Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5020668-08.2025.4.03.0000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

PACIENTE: MIGUEL MARINHO DA SILVA NETO
IMPETRANTE: HAILTON RIBEIRO OLIVEIRA

Advogado do(a) PACIENTE: HAILTON RIBEIRO OLIVEIRA - SP487495-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - CENTRAL DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5020668-08.2025.4.03.0000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

PACIENTE: MIGUEL MARINHO DA SILVA NETO
IMPETRANTE: HAILTON RIBEIRO OLIVEIRA

Advogado do(a) PACIENTE: HAILTON RIBEIRO OLIVEIRA - SP487495-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - CENTRAL DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado Hailton Ribeiro de Oliveira em favor do paciente MIGUEL MARINHO DA SILVA NETO contra ato imputado ao MM. Juízo da Central de Audiências de Custódia da Subseção Judiciária de Guarulhos/SP(Dr. Marcio Martins de Oliveira), que decretou a prisão preventiva do paciente.

O paciente é acusado da prática dos crimes previstos nos arts. 241-A e 241-B do ECA. Na audiência de custódia foi decretada a sua prisão preventiva.

A impetração alega, em síntese, excesso de prazo da constrição cautelar que perdura desde 24.07.2025, ou seja, há mais de 10 dias, sem que o inquérito tenha sido concluído. Sustenta que não resta presente o periculum libertatis. Requer o relaxamento da prisão preventiva ou a substituição por medidas cautelares alternativas, ainda que de ofício.

A liminar foi indeferida (ID 33100989).

As informações foram prestadas pelo r. juízo a quo (ID 333286206).

A Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem (ID 333409859).

No ID 334247379, foram apresentados os memoriais, reiterando o pedido de relaxamento da prisão preventiva do paciente em razão do excesso de prazo para a formação da culpa.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5020668-08.2025.4.03.0000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

PACIENTE: MIGUEL MARINHO DA SILVA NETO
IMPETRANTE: HAILTON RIBEIRO OLIVEIRA

Advogado do(a) PACIENTE: HAILTON RIBEIRO OLIVEIRA - SP487495-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - CENTRAL DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

DO CASO DOS AUTOS

O paciente foi preso em flagrante em sua residência, em 24/07/2025, em razão de cumprimento de mandado de prisão expedido nos autos nº 5008709-58.2024.4.03.6181, instaurado para apuração dos delitos tipificados nos artigos 241-A e 241-B da Lei n.º 8.069/90, praticados, em tese, pelo paciente.

Na mesma data, foi realizada audiência de custódia na qual a prisão em flagrante foi convertida em preventiva, sob o fundamento de que a segregação cautelar se mostrava necessária para a garantia da da ordem pública e para a preservação da instrução criminal. Foi ressaltada a gravidade concreta da conduta imputada, consubstanciada na existência de indícios de participação do investigado, ora paciente, em grupos de compartilhamento de pornografia infantil por meio de aplicativos como WhatsApp e Telegram, bem como na possibilidade de haver arquivos armazenados em nuvem ainda não acessados pelas autoridades, o que justificaria a adoção da medida extrema.

Em 05.08.2025, o paciente impetrou habeas corpus perante este Tribunal, distribuído à relatoria deste Desembargador Federal, sob n. 5020306-06.2025.4.03.0000, requerendo a revogação da prisão preventiva, ainda que mediante a substituição por medidas cautelares diversas, bem como que fosse determinado acesso aos autos 5008709-58.2024.4.03.6181 e 5002833-88.2025.4.03.6181.

Em 08.08.2025, em sede de exame de liminar, foi proferida a seguinte decisão:

(...)

A ação de Habeas Corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do artigo 5.º, LXVIII, da Constituição Federal, e artigo 647 do Código de Processo Penal.

DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA.

O Código de Processo Penal, em seu Título IX e, especificamente, no Capítulo III, dispõe acerca da prisão preventiva, cabendo salientar que tal instituto foi reformulado por força da edição da Lei n.º 12.403, de 04.05.2011, que teve o objetivo de estabelecer que a custódia cautelar deve ser interpretada e ser decretada apenas quando não cabível, no caso concreto, qualquer outra medida (também de natureza cautelar) dentre aquelas elencadas no art. 319 do Diploma Processual (inteligência do art. 282, § 6º, de indicado Código, que prevê a prisão cautelar como ultima ratio), alterada pela Lei n.º 13.964, de 24.12.2019.

Dentro desse contexto, mostra-se adequada a prisão cautelar quando os postulados que compõem a proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) indicarem que a medida excepcional de constrição da liberdade antes da formação da culpa é imperiosa diante do caso concreto.

Por se revestir de natureza cautelar, a prisão preventiva somente poderá ser decretada caso presentes, no caso concreto, tanto o fumus boni iuris (chamado especificamente de fumus comissi delicti) como o periculum in mora (nominado especificamente de periculum libertatis), que, a teor do art. 312 do Código de Processo Penal, consistem na necessidade de prova da materialidade delitiva e de indícios suficientes de autoria (fumus comissi delicti) e na necessidade de que a segregação preventiva tenha como escopo a garantia da ordem pública ou da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal ou o asseguramento da aplicação da lei penal (periculum libertatis, isto é, perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado).

Destaque-se, outrossim, que a prisão preventiva também poderá ser imposta em decorrência do descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (conforme autorização expressa do parágrafo primeiro do art. 312 do Código de Processo Penal).

Sem prejuízo do exposto, ainda que concorrentes, no caso concreto, os pressupostos anteriormente listados (fumus comissi delicti e periculum libertatis), faz-se necessário, para a decretação da preventiva, que a infração penal imputada àquele que se objetiva encarcerar cautelarmente enquadre-se nos parâmetros trazidos pelo art. 313 do Código de Processo Penal: (a) crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 anos; (b) agente já condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal; e (c) crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, a criança, o adolescente, o idoso, o enfermo ou a pessoa com deficiência para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (independentemente do quantum de pena cominada). Admite-se, ademais, a decretação da preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la (devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após sua identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida) - art. 313, parágrafo primeiro, do Diploma Processual Penal.

Todavia, conforme comando expresso do art. 314 do Código de Processo Penal, incabível cogitar-se da segregação cautelar em análise se ficar verificado pelo juiz, a teor das provas constantes dos autos, que o agente levou a efeito a infração escudado por uma das causas excludentes da ilicitude elencadas no art. 23 do Código Penal (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito).

Importante ser dito que a privação de liberdade ora em comento pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou em sede de processo penal (art. 311 do Código de Processo Penal), devendo a decisão que a decretar, a substituir por outras medidas cautelares, ou a denegar, ser sempre motivada (seja por força do que prevê o art. 315 do Código Processual Penal, seja, principalmente, em razão do comando inserto no art. 93, IX, da Constituição Federal).

Consigne-se, ainda, que tal privação de liberdade deve ser analisada sempre com supedâneo na cláusula rebus sic stantibus, vale dizer, os pressupostos autorizadores da preventiva devem estar presentes no momento de sua decretação bem como ao longo do período de sua vigência. Nesse sentido, vide o art. 316 do Código de Processo Penal, que estabelece que o juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Por fim, deve-se mencionar que a Lei n.º 13.964, de 24.12.2019, em prestígio ao sistema acusatório que rege o processo penal brasileiro, alterou a redação do artigo 311 do Código de Processo Penal para, ao tratar da possibilidade de decretação da prisão preventiva pelo juiz, retirar o termo "de ofício", o que fez com que a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovasse, em 11.12.2024, a Súmula n.° 676, com a seguinte redação: em razão da lei 13.964/2019, não é mais possível ao juiz, de ofício, decretar ou converter a prisão em flagrante em preventiva.

De qualquer sorte, não há óbice a que o julgador escolha medida cautelar mais grave do que aquela eventualmente requerida pelo Ministério Público, autoridade policial ou ofendido, situação em que não se configurará atuação de ofício do magistrado, mas sim regular exercício de sua jurisdição, dentro das margens de discricionariedade que a lei lhe confere, sob pena de o Poder Judiciário transformar-se em mero chancelador de requerimentos formulados pelo órgão acusatório (nesse sentido: STF, RHC 234974/AL, Rel. Min. Cristiano Zanin, Julg. em 19.12.2023; STJ - AgRg no HC 764022/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, 6ª Turma, Julg. e. m 27.03.2023; STJ, RHC 145.225/RO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, Julg. em 15.02.2022).

DO CASO DOS AUTOS

A autoridade impetrada nas informações prestadas narra os fatos ocorridos nos autos subjacentes, que se passa a transcrever:

(...)

Trata-se de inquérito policial (autos nº 5008709-58.2024.4.03.6181), instaurado pela polícia federal de Ipatinga/MG, para apuração dos delitos tipificados nos artigos 241-A e 241-B da Lei n.º 8.069/90, praticados, em tese, por MIGUEL MARINHO DA SILVA.

A investigação apura o envolvimento da pessoa de codinome "SHAURA", usuário @justnosound171 e número de telefone +1 (513) 750- 5251, no aplicativo de telefonia celular Telegram, responsável pela venda de arquivos contendo materiais pornográficos infantojuvenil (ID 358829775 - autos nº 5002833-88.2025.4.03.6181).

Consta da Informação de Polícia Judiciária n.º 2454364/2023 (ID 343475722 - Pág. 7/9, autos nº 5002833-88.2025.4.03.6181) que as chaves PIX fornecidas pelo suposto vendedor dos arquivos são de titularidade de MIGUEL MARINHO DA SILVA NETO (CPF 41288801831), em uma conta no NU PAGAMENTOS S.A.

Além disso, a Informação de Polícia Judiciária juntada no ID 358829775, pág. 30 e seguintes, autos nº 5002833-88.2025.4.03.6181, noticia a existência de um report NCMEC (National Center for Missing and Exploited Children) envolvendo o ora paciente, e possível aquisição do material contendo abuso sexual infantojuvenil por meio de servidor hospedado pelo aplicativo Discord. Assim relata o analista da Polícia Federal: "Os reports NCMEC tratam da aquisição/armazenamento de 5 arquivos de imagem de pornografia infanto-juvenil, nos servidores da Discord Inc, relacionados ao investigado".

Diante da notícia de que os supostos ilícitos penais teriam sido perpetrados no Estado de São Paulo, possivelmente na Capital, a Procuradoria da República com atuação em Governador Valadares requereu a remessa dos autos à Seção Judiciária de São Paulo, pleito que foi devidamente acolhido por decisão judicial.

De posse de tais informações, a Polícia Federal realizou diligências para localizar o endereço do paciente, logrando êxito em identificar a residência situada na Rua Abdala Yaktine, 1210 - Estancia Recreativa Pres. Kennedy, Santa Isabel - SP, 07500-000, conforme formação de Polícia Judiciária 151/2025.

Considerando que o endereço do investigado se situa no Município de Santa Isabel/SP, o Ministério Público Federal requereu a remessa dos presentes autos à Subseção Judiciária de Guarulhos, por reputá-la competente para o processamento e julgamento do feito, pleito que foi acolhido.

A autoridade policial representou pela expedição de mandado de busca e apreensão no endereço em comento, o qual foi deferido por este Juízo em 23/06/2025.

Em 24/07/2025, durante o cumprimento da referida diligência, foi constatada a existência de material de abuso sexual infantil salvo no material arrecadado em poder do paciente MIGUEL MARINHO DA SILVA NETO, motivo pelo qual este recebeu voz de prisão em flagrante por cometimento do crime previsto no artigo 241-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, ocasião em que foi lavrado o Auto de Prisão em Flagrante - IPL 2025.0081998, distribuído no PJe como autos nº 5006562-17.2025.4.03.6119.

Em 24/07/2025, foi realizada audiência de custódia, ocasião em que o Juízo da Central de Audiências de Custódia da Subseção Judiciária de Guarulhos/SP converteu a prisão em flagrante em preventiva, ao fundamento de que a segregação cautelar se mostrava necessária para a garantia da da ordem pública e para a preservação da instrução criminal. Ressaltou, para tanto, a gravidade concreta da conduta imputada, consubstanciada na existência de indícios de participação do investigado em grupos de compartilhamento de pornografia infantil por meio de aplicativos como WhatsApp e Telegram, bem como na possibilidade de haver arquivos armazenados em nuvem ainda não acessados pelas autoridades, o que justifica a adoção da medida extrema.

(...)

Com efeito, o pedido de liberdade provisória formulado na audiência de custódia restou indeferido com fundamento na garantia da ordem pública e para a preservação da instrução criminal.

Como é cediço, para nascer o poder-dever funcional do Estado de realizar a prisão preventiva (CPP, art. 312), devem estar presentes os pressupostos preliminarmente elencados.

No caso, existem nos autos subjacentes provas da materialidade do delito e indícios de autoria, conforme exsurge dos elementos colhidos por ocasião do flagrante. 

MIGUEL MARINHO DA SILVA NETO, ora paciente, em seu depoimento perante a autoridade policial, confirmou ser o responsável pela posse dos arquivos contendo crianças e adolescentes em cenas de sexo explicito encontradas no HD que estava em seu guarda-roupas na data da prisão; que era a pessoa que utilizava o codinome "SHAURA" em grupo de TELEGRAM; que seria o titular do e-mail "astaton171@gmail.com; e, que seria o titular de conta bancária mantida junto ao NU PAGAMENTOS S/A. Confirmou que realizava a venda de arquivos contendo crianças e adolescentes em cenas de sexo explícito, sendo que a maior parte das vendas de arquivos desta natureza foram realizadas em 2023, embora tenha havido algumas poucas vendas em 2025; que recebia os valores das vendas de material pedófilo em sua conta do NUBANK; e, que cobrava dez centavos por imagem (vídeo ou foto, tanto fazia, o preço era o mesmo).

Trata-se, ainda, de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos, restando configurada a hipótese autorizativa do artigo 313, I, do Código de Processo Penal.

Embora a conduta praticada, em tese, não tenha sido envidada mediante violência ou grave ameaça, encontram-se presentes, neste momento, circunstâncias justificadoras da manutenção da custódia cautelar, para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.

 Como se vê, trata-se de crime de natureza grave cuja prática fomenta a intranquilidade social, prejudicando o sadio desenvolvimento de crianças e adolescentes. 

A despeito da primariedade, o paciente revela conduta audaciosa, havendo elementos a indicar envolvimento em redes obscuras, sendo imperiosa a sua manutenção no cárcere, tanto para garantia da ordem pública como para efetiva aplicação da lei penal.

Não obstante, alegar-se a existência de condições favoráveis, o paciente declarou em seu depoimento pessoal que não estuda nem trabalha e que "mexia com imagens de pedofilia para ganhar algum dinheiro".

Conforme se vê, a decretação e a manutenção da prisão preventiva apresenta como supedâneo a gravidade da conduta ilícita praticada, bem como evitar acesso às redes sociais e outros mecanismos que o permitiriam voltar a delinquir. Tais circunstâncias demonstram risco concreto à ordem pública, de modo ser imperioso a manutenção da custódia cautelar do paciente.

Ademais, nenhuma medida cautelar diversa da privação da liberdade poderá impedi-lo de continuar as práticas criminosas.

Ressalto que a custódia cautelar não tem natureza antecipatória de pena (o que é reprovável num Estado Democrático de Direito), mas natureza acautelatória da  efetividade de eventual execução futura da pena.

Desta feita, a presença da materialidade e os indícios de autoria (fumus comissi delicti), aliados ao risco concreto à ordem pública, justificam plenamente a manutenção da segregação, a teor do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.

No tocante à negativa ao acesso aos autos dos processos 5008709- 58.2024.4.03.6181 e 5002833-88.2025.4.03.6181, colhe-se, pelas informações prestadas, que se tratam de inquéritos instaurados visando apurar os delitos tipificados nos artigos 241-A e 241-B da Lei n.º 8.069/90, praticados, em tese, pelo ora paciente e outros indivíduos.

No caso,  o paciente está preso preventivamente há mais de 10 (dez) dias, sem que a sua defesa constituída tenha tido acesso aos fatos que levaram à decretação da sua prisão preventiva.

A premissa legal da controvérsia resta inequívoca: todos os elementos de informação coligidos na investigação, notadamente aqueles que levaram à decretação da prisão preventiva do ora paciente devem estar à disposição da defesa.

Com efeito, nos termos do verbete 14 da Súmula Vinculante, constitui direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Da leitura da Proposta de Súmula Vinculante que deu origem ao citado enunciado sumular, retiram-se diversos julgados nos quais se excluem as provas ainda em produção do acesso ao defensor.

A propósito, confira-se um dos primeiros precedentes sobre o tema, da lavra do eminente Ministro Sepúlveda Pertence:

(...) 4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. 5. Habeas corpus deferido para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial, antes da data designada para a sua inquirição. (HC 82354, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/08/2004, DJ 24-09-2004 PP-00042 EMENT VOL-02165-01 PP-00029 RTJ VOL-00191-02 PP-00547) (g.n.)

Vale também transcrever a seguinte passagem do voto condutor:

(...)54. A informação já introduzida nos autos do inquérito é que o investigado, por seu advogado, tem direito. 55. A interceptação telefônica é o caso mais eloqüente da impossibilidade de abrir-se ao investigado (e a seu advogado) a determinação ou a efetivação da diligência ainda em curso: por isso mesmo, na disciplina legal dela se faz nítida a distinção entre os momentos da determinação e da realização da escuta, sigilosos também para o suspeito, e da sua documentada, que, embora mantida em autos apartados - e sigilosos para terceiros - estará aberta à consulta do defensor do investigado: o mesmo procedimento pode aplica-se à determinação e produção de outras provas, no inquérito policial, sempre que o conhecimento antecipado da diligência pelo indiciado possa frustrá-la. (g.n.)

Ressalta-se, outrossim, que do enunciado 14 da Súmula Vinculante estariam excluídas as diligências em andamento, razão pela qual o advogado não teria acesso prévio a todos os atos e movimentos da autoridade investigativa em curso ou em fase de deliberação, sob pena de frustrá-los, inviabilizando-se a apuração dos fatos.

Como visto,  é direito da autoridade impetrada resguardar o sigilo das diligências ainda em curso.

Não obstante, a defesa do paciente tem direito de acesso aos fatos já apurados que levaram à decretação da prisão preventiva, em homenagem aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Diante de tais considerações, DEFIRO a liminar, tão-somente para determinar que a autoridade ora impetrada conceda acesso aos autos do processo  008709- 58.2024.4.03.6181 e 5002833-88.2025.4.03.6181, à defesa do paciente, relativamente aos fatos que levaram à decretação da prisão preventiva do investigado, resguardando o direito de preservar as diligências sigilosas ainda em curso, sob pena de frustrá-las.

Após, dê-se vista ao MPF.

Comunique-se a presente decisão ao juízo de origem.

P.I.C.

Na mesma data da decisão acima, 08.08.2025, o paciente, impetrou o presente writ, diretamente neste tribunal, alegando excesso de prazo da constrição cautelar, em clara supressão de instância. 

Não obstante este fato, passa-se a analisar a impetração, a fim de examinar se há constrangimento ilegal a ser sanado ex offício.

O paciente foi preso em flagrante em 24.07.2025 e, na audiência de custódia, a prisão foi convertida em preventiva, sob o fundamento de que a segregação cautelar se mostrava necessária para a garantia da da ordem pública e para a preservação da instrução criminal.

O juízo a quo nas informações prestadas no HC 5020306-06.2025.4.03.0000, ressaltou a necessidade da manutenção da prisão do paciente devido às investigações em curso (apurar a participação do paciente em grupos de compartilhamento de pornografia infantil por meio de aplicativos como WhatsApp e Telegram, bem como na possibilidade de haver arquivos armazenados em nuvem ainda não acessados pelas autoridades).

  Dessa forma, não merece prosperar a alegação de excesso de prazo da constrição cautelar, haja vista que a Lei nº 5.010/1986 (Lei Orgânica da Justiça Federal) em seu artigo 66, dispõe:

Art. 66 - O prazo para conclusão de inquérito policial será de 15 (quinze) dias, quando o indiciado estiver preso, podendo ser prorrogado por mais 15 (quinze dias), a pedido, devidamente fundamentado, da autoridade policial e deferido pelo Juiz a quem competir o conhecimento do processo

Segundo, ainda, interpretação do § 2ª do art. 3-B do CPP, definida no julgamento da ADI 6298 pelo E. Supremo Tribunal Federal, o juiz de garantias pode decidir de forma fundamentada, reconhecendo a necessidade de novas prorrogações do inquérito, diante de elementos concretos e da complexidade das investigações. Ainda, que a inobservância do prazo previsto em lei não implica revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a avaliar os motivos que a ensejaram.

Por fim, entende-se inalterado o quadro fático que ensejou a conversão do flagrante em preventiva.

Diante de tais considerações não se vislumbra, portanto, a existência de constrangimento ilegal passível de ser sanada pela concessão da ordem de Habeas Corpus.

Ante o exposto, DENEGO a ordem de Habeas Corpus.

É o voto.

 

 



E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 241-A E 241-B DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA). GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. COMERCIALIZAÇÃO HABITUAL DE MATERIAL PEDOPORNOGRÁFICO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. EXCESSO PEREMPTÓRIOS. RAZOABILIDADE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA.  ORDEM DENEGADA.

O paciente é acusado da prática dos crimes previstos nos arts. 241-A e 241-B do ECA. Na audiência de custódia foi decretada a sua prisão preventiva.

- Impetração anterior pleiteou a revogação da prisão preventiva do paciente. Liminar indeferida.

- Necessidade da manutenção da prisão do paciente devido às investigações em curso (apurar a participação do paciente em grupos de compartilhamento de pornografia infantil por meio de aplicativos como WhatsApp e Telegram, bem como na possibilidade de haver arquivos armazenados em nuvem ainda não acessados pelas autoridades.

- Afastada alegação de excesso de prazo da constrição cautelar, haja vista que a Lei nº 5.010/1986 (Lei Orgânica da Justiça Federal) em seu artigo 66, dispõe: O prazo para conclusão de inquérito policial será de 15 (quinze) dias, quando o indiciado estiver preso, podendo ser prorrogado por mais 15 (quinze dias), a pedido, devidamente fundamentado, da autoridade policial e deferido pelo Juiz a quem competir o conhecimento do processo.

Segundo interpretação do § 2ª do art. 3-B do CPP, definida no julgamento da ADI 6298 pelo E. Supremo Tribunal Federal, o juiz de garantias pode decidir de forma fundamentada, reconhecendo a necessidade de novas prorrogações do inquérito, diante de elementos concretos e da complexidade das investigações. Ainda, que a inobservância do prazo previsto em lei não implica revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a avaliar os motivos que a ensejaram.

- Inalterado o quadro fático que ensejou a conversão do flagrante em preventiva.

- Ordem denegada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DENEGAR A ORDEM de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal