Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5015495-80.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: LUIS TARQUI RAFAEL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5015495-80.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: LUIS TARQUI RAFAEL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
JUIZO RECORRENTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL CÍVEL

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de mandado de segurança objetivando provimento judicial que determine à autoridade impetrada receber e processar o pedido de autorização de residência do impetrante com fundamento em reunião familiar, independentemente da apresentação da certidão de antecedentes criminais emitida por autoridade estrangeira e de passaporte válido.

A r. sentença concedeu a segurança.

Nas razões de apelação, a União Federal sustenta que a exigência de tais documentos encontra respaldo na legislação vigente, em especial na Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), no Decreto nº 9.199/2017 e nas Portarias Interministeriais que regulamentam a matéria. Requer a reforma da sentença, com a denegação da segurança.

Houve apresentação de contrarrazões.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação e da remessa oficial.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5015495-80.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: LUIS TARQUI RAFAEL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
JUIZO RECORRENTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL CÍVEL

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

 

Trata-se de mandado de segurança objetivando provimento jurisdicional para determinar que a autoridade coatora processe o pedido de autorização de residência com base em reunião familiar, independentemente da apresentação da certidão de antecedentes criminais expedida no país de origem e de passaporte.

É pertinente esclarecer que, de fato, a certidão de antecedentes criminais e o documento de viagem são, em regra, exigências previstas na legislação infraconstitucional para o processamento de autorização de residência. Confira-se o art. 129 do Decreto nº 9.199/2017:

 

"Art. 129. Para instruir o pedido de autorização de residência, o imigrante deverá apresentar, sem prejuízo de outros documentos requeridos em ato do Ministro de Estado competente pelo recebimento da solicitação:

(...)

II - documento de viagem válido ou outro documento que comprove a sua identidade e a sua nacionalidade, nos termos dos tratados de que o País seja parte;

(...)

V - certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos;"

 

 

No caso concreto, o impetrante, cidadão boliviano, reside no Brasil há mais de dez anos, é pai de dois filhos brasileiros e exerce atividade laboral informal, conforme consta do questionário socioeconômico anexado aos autos. Alegou não ter condições financeiras de retornar à Bolívia para regularizar sua certidão de nascimento e, por conseguinte, obter a certidão de antecedentes criminais e o passaporte exigidos. Afirmou ainda que, ao tentar obter referida certidão junto ao Consulado Geral da Bolívia em São Paulo, foi informado da existência de problema técnico no sistema que impede a emissão do documento.

Importa destacar que o impetrante apresentou certidão negativa de antecedentes criminais expedida no Brasil, bem como outros documentos hábeis a comprovar sua identidade e nacionalidade, como o Certificado de Nacionalidade emitido pelo Consulado da Bolívia em São Paulo.

Diante desse contexto, entendo que a exigência estrita de apresentação de documentos cujo fornecimento se mostra inviável por fatores alheios à vontade do impetrante deve ser flexibilizada à luz dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da boa-fé e da dignidade da pessoa humana.

No mesmo sentido, os julgados:

 

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA PARA FINS DE REUNIÃO FAMILIAR. NÃO APRESENTAÇÃO DE ATESTADO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDO PELO PAÍS DE ORIGEM. MITIGAÇÃO DA RIGIDEZ PROCEDIMENTAL. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS.

(...)

É consolidada a jurisprudência desta E. Corte no sentido da flexibilização das exigências documentais quando o pedido de visto ou autorização de residência para fins de reunião familiar tiver como requerente pessoa oriunda de países que notadamente enfrentam crises sociais e humanitárias.

(...)

Pondera-se também que a rigidez burocrática procedimental deve ser mitigada, considerando-se que a regularização migratória é de interesse primordial da própria Administração Pública e representa condição essencial para que estrangeiros possam usufruir de seus direitos fundamentais no exercício da vida civil no Brasil.

(TRF3, ApelRemNec 5017665-25.2018.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Antonio Carlos Cedenho, 3ª Turma, j. 16/12/2020, DJe 29/12/2020)"

 

"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE RESIDÊNCIA PARA CUMPRIMENTO DE PENA. PROGRESSÃO DE REGIME. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDA PELO PAÍS DE ORIGEM. LEI 13.445/2017. DECRETO 9.199/2017. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por estrangeiro com o fito de obter o processamento do seu pedido de autorização de residência para cumprimento de pena, sem a apresentação da certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem.

2. No caso sub judice, o impetrante está cumprindo pena no regime aberto, por força da decisão de progressão de regime, e o artigo 30, II, h e § 2º da Lei nº 13.445/2017 autoriza, nessa hipótese, a concessão de visto de residência no país.

3. O Decreto nº 9.199/2017, por sua vez, que regulamenta a Lei de Migração, exige a apresentação de certidão de antecedentes criminais para fins de instrução do pedido de autorização de residência.

4. Ocorre que tal exigência encontra entraves burocráticos perante o Consulado e a Embaixada da África do Sul no Brasil, e ainda que tenha por objetivo a proteção de relevantes interesses nacionais, referentes à própria segurança pública, ela não pode se sobrepor a princípios inerentes à mais efetiva proteção possível dos direitos humanos.

5. Com efeito, o impetrante cumpre pena em regime aberto no Brasil, e negar-lhe o visto de residência é totalmente irrazoável, mormente porque, sem a regularização da sua situação migratória em território nacional, não terá meios de prover a sua própria subsistência, tampouco recursos financeiros para solicitar a expedição de certidão de antecedentes criminais na África do Sul.

6. A autorização de residência para os migrantes não se trata de uma vontade individual de se manter no país, mas sim de necessidade de cumprir uma punição imposta pelo próprio Estado brasileiro, e que e impeditiva de sua saída voluntaria do país.

7. Conquanto a decisão de concessão de residência seja dotada de cunho discricionário e político, cujo mérito é insusceptível de revisão judicial, se revela indevida a exigência formal de certidão de antecedentes criminais do país de origem do impetrante, na situação narrada nos autos, por violar justamente os princípios da razoabilidade e da isonomia.

8. Apelação desprovida.”

(TRF3, ApCiv 5006542-93.2019.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Denise Avelar, 3ª Turma, j. 23/11/2020, DJe 25/11/2020)

 

 

Assim, considerando que o impetrante já apresentou documentos oficiais suficientes à instrução de seu pedido de residência, e que a exigência de certidão estrangeira e de passaporte se mostra, no caso concreto, de cumprimento materialmente inviável, deve-se prestigiar o direito à reunião familiar, previsto expressamente no art. 3º, inciso VIII, da Lei nº 13.445/2017, bem como os princípios da universalidade dos direitos humanos e da promoção da regularização documental, também ali consagrados.

Desta forma, a ordem deve ser mantida para permitir que seja afastada, no caso concreto, a necessidade de apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida no exterior e de passaporte, devendo a autoridade coatora processar regularmente o pedido de autorização de residência por reunião familiar, com base nos documentos já apresentados.

Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa necessária.

É como voto.

 



E M E N T A

 

 

 

DIREITO ADMINISTRATIVO E MIGRATÓRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA POR REUNIÃO FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE MATERIAL DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS EXIGIDOS PELO DECRETO Nº 9.199/2017. FLEXIBILIZAÇÃO DE EXIGÊNCIAS BUROCRÁTICAS. RECURSO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDOS.

I. CASO EM EXAME

1. Apelação da União Federal contra sentença que concedeu a segurança em mandado impetrado por cidadão boliviano, com o objetivo de obrigar a autoridade coatora a receber e processar o pedido de autorização de residência com fundamento em reunião familiar, independentemente da apresentação da certidão de antecedentes criminais expedida por autoridade estrangeira e de passaporte válido. A decisão de primeiro grau entendeu pela impossibilidade material de cumprimento das exigências legais no caso concreto. Houve apresentação de contrarrazões e parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso e da remessa oficial.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2. A controvérsia envolve a possibilidade de flexibilização das exigências previstas no art. 129, incisos II e V, do Decreto nº 9.199/2017, no caso de impossibilidade material justificada pelo impetrante, quanto à apresentação de passaporte válido e de certidão de antecedentes criminais emitida por autoridade estrangeira, para fins de processamento de pedido de autorização de residência por reunião familiar.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3. A legislação infraconstitucional estabelece, como regra, a apresentação de passaporte válido e certidão de antecedentes criminais expedida pelo país de origem como requisitos para o processamento de autorização de residência. No entanto, a jurisprudência desta Corte admite a flexibilização dessas exigências quando houver comprovação de impedimentos materiais intransponíveis, à luz dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.

4. No caso, o impetrante reside no Brasil há mais de dez anos, é pai de filhos brasileiros e alegou impossibilidade financeira e técnica para obtenção da documentação no país de origem, fato corroborado por informações prestadas pelo Consulado da Bolívia em São Paulo e pelos documentos apresentados.

5. Foram juntados aos autos documentos oficiais aptos a comprovar a identidade, a nacionalidade e a ausência de antecedentes criminais no território nacional, suficientes para viabilizar o processamento do pedido de autorização de residência, sem prejuízo à segurança pública ou à finalidade do procedimento administrativo migratório.

6. A jurisprudência do TRF3 reconhece a necessidade de mitigar formalidades excessivas em casos concretos em que há obstáculos objetivos à obtenção dos documentos exigidos, especialmente quando o direito à reunião familiar e à regularização migratória está em jogo.

IV. DISPOSITIVO E TESE

7. Recurso de apelação e remessa oficial desprovidos.

Tese de julgamento:
“1. É possível a flexibilização das exigências documentais previstas no Decreto nº 9.199/2017, nos casos em que o impetrante demonstre, de forma suficiente, a impossibilidade material de obtenção da documentação exigida no país de origem.
2. A ausência de certidão de antecedentes criminais estrangeira e de passaporte válido não impede o processamento de pedido de autorização de residência por reunião familiar, quando suprida por documentos oficiais emitidos no Brasil e pelo consulado do país de origem.
3. A proteção à dignidade da pessoa humana e o direito à reunião familiar justificam a mitigação de formalidades procedimentais no âmbito do processo administrativo migratório.”


Legislação relevante citada: Lei nº 13.445/2017, art. 3º, VIII; Decreto nº 9.199/2017, art. 129, II e V; Lei nº 12.016/2009, art. 25.


Jurisprudência relevante citada: TRF3, ApelRemNec 5017665-25.2018.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Antonio Carlos Cedenho, 3ª Turma, j. 16/12/2020, DJe 29/12/2020; TRF3, ApCiv 5006542-93.2019.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Denise Avelar, 3ª Turma, j. 23/11/2020, DJe 25/11/2020.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE (Relatora), com quem votaram o Des. Fed. MARCELO SARAIVA e o Des. Fed. WILSON ZAUHY, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
MONICA NOBRE
Desembargadora Federal