora que em virtude da reforma da decisão proferida nos autos do mandado de segurança n. 000250-88.2005.4.02.5101, houve denúncia anônima que resultou na instauração de procedimento sigiloso, do qual não tinha conhecimento. Foi surpreendida com a publicação de Portaria determinando a nulidade de sua posse. Afirma que não foi observado o devido processo legal. Defende que devem ser observados os princípios da razoabilidade, segurança jurídica e confiança, devendo ser aplicado, por analogia, o prazo decadencial para a revisão ou anulação de ato administrativo, previsto na Lei n. 9.784/1999. A tutela antecipada foi indeferida. A sentença foi de improcedência. Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados. A parte autora interpôs recurso de apelação alegando: Intimada, a União Federal apresentou contrarrazões. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004608-57.2020.4.03.6103 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. AUDREY GASPARINI APELANTE: CARLA DE OLIVEIRA ALVES E SILVA Advogado do(a) APELANTE: LEA RODRIGUES DIAS SILVA - SP340746-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A apelante ingressou com o mandado de segurança n. 000250-88.2005.4.02.5101, o qual “...tinha por motivação o lesionamento da candidata dias antes da realização do TAF...”, conforme afirmado por ela na inicial. Afirma que a sentença de primeiro grau foi de procedência, tendo sido reformada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Em consulta ao sistema processual da 2ª Região, verifica-se que o acórdão, naqueles autos, foi assim ementado: APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL PROVIDAS. REFORMA DA SENTENÇA APELADA. 1. A exigência de aprovação em teste de aptidão física para a Carreira Policial Federal, incluindo a categoria funcional de Perito Criminalista da Polícia Federal, decorre da previsão do Artigo 8º, IV, do Decreto-Lei nº 2.320/1987, verificada mediante prova de capacidade física e apurada em processo seletivo, e sendo requisito para a matrícula em curso de formação profissional promovido pela Academia Nacional de Polícia. 2. Mostra-se legítima a aplicação do teste de barra fixa, na modalidade dinâmica, para as mulheres que visem ingressar na Carreira Policial Federal, quando indispensável à aferição da aptidão física, e a modalidade estática se mostrar, consoante estudos científicos, obsoleta e incompleta. 3. O princípio da isonomia é efetivado quando o teste de aptidão física considera, tecnicamente, a desigualdade física existente entre homens e mulheres, de forma a assegurar tratamento desigual aos desiguais, na exata medida de suas desigualdades. 4. Denota razoabilidade a aplicação do teste de barra fixa, modalidade dinâmica, quando para a aprovação das mulheres exige-se apenas uma flexão, ao passo que para os homens a exigência é de três flexões completas. 5. Em virtude de estar inserido, entre as atribuições do cargo de Escrivão da Polícia Federal, o desempenho de atividades de natureza policial e administrativa, além de outras tarefas que lhe forem atribuídas, a proporcionalidade da exigência do teste de barra fixa é patente. 6. Viola o princípio da isonomia a permissão de aproveitamento do resultado obtido em novo teste de aptidão física, realizado mediante liminar, mormente quando o tempo transcorrido entre a primeira etapa do Certame e o referido teste ultrapassou longo período, tempo no qual se permitiu a preparação física para a realização do referido teste. 7. A decisão exarada pelo Excelso Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 630.733, que consagrou a validade das provas de segunda chamada realizadas até a data de conclusão do referido julgamento, não se aplica às hipóteses nas quais, como a presente, não houve propriamente uma segunda chamada, já que a candidata realizou o exame de aptidão física e, não tendo sido aprovada, obteve por decisão judicial o direito de renová-lo. 8. A teoria do fato consumado "não se aplica às hipóteses nas quais a participação do candidato no certame ocorre apenas por força de decisão liminar". (Precedentes do c. STF). 9. Remessa necessária e apelação da União Federal providas. Sentença reformada, para julgar improcedente o pedido formulado na exordial e condenar a Autora/Apelada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, na forma do Artigo 20, § 3º, do CPC. Trago à colação trechos do voto vencedor, para o que interessa ao deslinde deste recurso: “...Portanto, ao contrário do que afirma a Autora, ora Apelada, entendo que a Instrução Normativa nº 04/2009-DGP/DPF não ofende os princípios da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade. Na verdade, referida norma veio adequar a proporcionalidade da desigualdade física existente entre homens e mulheres, dando efetividade ao princípio constitucional da isonomia, de forma a assegurar tratamento desigual aos desiguais, na exata medida de suas desigualdades, após estudos científicos. (...) Nessa perspectiva, se o acidente sofrido pela Apelada em 17.11.2004 (Boletim de Ocorrência às fls. 89/90, com atestado médico à fl. 91, laudo de exame de corpo de delito às fls. 322/322v. e declaração à fl. 323) tivesse, efetivamente, sido impedimento ao teste de aptidão física realizado em 22.11.2004, é de se esperar que a então candidata tivesse apresentado atestado médico específico, comprovando a alegada incapacidade momentânea para a realização do teste de aptidão física - o que, a toda evidência, não ocorreu. Ao contrário, a declaração emitida pelo Hospital Santa Luzia, no qual foi atendida a Apelada na ocasião, evidencia que esta última foi "encaminhada à ortopedia para atendimento emergencial, recebendo alta hospitalar no dia 18.11.2004, às 02:00h" (fl. 323, grifo nosso). Sendo este o caso, e tendo a Apelada realizado o teste em comento, é de se concluir que apresentou o atestado médico correspondente, nas condições exigidas pelo Edital, considerando-a apta para a realização do referido teste - sem o que não teria, por certo, sequer sido admitida ao teste em questão. Por conseguinte, não se vislumbra - ao contrário do que entendeu o r. julgador de piso - direito subjetivo da Apelada à realização de nova prova de aptidão física por força do acidente sofrido alguns dias antes, sob pena de violar-se a isonomia relativamente àquelas candidatas que, em condições similares, tenham deixado de fazer o teste de aptidão física, ou que a ele não tenham sido admitidas, em razão da não apresentação de atestado na forma do Edital. Assinale-se, ainda, que o fato de a Autora/Apelada ter sido aprovada no teste de barra fixa, na modalidade dinâmica, por força de decisão que concedeu a antecipação de tutela postulada (fls. 535/538), não tem o condão de legitimar a aprovação no Certame, sob pena de violação ao princípio da isonomia, pois entre a realização da prova de aptidão física (22 de novembro de 2004 - fl. 92) e a segunda chamada assim deferida (12 de fevereiro de 2006 - fl.648), na qual foi a Apelada aprovada, transcorreu quase um ano e três meses, tempo de preparação física que as demais candidatas não tiveram para a realização da prova física na primeira etapa do Certame. A presente hipótese não se confunde com a que, examinada pelo Excelso Supremo Federal em sede de repercussão geral admitida no RE nº 630.733 (DJ 15.05.2013), resultou no seguinte acórdão: (...) O que foi reconhecido como sendo dotado de repercussão geral, nos termos do acórdão proferido em tal ocasião, foi a "possibilidade de remarcação de teste de aptidão física para data diversa da estabelecida por edital de concurso público em virtude de força maior que atinja a higidez física do candidato, devidamente comprovada por documentação idônea", tendo aquela Corte Constitucional concluído que, como visto, que não haveria direito constitucional a agasalhar a remarcação das provas em razão de circunstâncias pessoais do candidato. É esta a tese que prevaleceu e que norteará a admissibilidade dos Recursos Extraordinários. (...) No caso dos autos, não houve força maior que impediu a participação no referido teste na data assinada no edital, o que afasta a própria concepção de "segunda chamada", assim compreendida como a oportunidade que se abre ao candidato de se submeter à avaliação por ele ainda não realizada. O que houve foi uma renovação de provas, acobertada pela alegação, efetivamente não comprovada, de que a candidata realizou o exame anterior sem possuir condições físicas para tanto em virtude de acidente ocorrido dias antes. Por derradeiro, não se pode invocar a teoria do fato consumado sob o argumento da segurança jurídica, eis que, consoante já reiterado no Colendo Superior Tribunal de Justiça, "como regra, a Teoria do Fato Consumado não se aplica às hipóteses nas quais a participação do candidato no certame ocorre apenas por força de decisão liminar. (Precedentes do c. STF). Todos os candidatos que realizaram, na primeira fase, o Teste de Capacidade Física, submeteram-se as mesmas condições: as tarefas foram as mesmas e o tempo que cada candidato teve para se preparar para o teste foi o mesmo, considerando o período entre a divulgação da data da prova e sua efetiva realização. Dessa forma, não há como reconhecer a um candidato uma 'segunda chance' sem que o mesmo tratamento tenha sido oportunizado a todos os candidatos. Essa situação, atentatória ao princípio da isonomia, ocorrerá caso o Poder Judiciário, por meio deste julgamento, acate, pura e simplesmente, a tese da 'teoria do fato consumado'. A previsão editalícia, ao regulamentar a lei respectiva, das condições do 'Teste de Capacidade Física' é compatível com as atribuições do cargo, tendo em vista o bom preparo físico que se exige do militar para o enfrentamento de eventuais e inesperadas situações de grande esforço físico". (RMS 23915/RO, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 09/10/2007, DJ 29/10/2007, p. 279)”. Pelo que se depreende da documentação carreada pela União Federal, quando da sua contestação, ao tomar ciência do trânsito em julgado do acórdão supra, se publicou Portaria declarando a nulidade do ato de posse da apelante. Assim, a reforma de sentença que garantiu à apelante o direito realizar novamente o teste de aptidão física foi o que embasou a Portaria que se pretende ver anulada. Pouco importa o que restou decidido nas demais ações propostas pela parte apelante, na medida em que, se demonstrado que não foi aprovada no teste físico em decorrência da reforma da sentença que lhe autorizou a fazer um segundo teste, no qual fora aprovada, então, sua nomeação e posse foram irregulares. Preliminares Nulidade da sentença por inobservância dos artigos 489, §§ 2° e 3°, VI e 927, do Código de Processo Civil e REsp 1.840.369/RS. Além do mais, deixou de observar o artigo 434 c/c art. 489, do Código de Processo Civil, visto que não analisou os documentos constantes da petição inicial Prevê o CPC, já com os destaques apontados pela parte apelante: Art. 434. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações. Parágrafo único. Quando o documento consistir em reprodução cinematográfica ou fonográfica, a parte deverá trazê-lo nos termos do caput , mas sua exposição será realizada em audiência, intimando-se previamente as partes. Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé. Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. O acórdão proferido no Resp n. 1.840.369/RS, indicado pela apelante, foi assim ementado: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA (ART. 966, IV, DO CPC/2015). APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PROCESSO PREVIDENCIÁRIO. FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA. EXISTÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. INOCORRÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. ACÓRDÃO RESCINDENDO EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO STJ. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Rescisória na qual o INSS busca a desconstituição de julgado que reconheceu à parte autora o benefício de aposentadoria por idade rural, ao fundamento de violação à coisa julgada (art. 966, IV, do CPC/2015). 2. A Ação Rescisória proposta com base no artigo 485, IV, do CPC/1973 (atual 966, IV, do CPC/2015), pressupõe, entre outros requisitos, que "a coisa julgada violada seja preexistente ao julgado rescindendo, ou seja, tratando-se a coisa julgada de pressuposto processual negativo a sua observância exige a sua preexistência ao tempo da emissão do julgado rescindendo, de modo que, ainda que a controvérsia já tenha sido decidida anteriormente, não tendo, contudo, se tornado imutável ao tempo da prolação do novo juízo, não haverá que se fazer em hipótese de rescindibilidade" (AR 4946/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 20.5.2019). 3. O Tribunal de origem, ao decidir a controvérsia, assim se manifestou: "Porém, apesar de ter sido julgado improcedente o pedido, tenho que isso não pode prejudicar a segurada. Este Tribunal pacificou o entendimento de que, para que se torne efetivamente implementada a proteção previdenciária, necessário uma flexibilização dos rígidos institutos processuais. O acórdão rescindendo está fundado em outros documentos, em especial a certidão de nascimento da ré, de 20/12/1949, onde seu genitor é qualificado como agricultor. Essa prova material foi devidamente corroborada pela prova testemunhal. Desse modo, tenho que não houve ofensa à coisa julgada" (fl. 371, e-STJ). 4. Como sabido, cabe ao autor a comprovação dos fatos constitutivos do seu direito e, ao réu, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pelo autor. 5. Entretanto, não se desconhecem as dificuldades enfrentadas pelo segurado para comprovar documentalmente que preenche os requisitos para a concessão do benefício, uma vez que normalmente se referem a fatos que remontam considerável transcurso de tempo. 6. Dessa forma, as normas de Direito Processual Civil devem ser aplicadas ao Processo Judicial Previdenciário, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que têm como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 7. Com base nas considerações ora postas, impõe-se concluir que a ausência de conteúdo probatório válido a instruir a inicial implica carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito, de forma a possibilitar que o segurado ajuíze nova ação, caso obtenha prova material hábil a demonstrar o exercício do labor rural pelo período de carência necessário para a concessão da aposentadoria pleiteada. 8. Nesse sentido, não se mostra adequado inviabilizar ao demandante o direito de perceber a devida proteção social, em razão da improcedência do pedido e consequente formação plena da coisa julgada material, quando o segurado, na verdade, poderia fazer jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente. Esse entendimento foi acolhido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.352.721/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, DJe 28.4.2016. 9. Assim, não merece reforma o acórdão recorrido, visto que decidiu em consonância com o entendimento do STJ no sentido de que, em matéria previdenciária, por seu pronunciado cunho social, há espaço para a excepcional flexibilização de institutos processuais, até mesmo da coisa julgada, quando, como ocorrido no caso em exame, constate-se que o direito do beneficiário, em demanda anterior, tenha sido negado em face da precariedade das provas apresentadas (como constatado, repita-se, pelo acórdão regional). 10. Recurso Especial não conhecido. (REsp n. 1.840.369/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/11/2019, DJe de 19/12/2019.) O referido acórdão diz respeito à matéria relativa a Direito Previdenciário e não Direito Administrativo. Inviável sua aplicabilidade no caso concreto, diante da inexistência de similitude. Quanto ao alegado descumprimento do quanto decidido no Tema 335, pelo Supremo Tribunal Federal, em especial, na modulação dos efeitos, também não assiste razão à apelante. Foi fixada a seguinte Tese naquele Tema: Inexiste direito dos candidatos em concurso público à prova de segunda chamada nos teste de aptidão física, salvo contrária disposição editalícia, em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, mantida a validade das provas de segunda chamada realizadas até 15/5/2013, em nome da segurança jurídica. Ocorre que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao julgar o recurso de apelação interposto no Mandado de Segurança n. 000250-88.2005.4.02.5101, consignou expressamente que ao caso por ele analisado não haveria que se aplicar o Tema/STF 335, conforme se pode verificar dos trechos acima transcrito, tendo transitado em julgado deste modo. A sentença não abordou a aplicação do Tema/STF 335 e nem poderia fazê-lo, tendo em vista coisa julgada anterior decidindo a questão. Considerando que já pacificada a inaplicabilidade do Tema/STF 335 ao caso, a sentença decidiu a questão amparada em entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a posse e exercício de cargo público decorrente de decisão judicial é precária. Não vejo, assim, ausência de fundamentação na sentença recorrida. Nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pois, inobstante ela tenha considerado que a matéria tratada nos autos era meramente de Direito, amparou sua decisão no fato de a apelante não ter instruído o feito com cópia do processo administrativo e ações judiciais por ela mencionados na inicial, não lhe dando oportunidade de juntá-los posteriormente; Ao contrário do quanto afirmado pela parte apelante, o fator determinante para a improcedência do pedido formulado na ação não foi a ausência de processo administrativo. A menção à ausência de juntada do procedimento administrativo se deu ao final, quando já se havia concluído que a parte autora não tinha direito à manutenção do cargo público em virtude da reforma da sentença que lhe permitiu nele ingressar. Em suma, os documentos mencionados não eram imprescindíveis para embasar a convicção do juízo monocrático, o qual, ressalte-se novamente, concluiu pela improcedência do pedido em virtude da reforma da sentença que permitiu à autora realizar novo teste de aptidão física. Não sendo imprescindíveis ao resultado da ação, não há que se falar em cerceamento de defesa. Confira-se: PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO COMBATIDO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inexiste violação do art. 1.022 do CPC/2015 quando o órgão julgador, de forma clara e coerente, externa fundamentação adequada e suficiente à conclusão do acórdão embargado. 2. Este Superior Tribunal tem o entendimento de que o julgamento antecipado da lide, por si só, não caracteriza cerceamento de defesa, já que cabe ao magistrado apreciar livremente as provas dos autos, indeferindo aquelas que considere inúteis ou meramente protelatórias. Precedentes. 3. Hipótese em que o Tribunal de origem, com base nos fatos e provas dos autos, concluiu que a embargante não ofereceu nenhum elemento de convicção a fim de deixar clara a imprescindibilidade de juntada de documentos, que não foram anexados à petição inicial, afastando, assim, o cerceamento de defesa, de modo que a revisão de tal conclusão é inviável no âmbito do recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. 4 . Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.645.635/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/6/2021, DJe de 29/6/2021.) De mais a mais, ainda que se alegue que a questão era, também, de fato, envolvendo a necessidade de observância do contraditório e ampla defesa, tal alegação também não se amolda ao caso dos autos, em virtude do quanto será a seguir. A exoneração da parte autora se deu em virtude de reforma de sentença que havia, anteriormente, lhe garantido o prosseguimento no concurso público. Conforme bem apontado pela sentença recorrida, a exoneração se deu não em virtude de procedimento administrativo, mas, sim, em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado. Neste caso, não há que se falar na instauração de processo administrativo com garantia do contraditório e da ampla defesa, na medida em que a Administração Pública não tem faculdade de decidir contrariamente ao quanto determinado na ação judicial. Confira-se: ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÕES POR FORÇA DE LIMINAR. CASSAÇÃO DA LIMINAR E DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. INVALIDAÇÃO DOS ATOS DE NOMEAÇÃO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. No caso concreto, tem-se como questão controvertida a necessidade, ou não, de prévio processo administrativo para a exoneração de ocupantes de cargo público a título precário, quando extintos os efeitos da sua nomeação por ordem judicial transitada em julgado. 2. Segundo os recorrentes, o ato administrativo impugnado se deu quase uma década após a data em que poderia/deveria tê-lo feito, sem o devido processo legal, violando o direito constitucional de exercerem o contraditório e a ampla defesa. 3. Cabe realçar ensinamento doutrinário no sentido de que "nula a investidura, não produz ela qualquer efeito jurídico válido. Assim, não se há redargüir com a pretensa aquisição de direitos por se ter iniciado o exercício ou sob qualquer outro argumento, pois não se adquirem direitos contra a Constituição" (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, fl. 220). 4. Em abono ao que foi aduzido, na mesma conclusão do acórdão recorrido, o STJ tem reiteradamente decidido no sentido de que "ante a precariedade do ato de designação para o exercício de função pública, revela-se legítima a dispensa ad nutum do servidor, sendo desnecessária a instauração de processo administrativo com essa finalidade" (RMS 44.341/PB, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 23/9/2014). 5. Acerca da tese de que o ato administrativo impugnado se deu quase uma década após a data em que o Governador de Minas Gerais poderia/deveria tê-lo feito, o recurso não merece êxito, porquanto, como bem pontuou o Tribunal de origem, "se não consta dos autos documentos comprobatório da data em que foram notificadas as autoridades coatoras do acórdão que cassou a decisão, não é possível adotar o argumento das impetrantes". É de se ressaltar que a dilação probatória é providência incompatível com o rito do mandado e segurança. 6. No que diz respeito ao pedido de continuarem nos cargos em razão da decadência, a pretensão igualmente não merece amparo. Isso porque a orientação jurisprudencial do STJ e do STF tem afastado a teoria do fato consumado às hipóteses tais como a dos autos, uma vez que o ingresso da parte autora no cargo de professora se deu por decisão judicial de natureza precária, a qual foi posteriormente cassada, não tendo o condão de consolidar no tempo uma dada situação. 7. Recurso em mandado de segurança não provido. (RMS n. 43.533/MG, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 22/2/2018, DJe de 1/3/2018.) Como se vê, no caso em tela, a inexistência de procedimento administrativo é irrelevante, na medida em que a Administração Pública se cingiu a cumprir o comando judicial constante do mandado de segurança 000250-88.2005.4.02.5101. Ainda é oportuno mencionar que não se aplica o prazo decadencial quinquenal para revisão do ato administrativo, como pleiteado pela apelante, justamente porque não se trata de revisão do ato pela própria Administração, mas, sim, de cumprimento de ordem judicial. Assim, não vejo razão para que se declare a nulidade da sentença. Passo a apreciar o mérito. A questão encontra amparo na modulação dos efeitos fixados no Tema/STF 335; Deve ser aplicada a teoria do fato consumado, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça; Não foi respeitado o devido processo legal, na medida em que não teve acesso ao processo administrativo; Violou-se os princípios da segurança jurídica, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, diante da consolidação da situação no tempo. As questões acima trazidas pela parte apelante são em tudo idênticas às preliminares por ela levantadas, sendo-lhes aplicada tudo quanto já fundamentado até o momento, diferindo, somente, na conclusão, na medida em que, aqui, se pretende a reforma da sentença e não sua nulidade. Conforme já fundamentado acima, não há razão para reformar a sentença com base nos fundamentos supratranscritos. Com efeito, não se trata de aplicar a modulação do Tema/STF 335, na medida em que já houve pronunciamento judicial a respeito, nos autos do mandado de segurança n. 000250-88.2005.4.02.5101, transitado em julgado, afastando sua incidência Inaplicável a Teoria do Fato Consumado, na medida em que a posse e exercício da autora em cargo público se deu de modo precário, sendo pacífico o entendimento no sentido de que não se aplica tal Teoria. Neste sentido, faço referência à ementa constante do RMS n. 43.533/MG, acima transcrita. Destaco, ainda, a tese fixada pela Suprema Corte no Tema 476: Não é compatível com o regime constitucional de acesso aos cargos públicos a manutenção no cargo, sob fundamento de fato consumado, de candidato não aprovado que nele tomou posse em decorrência de execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária, supervenientemente revogado ou modificado. Por fim, o próprio acórdão proferido nos autos do mandado de segurança n. 000250-88.2005.4.02.5101 expressamente afastou a Teoria do Fato Consumado, tendo transitado em julgado. Também aqui não cabe mais ao Judiciário decidir a questão. Logo, não há como se acolher a pretensão de aplicação da Teoria do Fato Consumado ao caso concreto. Também não se pode falar em ofensa aos princípios da segurança jurídica, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, diante da consolidação da situação no tempo, como pretende a apelante. Com efeito, como já exaustivamente afirmado, a posição jurídica da apelante era precária. Ela tinha ciência que a eventual modificação da sentença implicaria no desfazimento dos atos administrativos já praticados. Não há, pois, direito adquirido ou ato jurídico perfeito. Tampouco o decurso do tempo consolida a situação precária na qual se encontrava. Os laudos por ela elaborados serão considerados nulos, o que acarretará a nulidade das decisões nele baseadas. Tal afirmação não se presta a autorizar a manutenção da apelante no cargo público. Se algum prejuízo a terceiros, à Administração ou ao Judiciário existe, em decorrência da decretação da nulidade do ato de nomeação e posse da autora, a eles cabe argui-los e não a autora. O destino dos processos dos quais participou como perita não lhe diz respeito e não serve de amparo à sua pretensão. Conclusão A parte apelante ingressou no serviço público mediante decisão judicial, a qual foi posteriormente revista, implicando na nulidade de seu ingresso no serviço público. Sua situação jurídica era precária, não lhe sendo garantido direito adquirido ou a proteção do ato jurídico perfeito. Tampouco se pode falar em aplicação da Teoria do Fato Consumado, tendo em vista o quanto decidido no Tema/STF 476. A questão acerca da aplicação da modulação da tese fixada no Tema/STF 335 foi afastada quando do julgamento do Mandado de Segurança n. 000250-88.2005.4.02.5101 , tendo transitado em julgado, não sendo possível nova manifestação judicial a respeito. Em decorrência, inviável a aplicação analógica do prazo decadencial para a Administração rever seus próprios atos, na medida em que se trata de cumprimento de decisão judicial. A sentença recorrida, inobstante mencione a ausência de juntada do procedimento administrativo, se alicerçou em questões de Direito para indeferir o pedido da apelante. Ademais, se tratando de cumprimento de acórdão judicial, resta dispensada a instauração do contraditório administrativo, não havendo que se falar em devido processo legal ou cerceamento de defesa, na medida em que a autora teve ciência do acórdão que reformou a sentença de primeiro grau. Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora. Consequentemente, majoro em dez por cento os honorários sucumbenciais fixados na sentença. É como voto.
Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5004608-57.2020.4.03.6103 |
Requerente: | CARLA DE OLIVEIRA ALVES E SILVA |
Requerido: | UNIÃO FEDERAL |
Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. EXONERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. INGRESSO EM CARGO POR DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE REFORMADA. TEORIA DO FATO CONSUMADO. INAPLICABILIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA.
I. CASO EM EXAME
Ação ordinária proposta por servidora pública federal contra a União, visando à declaração de nulidade de procedimento administrativo que culminou na anulação de sua nomeação e exoneração do cargo de perita criminal federal, pleiteando, ainda, acesso ao processo administrativo que embasou o referido ato. A autora alegou ter ingressado no cargo por força de decisão judicial em mandado de segurança, posteriormente reformada, sustentando que não teve acesso ao procedimento sigiloso instaurado, o que violaria o devido processo legal. Invocou a decadência administrativa prevista na Lei n. 9.784/1999, além dos princípios da segurança jurídica, do ato jurídico perfeito e da confiança legítima.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há três questões em discussão: (i) verificar se é nula a sentença por inobservância dos artigos 489, 434 e 927 do CPC, e por cerceamento de defesa; (ii) determinar se é válida a anulação da nomeação da autora sem instauração de procedimento administrativo com contraditório e ampla defesa; (iii) definir se é aplicável a teoria do fato consumado ou a decadência administrativa para manter a servidora no cargo, mesmo diante da revogação da decisão judicial que possibilitou sua nomeação.
III. RAZÕES DE DECIDIR
A decisão judicial que permitiu o ingresso da autora no cargo foi reformada pelo TRF da 2ª Região, o que implica a nulidade de sua posse, uma vez que seu ingresso se deu por força de tutela judicial precária.
A exoneração ocorreu em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado, e não por iniciativa discricionária da Administração, afastando-se a necessidade de contraditório ou de processo administrativo prévio.
A teoria do fato consumado não se aplica a ocupações de cargos públicos decorrentes de decisões judiciais precárias, conforme o entendimento firmado pelo STF no Tema 476.
A alegação de nulidade da sentença por ausência de fundamentação e por cerceamento de defesa não se sustenta, pois os documentos ausentes não eram imprescindíveis e a sentença foi suficientemente motivada.
A decadência quinquenal prevista na Lei 9.784/1999 não se aplica quando a exoneração decorre de ordem judicial, e não de revisão administrativa de ato inválido.
A alegação de nulidade dos laudos periciais elaborados pela autora não justifica a sua manutenção no cargo, não havendo interesse jurídico próprio a ser protegido nesse ponto.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
A exoneração de servidor público nomeado por decisão judicial precária é válida quando essa decisão é posteriormente reformada, independentemente de processo administrativo.
Não se aplica a teoria do fato consumado a situações de ingresso precário no serviço público decorrente de liminar ou tutela provisória, ou outro provimento judicial, conforme Tema/STF 476.
A Administração Pública não precisa instaurar processo administrativo para exonerar servidor cujo vínculo se tornou nulo por força de decisão judicial transitada em julgado.
O prazo decadencial do art. 54 da Lei 9.784/1999 não se aplica ao cumprimento de decisões judiciais.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, caput; Lei 9.784/1999, art. 54; CPC/2015, arts. 434, 489 e 927.
Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 335 e Tema 476; STJ, RMS 43.533/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 22.02.2018; STJ, AgInt no AREsp 1.645.635/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 21.06.2021.