Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003797-69.2017.4.03.6114

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: CARLOS HONORIO BEZERRA

Advogados do(a) APELANTE: HEITOR HENRIQUE DE CARVALHO PINTO - SP342879-A, RAFAELA ROCHA DOMINGUES - SP349405-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: SADI BONATTO - PR10011-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003797-69.2017.4.03.6114

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: CARLOS HONORIO BEZERRA

Advogados do(a) APELANTE: HEITOR HENRIQUE DE CARVALHO PINTO - SP342879-A, RAFAELA ROCHA DOMINGUES - SP349405-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

 

 

  RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR: 

Trata-se de recurso de apelação interposto por Carlos Honório Bezerra contra a sentença que, nos autos dos Embargos à Execução de Título Extrajudicial, julgou improcedentes os pedidos formulados.

O embargante foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atribuído à causa, cuja exigibilidade restou suspensa em razão dos benefícios da justiça gratuita deferida (ID 24551360).

Em suas razões recursais, e em síntese, defende o apelante que os autos devem ser remetidos à contadoria judicial, a fim de que se apure com precisão o valor correto da obrigação. Sustenta a existência de cobrança excessiva, imputando à instituição financeira a prática de juros abusivos, além da indevida capitalização de juros, haja vista a ausência de pactuação expressa nesse sentido. Argumenta, ainda, que a cláusula relativa à comissão de permanência está prevista de maneira abusiva. Ao final, assevera que o valor efetivamente devido é de R$ 58.396,36 (cinquenta e oito mil, trezentos e noventa e seis reais e trinta e seis centavos), razão pela qual pugna pelo provimento do presente recurso, a fim de que a sentença seja reformada no tocante à cobrança da comissão de permanência, à ilegalidade da multa de 2% e ao excesso do valor cobrado pela CEF em seus cálculos (ID 24551362).

Sem contrarrazões.

É o relatório.            

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003797-69.2017.4.03.6114

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO

APELANTE: CARLOS HONORIO BEZERRA

Advogados do(a) APELANTE: HEITOR HENRIQUE DE CARVALHO PINTO - SP342879-A, RAFAELA ROCHA DOMINGUES - SP349405-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

 

 

 

 

V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR: 

Trata-se de controvérsia instaurada no âmbito dos embargos à execução de título extrajudicial opostos por Carlos Honório Bezerra em face da Caixa Econômica Federal.

Consta dos autos que Carlos Honório Bezerra firmou com a CEF o Contrato de Renegociação de Dívida nº 21.2901.191.0000742-43, com o objetivo de quitar os débitos oriundos dos contratos nºs 21.2901.101.0000005-11 e 21.2901.001.0002390-05. Comprometeu-se, assim, a pagar a quantia de R$ 88.300,00 (oitenta e oito mil e trezentos reais) em 48 prestações, tendo efetivamente efetuado o pagamento de 22 prestações, desde a data da liberação do crédito (12/12/2014) até o novembro/2016, a partir de quando sobreveio a inadimplência.

A CEF, então, moveu a execução em face do apelante perseguindo o valor de R$ 87.857,74 (oitenta e sete mil, quinhentos e cinquenta e sete reais e setenta e quatro centavos).

Sob a alegação de cobrança excessiva e abusividade de cláusulas contratuais, Carlos Honório Bezerra opôs os presentes embargos à execução que foram julgados improcedentes nos seguintes termos:

(…) No caso concreto, porém, nenhuma cobrança cumulativa se observa, nada cabendo considerar a respeito.

E, considerando-se que o executado/Embargante deixou de pagar as parcelas contratadas para a amortização do débito, o reconhecimento da exigência de tal consectário pela CEF, percentualmente em face do montante devido, justifica-se pela existência da mora.   

Afasto a alegação de inobservância da boa-fé e transparência pela Embargada na realização do negócio, ao entendimento do já lançado, e ao resultado que no desfecho da lide não foram identificados elementos/fatos a indicar os vícios apontados, a justificar o afastamento da constrição executiva que ora os devedores estão obrigados.

Assim, a execução forçada do título extrajudicial perante a Embargante tem fundamento legal ao seu alicerce, justificando plenamente a cobrança. (…)

Por fim, indefiro o requerimento de suspensão do feito, nos termos do artigo 919, §1º do CPC, ante a ausência dos requisitos necessários à concessão da tutela provisória, inexistindo nos autos informações/fundamentos que justifiquem o óbice ao prosseguimento da execução, ou capazes de causar ao executado graves danos de difícil ou incerta reparação, mormente por tratar-se a exequente de empresa pública federal.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os presentes embargos, forte no artigo 487, inc. I, do CPC.

Arcará o Embargante com honorários advocatícios que, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, arbitro em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa. sujeitando-se a exigência, todavia, ao disposto no art. 98, §3º do Código de Processo Civil. (...)

 

1- Da necessidade de prova pericial

Nas ações em que se pleiteia a revisão de cláusulas de contratos de mútuo, em regra, incide o artigo 355, I, do Código de Processo Civil, permitindo-se o julgamento antecipado da lide, porquanto comumente as questões de mérito são unicamente de direito. Na hipótese de a questão de mérito envolver análise de fatos, é do autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, inteligência do artigo 373, I, do CPC. Cabe ao juiz da causa avaliar a pertinência do pedido de realização de perícia contábil, conforme artigos 370 e 464 do CPC.

Malgrado defenda o apelante a imprescindibilidade da produção de perícia contábil, considerando o acervo probatório dos autos, verifica-se que os documentos juntados são suficientes para o deslinde da controvérsia, não se vislumbrando a alegada necessidade de produção de prova técnica.

Convém destacar que o magistrado é o destinatário final da prova, competindo-lhe avaliar a suficiência dos elementos constantes dos autos para a solução da lide.

Esta E. Turma já firmou o entendimento no mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. DÍVIDA CERTA, LÍQUIDA E EXIGÍVEL. LEI 10.931/04. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO. AVALISTA. RETIRADO DE SÓCIO DO QUADRO SOCIETÁRIO. IRRELEVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.  PROVA PERICIAL DESNECESSÁRIA. APLICABILIDADE DO CDC. NÃO AFASTAMENTO DO ÔNUS PROBATÓRIO DA CONTRATANTE. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ALEGAÇÃO GENÉRICA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. SÚMULA 472 DO STJ. CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS NÃO CONFIGURADA. HONORÁRIOS RECURSAIS. 

- Cinge-se a controvérsia à alegada ilegitimidade passiva da apelante, bem como excesso de execução de título extrajudicial (cédula de crédito bancário), decorrente de inadimplemento, acrescido de juros e encargos contratuais. 

- No caso dos autos, o contrato firmado entre as partes (Cédula de Crédito Bancário nº 1679-714-0000012-79), datado de 16/10/2014, demonstrativo de débito – evolução do contrato e histórico do contrato, são documentos considerados suficientes para atendimento ao disposto no art. 700, §2º, do CPC, quanto à exigência de demonstração da importância devida.

- A sócio da empresa ré que figura no contrato bancário como avalista assume a posição de devedor solidário, hipótese em que sua responsabilidade não decorre da condição de sócio.

- Não há que se falar em ilegitimidade passiva do réu, vez que além de sócia da empresa quando do endividamento, era avalista do negócio, sendo que a despeito de não mais integrar o quadro societário, deve permanecer no polo passivo da demanda monitória. 

- Afasta-se a alegação de cerceamento de defesa pela não realização de prova pericial, tendo em vista que a controvérsia referente à apuração de eventual abusividade de encargos contratuais é matéria de direito que não depende de auxílio de perito contábil, mas apenas de interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes e do ordenamento jurídico, sendo a referida prova pericial dispensável.  

(..)

--

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À MONITÓRIA. CHEQUE EMPRESA CAIXA, GIROCAIXA FÁCIL E CARTÃO DE CRÉDITO. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA. PROVA ESCRITA SUFICIENTE DA DÍVIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA DE DIREITO. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Controvérsia sobre a existência de prova suficiente da dívida (inépcia da inicial) e a ocorrência de cerceamento de defesa pelo indeferimento da prova pericial contábil.

2. A autora apresentou o instrumento assinado pelos réus, os extratos e faturas que comprovam a utilização do limite, a disponibilização do crédito e o uso do cartão, além dos demonstrativos de atualização dos débitos, de modo que a ação está instruída com todos os documentos hábeis a demonstrar o crédito em favor da CEF, conforme exige o art. 700, caput e § 2º, I, do CPC.

3. A existência de prova escrita da dívida e de cláusulas contratuais abusivas é matéria de direito que prescinde de prova pericial e pode ser verificada mediante simples análise dos documentos juntados em cotejo com a norma aplicável à espécie. Nesse caso, o indeferimento da produção de prova, à luz do art. 370 do CPC, não implica cerceamento de defesa.

4. Apelação não provida.

(ApCiv nº 5009805-59.2021.4.03.6102, 1ª Turma, Rel. Des. Federal Wilson Zauhy Filho, v.u., j. 14/03/2023, DJe 19/04/2023) (destaquei)


 

2- Da capitalização de juros 

Grande controvérsia envolve a interpretação e a aplicação das regras que disciplinam o anatocismo no Brasil. Não raro, defende-se que a legislação pátria proibiria a utilização de juros compostos, juros efetivos ou qualquer mecanismo que envolvesse "capitalização de juros". 

Neste diapasão, estaria configurado o paroxismo de proibir conceitos abstratos de matemática financeira, prestigiando somente a aplicação de juros simples ou nominais, sem necessariamente lograr atingir uma diminuição efetiva dos montantes de juros remuneratórios devidos, já que a maior ou menor dimensão paga a este título guarda relação muito mais estreita com o patamar dos juros contratados que com a frequência com que são "capitalizados". 

Em tempos modernos, a legislação sobre o anatocismo, ao mencionar "capitalização de juros" ou "juros sobre juros", não se refere a conceitos da matemática financeira ou a qualquer situação pré-contratual, os quais pressupõem um regular desenvolvimento da relação contratual. 

Como conceito jurídico, as restrições à "capitalização de juros" ou "juros sobre juros" disciplinam as hipóteses em que, já vigente o contrato, diante do inadimplemento, há um montante de juros devidos, vencidos e não pagos que pode ou não ser incorporado ao capital para que incidam novos juros sobre ele. 

Em outras palavras, na data em que vencem os juros, pode haver pagamento e não ocorrerá "capitalização", em sentido jurídico estrito. Na ausência de pagamento, porém, pode haver o cômputo dos juros vencidos e não pagos em separado, ou a sua incorporação ao capital/saldo devedor para que incidam novos juros. Apenas nesta última hipótese se pode falar em "capitalização de juros" ou anatocismo para efeitos legais. 

A ilustrar a exegese, basta analisar o texto do artigo 4º do Decreto 22.626/33, conhecido como "Lei de Usura": 

Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. 

Se a redação da primeira parte do dispositivo não é das mais cuidadosas, a segunda parte é suficiente para delimitar o alcance do conceito e afastar teses das mais variadas em relação à proibição do anatocismo. 

Feitas tais considerações, é de se ressaltar que não há no ordenamento jurídico brasileiro proibição absoluta para a "capitalização de juros" (vencidos e não pagos). As normas que disciplinam a matéria, quando muito, restringiram a possibilidade de capitalização de tais juros em prazo inferior a um ano. 

Desde o artigo 253 do Código Comercial já se permitia a capitalização anual, proibindo-se a capitalização em prazo inferior, restrição que deixou de existir no texto do artigo 1.262 do Código Civil de 1916. O citado artigo 4º do Decreto 22.626/33, conhecido como "Lei de Usura", retoma o critério da capitalização anual. 

A mens legis do art. 4º do Decreto 22.626/33, ao restringir a capitalização nesses termos, é evitar que a dívida aumente em proporções não antevistas pelo devedor em dificuldades ao longo da relação contratual. O dispositivo não guarda qualquer relação com o processo de formação da taxa de juros, como a interpretação meramente literal e isolada de sua primeira parte poderia levar a crer. Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Segunda Seção, EREsp. 917.570/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 4.8.2008 e REsp. 1.095.852-PR, DJe 19.3.2012). 

Desse modo, tem-se o pano de fundo para se interpretar a Súmula 121 do STF: 

É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.(Súmula 121 do STF) 

A súmula veda a capitalização de juros mesmo quando convencionada. Veda a capitalização de juros (vencidos e não pagos), mesmo quando convencionada (em período inferior ao permitido por lei). 

A Súmula 596 do STF, abordando especificamente o caso das instituições financeiras, por sua vez, prevê: 

As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.(Súmula 596 do STF) 

A jurisprudência diverge quanto ao alcance da Súmula 596 do STF no que diz respeito ao anatocismo. De toda sorte, a balizar o quadro normativo exposto, o STJ editou a Súmula 93, segundo a qual a legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros. 

Em outras palavras, nessas hipóteses admite-se a capitalização de juros vencidos e não pagos em frequência inferior à anual, nos termos da legislação específica. As normas legais que disciplinam cada tipo de financiamento passaram a ser um critério seguro para regular o anatocismo. 

Há que se considerar, ainda, que desde a MP 1.963-17/00, com o seu artigo 5º reeditado pela MP 2.170-36/01, já existia autorização ainda mais ampla para todas as instituições do Sistema Financeiro Nacional. A consequência do texto da medida provisória foi permitir, como regra geral para o sistema bancário, não apenas o regime matemático de juros compostos, mas o anatocismo propriamente dito. 

O Supremo Tribunal Federal entendeu que não há inconstitucionalidade na MP 2.170-36/01 em razão de seus pressupostos: 

CONSTITUCIONAL. ART. 5º DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO. 
1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência. 
2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país. 
3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados. 
4. Recurso extraordinário provido. 
(STF, RE 592377 / RS - RIO GRANDE DO SUL, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, 04/02/2015) 

Ressalte-se que a legislação do SFN é especial em relação à Lei de Usura e às normas do Código Civil. 

A reforçar todo o entendimento anteriormente exposto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 539, nos seguintes termos: 

É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. (Súmula 539 do STJ) 

Em suma, não ocorre anatocismo em contratos de mútuo pela simples adoção de sistema de amortização que se utilize de juros compostos. Tampouco se vislumbra o anatocismo pela utilização de taxa de juros efetiva com capitalização mensal derivada de taxa de juros nominal com capitalização anual, ainda quando aquela seja ligeiramente superior a esta. Por fim, a capitalização de juros devidos, vencidos e não pagos é permitida nos termos autorizados pela legislação e nos termos pactuados entre as partes. 

Apenas com a verificação de ausência de autorização legislativa especial e de previsão contratual, poderá ser afastada a capitalização de juros devidos, vencidos e não pagos em prazo inferior a um ano. Nessa hipótese, em se verificando o inadimplemento de determinada prestação, a contabilização dos juros remuneratórios não pagos deve ser realizada em conta separada, sobre a qual incidirá apenas correção monetária, destinando-se os valores pagos nas prestações a amortizar primeiramente a conta principal. 

Compulsando os autos, não há que se falar aplicação de juros diversos do pactuado, cujos critérios constam expressamente dos documentos juntados (ID 24551347, pág. 1 a ID 24551348, pág. 6), de modo que a sua capitalização se encontra em consonância com o entendimento do C. STJ.  

 

3- Da Comissão de Permanência 

Em relação à comissão de permanência, adoto o posicionamento pacificado pela 2ª Turma do C. STJ: 

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 

(...) 

4. Segundo o entendimento pacificado na 2ª Seção, a comissão de permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos remuneratórios ou moratórios.(...) 

(REsp 973827, 2ª Seção do STJ, j. em 08/08/2012, DJe de 24/09/2012, Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão MARIA ISABEL GALLOTTI ) (destaquei)

A questão foi objeto, inclusive, de fixação de tese quando da afetação do Tema nº 52 do STJ, que tratou da questão “referente à legalidade da cláusula que, em contratos bancários, prevê a cobrança da comissão de permanência na hipótese de inadimplência do consumidor”, que resultou na seguinte tese: 

“A cobrança de comissão de permanência - cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato - exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual.” 

Ocorre que o apelante não logrou demonstrar que a CEF fez incidir a comissão de permanência em montante superior à soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, livremente pactuado entre as partes, cumulada com outros encargos remuneratórios, conforme pretende fazer crer.  

Da análise dos documentos apresentados pela instituição financeira (ID 24551346, pág. 6/8), verifico que foram cobradas as parcelas dentro dos limites permitidos às instituições financeiras, constando ainda a informação de que os cálculos contidos na planilha excluíram eventual comissão de permanência prevista no contrato. Com isso, é possível verificar que a CEF não fez incidir a comissão de permanência, cobrando somente juros remuneratórios, moratórios e de multa de mora nos valores previstos em contrato, afastada qualquer abusividade nesse sentido.

4-  Da onerosidade excessiva

Impende salientar que a parte apelante se limita a alegar, de forma genérica, a ocorrência de abusos e cobranças indevidas, sem, contudo, comprovar tais irregularidades.

Compete a quem apela, portanto, o ônus de demonstrar, de maneira específica e fundamentada, as supostas cláusulas abusivas ou eventuais nulidades contratuais que defende existir no instrumento celebrado — o que, no presente caso, não se verificou a partir da análise dos autos.

Ressalto, neste ponto, que os contratos de adesão firmados livremente com instituições financeiras não diferem dos contratos de adesão referentes a serviços essenciais, tais como o fornecimento de água, eletricidade, telefonia e outros imprescindíveis à dignidade da vida em ambiente urbano. Trata-se de contratos de empréstimo bancário cujo objeto, embora útil, não se revela imprescindível aos contratantes. Foram firmados, portanto, por vontade própria e não por inexigibilidade de outra conduta, decorrente da essencialidade - inexistente para o caso dos autos - de seu objeto. 

A invocação, apenas na ocasião do cumprimento da obrigação, de suposta nulidade de cláusulas livremente aceitas no momento da celebração do acordo e da tomada do financiamento, viola a boa-fé contratual objetiva, por sua vertente do princípio do ne venire contra factum proprium. Em matéria de contratos impera o princípio pacta sunt servanda, notadamente quando as cláusulas contratuais observam legislação meticulosa e cogente. Também por essa razão, não se pode olvidar o princípio rebus sic standibus, por definição, requer a demonstração de que não subsistem as circunstâncias fáticas que sustentavam o contrato e que justificam o pedido de revisão contratual.

Mostram-se infundadas a alegação de que as cláusulas contratuais e a as taxas de juros são abusivas, como objetivo de afastá-las. Tal pedido implicaria impor à Caixa Econômica Federal o cumprimento da obrigação em condições distintas das originalmente pactuadas, o que revela-se inadmissível.

Cumpre salientar que as alegações apresentadas em sede recursal são desprovidas de elementos concretos capazes de infirmar as conclusões firmadas pelo juízo a quo.

Diante desse cenário, a manutenção da sentença e o consequente desprovimento do recurso constituem medida que se impõe.

Por fim, em razão do desprovimento do recurso interposto, majoro em 2% os honorários advocatícios fixados na sentença em desfavor da parte autora, em observância ao disposto no art. 85, § 11 do CPC, suspensa a exigibilidade em razão da justiça gratuita deferida.

Ante o exposto, nego provimento à apelação, na forma da fundamentação acima, com majoração da verba honorária.

É como voto.

 



E M E N T A

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA CONTÁBIL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS MANTIDA.

I. Caso em exame

1.Apelação interposta por Carlos Honório Bezerra contra sentença que julgou improcedentes embargos à execução de título extrajudicial promovida pela Caixa Econômica Federal, fundada em contrato de renegociação de dívida. O embargante alega a existência de cláusulas abusivas e cobrança indevida, requerendo a produção de prova pericial.

II. Questão em discussão

1. Há quatro questões em discussão:
(i) saber se é imprescindível a produção de prova pericial contábil;
(ii) saber se houve capitalização de juros em desconformidade com o ordenamento jurídico;
(iii) saber se houve cobrança irregular de comissão de permanência; e
(iv) saber se há onerosidade excessiva ou abusividade contratual que justifique a revisão das cláusulas pactuadas.

III. Razões de decidir

1.O indeferimento de prova pericial não caracteriza cerceamento de defesa quando os documentos juntados aos autos são suficientes para a análise da controvérsia.

2. A capitalização de juros vencidos e não pagos é admitida quando há pactuação expressa e previsão legal, conforme jurisprudência do STJ.

3. Não demonstrada a cobrança indevida de comissão de permanência cumulada com outros encargos.

4. Alegações genéricas de abusividade e onerosidade excessiva não são suficientes para infirmar a legalidade do contrato celebrado de forma livre e consciente entre as partes.

IV. Dispositivo e tese

1. Recurso desprovido. Sentença mantida. Honorários majorados.
Tese de julgamento:
“1. É dispensável a prova pericial contábil em embargos à execução quando os documentos são suficientes para análise do pedido. 2. A capitalização de juros vencidos e não pagos é permitida se houver previsão contratual expressa e base legal. 3. A cobrança da comissão de permanência é válida desde que não cumulada com outros encargos. 4. Alegações genéricas de onerosidade ou abusividade não afastam a força vinculante do contrato.”
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 85, §11, 370, 373, I, 464 e 919, §1º; CC, arts. 421 e 422; Decreto 22.626/1933, art. 4º; MP 2.170-36/2001, art. 5º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.095.852/PR, DJe 19.03.2012; STJ, Súmula 539; STF, RE 592.377/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 04.02.2015.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RENATO BECHO
Desembargador Federal