APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5094088-32.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA MIRIAN ALVES DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: ARNALDO JOSE POCO - SP185735-N, EDILAINE CRISTINA MORETTI POCO - SP136939-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5094088-32.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA MIRIAN ALVES DE OLIVEIRA Advogados do(a) APELADO: ARNALDO JOSE POCO - SP185735-N, EDILAINE CRISTINA MORETTI POCO - SP136939-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora): Apelação interposta pelo INSS contra sentença que reconheceu o período de trabalho rural de 16/11/1981 a 05/12/1988 (7 anos e 20 dias), com base em provas documentais (certidão de casamento, certidão de óbito e registros de produtor rural como início de prova material) e testemunhais, que comprovaram o exercício da atividade rural no período. A sentença também condenou o INSS a conceder aposentadoria por tempo de contribuição integral a partir da data do requerimento administrativo (14/09/2016). Além disso, foram fixados juros de mora de 0,5% ao mês, com suspensão da incidência durante o período de pagamento do precatório/requisitório, e correção monetária das parcelas vencidas pelo INPC. Por fim, o INSS foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o total das prestações vencidas até a data da sentença, devidamente atualizadas, extinguindo-se o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC. Nas razões recursais, o INSS requer a suspensão dos efeitos da sentença até o julgamento final do recurso. Sustenta, preliminarmente, a nulidade da sentença por suposta inobservância ao art. 489, § 1º, IV, do CPC, alegando que o juízo a quo não enfrentou os fundamentos da contestação, especialmente quanto à ausência de início de prova material válido e à suposta impossibilidade jurídica do reconhecimento de trabalho rural a partir dos 12 anos. No mérito, pugna pela reforma da sentença, argumentando que os documentos juntados são extemporâneos ao período requerido e estão em nome de terceiros (pai, irmão, cônjuge), sem comprovação de vínculo direto da autora com a atividade rural; que a certidão de casamento de 1987 qualifica a autora como “do lar”, enquanto apenas o cônjuge consta como “lavrador”; e que não há documentos contemporâneos em nome da autora que demonstrem o labor rural no período pretendido. Alega que a autora nasceu em 1969 e que o reconhecimento do labor rural a partir dos 12 anos seria juridicamente inviável, por contrariar a legislação previdenciária e a Constituição Federal, que só autorizaria tal reconhecimento para filhos do chefe do núcleo familiar a partir dos 14 anos. Subsidiariamente, requer: - a exclusão do período de 1979 a 1986 do cômputo do tempo de serviço, por ausência de prova material; - a devolução de valores eventualmente recebidos a título de tutela provisória, caso a sentença seja reformada; - a redução dos honorários advocatícios de 15% para 10%, com aplicação da Súmula 111 do STJ, limitando a base de cálculo às prestações vencidas até a sentença; - a alteração dos critérios de atualização monetária e juros de mora, com aplicação da TR até setembro de 2017, seguida do IPCA-E, e juros conforme a remuneração oficial da caderneta de poupança. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5094088-32.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARIA MIRIAN ALVES DE OLIVEIRA Advogados do(a) APELADO: ARNALDO JOSE POCO - SP185735-N, EDILAINE CRISTINA MORETTI POCO - SP136939-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora): Apelação tempestiva, sendo que o eventual não conhecimento se dará, se o caso, nos tópicos a seguir analisados. Do pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação O INSS requer que o recurso seja recebido com efeito suspensivo, a fim de sustar os efeitos da sentença. Nos termos do art. 1.012, § 1º, do CPC, as apelações contra sentenças que condenam a Fazenda Pública ao pagamento de benefícios previdenciários são, via de regra, recebidas apenas no efeito devolutivo. A atribuição de efeito suspensivo exige a demonstração de relevância da fundamentação recursal e da possibilidade de lesão grave e de difícil reparação, nos termos do § 4º do mesmo dispositivo. No caso concreto, não se verificam elementos que justifiquem o deferimento da medida. A controvérsia envolve o reconhecimento de tempo rural em regime de economia familiar, com prova material e testemunhal aceita pela jurisprudência dominante. Ademais, não há nos autos elementos que indiquem risco concreto e imediato de lesão irreparável ao INSS, até porque não houve sequer, ainda, a implantação do benefício concedido na sentença. Assim, indefiro o pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação. Da alegação de nulidade da sentença por omissão (art. 489, § 1º, IV, do CPC) Sustenta o INSS que a sentença seria nula por não enfrentar os fundamentos deduzidos em sua contestação, o que configuraria violação ao disposto no art. 489, § 1º, IV, do CPC. A alegação, contudo, não merece prosperar. Verifica-se que o juízo de origem examinou os principais pontos controvertidos, notadamente: a existência de início de prova material; a possibilidade de documentos em nome de terceiros servirem como indício válido de exercício de atividade rural; a suficiência da prova testemunhal para complementar a documentação; e o reconhecimento do labor rural a partir dos 12 anos de idade. Ainda que de forma concisa, a fundamentação da sentença demonstra a efetiva apreciação das teses veiculadas na contestação. O magistrado explicitou sua compreensão jurídica sobre a matéria e motivou adequadamente sua decisão, de forma suficiente para possibilitar o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como a interposição do recurso cabível. Não há, portanto, nulidade a ser reconhecida. Da alegação de ausência de prova material entre 1979 e 1986 O INSS pleiteia, de forma subsidiária, a exclusão do período de 1979 a 1986 do cômputo do tempo rural, sob a alegação de absoluta ausência de prova material quanto a esses anos. Ocorre que a sentença recorrida reconheceu apenas o período de 16/11/1981 a 05/12/1988 como tempo de serviço rural, não abrangendo os anos de 1979 e 1980. Dessa forma, a alegação do INSS encontra-se dissociada da sentença e carece de interesse recursal, uma vez que não há provimento jurisdicional que possa ser reformado relativamente a tais anos. Nesse ponto, não conheço do apelo da autarquia. Quanto ao período efetivamente reconhecido (16/11/1981 a 05/12/1988), consta nos autos documentação que, embora não contemporânea a todos os anos do lapso, configura início de prova material válido. A autora apresentou certidão de casamento e a de nascimento de seu filho nas quais constam a qualificação de seu cônjuge como lavrador, certidão de óbito do pai, também lavrador, e registros de produtor rural em nome do irmão, que atuava na zona rural. A jurisprudência pacífica, consubstanciada na Súmula 149 do STJ, admite a utilização de documentos em nome de terceiros pertencentes ao núcleo familiar, como pais, cônjuge ou irmãos, desde que comprovada a convivência e a atuação comum na atividade rural — o que foi confirmado pela prova testemunhal colhida em juízo. As testemunhas ouvidas afirmaram, de forma firme e coerente, que a autora trabalhava com seus familiares nas lides do campo desde tenra idade, em regime de economia familiar. Do alegado vínculo previdenciário do irmão da autora como contribuinte individual Nas razões recursais, o INSS alega que o irmão da autora, Jair Alves, seria contribuinte individual. Sustenta que as notas fiscais apresentadas demonstram comércio de exportação e que não há comprovação de que a autora trabalhava com seu irmão, além de ressaltar que as notas são referentes apenas aos anos de 1985 e 1987. Todavia, essa alegação não encontra respaldo nos documentos constantes dos autos. Há uma ordem cronológica clara entre os fatos, sendo certo que Jair Alves passou a ser, a partir do falecimento do pai em 1984, o chefe do núcleo familiar deixado por ele, assumindo a condução da atividade rural exercida em regime de economia familiar. Embora as notas fiscais contenham a expressão “Comércio, Exportação e Beneficiamento de Café, Amendoim e Cereais em Geral”, tal descrição refere-se à atividade econômica geral cadastrada para o remetente, Jair Alves, não implicando que as operações constantes nas notas envolvam efetivamente exportação. As operações documentadas indicam a venda de produtos agrícolas no âmbito interno, conforme evidenciado pela ausência de elementos característicos de comércio exterior, tais como destinatário estrangeiro, códigos específicos de exportação ou regime aduaneiro. A mera menção de "exportação" no cabeçalho genérico de um documento fiscal, sem correspondência com a natureza da transação ou a destinação final do produto, não é suficiente para descaracterizar a operação como interna. Além disso, a Constituição Federal estabelece a imunidade de contribuições sociais sobre as receitas decorrentes de exportação (art. 149, § 2º, inciso I). Se as notas fiscais de fato se referissem a operações de exportação (direta ou indireta), o FUNRURAL sequer seria devido ou recolhido. Assim, a retenção e o recolhimento do Funrural, tal como comprovado nos documentos, confirmam que as vendas eram destinadas ao mercado interno, pois não se trata de uma receita imune. Portanto, a presença dessa expressão genérica no cabeçalho das notas fiscais não impede o reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, uma vez que tais documentos, ao contrário, comprovam a produção e comercialização de bens agrícolas típicos dessa atividade, evidenciando o vínculo da autora ao núcleo familiar rural. No período em análise, especialmente na década de 1980, o regime previdenciário aplicável aos produtores rurais distinguia claramente o segurado especial do contribuinte individual. O segurado especial corresponde ao pequeno produtor rural que explora a terra em regime de economia familiar, sem a contratação de empregados permanentes. Esta categoria não realizava contribuições mensais diretas ao INSS, pois sua proteção previdenciária era garantida por meio do recolhimento do FUNRURAL (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), incidente sobre a comercialização da produção rural. Por sua vez, o contribuinte individual exercia atividade rural por conta própria, podendo possuir empregados, e efetuava contribuições previdenciárias mensais diretamente ao INSS, mediante carnê ou guia específica. No caso em questão, as notas fiscais apresentadas demonstram o desconto de 2,5% referente ao FUNRURAL. Tal fato é um elemento probatório robusto de que Jair Alves recolhia a contribuição previdenciária sobre a comercialização da produção. Este método de recolhimento é indissociável da condição de segurado especial no período, sendo a forma pela qual a lei garantia a proteção previdenciária a essa categoria. Se Jair Alves fosse um contribuinte individual, a forma de contribuição seria diversa, exigindo pagamentos diretos mensais ao INSS, e não a retenção sobre a venda da produção. Dessa forma, o recolhimento do FUNRURAL nas operações comprovadas pelas notas fiscais reforça inequivocamente o reconhecimento da atividade rural exercida por Jair Alves como segurado especial. A alegação do INSS de que a natureza das notas fiscais descaracterizaria a condição de segurado especial é refutada pela própria forma de recolhimento da contribuição, que é típica do regime de economia familiar. Este aspecto é relevante para o reconhecimento do tempo de serviço rural de sua irmã, autora nesta demanda. Da qualificação "do lar" da autora em documentos oficiais A qualificação da autora como “do lar” em sua certidão de casamento, datada de 1987, e na certidão de nascimento de seu filho, de 4 de agosto de 1987 (em ambas, seu marido foi declarado como lavrador), não se mostrou um obstáculo ao reconhecimento do tempo de serviço rural. É pacífico o entendimento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência desta Corte e dos Tribunais Superiores, de que tal designação em documentos antigos frequentemente não reflete a totalidade das atividades laborais desenvolvidas por mulheres no meio rural. Em épocas passadas, era comum que a formalidade dos registros não capturasse a complexidade da vida no campo, onde as atividades domésticas e as lides rurais se entrelaçavam intrinsecamente, compondo uma única rotina de trabalho em regime de economia familiar. A anotação “do lar”, nesse contexto, muitas vezes se referia à principal esfera de atuação da mulher dentro do núcleo familiar, sem, contudo, excluir sua participação ativa e essencial na produção agrícola. Dessa forma, o que prevalece é a realidade fática comprovada pelo conjunto probatório apresentado nos autos. Conforme exaustivamente demonstrado, e corroborado pela prova testemunhal firme e coerente, a autora dedicou-se intensamente às atividades rurais em regime de economia familiar durante o período pleiteado. A qualificação formal, portanto, cede espaço à verdade material dos fatos. Do reconhecimento do trabalho rural antes dos 14 anos O INSS refuta o reconhecimento do labor rural da autora a partir dos 12 anos de idade, sob a alegação de inviabilidade jurídica. No entanto, o entendimento consolidado desta Corte e dos Tribunais Superiores afasta tal objeção. É de se notar que a legislação trabalhista e protetiva da criança e do adolescente (como o art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, ou o art. 402 da CLT), que estabelece idades mínimas para o trabalho, não se aplica de forma retroativa para fins de comprovação de tempo de serviço rural perante a Previdência Social. As normas de proteção visam coibir o trabalho infantil nocivo em períodos atuais e futuros, mas não podem desconsiderar a realidade histórica do campo brasileiro, onde a participação de crianças nas lides agrícolas, em regime de economia familiar, era uma prática comum e, muitas vezes, essencial para a subsistência. A jurisprudência previdenciária, sensível a essa realidade social e cultural, firmou o entendimento de que é possível o reconhecimento do trabalho rural exercido por menores de 14 anos, desde que devidamente comprovado por início de prova material corroborado por prova testemunhal idônea. Tal posicionamento reconhece o esforço e a contribuição desses indivíduos para a economia familiar desde tenra idade, garantindo-lhes o acesso aos benefícios previdenciários. No caso dos autos, a prova testemunhal confirmou que a autora iniciou suas atividades no campo desde criança, em regime de economia familiar, o que, somado ao início de prova material, confere credibilidade ao pleito. Assim, não há impedimento legal ou jurisprudencial para o cômputo do período de trabalho rural da autora a partir dos 12 anos de idade, conforme reconhecido pela sentença. Da ausência de impugnação específica às provas testemunhais O INSS não impugnou diretamente a credibilidade ou a validade das provas testemunhais apresentadas, limitando-se a alegar a ausência de início de prova material e a inadequação dos documentos, em conformidade com a legislação e a Súmula 149 do STJ, que estabelece a insuficiência da prova exclusivamente testemunhal para comprovação da atividade rural. Mantém-se, portanto, o reconhecimento da atividade rural, tal como fixado na sentença. Da análise da aposentadoria por tempo de contribuição: aspectos essenciais No recurso de apelação, o INSS menciona que a sentença o condenou a implementar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral, no equivalente a um salário mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo. No entanto, essa afirmação é uma interpretação do INSS, pois a sentença original não especificou que o valor do benefício seria de um salário mínimo, apenas determinou a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral. Para evitar contratempos em sede de futuro cumprimento de sentença, cumpre elucidar que essa interpretação ou afirmação do INSS, constante no bojo de seu recurso, é equivocada. A concessão da aposentadoria por tempo de contribuição da segurada em questão, com Data de Entrada do Requerimento (DER) em 14/09/2016, fundamenta-se na soma do tempo de contribuição reconhecido administrativamente com o período de trabalho rural comprovado judicialmente. A análise do caso revela a necessidade de delinear os aspectos relativos à contagem do tempo de contribuição, à carência e ao cálculo do valor do benefício, especialmente à luz da legislação previdenciária vigente antes da Reforma de 2019. Tempo de contribuição e requisito de carência O período de trabalho rural reconhecido judicialmente foi de 7 anos e 20 dias (correspondente a 16/11/1981 a 05/12/1988). Somado ao tempo de contribuição de 27 anos, 6 meses e 20 dias já reconhecido administrativamente até a DER (ID 22518969 - Pág. 3), a segurada atinge um tempo total de contribuição de 34 anos, 7 meses e 10 dias. Para a aposentadoria por tempo de contribuição integral, exigiam-se 30 anos de contribuição para mulheres na época da DER. Com os 34 anos, 7 meses e 10 dias, a segurada supera amplamente o requisito de tempo de contribuição. Quanto à carência, que para esse tipo de benefício era de 180 meses (15 anos), a segurada já possuía 319 contribuições reconhecidas administrativamente (ID 22518969 - Pág. 2). Isso demonstra que a carência foi cumprida com folga, sem qualquer óbice para a concessão do benefício. Ou seja, embora o período rural ora reconhecido não conte para fins de carência, sua inclusão não é necessária, pois o requisito já estava amplamente satisfeito. Valor do benefício e a aplicação do fator previdenciário É fundamental esclarecer que o valor da aposentadoria por tempo de contribuição não se limita necessariamente a um salário mínimo. O cálculo da Renda Mensal Inicial (RMI) é feito com base na média dos maiores salários de contribuição do segurado. Para benefícios com DER em 2016, a regra geral envolvia a média dos 80% maiores salários de contribuição do Período Básico de Cálculo (de julho de 1994 até a DER), sobre a qual incidia o fator previdenciário. O fator previdenciário é um índice que considera a idade do segurado, seu tempo de contribuição e a expectativa de sobrevida, podendo reduzir o valor do benefício para quem se aposenta mais cedo. A segurada, nascida em 16/11/1969, tinha 46 anos, 9 meses e 28 dias na DER (14/09/2016). Naquela época, a Lei nº 13.183/2015 permitia que o fator previdenciário não fosse aplicado caso a soma da idade e do tempo de contribuição (Regra 85/95 Progressiva) atingisse 85 pontos para mulheres (e um mínimo de 30 anos de contribuição). No caso da segurada, a soma de sua idade e tempo de contribuição (46 anos, 9 meses e 28 dias de idade + 34 anos, 7 meses e 10 dias de tempo de contribuição) resulta em aproximadamente 81 anos, 5 meses e 8 dias, ou seja, cerca de 81 pontos. Dessa forma, como a autora não atingiu os 85 pontos necessários para afastar o fator previdenciário, este será aplicado no cálculo de sua Renda Mensal Inicial (RMI), atuando como redutor sobre o salário de benefício. Mesmo com a incidência do fator, o valor final do benefício dependerá do histórico dos seus salários de contribuição, podendo ser superior ao salário mínimo, se as contribuições foram sobre valores mais altos, o que deverá ser oportunamente analisado na fase de liquidação do julgado. Da não aplicação da TR na correção monetária e dos juros de mora. No que se refere ao pedido de alteração dos critérios de atualização monetária, com aplicação da TR até setembro de 2017 e do IPCA-E a partir de então, não assiste razão ao INSS. A sentença adotou corretamente a sistemática fixada pelo STF no julgamento do Tema 810, aplicando o INPC como índice de correção monetária (Tema 905/STJ), o que deve ser mantido. Os juros de mora também foram fixados em conformidade com os parâmetros adotados pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, devendo ser observado aquele que estiver vigente na data do exercício da pretensão executória. Da devolução de valores recebidos por tutela provisória Até o presente momento, não houve pagamento indevido a justificar devolução de valores, até porque não houve, nestes autos, concessão de tutela determinando a imediata implantação do benefício. Nesse ponto, também não conheço do apelo interposto pelo INSS, por ausência de interesse recursal. Dos honorários advocatícios A sentença fixou os honorários advocatícios em 15% sobre o montante das parcelas vencidas até a data da sentença, com base na Súmula 111 do STJ. No entanto, considerando os critérios estabelecidos no § 2º do art. 85 do CPC — especialmente o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, bem como o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço —, entendo que o percentual deve ser moderadamente reduzido para 10% sobre o valor das prestações vencidas até a sentença (Súmula 111/STJ), devidamente atualizadas. Tal percentual guarda equilíbrio com os parâmetros usualmente adotados por esta Corte em demandas de igual complexidade e preserva a remuneração condigna à atuação do patrono da parte autora. CONCLUSÃO Ante o exposto, rejeito a preliminar de nulidade da sentença. Na parte conhecida do apelo, dou-lhe parcial provimento para, nos termos da fundamentação, reduzir de 15% para 10% a verba honorária a que foi condenado o INSS. É o voto.
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL EM NOME DE TERCEIROS. QUALIFICAÇÃO COMO “DO LAR” EM DOCUMENTOS OFICIAIS. LABOR RURAL A PARTIR DOS 12 ANOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO INTEGRAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REDUZIDOS. RECURSO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO NA PARTE CONHECIDA.
I. CASO EM EXAME
Apelação cível interposta pelo INSS contra sentença que reconheceu o tempo de serviço rural da autora no período de 16/11/1981 a 05/12/1988, com base em documentos como certidão de casamento, certidão de óbito do pai e notas fiscais em nome do irmão como início de prova material, corroborados por prova testemunhal. A sentença condenou o INSS à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição integral, a partir da DER (14/09/2016), com correção monetária pelo INPC, juros de mora de 0,5% ao mês, e honorários advocatícios fixados em 15% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença. O INSS alegou nulidade da sentença, impugnou o início de prova material, a viabilidade do reconhecimento de labor rural antes dos 14 anos, e requereu alterações nos critérios de cálculo e nos honorários.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há seis questões em discussão: (i) verificar se a sentença é nula por ausência de fundamentação adequada; (ii) definir se é possível juridicamente reconhecer trabalho rural a partir dos 12 anos de idade; (iii) estabelecer se documentos em nome de terceiros, aliados à prova testemunhal, constituem início de prova material válido; (iv) aferir se a qualificação da autora como “do lar” em registros civis impede o reconhecimento da atividade rural; (v) analisar a legalidade dos critérios adotados para correção monetária, juros de mora e devolução de valores; e (vi) revisar o percentual fixado para honorários advocatícios.
III. RAZÕES DE DECIDIR
- A sentença apresenta fundamentação suficiente, ainda que concisa, ao enfrentar os principais argumentos da defesa, especialmente quanto à prova do labor rural, à validade da documentação apresentada e à idade mínima para reconhecimento do serviço, não se configurando nulidade nos termos do art. 489, § 1º, IV, do CPC.
- O reconhecimento do labor rural a partir dos 12 anos de idade é admitido pela jurisprudência previdenciária, desde que comprovado com início de prova material corroborado por prova testemunhal idônea.
- Documentos em nome do pai, irmão e cônjuge da autora constituem início de prova material válido, nos termos da Súmula 149 do STJ, quando demonstrada a participação da autora no mesmo núcleo familiar rural, como confirmado pelas testemunhas.
- A alegação de que o irmão da autora seria contribuinte individual não se sustenta, uma vez que a documentação comprova o exercício de atividade rural em regime de economia familiar, com retenção de FUNRURAL, típica da condição de segurado especial.
- A qualificação da autora como “do lar” em certidões de casamento e de nascimento do filho não é obstáculo ao reconhecimento da atividade rural, pois reflete práticas históricas de registro civil que desconsideravam a multifuncionalidade das mulheres no campo, sendo superadas pela verdade material comprovada nos autos.
- O tempo total de contribuição da autora, somado o período rural reconhecido judicialmente ao tempo já computado administrativamente, supera o mínimo exigido para a aposentadoria integral, com carência também plenamente satisfeita.
- A aplicação do fator previdenciário é devida, visto que a soma da idade e do tempo de contribuição da autora não atingiu o patamar exigido pela Regra 85/95 vigente à época da DER.
- Correção monetária e juros foram fixados corretamente pela sentença com base no INPC e em conformidade com os Temas 810/STF e 905/STJ. Não houve concessão de tutela provisória com pagamento antecipado, razão pela qual não há valores a serem devolvidos.
- Os honorários advocatícios devem ser moderadamente reduzidos para 10% sobre o valor das prestações vencidas até a sentença, conforme usualmente aplicado em causas da mesma natureza e complexidade, respeitando os critérios do art. 85, § 2º, do CPC e a Súmula 111 do STJ.
- Parte do recurso interposto pelo INSS não pode ser conhecida, por ausência de interesse recursal. A alegação de ausência de prova material relativa ao período de 1979 a 1980 mostra-se dissociada da sentença, que reconheceu apenas o intervalo de 16/11/1981 a 05/12/1988 como tempo de serviço rural, inexistindo, portanto, decisão a ser reformada quanto aos anos anteriores. Da mesma forma, o pedido de devolução de valores eventualmente recebidos por força de tutela provisória não comporta conhecimento, uma vez que não houve nos autos qualquer antecipação de tutela determinando o pagamento ou a implantação do benefício. Nessas hipóteses, ausente a utilidade prática da pretensão recursal, impõe-se o não conhecimento do apelo quanto a esses pontos.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Na parte conhecida, parcialmente provida a apelação para reduzir a verba honorária de 15% para 10%.
Teses de julgamento:
1.É válida a utilização de documentos em nome de membros do núcleo familiar como início de prova material do exercício de atividade rural, quando corroborados por prova testemunhal idônea.
2.A qualificação da segurada como “do lar” em documentos civis não impede o reconhecimento de atividade rural, devendo prevalecer a realidade fática demonstrada nos autos.
3.É juridicamente possível o reconhecimento do labor rural a partir dos 12 anos, desde que comprovado nos termos exigidos pela legislação previdenciária.
4.A aplicação do fator previdenciário é devida quando a soma da idade e do tempo de contribuição da segurada não alcança o mínimo exigido pela legislação vigente à época.
5.Os honorários advocatícios podem ser reduzidos para 10% sobre as prestações vencidas até a sentença, nos termos da Súmula 111/STJ, considerando os critérios do art. 85, § 2º, do CPC.
Dispositivos relevante: CF/1988, arts. 7º, XXXIII, e 201, § 7º; CLT, art. 402; CPC, arts. 85, § 2º, 489, § 1º, IV, e 1.012, § 4º; Lei nº 8.213/1991, art. 55, § 3º; Lei nº 13.183/2015.
Jurisprudência relevante: STJ, Súmula 149; STF, Tema 810; STJ, Tema 905.