Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025345-22.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: AHMAD ZUBAIR RAUFI

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025345-22.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: AHMAD ZUBAIR RAUFI

 

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de agravo interno interposto por AHMAD ZUBAIR RAUFI contra a decisão que, com fundamento no artigo 932, IV, do CPC, negou provimento a seu recurso de apelação.

Sustenta o agravante, em síntese, que a suspensão dos serviços de processamento do pedido de visto humanitário, bem como das entrevistas, pela Embaixada brasileira em Teerã é uma afronta à eficiência do serviço público, principalmente diante de um cenário de graves violações de direitos humanos e da ausência de previsão da retomada dos serviços. Alega que, embora a Portaria Interministerial nº 42/2023 determine que a concessão de visto temporário está sujeita à existência de capacidade de abrigamento por organizações da sociedade civil com a qual a União tenha celebrado acordo de cooperação em edital, tal edital ainda não foi publicado, nem as organizações de abrigamento selecionadas. 

Aduz que não tem passaporte afegão, tampouco há a possibilidade de obtenção, sem que isso ocasione risco à sua vida e segurança, ressaltando, ainda, que tal documento seria inútil, já que o Brasil não reconhece o atual Emirado Islâmico do Afeganistão como um Estado. Afirma, assim, necessidade de emissão documento de viagem brasileiro (laissez-passer ou autorização de retorno ao Brasil) em seu nome, pela Embaixada brasileira em Teerã.

Requer o provimento do agravo interno, reformando-se a decisão monocrática.

Com contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025345-22.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: AHMAD ZUBAIR RAUFI

 

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 

 

 

 

V O T O

 

 

De início, observa-se que o artigo 932, IV, do Código de Processo Civil autoriza o relator, por mera decisão monocrática, a negar provimento a recurso que for contrário a: Súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal, acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Da mesma forma, o artigo 932, V, do Código de Processo Civil prevê que o relator poderá dar provimento ao recurso nas mesmas hipóteses do incisivo IV, depois de facultada a apresentação de contrarrazões.

Ademais, o entendimento da melhor doutrina é no sentido de que o mencionado rol é meramente exemplificativo. Conforme já firmado na orientação deste Colegiado: 

 

“(...)  

Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero: 

Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em "súmulas" e "julgamento de casos repetitivos" (leia -se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de "assunção de competência". É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas. (Curso de Processo Civil, 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017). 

Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que "a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos" ("Novo Código de Processo Civil comentado", 3ª e., São Paulo, RT, 2017, p. 1014, grifos nossos). 

Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in "A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim", Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544).(...)”. 

(ApCiv nº 0013620-05.2014.403.6100, Rel. Des. Fed. SOUZA RIBEIRO, decisão de 23/03/2023) 

 

Desta feita, à Súmula nº 568 do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ ("O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema") une-se a posição da doutrina majoritária retro transcrita, que entende pela exemplificatividade do listado do artigo 932 do CPC. 

Impende consignar que o princípio da colegialidade não resta ferido, prejudicado ou tolhido, vez que as decisões singulares são recorríveis pela via do Agravo Interno (art. 1.021, caput, CPC). 

De maneira geral, quanto às alegações apontadas no presente agravo, a decisão está bem fundamentada ao afirmar que:

 

"Trata-se de ação pelo procedimento comum, com pedido de tutela de urgência, ajuizada por AHMAD ZUBAIR RAUFI em face da UNIÃO FEDERAL, visando à emissão de documento de viagem brasileiro, bem como a garantia do processamento em tempo razoável do visto para fins de acolhida humanitária, com base na Portaria Interministerial nº 24/2021. 

O D. Juízo concedeu a justiça gratuita e indeferiu a tutela.

Devidamente citada, a União Federal apresentou contestação.

Réplica.

Sobreveio sentença, julgando improcedente o pedido, nos termos do artigo 487, I, do CPC, e condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), na forma do artigo 85, §8°, do CPC, observada a gratuidade de justiça.

A parte autora interpôs apelação, seguida de contrarrazões.

Os autos vieram a este E. Tribunal, onde abriu-se vista ao Ministério Público Federal, que requereu a anulação da sentença, ante a ausência de intervenção ministerial em primeiro grau.

Ato contínuo, foi proferida decisão, nos termos do artigo 932, III, do CPC, que acolheu o parecer ministerial e, de ofício, anulou a r. sentença, para determinar o retorno dos autos à Vara de origem, a fim de que o Ministério Público Federal atuante na primeira instância fosse intimado a se manifestar no feito, restando prejudicada a apelação.

Com o retorno dos autos à origem, o Ministério Público Federal foi intimado para manifestação, tendo apresentado parecer.

Proferiu-se, então, nova sentença, julgando improcedente o pedido, nos termos do artigo 487, I, do CPC, e condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), na forma do artigo 85, §8°, do CPC, observada a gratuidade de justiça.

Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação, alegando, em síntese, que, embora já tenha efetuado o requerimento online de visto brasileiro, a Embaixada brasileira em Teerã suspendeu a realização de entrevistas para tal fim. Alega, ainda, a impossibilidade de apresentação de documento de viagem válido para a solicitação do visto humanitário da Portaria Interministerial nº 24/2021, pois, além de não ter passaporte, não pode recorrer ao governo Talibã para a emissão de um novo, já que prestava serviços militares ao governo anterior. Aduz, outrossim, que um passaporte afegão seria inútil perante às autoridades brasileiras, já que o Brasil não reconhece o atual Emirado Islâmico do Afeganistão como um Estado. Requer, assim, a reforma da r. sentença, julgando-se procedente o pedido, para que a Embaixada brasileira em Teerã emita documento de viagem brasileiro (laissez-passer ou autorização de retorno ao Brasil) em seu nome, bem como para que efetue o processamento de seu pedido de visto, com o agendamento da entrevista em até 30 dias. Pleiteia, outrossim, a concessão da tutela de urgência.

Com contrarrazões, os autos vieram a esta E. Corte.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

DECIDO.

(...) 

Narra a inicial que o autor, ora apelante, é afegão e, em razão da retomada do controle poltico e militar do país pelo grupo fundamentalista Talibã, em meados de 2021, migrou para o Irã. Alega que, por ter trabalhado na direção do departamento de proteção e segurança para oficiais do governo, nos anos anteriores, encontra-se em situação de grande risco.

Afirma que, em 12/08/2022, preencheu a solicitação eletrônica de visto humanitário à Embaixada do Brasil em Teerã (protocolo nº 220812-500317), nos termos da Portaria Interministerial nº 24/2021. Em resposta, a Embaixada informou que, devido à alta demanda, havia suspendido temporariamente o agendamento de novas entrevistas para a concessão do referido visto a afegãos, desde 13/06/2022.

Alem de nao ter o seu pedido processado pela Embaixada, relata que não possui documento de viagem de seu país de origem, que e um requisito para a concessao do visto brasileiro, tampouco tem condiçoes de obte-lo, sem que isso ocasione risco a sua vida e integridade fsica. Neste passo, e imperioso que lhe seja concedida uma forma alternativa de documento de viagem, qual seja laissez-passer ou autorizaçao de retorno.

Neste contexto, assevero que o artigo 3º da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) elenca os princípios e diretrizes que regem a política migratória brasileira, sendo a acolhida humanitária um deles (inciso VI).

Ademais, de acordo com o artigo 14 da mesma lei, poderá ser concedido visto temporário para acolhida humanitária "ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento" (§3º).

Ainda, o Decreto nº 9.199/2017, que regulamenta a Lei de Migração, reserva a ato conjunto dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública, Relações Exteriores e Trabalho a definição das condições, prazos e requisitos para a emissão do referido visto (artigo 36).

Nessa senda, a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 49, de 24 de dezembro de 2024, dispõe sobre a concessão de visto temporário e de autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais afegãos afetados pela situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário no Afeganistão. Tal Portaria entrou em vigor em 01/01/2025, revogando expressamente a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 42/2023, que, por sua vez, havia revogado a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 24/2021.

De acordo com as novas regras, o visto poderá ser concedido aos afegãos que tiverem deixado o seu país a partir de 15/08/2021, sem ter fixado residência em um terceiro país, e terá validade de 180 dias, para uma única entrada, sem possibilidade de prorrogação.

Consta, ainda, que o processamento do pedido ficará condicionado às condições de lotação, de segurança e de infraestrutura nas Embaixadas do Brasil em Teerã e Islamabade, sendo estas as únicas autorizadas a conceder o visto em questão.

Outrossim, a concessão do visto estará sujeita à existência de capacidade de abrigamento e à inserção socioeconômica dos imigrantes por organização da sociedade civil com a qual a União tenha celebrado Termo de Cooperação, em edital de seleção promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O referido edital definirá atribuições e responsabilidades do Poder Público e das organizações, bem como estabelecerá a dinâmica de monitoramento do cumprimento dos compromissos, com a obrigatoriedade de comunicação aos órgãos competentes da saída dos imigrantes do território nacional.

Em consulta ao sítio eletrônico do Ministério das Relações Exteriores (https://www.gov.br/mre/pt-br/embaixada-teera/english/humanitarian-visa-for-afghan-citizens), consta o seguinte aviso, datado de 04/05/2025: 

 

"Em 30 de dezembro de 2024, uma nova regulamentação emitida pelo governo brasileiro (Portaria 49) revogou todas as regulamentações anteriores relativas a solicitações de vistos humanitários por cidadãos afegãos.

Com a nova diretriz, todos os pedidos devem ser submetidos por meio de instituições humanitárias selecionadas pelo governo brasileiro para fornecer apoio essencial, como abrigo, emprego, alimentação, assistência médica e outros serviços aos afegãos . Essa mudança visa evitar a repetição de situações difíceis recentes, quando cidadãos afegãos que chegavam ao Brasil tiveram que acampar perto de nossos aeroportos à espera de acesso a essas necessidades básicas. 

Até hoje, duas instituições humanitárias brasileiras foram selecionadas para oferecer abrigo. A lista será atualizada à medida que mais instituições humanitárias forem selecionadas.

As duas instituições que agora podem ser contatadas por cidadãos afegãos são:

PANAHGAH - https://panahgah.org/

Instituto Estou Refugiado -http://www.estourefugiado.org.br" (tradução livre; grifos no original)

 

Em relação aos documentos necessários para solicitar o visto, a Portaria MJSP/MRE nº 49/2024 dispõe:

 

"Art. 4º A solicitação de visto de que trata esta Portaria deverá ser apresentada à Autoridade Consular acompanhada dos seguintes documentos:

I - documento de viagem válido;

II - formulário de solicitação de visto preenchido; e

III - atestado de antecedentes criminais expedido pelo Afeganistão ou documento consular equivalente."

 

Noutro giro, o Regulamento de Documentos de Viagem (Decreto nº 5.978/2006) define o laissez-passer e a autorização de retorno ao Brasil da seguinte forma:

 

"Art. 14. Laissez-passer é o documento de viagem, de propriedade da União, concedido, no território nacional, pelo Departamento de Polícia Federal e, no exterior, pelo Ministério das Relações Exteriores, ao estrangeiro portador de documento de viagem não reconhecido pelo governo brasileiro ou que não seja válido para o Brasil."

 

"Art. 15. A autorização de retorno ao Brasil é o documento de viagem, de propriedade da União, expedido pelas repartições consulares àquele que, para regressar ao território nacional, não preencha os requisitos para a obtenção de passaporte ou de laissez-passer, ou àquele que, na condição de extraditando para o Brasil, não possua documento de viagem válido." (Redação dada pelo Decreto nº 8.374, de 2014)

 

O referido decreto prevê, ainda, que  as condições para concessão do laissez-passer no exterior e da autorização de retorno ao Brasil serão estabelecidas pelo Ministério das Relações Exteriores (arts. 23 e 24).

Nesse diapasão, a Portaria nº 457/2010 do Ministério das Relações Exteriores aprovou o Manual de Serviço Consular e Jurídico, sendo este recentemente revogado pela Portaria n° 428/2022 do mesmo Ministério, que instituiu o Regulamento Consular Brasileiro. Sobre o tema, dispõe o Regulamento (g.n.):

 

Autorização de Retorno ao Brasil - ARB

11.2.37 Autorização de Retorno ao Brasil é o documento de viagem concedido pelas Repartições consulares a nacionais brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil que, estando no exterior e necessitando regressar ao Brasil, não preencham os requisitos para a obtenção de passaporte, ou necessitem viajar em prazo inferior àquele necessário para a emissão de um passaporte. Será inscrito no campo "observação" o termo "Retorno ao Brasil via [cidade de escala ou trânsito]" quando for o caso.

11.2.39 A Autorização de Retorno ao Brasil poderá ser concedida:

I - aos brasileiros que estejam sendo deportados ou repatriados, desde que com a expressa solicitação ou consentimento do titular;

II - aos brasileiros extraditandos, independentemente de sua aquiescência;

III - excepcionalmente, mediante autorização da SERE/DDAC, a nacionais de outros países ou apátridas que tenham sua vinda ao Brasil consentida pelo governo brasileiro. 

 

Laissez-Passer - LP

11.2.49 Documento de viagem concedido ao estrangeiro portador de passaporte emitido por Estado não reconhecido pelo Brasil, o Laissez-passer permite múltiplas entradas e será recolhido pelo controle migratório do Departamento de Polícia Federal quando expirar seu prazo de validade ou, antes disso, em caso de uso irregular.

11.2.50 A concessão de laissez-passer será decorrente de autorização de visto de entrada concedida pela SERE/DIM.

11.2.51 O prazo de validade do laissez-passer será determinado pela SERE/DIM, e não poderá ser superior a dois anos.

 

Diante do exposto e considerando o viés humanitário da questão, entendo ser juridicamente possível a emissão de documento de viagem brasileiro ao apelante. Todavia, a pretensão extrapola as possibilidades de intervenção cogente do Poder Judiciário.

Isso porque, além da Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 49/2024 ter estabelecido que todos os pedidos de visto devem ser submetidos por meio das duas instituições humanitárias selecionadas pelo governo brasileiro para fornecer apoio aos afegãos (PANAHGAH e Instituto Estou Refugiado), a emissão do documento de viagem brasileiro em seu nome (LP ou ARB) somente será necessária no caso de concessão do visto.

Dessa forma, caberá a uma dessas instituições, no momento de submissão do pedido de visto do requerente, pleitear às autoridades competentes a dispensa da exigência de apresentação de seu passaporte, em razão das especificidades do caso, bem como a emissão de documento de viagem brasileiro, no caso de deferimento do visto. 

Sendo assim, deve ser mantida a r. sentença de improcedência.

Majoro os honorários advocatícios para R$ 2.500,00, nos termos do art. 85, §§ 8º e 11, do CPC, observada a concessão da justiça gratuita.

Em face do exposto, nos termos do artigo 932, IV, do CPC, nego provimento ao recurso de apelação."

 

A matéria em síntese mereceu nova apreciação deste MM. Órgão Judiciário, em face da permissão contida no artigo 371 do Código de Processo Civil, que consagra o princípio do livre convencimento ou da persuasão racional, e que impõe ao julgador o poder-dever. O poder no que concerne à liberdade de que dispõe para valorar a prova e o dever de fundamentar a sua decisão, ou seja, a razão de seu conhecimento.

Sob outro aspecto, o juiz não está adstrito a examinar todas as normas legais trazidas pelas partes, bastando que, in casu, decline os fundamentos suficientes para lastrear sua decisão.

Quanto à regra contida no § 3º do artigo 1.021 do CPC, entendo que a vedação só se justifica na hipótese de o agravo interno interposto não se limitar à mera reiteração das razões de apelação, o que não é o caso do presente recurso. Conclui-se, das linhas antes destacadas, que a decisão monocrática observou os limites objetivamente definidos no referido dispositivo processual.

Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.

É o voto.



E M E N T A

 

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. LEI DE MIIGRAÇÃO. VISTO PARA FINS DE ACOLHIDA HUMANITÁRIA. AFEGANISTÃO. PORTARIA INTERMINISTERIAL MJSP/MRE Nº 49/2024. EMISSÃO DE LAISSEZ-PASSER OU AUTORIZAÇÃO DE RETORNO AO BRASIL. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DO PEDIDO POR MEIO DAS INSTITUIÇÕES HUMANITÁRIAS SELECIONADAS PELO GOVERNO BRASILEIRO. RECURSO IMPROVIDO.

1. Trata-se de agravo interno interposto por AHMAD ZUBAIR RAUFI contra a decisão que, com fundamento no artigo 932, IV, do CPC, negou provimento a seu recurso de apelação.

2. Sustenta o agravante, em síntese, que a suspensão dos serviços de processamento do pedido de visto humanitário, bem como das entrevistas, pela Embaixada brasileira em Teerã é uma afronta à eficiência do serviço público, principalmente diante de um cenário de graves violações de direitos humanos e da ausência de previsão da retomada dos serviços. Alega que, embora a Portaria Interministerial nº 42/2023 determine que a concessão de visto temporário está sujeita à existência de capacidade de abrigamento por organizações da sociedade civil com a qual a União tenha celebrado acordo de cooperação em edital, tal edital ainda não foi publicado, nem as organizações de abrigamento selecionadas. Aduz que não tem passaporte afegão, tampouco há a possibilidade de obtenção, sem que isso ocasione risco à sua vida e segurança, ressaltando, ainda, que tal documento seria inútil, já que o Brasil não reconhece o atual Emirado Islâmico do Afeganistão como um Estado. Afirma, assim, necessidade de emissão documento de viagem brasileiro (laissez-passer ou autorização de retorno ao Brasil) em seu nome, pela Embaixada brasileira em Teerã.

3. Narra a inicial que o autor, ora apelante, é afegão e, em 12/08/2022, preencheu a solicitação eletrônica de visto humanitário à Embaixada do Brasil em Teerã, nos termos da Portaria Interministerial nº 24/2021. Em resposta, a Embaixada informou que, devido à alta demanda, havia suspendido temporariamente o agendamento de novas entrevistas para a concessão do referido visto a afegãos, desde 13/06/2022.

4. O artigo 3º da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) elenca os princípios e diretrizes que regem a política migratória brasileira, sendo a acolhida humanitária um deles (inciso VI). Ademais, de acordo com o artigo 14 da mesma lei, poderá ser concedido visto temporário para acolhida humanitária "ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento" (§3º).

5. Ainda, o Decreto nº 9.199/2017, que regulamenta a Lei de Migração, reserva a ato conjunto dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública, Relações Exteriores e Trabalho a definição das condições, prazos e requisitos para a emissão do referido visto (artigo 36).

6. Nessa senda, a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 49, de 24 de dezembro de 2024, dispõe sobre a concessão de visto temporário e de autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais afegãos afetados pela situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário no Afeganistão. Tal Portaria entrou em vigor em 01/01/2025, revogando expressamente a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 42/2023, que, por sua vez, havia revogado a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 24/2021.

7. De acordo com as novas regras, o visto poderá ser concedido aos afegãos que tiverem deixado o seu país a partir de 15/08/2021, sem ter fixado residência em um terceiro país, e terá validade de 180 dias, para uma única entrada, sem possibilidade de prorrogação. Consta, ainda, que o processamento do pedido ficará condicionado às condições de lotação, de segurança e de infraestrutura nas Embaixadas do Brasil em Teerã e Islamabade, sendo estas as únicas autorizadas a conceder o visto em questão.

8. Outrossim, a concessão do visto estará sujeita à existência de capacidade de abrigamento e à inserção socioeconômica dos imigrantes por organização da sociedade civil com a qual a União tenha celebrado Termo de Cooperação, em edital de seleção promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O referido edital definirá atribuições e responsabilidades do Poder Público e das organizações, bem como estabelecerá a dinâmica de monitoramento do cumprimento dos compromissos, com a obrigatoriedade de comunicação aos órgãos competentes da saída dos imigrantes do território nacional.

9. Em consulta ao sítio eletrônico do Ministério das Relações Exteriores (https://www.gov.br/mre/pt-br/embaixada-teera/english/humanitarian-visa-for-afghan-citizens), consta o seguinte aviso, datado de 04/05/2025: "Com a nova diretriz, todos os pedidos devem ser submetidos por meio de instituições humanitárias selecionadas pelo governo brasileiro para fornecer apoio essencial, como abrigo, emprego, alimentação, assistência médica e outros serviços aos afegãos . Essa mudança visa evitar a repetição de situações difíceis recentes, quando cidadãos afegãos que chegavam ao Brasil tiveram que acampar perto de nossos aeroportos à espera de acesso a essas necessidades básicas. Até hoje, duas instituições humanitárias brasileiras foram selecionadas para oferecer abrigo. A lista será atualizada à medida que mais instituições humanitárias forem selecionadas" (tradução livre). De acordo com as informações, as duas instituições que agora podem ser contatadas por cidadãos afegãos são a PANAHGAH e o Instituto Estou Refugiado.

10. Em relação aos documentos necessários para solicitar o visto à Autoridade Consular, a Portaria MJSP/MRE nº 49/2024 dispõe (art. 4º): "I - documento de viagem válido; II - formulário de solicitação de visto preenchido; e III - atestado de antecedentes criminais expedido pelo Afeganistão ou documento consular equivalente". 

11. Noutro giro, a Portaria n° 428/2022 do Ministério das Relações Exteriores, que instituiu o Regulamento Consular Brasileiro, define o laissez-passer como "documento de viagem concedido ao estrangeiro portador de passaporte emitido por Estado não reconhecido pelo Brasil" (item 11.2.48), sendo a sua concessão "decorrente de autorização de visto de entrada concedida pela SERE/DIM" (item 11.2.50).

12. No tocante à Autorização de Retorno ao Brasil - ARB, a referida Portaria dispõe que esta poderá, excepcionalmente, mediante autorização da SERE/DDAC, ser concedida, "a nacionais de outros países ou apátridas que tenham sua vinda ao Brasil consentida pelo governo brasileiro" (item 11.2.39, III).

13. Diante do exposto e considerando o viés humanitário da questão, entende-se como juridicamente possível a emissão de documento de viagem brasileiro ao apelante. Todavia, a pretensão extrapola as possibilidades de intervenção cogente do Poder Judiciário. Isso porque, além da Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 49/2024 ter estabelecido que todos os pedidos de visto devem ser submetidos por meio das duas instituições humanitárias selecionadas pelo governo brasileiro para fornecer apoio aos afegãos (PANAHGAH e Instituto Estou Refugiado), a emissão do documento de viagem brasileiro em seu nome (LP ou ARB) somente será necessária no caso de concessão do visto.

14. Dessa forma, caberá a uma dessas instituições, no momento de submissão do pedido de visto do requerente, pleitear às autoridades competentes a dispensa da exigência de apresentação de seu passaporte, em razão das especificidades do caso, bem como a emissão de documento de viagem brasileiro, no caso de deferimento do visto. Sendo assim, deve ser mantida a r. sentença de improcedência.

15. Honorários advocatícios majorados para R$ 2.500,00, nos termos do art. 85, §§ 8º e 11, do CPC, observada a concessão da justiça gratuita.

16. A matéria em síntese mereceu nova apreciação deste MM. Órgão Judiciário, em face da permissão contida no artigo 371 do Código de Processo Civil, que consagra o princípio do livre convencimento ou da persuasão racional, e que impõe ao julgador o poder-dever. O poder no que concerne à liberdade de que dispõe para valorar a prova e o dever de fundamentar a sua decisão, ou seja, a razão de seu conhecimento.

17. Sob outro aspecto, o juiz não está adstrito a examinar todas as normas legais trazidas pelas partes, bastando que, in casu, decline os fundamentos suficientes para lastrear sua decisão.

18. Quanto à regra contida no § 3º do artigo 1.021 do CPC, a vedação só se justifica na hipótese de o agravo interno interposto não se limitar à mera reiteração das razões de apelação, o que não é o caso do presente recurso. Conclui-se, das linhas antes destacadas, que a decisão monocrática observou os limites objetivamente definidos no referido dispositivo processual.

19. Agravo interno não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RICARDO GONCALVES DE CASTRO CHINA
JUIZ FEDERAL