
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004048-62.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. A da Turma Regional de Mato Grosso do Sul
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIDIO VIEL
Advogado do(a) APELADO: ERVINO JOAO FACCIONI - MS9295-A
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004048-62.2023.4.03.9999 RELATOR: Gab. A da Turma Regional de Mato Grosso do Sul APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: LIDIO VIEL Advogado do(a) APELADO: ERVINO JOAO FACCIONI - MS9295-A OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta em ação objetivando a concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da CF, e na Lei 8.742/1993. A r. sentença (ID 278490790, f. 149-156) julgou procedente o pedido para: (1) condenar o INSS ao pagamento do Benefício de Amparo Social, no valor equivalente a um salário mínimo mensal, com termo inicial em 28/11/2012, data do requerimento administrativo; (2) determinar a compensação de eventual benefício inacumulável recebido pela parte autora no período; (3) aplicar correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora na forma do artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, até 08/12/2021; e, após incidindo somente SELIC após essa data, nos termos do artigo 3º da EC 113/2021; e (4) condenar a autarquia ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre as prestações vencidas até a presente data, conforme Súmula 111/STJ e artigo 85, § 2º, do CPC. Apelou o INSS (ID 278490790, f. 171-179) alegando, em suma, em preliminarmente, a concessão do efeito suspensivo e a ocorrência de prescrição quinquenal; e, no mérito, a improcedência da ação por considerar que a parte não preencheu o requisito da miserabilidade. Houve contrarrazões. A Procuradoria Regional da República opinou pela reforma da sentença. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004048-62.2023.4.03.9999 RELATOR: Gab. A da Turma Regional de Mato Grosso do Sul APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: LIDIO VIEL Advogado do(a) APELADO: ERVINO JOAO FACCIONI - MS9295-A OUTROS PARTICIPANTES: FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O O Juiz Federal Ney Gustavo Paes de Andrade (Relator): Preliminarmente, fica prejudicado o pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação diante do exame direto do próprio recurso. Igualmente, rejeita-se a alegação de prescrição quinquenal das diferenças pretendidas, por não ter transcorrido prazo superior a cinco anos (artigo 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991) entre o requerimento administrativo (28/11/2012, f. 10, ID 278490790) e a propositura da presente demanda (28/08/2014 – ID 278490790). No mérito, o benefício de prestação continuada é devido à pessoa com deficiência (§2º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. O artigo 20, § 3º da Lei 8.742/1993 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. A constitucionalidade da norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF. No julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, julgar improcedente o pedido, reconhecendo que a exigência de renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo implica presunção absoluta de pobreza. Entretanto, ponderou que esse critério legal não deve ser considerado a única forma de comprovar a situação econômica de vulnerabilidade da família do idoso ou da pessoa com deficiência. A questão voltou ao Supremo Tribunal Federal no âmbito da Reclamação 4.374-PE, julgada em 18 de abril de 2013, ocasião em que o Tribunal declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, artigo 20 da Lei 8.742/1993, considerando as notórias mudanças fáticas (econômicas, políticas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios). Decidiu-se que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao Poder Legislativo estabelecer novos critérios e redefinir a política pública relativa ao benefício assistencial, de modo a eliminar o vício identificado. Neste contexto, o Superior Tribunal de Justiça já vinha se posicionando no sentido de que a renda per capita de ¼ (um quarto) do salário-mínimo constitui apenas presunção de miserabilidade, não constituindo óbice à aferição da miserabilidade por outros meios de prova na hipótese de superação deste limite, sendo, inclusive, adotado pela jurisprudência o parâmetro de ½ (meio) salário mínimo per capita, considerando a sua utilização para fins de participação em outros programas assistenciais. Esta é, inclusive, a tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema Repetitivo 185). No presente caso, o apelado, nascido em 31/08/1947, atualmente com 77 anos, satisfaz o requisito etário, conforme comprovam os documentos constantes dos autos (ID 278490790, f. 6). Para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 12.435/2011, entende-se por família, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. No que tange à miserabilidade, verifica-se no laudo social o seguinte (ID 278490790, f. 133/135): “(...) o Sr. Lidio Viel não possui nenhum tipo de benefício assistencial ou previdenciário, portanto não possui renda. Sua subsistência é mantida pelo filho, Dr. Marcos Viel, médico residente na cidade de Naviraí” Ademais, da conclusão do laudo social se extrai (ID 278490790, f. 133-135): “Mediante a situação verificada através de visita domiciliar e entrevista com o Sr. Lidio Viel, constatou-se que o autor não possui nenhuma fonte de renda e que tem a sua subsistência amparada adequadamente pelo filho. Ressalta-se que o filho não reside sob o mesmo teto do pai e possui família constituída” Caso os filhos não vivam com os pais, não integram o mesmo núcleo familiar e podem criar seus próprios, o que compromete a renda percebida para o sustento dele. Nesse mesmo sentido, o STJ: REsp 1.741.057/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 14/6/2019.” PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA. CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1o. DA LEI 8.742/1993, ALTERADO PELA LEI 12.435/2011. RECURSO ESPECIAL DO MPF PROVIDO. 1. O conceito de renda mensal da família contido na LOAS deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência). 2. Na hipótese, em que pese a filha da autora possuir renda, ela não compõe o conceito de família, uma vez que não coabita com a recorrente, não podendo ser considerada para efeito de aferição da renda mensal per capita. 3. Recurso Especial do MPF provido para restabelecer a sentença de primeiro grau.” Nesse passo, ressalvo entendimento particular com o objetivo de perfilar a jurisprudência predominante, igualmente constata-se que não foi carreada nenhuma prova quanto a situação financeira dos filhos do autor. Assim, a partir da análise do conjunto probatório carreado aos autos, conclui-se que restou comprovada a condição de miserabilidade da parte autora, motivo pelo qual a sentença originária não merece reforma. Quanto à data do início do benefício, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a DIB deve ser fixada na data do requerimento administrativo ou, no caso de ausência deste, na data de citação do INSS. AgInt no REsp 1.611.325, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 24/03/2017: "SEGURIDADE SOCIAL. TERMO INICIAL DO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STJ. ART. 103 DA LEI N. 8.213/91. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELA CORTE DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ÓBICE DO ENUNCIADO N. 282 DA SÚMULA DO STF. I - É assente o entendimento do STJ no sentido de que, na existência de requerimento administrativo, este deve ser o marco inicial para o pagamento do benefício discutido, sendo irrelevante que tenha a comprovação da implementação dos requisitos se verificado apenas em âmbito judicial. II - "Nos termos da jurisprudência do STJ, o benefício previdenciário de cunho acidental ou o decorrente de invalidez deve ser concedido a partir do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação. A fixação do termo a quo a partir da juntada do laudo em juízo estimula o enriquecimento ilícito do INSS, visto que o benefício é devido justamente em razão de incapacidade anterior à própria ação judicial." (REsp 1.411.921/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/10/2013, DJe 25/10/2013). III - O Tribunal de origem não se manifestou sobre a alegação de prescrição das parcelas anteriores ao ajuizamento da ação, tampouco foram opostos embargos declaratórios para suprir eventual omissão. Portanto, trata-se de inovação recursal no agravo interno e falta o necessário prequestionamento. IV - Agravo interno improvido." Assim sendo, no caso concreto, de acordo com os elementos probatórios, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870.947, até a edição da EC 113/2021, a partir de quando será aplicada exclusivamente a taxa Selic. Em razão da sucumbência recursal, majoro os honorários advocatícios fixados na sentença em 2% (dois por cento), observadas as normas do artigo 85, §§ 3º, 5º e 11, do CPC. As autarquias são isentas do pagamento de custas na Justiça Federal, a teor do disposto no artigo 4º, I, da Lei 9.289/1996. Ocorre que, não obstante tal fato, a normatização sobre a respectiva cobrança nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da competência delegada, nos termos do artigo 1º, § 1º, do mesmo diploma legal, é delegada à legislação estadual. Desta feita, quanto aos processos que tramitaram no Estado de Mato Grosso do Sul, tal qual o presente, é de se atribuir ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais, nos termos do artigo 24, §§ 1º e 2º da Lei Estadual 3.779/2009, ressaltando-se que o recolhimento deve ser exigido somente ao final da demanda, do vencido, portanto, condeno o INSS em custas processuais e demais despesas, inclusive honorários periciais (Resoluções CJF 541 e 558/2007). Ante o exposto, nego provimento à apelação. É como voto.
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA IDOSA. MISERABILIDADE COMPROVADA. NEGADO PROVIMENTO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
I. Caso em exame
1. Apelação contra sentença que concedeu benefício de prestação continuada a pessoa idosa de 77 anos, com base na comprovação da condição de miserabilidade através de laudo social.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se restou comprovada a condição de miserabilidade do autor idoso para fins de concessão do benefício de prestação continuada, bem como determinar a data de início do benefício e os critérios para cálculo de juros e correção monetária.
III. Razões de decidir
3. Rejeitou-se a alegação de prescrição quinquenal das diferenças pretendidas, por não ter transcorrido prazo superior a cinco anos (art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/1991) entre o requerimento administrativo (28/11/2012) e a propositura da presente demanda (28/08/2014).
4. O benefício de prestação continuada é devido à pessoa idosa com 65 anos ou mais (art. 34 da Lei 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção. No presente caso, o apelado, nascido em 31/08/1947, atualmente com 77 anos, satisfaz o requisito legal.
5. A condição de miserabilidade foi comprovada através do laudo social que atestou que o autor não possui nenhum tipo de benefício ou renda, tendo sua subsistência mantida pelo filho que não reside sob o mesmo teto. Conforme jurisprudência do STJ (REsp n. 1.741.057/SP), filhos que não coabitam com os pais não compõem o conceito de família para efeito de aferição da renda mensal per capita.
6. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, conforme entendimento pacífico do STJ de que, na existência de requerimento administrativo, este deve ser o marco inicial para o pagamento do benefício, sendo irrelevante que a comprovação dos requisitos tenha se verificado apenas em âmbito judicial.
7. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido no RE 870.947, até a edição da EC 113/2021, a partir de quando será aplicada exclusivamente a taxa Selic.
8. Em razão da sucumbência recursal, majorou-se os honorários advocatícios em 2%, observadas as normas do art. 85, §§ 3º, 5º e 11, do CPC. Quanto às custas processuais no Estado do Mato Grosso do Sul, condenou-se o INSS nos termos do art. 24, §§ 1º e 2º da Lei Estadual 3.779/2009.
IV. Dispositivo
9. Negado provimento à apelação, verba honorária majorada pela sucumbência recursal.
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Dispositivos relevantes citados: Lei 8.213/1991, art. 103, parágrafo único; Lei 8.742/1993, art. 20, §§ 2º e 3º; Lei 10.741/2003, art. 34; Lei 12.470/2011; Lei 12.435/2011; CPC, art. 85, §§ 3º, 5º e 11; Lei 9.289/1996, art. 4º, inc. I; Lei Estadual 3.779/2009, art. 24, §§ 1º e 2º; e EC 113/2021.
Jurisprudência relevante citada: STF, ADI 1.232-1/DF; STF, Reclamação 4374-PE, j. 18.04.2013; STJ, Tema Repetitivo 185; STJ, REsp n. 1.741.057/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. 11.06.2019; STJ, AIRESP 1611325, Rel. Min. Francisco Falcão, 2ª Turma, j. 16.03.2017; e STF, RE 870.947.