APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001169-21.2023.4.03.6107
RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO
APELANTE: LETICIA ALEXANDRE ALVES
Advogado do(a) APELANTE: SAMUEL MARUCCI - SP361322-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001169-21.2023.4.03.6107 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: LETICIA ALEXANDRE ALVES Advogado do(a) APELANTE: SAMUEL MARUCCI - SP361322-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta por LETÍCIA ALEXANDRE ALVES em face de sentença de improcedência proferida em ação de prestação de contas proposta contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação – SFH. O autor alega que, por motivo de dificuldades financeiras, tornou-se inadimplente, o que ocasionou a consolidação da propriedade do imóvel financiado em favor do banco mutuante. Aduz que apenas tomou ciência da situação quando foi surpreendida com a notificação de despejo da ação de imissão de posse, em razão da aquisição do imóvel por terceiro. Requer seja a ré compelida a lhe prestar contas no tocante ao procedimento de expropriação do imóvel, inclusive, em relação ao possível produto da alienação do bem, sendo certo que, na época, o seu valor de mercado equivalia a R$ 200.000,00. Em contestação, a CEF sustenta a não obrigatoriedade da prestação de contas, tendo em vista que ambos os leilões foram desertos, sendo que a alienação do imóvel ocorreu na modalidade de venda direta, posteriormente à consolidação plena da propriedade em favor da CEF e à extinção da dívida. Assevera, ainda, a regularidade do procedimento de consolidação da propriedade e de expropriação do bem imóvel. Réplica nos autos, em que a parte autora afirma que o dever de prestar contas e o direito ao sobejo da dívida remanescem mesmo após a realização da segunda praça na hipótese de venda direta do imóvel. A sentença julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, por ausência de interesse de agir, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. Condenou o autor ao pagamento das custas judiciais e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, ficando suspensa a exigibilidade da cobrança, nos termos do §3º do artigo 98 do CPC. Fundamentou o juízo a quo que, de acordo com o entendimento consolidado no STJ, em sede de Recurso Repetitivo 1293558 (Tema 528), “nos contratos de mútuo e financiamento, o devedor não possui interesse de agir para a prestação de contas”. Consignou, ainda, que, de acordo com a Lei 9.514/97 e nos termos do contrato (cláusula 29ª), após o segundo leilão, a dívida é extinta e, em consequência, encerra-se a relação jurídica com a CEF, motivo pelo qual não subsiste à parte autora o direito de exigir contas em relação aos atos de alienação do imóvel praticados pela instituição financeira. Opostos embargos declaratórios, os quais foram rejeitados (ID 324816359). Em apelação, a parte autora aduz que o pleito de prestação de contas se justifica para a averiguar se, no procedimento de expropriação, o banco réu empregou esforços necessários para alienar o imóvel pelos preços de mercado, ou se realizou as hastas com lances mínimos acima dos valores de avaliação do imóvel, a fim de ensejar intencionalmente leilões desertos. Afirma, ainda, que, mesmo diante da ausência de licitantes, em ambas as praças realizadas, não se aplica o disposto no §4º do artigo 27 da Lei 9.514/97, sob pena de enriquecimento ilícito do banco mutuante. Assevera, outrossim, que o imóvel objeto da controvérsia foi vendido por preço vil inferior a R$ 253.960,00, sendo que nunca lhe foi apresentado laudo de avaliação. Contrarrazões. Vieram os autos à conclusão. É o relatório. AFS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001169-21.2023.4.03.6107 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: LETICIA ALEXANDRE ALVES Advogado do(a) APELANTE: SAMUEL MARUCCI - SP361322-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): A sentença julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, por ausência de interesse de agir, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, com respaldo na tese firmada em sede de Recurso Repetitivo 1293558 (Tema 528 STJ). Consignou, ainda, o juízo a quo que, de acordo com a Lei 9.514/97 e nos termos do contrato (cláusula 29ª), após o segundo leilão, a dívida é extinta e, em consequência, encerra-se a relação jurídica com a CEF, motivo pelo qual não subsiste à parte autora o direito de exigir contas no tocante aos atos de alienação do imóvel praticados pela instituição financeira. Em apelação, a parte autora aduz que o pleito de prestação de contas se justifica para averiguar se, no procedimento de expropriação, o banco réu empregou esforços necessários para alienar o imóvel pelos preços de mercado, ou se realizou as hastas com lances mínimos acima dos valores de avaliação do imóvel, a fim de ensejar intencionalmente leilões desertos. Afirma, ainda, que, mesmo diante da ausência de licitantes, em ambas as praças realizadas, não se aplica o disposto no §4º do artigo 27 da Lei 9.514/97, sob pena de enriquecimento ilícito do banco mutuante. Assevera, outrossim, que o imóvel objeto da controvérsia foi vendido por preço vil inferior a R$ 253.960,00, sendo que nunca lhe foi apresentado laudo de avaliação. Do interesse de agir Pois bem. É cediço que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Repetitivo REsp 1293558, consolidou a tese de que não existe interesse de agir para a ação de prestação de contas oriunda de contrato de mútuo (Tema 528): PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTRATOS DE MÚTUO E FINANCIAMENTO. INTERESSE DE AGIR. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. (STJ REsp 1293558 Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, DJe 25.03.2015). Da análise do inteiro teor do citado precedente, afere-se que o Repetitivo citado trata de discussão a respeito da prestação de contas pela instituição financeira em relação a cobrança de encargos e aos critérios aplicados no cálculo das prestações a serem restituídas pelo mutuário em favor da instituição financeira. A Segunda Seção da Colenda Corte Superior entendeu pela ausência de interesse de agir, no aludido precedente, ao fundamento de que, no contrato de mútuo, o banco entrega dinheiro ao mutuário e este, por sua vez, obriga-se a restituir a quantia emprestada, sem que exista relação de gestão/administração de bens entre as partes, diferentemente do que ocorre quanto aos depósitos mantidos em conta corrente do titular. No caso dos autos, a controvérsia é outra. A parte autora não pretende a prestação de contas no tocante aos encargos contratuais cobrados pela CEF na restituição dos valores objeto do mútuo. Na presente hipótese, trata-se especificamente de contrato de mútuo com cláusula de alienação fiduciária regido pela Lei nº 9.514/97 e cujo descumprimento ensejou a consolidação da propriedade em favor da CAIXA e o procedimento extrajudicial de alienação do bem imóvel. O interesse de agir para a ação de prestação de contas exsurge, neste caso, uma vez que o banco credor é o responsável pela operacionalização do produto da alienação do bem imóvel, sendo, em tese, legítima a pretensão do mutuário de exigir da instituição financeira eventual importância que sobejar ao valor da dívida (somada às despesas com o leilão e aos encargos do imóvel), com amparo no §4º do artigo 27 da Lei 9.514/97. Logo, diante da existência de interesse de agir da parte autora, a sentença recorrida proferida com fulcro no artigo 485 do CPC deve ser reformada e, estando o processo maduro para julgamento, nos moldes do art. 1.013, § 3º, inciso I do CPC, passo a examinar o mérito. Da prestação de contas e do valor da alienação do bem A Lei nº 9.514 de 1997, que regula a alienação fiduciária, prevê que, após a consolidação da propriedade, o primeiro leilão extrajudicial se dará pelo valor da avaliação do imóvel e o segundo leilão pelo valor da dívida e, no caso de inexistir lance sobre os imóveis, o credor fiduciário poderá adjudicá-los pelo valor da dívida existente nos contratos bancários. Após os dois leilões infrutíferos, a dívida é extinta com exoneração da CEF da obrigação de restituir valores. É o que está previsto nos arts. 24, inciso VI; 26; e 27, §§ 1º, 2º e 4º ao 5º da Lei 9.514/97 (com as alterações promovidas pela Lei nº 14.711 de 2023), in verbis: "Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá: (...) VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;" "Art. 26. Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário." "Art. 27. Consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário promoverá leilão público para a alienação do imóvel, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data do registro de que trata o § 7º do art. 26 desta Lei. § 1º Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes § 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, podendo, caso não haja lance que alcance referido valor, ser aceito pelo credor fiduciário, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem. § 3º Para os fins do disposto neste artigo, entende-se por: I - dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais; II- despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro. § 4º Nos 5 (cinco) dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao fiduciante a importância que sobejar, nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida, das despesas e dos encargos de que trata o § 3º deste artigo, o que importará em recíproca quitação, hipótese em que não se aplica o disposto na parte final do art. 516 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). § 5º Se no segundo leilão não houver lance que atenda ao referencial mínimo para arrematação estabelecido no § 2º, o fiduciário ficará investido na livre disponibilidade do imóvel e exonerado da obrigação de que trata o § 4º deste artigo." – grifo nosso Nesse sentido, já dispunha o §5º do artigo 27 da Lei nº 9.514/97, em sua redação original: (...) §5º. Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no §2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º. Assim, caso tenham ocorrido lances em montante superior ao valor da dívida, na forma do §4º do artigo 27 da Lei 9.514/97, o credor deverá entregar ao devedor o valor que sobejar. Entretanto, na hipótese de, na segunda praça, não ter sido oferecido lance em valor superior ou no mínimo igual ao montante da dívida e aos demais encargos, o credor adjudicará o bem como forma de pagamento do débito garantido. Deste modo, com a consolidação plena da propriedade em prol do banco credor, a CEF passa a ter a integral disponibilidade do imóvel, sem obrigação de restituir valores ao antigo mutuário, na forma do § 5º do art. 27 acima transcrito. Assim já decidiu o C. STJ: “RECURSO ESPECIAL. COMPRA E VENDA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. INICIATIVA DO DEVEDOR. INADIMPLEMENTO ANTECIPADO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. IMÓVEL. VENDA EM LEILÃO. ARTS. 26 E 27 DA LEI Nº 9.514/1997. APLICAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A controvérsia resume-se a definir (i) a possibilidade de o adquirente de imóvel requerer a resolução do contrato de compra e venda com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia devido à impossibilidade de pagamento das prestações, com a consequente devolução dos valores pagos, e (i) a incidência dos art. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997. 3. Vencida e não paga a dívida, o devedor fiduciante deve ser constituído em mora, conferindo-lhe o direito de purgá-la, sob pena de a propriedade ser consolidada em nome do credor fiduciário com o intuito de satisfazer a obrigação. Precedente. 4. A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário e a posterior venda do imóvel em leilão pressupõem o inadimplemento do devedor fiduciante. 5. O inadimplemento, para fins de aplicação dos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/1997, não se restringe à ausência de pagamento no tempo, modo e lugar convencionados (mora), abrangendo também o comportamento contrário à continuidade da avença, sem a ocorrência de fato (culpa) imputável ao credor. 6. O pedido de resolução do contrato de compra e venda com pacto de alienação fiduciária em garantia por desinteresse do adquirente configura inadimplemento antecipado do negócio, ensejando a aplicação dos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/1997. 7. A devolução das quantias pagas pelo devedor fiduciante observará a disposições previstas nos §§ 4º e 5º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997, salvo se frustrada a venda do imóvel, hipótese na qual inexistirá obrigação de restituir valores. 8. Recurso especial provido.” (REsp n. 1.792.003/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 21/6/2021.) – grifo nosso Neste sentido é o entendimento desta C. Turma, in verbis: “CIVIL. PROCESSO CIVIL. CONTRATOS. INADIMPLEMENTO. LEILÕES INFRUTÍFEROS. QUITAÇÃO DA DÍVIDA. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR CONTAS. INOCORRÊNCIA. 1. No procedimento de execução pelo rito da Lei nº 9.514/97, o devedor deve ser intimado a purgar a mora nos termos de seu artigo 26, caput e § 1º. Caso permaneça inerte, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário (artigo 26, § 7º, artigo 26-A, § 1º da Lei nº 9.514/97). 2. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro, promoverá leilão público para a alienação do imóvel (artigo 27). 3. Este leilão só terá sucesso se o maior lance oferecido for superior ao valor do imóvel, já levando em consideração os critérios para a revisão do mesmo (artigo 24, VI, artigo 27, § 1º da Lei nº 9.514/97), caso o valor seja inferior, será realizado um segundo leilão nos quinze dias seguintes. 4. No segundo leilão, o imóvel poderá ser arrematado por montante inferior ao seu valor, em especial se o maior lance oferecido for igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais (artigo 27, § 2º da Lei nº 9.514/97). 5. Na hipótese de bem-sucedido o primeiro leilão, ou o segundo se atendidas as condições acima descritas, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos (artigo 27, §§ 2º, 3º e 4º da Lei nº 9.514/97), fato esse que importará em recíproca quitação. 6. Se, contudo, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, a dívida será considerada extinta, exonerado o credor da obrigação de tal restituição, nos termos dos §§ 4º e 5º do artigo 27. O credor, no entanto, fica obrigado a dar ao devedor a quitação da dívida (artigo 27, § 6º da Lei nº 9.514/97). 7. No caso concreto, após dois leilões infrutíferos, houve a quitação da dívida, nos termos dispostos pela lei, a partir do que o imóvel passou a ser de propriedade da Caixa Econômica Federal, não havendo que se falar na necessidade de prestação de contas para eventual posterior alienação do bem, uma vez extinto qualquer liame jurídico entre as partes com a dissolução da relação contratual, podendo a parte ré dispor do bem como bem lhe aprouver. 8. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv 5001004-97.2020.4.03.6100, 1ª Turma, Rel. Desembargador Federal Valdeci dos Santos, v. u., DJEN de 20/06/2022). - grifo nosso No caso concreto, segundo averbado na matrícula do imóvel (ID 324816339, averbação nº 05), os leilões ocorridos em 05/02/15 e 19/02/15 não foram exitosos, e não tendo havido licitantes, expediu-se termo de quitação em favor da autora, ocorrendo a extinção da dívida. Desse modo, tendo em vista que, no caso, o imóvel foi alienado após a realização do segundo leilão, por venda direta, a CEF está desonerada do dever de prestar contas, nos termos do § 5º do artigo 27 da Lei 9.514/97. Ademais, não se caracteriza o enriquecimento indevido da CEF, na medida em que, consolidada definitivamente a propriedade no caso de frustação dos leilões, tendo a CEF adquirido a livre disponibilidade do bem, o imóvel é transferido ao credor para a venda direta, ficando o valor da venda totalmente desvinculado do valor do contrato ou do valor da avaliação, conforme trecho da fundamentação do seguinte precedente TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000920-65.2023.4.03.6141, Rel. Desembargador Federal AUDREY GASPARINI, julgado em 05/09/2024, DJEN DATA: 13/09/2024: (...) Anoto, ainda, a inconsistência da alegação de indicação de preço vil do imóvel anunciado em venda direta, tendo em vista que, após o imóvel ter sua propriedade transferida ao credor em razão da ausência de arrematantes nos leilões, pode ser estabelecido pelo novo proprietário preço de venda que entender adequado, inexistindo vinculação a contrato ou a qualquer avaliação (...) Ainda sobre a questão, destaco outro precedente: CONTRATOS BANCÁRIOS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VENDA DIRETA DO BEM. I - Hipótese dos autos em que o imóvel teve sua propriedade transferida ao credor em razão da ausência de arrematantes nos leilões, podendo ser estabelecido pelo novo proprietário preço de venda que entender adequado, inexistindo vinculação a contrato ou a qualquer avaliação, estando desobrigado a devolver ao devedor a importância que sobejar à dívida. II - Recurso desprovido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000319-16.2013.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal GISELLE DE AMARO E FRANCA, julgado em 24/04/2023, DJEN DATA: 02/05/2023) Logo, aplicando-se o princípio da causa madura, com fundamento no art. 1.013, § 3º, e inciso I do CPC, a sentença deve ser reformada, julgando-se improcedente o pedido, ficando a CEF desonerada do dever de prestar contas nos termos do §5º do artigo 27 da Lei n. 9514/97. Da verba honorária Em razão da sucumbência recursal, instituída no artigo 85, §11, do CPC/2015, os honorários fixados na sentença devem ser majorados em 2%, observada a suspensão prevista no artigo 98, §§2º e 3º, do CPC. Da conclusão Ante o exposto, de ofício, reconheço a existência de interesse de agir e, com fundamento no art. 1.013, § 3º, e inciso I do CPC, reformo a sentença para julgar improcedente o pedido inicial de prestação de contas, nos termos da fundamentação. Consigno que a oposição de embargos declaratórios infundados pode ensejar aplicação de multa nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC. É o voto.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: "Nos contratos de mútuo e financiamento, o devedor não possui interesse de agir para a ação de prestação de contas."
2. No caso concreto, recurso especial não provido.
E M E N T A
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INTERESSE DE AGIR. LEILÕES NÃO EXITOSOS. APROVEITAMENTO DE VENDA DIRETA. PEDIDO IMPROCEDENTE.
I. Caso em exame
1. Apelação contra sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, por ausência de interesse de agir, nos termos do art. 485, VI, do CPC, com fundamento na tese firmada no Tema 528 do STJ (REsp 1293558). Pretensão inicial de prestação de contas por parte da autora em razão da alienação do imóvel objeto de contrato de mútuo com alienação fiduciária.
II. Questão em discussão
2. Há duas questões em discussão:
(i) saber se há interesse de agir da parte autora para propor ação de prestação de contas após a consolidação da propriedade em nome do credor e realização de leilões sem êxito; e
(ii) saber se o credor fiduciário está obrigado a prestar contas da venda direta do imóvel, realizada após os leilões, com fundamento no §4º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997.
III. Razões de decidir
3. O STJ, no Tema 528, assentou a ausência de interesse de agir em ações de prestação de contas baseadas em contrato de mútuo, por inexistência de relação de administração de bens.
4. O interesse de agir para a ação de prestação de contas exsurge, neste caso, da pretensão da autora de exigir do banco credor, que é o responsável pela operacionalização do produto da alienação do bem imóvel, eventual importância que sobejar ao valor da dívida (somada às despesas com o leilão e aos encargos do imóvel), com amparo no §4º do artigo 27 da Lei 9.514/97.
5. O caso concreto trata de alienação fiduciária com consolidação da propriedade e realização de dois leilões infrutíferos, circunstância que exime o credor do dever de prestação de contas conforme o §5º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997.
6. A alegação de venda por preço vil, realizada após a consolidação da propriedade e ausência de licitantes, não caracteriza enriquecimento ilícito do credor, que passa a ter plena disponibilidade do imóvel.
IV. Dispositivo e tese
7. Recurso provido em parte para reformar a sentença e, com fundamento no art. 1.013, §3º, I, do CPC, julgar improcedente o pedido inicial de prestação de contas.
Tese de julgamento: “1. A venda direta posterior à consolidação da propriedade e ausência de arrematação não obriga o credor à restituição de valores, nos termos do §5º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997.”
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 485, VI, e 1.013, §3º, I; Lei nº 9.514/1997, arts. 26 e 27, §§ 1º a 5º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1.293.558, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, DJe 25.03.2015; STJ, REsp nº 1.792.003/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 15.06.2021; TRF 3ª Região, ApCiv nº 5001004-97.2020.4.03.6100, Rel. Des. Valdeci dos Santos, j. 20.06.2022.