Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011151-39.2011.4.03.6181

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

APELANTE: JOAO DIAS FERREIRA

Advogados do(a) APELANTE: HENRIQUE GUSTAVO RIBEIRO JACOME - DF17354-A, MARILIA GABRIELA FERREIRA DE FARIA - DF21834-A

APELADO: ORLANDO SILVA DE JESUS JUNIOR, UNIÃO FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

ASSISTENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011151-39.2011.4.03.6181

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

APELANTE: JOAO DIAS FERREIRA

Advogados do(a) APELANTE: HENRIQUE GUSTAVO RIBEIRO JACOME - DF17354-A, MARILIA GABRIELA FERREIRA DE FARIA - DF21834-A

APELADO: ORLANDO SILVA DE JESUS JUNIOR, UNIÃO FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

ASSISTENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

ORIGEM: 8ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE SÃO PAULO/SP
 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Trata-se de apelação interposta por JOÃO DIAS FERREIRA (querelado) em face de sentença (ID 283591710) proferida pelo Juízo da 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, que o condenou, pela prática do crime de calúnia, tipificado no artigo 138, c/c o artigo 141, I e II, do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, e ao pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa, com valor unitário fixado no mínimo legal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária em favor da União, no valor de 10 (dez) salários mínimos, e prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública.

A queixa-crime (ID 283590893, pg. 9/24) foi oferecida pela Advocacia Geral da União (AGU) em 20.10.2011, representando o querelante ORLANDO SILVA DE JESUS JÚNIOR, então Ministro de Estado do Esporte (ID 283590893, p. 9/24).

Conforme consta, no dia 19.10.2011, foi publicada na revista VEJA a reportagem intitulada "Ministro recebia o dinheiro na garagem", na qual o jornalista Rodrigo Rangel narra fatos supostamente cometidos por ex-filiados ao PCdoB (Partido Comunista do Brasil) de Brasília e aponta, a partir das informações prestadas pelos querelados, que ORLANDO SILVA era o "mentor beneficiário do esquema".

A queixa-crime destaca que a chamada da reportagem atribui o seguinte fato a JOÃO DIAS FERREIRA: "militante do PC do B acusa Orlando Silva de montar esquema de corrupção e receber propina nas dependências do Ministério do Esporte".

A seguir, a queixa-crime transcreve trechos da entrevista realizada com JOÃO DIAS FERREIRA, abaixo reproduzidos:

“Em 2006, eu tinha mais de 1 milhão em uma das contas. Era dinheiro que tinha sobrado e estava em trâmite para ser devolvido à União. Me disseram que estavam precisando daquele dinheiro para botar na campanha. Eu autorizei meu coordenador a tratar disso direto com o pessoal do ministério, desde que eles ficassem responsáveis.

Foram feitas as transferências para as empresas que o partido indicou. O dinheiro foi sacado e entregue ao esquema. Depois vi que era uma grande simulação. O Orlando usou esse dinheiro para pagar uma gráfica que fez adesivos da campanha do Lula em Brasília. Ele queria agradar o Lula para continuar ministro no segundo mandato

Desde o começo, quem controlava tudo pelo partido era o Orlando Silva, que era secretário executivo do ministério. O PcdoB indicava representantes para atuar junto às entidades, recolhendo a parte que cabia ao partido. Esses representantes se reportavam diretamente ao Orlando. Por um dos operadores do esquema, eu soube na ocasião que o ministro recebia dinheiro na garagem”.

Em outro trecho da reportagem, consta que em entrevista a VEJA, o policial militar João Dias Ferreira, um dos militantes presos no ano passado, revela detalhes de como funcionava a engrenagem que, calcula-se, pode ter desviado mais de 40 milhões de reais nos últimos oito anos".

A matéria reproduz também a afirmação atribuída a JOÃO DIAS FERREIRA, no sentido de que ORLANDO SILVA seria o "gerente do esquema", referindo-se a suposta corrupção na Pasta:

“(...)afirma que, na gestão de Agnelo Queiroz no ministério, o Segundo Tempo já funcionava como fonte do caixa dois do PCdoB – e que o gerente do esquema era o atual ministro Orlando Silva, então secretário executivo da pasta.

(…)

VEJA:

Desde o começo, quem controlava tudo pelo partido era o Orlando Silva, que era secretário executivo do ministério.”

Em razão desses fatos, JOÃO DIAS FERREIRA teria imputado falsamente ao querelante ORLANDO SILVA os tipos penais previstos nos arts. 288 (quadrilha ou bando) e 317 (corrupção passiva), ambos do Código Penal, configurando-se o crime de calúnia previsto no art. 138 do CP.

A Queixa-crime foi recebida em 26.09.2018 (ID 283590894, pgs. 74/77)

Em 28.05.2021, foi determinada a suspenção do processo e do curso prescricional com relação ao querelado Célio Soares Pereira, nos termos do art. 366 do CPP (ID 283590914).

A sentença publicada em 18.09.2023(ID 283591710). 

Em suas razões de apelo, a defesa, preliminarmente, requer o  reconhecimento da retratação e a declaração da extinção da punibilidade, nos termos do art. 143 c/c art. 107, V, ambos do Código Penal; e que seja oportunizada o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), previsto no art. 28-A, do CPP. No mérito, pede a absolvição, com base no art. 386, incisos III, V e VIII, do CPP; subsidiariamente, a fixação da pena no mínimo legal, bem como a redução da prestação pecuniária (ID 287678647).

A AGU apresentou contrarrazões (ID 316537478). 

A Procuradoria Regional da República opina pelo desprovimento do recurso (ID 327575926). 

É o relatório. 

À revisão, nos termos regimentais. 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011151-39.2011.4.03.6181

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

APELANTE: JOAO DIAS FERREIRA

Advogados do(a) APELANTE: HENRIQUE GUSTAVO RIBEIRO JACOME - DF17354-A, MARILIA GABRIELA FERREIRA DE FARIA - DF21834-A

APELADO: ORLANDO SILVA DE JESUS JUNIOR, UNIÃO FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

ASSISTENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

ORIGEM: 8ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE SÃO PAULO
 

 

 

 

V O T O

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Trata-se de apelação interposta por JOÃO DIAS FERREIRA (querelado) em face de sentença (ID 283591710) proferida pelo Juízo da 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que o condenou, pela prática do crime de calúnia, tipificado no artigo 138, c/c o artigo 141, I e II, do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, e ao pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa, com valor unitário fixado no mínimo legal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária em favor da União, no valor de 10 (dez) salários mínimos, e prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública.

A queixa-crime (ID 283590893, pg. 9/24) foi oferecida pela Advocacia Geral da União (AGU) em 20.10.2011, representando o querelante ORLANDO SILVA DE JESUS JÚNIOR, então Ministro de Estado do Esporte (ID 283590893, p. 9/24).

Conforme consta, no dia 19.10.2011, foi publicada na revista VEJA a reportagem intitulada "Ministro recebia o dinheiro na garagem", na qual o jornalista Rodrigo Rangel narra fatos supostamente cometidos por ex-filiados ao PCdoB (Partido Comunista do Brasil) de Brasília e aponta, a partir das informações prestadas pelos querelados, que ORLANDO SILVA era o "mentor beneficiário do esquema".

A queixa-crime destaca que a chamada da reportagem atribui o seguinte fato a JOÃO DIAS FERREIRA: "militante do PC do B acusa Orlando Silva de montar esquema de corrupção e receber propina nas dependências do Ministério do Esporte".

A seguir, a queixa-crime transcreve trechos da entrevista realizada com JOÃO DIAS FERREIRA, abaixo reproduzidos:

“Em 2006, eu tinha mais de 1 milhão em uma das contas. Era dinheiro que tinha sobrado e estava em trâmite para ser devolvido à União. Me disseram que estavam precisando daquele dinheiro para botar na campanha. Eu autorizei meu coordenador a tratar disso direto com o pessoal do ministério, desde que eles ficassem responsáveis.

Foram feitas as transferências para as empresas que o partido indicou. O dinheiro foi sacado e entregue ao esquema. Depois vi que era uma grande simulação. O Orlando usou esse dinheiro para pagar uma gráfica que fez adesivos da campanha do Lula em Brasília. Ele queria agradar o Lula para continuar ministro no segundo mandato

Desde o começo, quem controlava tudo pelo partido era o Orlando Silva, que era secretário executivo do ministério. O PcdoB indicava representantes para atuar junto às entidades, recolhendo a parte que cabia ao partido. Esses representantes se reportavam diretamente ao Orlando. Por um dos operadores do esquema, eu soube na ocasião que o ministro recebia dinheiro na garagem”.

Em outro trecho da reportagem, consta que “em entrevista a VEJA, o policial militar João Dias Ferreira, um dos militantes presos no ano passado, revela detalhes de como funcionava a engrenagem que, calcula-se, pode ter desviado mais de 40 milhões de reais nos últimos oito anos".

A matéria reproduz também a afirmação atribuída a JOÃO DIAS FERREIRA, no sentido de que ORLANDO SILVA seria o "gerente do esquema", referindo-se a suposta corrupção na Pasta:

“(...)afirma que, na gestão de Agnelo Queiroz no ministério, o Segundo Tempo já funcionava como fonte do caixa dois do PCdoB – e que o gerente do esquema era o atual ministro Orlando Silva, então secretário executivo da pasta.

(…)

VEJA:

Desde o começo, quem controlava tudo pelo partido era o Orlando Silva, que era secretário executivo do ministério.”

Em razão desses fatos, JOÃO DIAS FERREIRA teria imputado falsamente ao querelante ORLANDO SILVA os tipos penais previstos nos arts. 288 (quadrilha ou bando) e 317 (corrupção passiva), ambos do Código Penal, configurando-se o crime de calúnia previsto no art. 138 do CP.

O caso em comento tem como objeto uma matéria jornalística da Revista Veja, segundo a qual, em entrevista concedida ao repórter Rodrigo Rangel,  o ora apelante JOÃO DIAS FERREIRA teria narrado como se dava o esquema no Ministério do Esporte para desviar dinheiro do programa Segundo Tempo, iniciativa criada pelo governo federal para incentivar crianças carentes à prática esportiva por meio da utilização de ONGs de fachada, imputando o esquema ao então Ministro do Esporte, ORLANDO SILVA.

Segundo a reportagem, JOÃO DIAS FERREIRA, que havia sido preso em 2010 por ter participado de esquema de desvio no Ministério do Esporte, declarou que o esquema criminoso teria desviado mais de 40 milhões em aproximadamente 8 (oito) anos, por meio de ONGs que somente recebiam recursos mediante o pagamento de uma taxa previamente negociada de até 20% do valor dos convênios e que o partido PCdoB indicaria os fornecedores e as pessoas encarregadas de emitir notas fiscais frias para justificar despesas fictícias.

A Queixa-crime foi recebida em 26.09.2018 (ID 283590894, pgs. 74/77)

Em 28.05.2021, foi determinada a suspenção do processo e do curso prescricional com relação ao querelado Célio Soares Pereira, nos termos do art. 366 do CPP (ID 283590914).

A sentença publicada em 18.09.2023(ID 283591710). 

Em suas razões de apelo, a defesa, preliminarmente, requer o reconhecimento da retratação e a declaração da extinção da punibilidade, nos termos do art. 143 c/c art. 107, V, ambos do Código Penal; e que seja oportunizada o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), previsto no art. 28-A, do CPP. No mérito, pede a absolvição, com base no art. 386, incisos III, V e VIII, do CPP; subsidiariamente, a fixação da pena no mínimo legal, bem como a redução da prestação pecuniária (ID 287678647).

Dito isso, passo ao exame da matéria preliminar.

A defesa pugna pelo reconhecimento da retratação (CP, art. 143) e assim, pede a extinção da punibilidade do apelante com base no art. 107, VI, do Código Penal.

“Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.

Parágrafo único.  Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa.”

“Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: 

(...)

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;”

Ao proferir sentença condenatória, o juízo a quo afastou esse pedido pelos seguintes fundamentos (ID 283591710):

“Dada a palavra ao Advogado Geral da União, este perguntou se o querelado poderia se retratar em relação a todos os fatos imputados ao querelante ORLANDO nesse exato momento. Em resposta, o querelado declarou que o que ele “poderia se retratar” é que em nenhum momento acusou diretamente o Ministro e que sempre se referiu ao PCdoB.

Feita nova pergunta pelo Advogado Geral da União se o querelado possuía interesse em se retratar cabalmente das afirmações, acusações, falas mencionadas na reportagem da revista Veja do dia 24 de outubro de 2011, este reiterou que não se recordava da integridade da matéria e que em nenhum momento fez acusações diretas ao querelante ORLANDO SILVA.

Por fim, o Advogado Geral da União explicou ao querelado que ou ele nega os fatos ou assume que disse e se retrata, ao que o querelado afirmou:

“A revista distorceu as minhas palavras, então de qualquer forma, entendo essa responsabilidade, com relação a minha parte, eu quero aqui retratar ao Ministro e retiro, faço essa retratação aqui jurídica e pública com relação às questões que ao invés de aparecer o nome do PCdoB apareceu o nome do Ministro Orlando Silva e também uma série de situações ali, que como tentei explicar para o Meritíssimo, está fora do contexto. E sim, assim como já houve outros casos que a gente tem conhecimento, houve do meu ponto de vista uma intenção política da revista.” (ID 280794243)

Portanto, resta evidente que não houve a retratação cabal exigida pelo artigo 143 do Código Penal para a isenção de pena, uma vez que o pressuposto lógico da retratação é desmentir uma declaração anteriormente feita. Sucede que o querelado manteve a versão ao longo do interrogatório de que não fez qualquer acusação ao querelante ORLANDO SILVA e que a revista é que seria responsável por ter alterado o conteúdo da entrevista concedida.

Nesse contexto, observo que, em momento algum, o querelante admite que fez acusações falsas ao então Ministro do Esporte, o querelante ORLANDO SILVA, de sorte que é evidente ser impossível a retratação de algo que a pessoa não fez.”

Tendo em vista os fundamentos utilizados pelo juízo para afastar a retratação, faz-se necessário transcrever alguns trechos da audiência de instrução e julgamento, especialmente do interrogatório do querelado, a partir dos 30 segundos do ID 283591686, a respeito da retratação:

“AGU: sim ou não?

JOÃO DIAS: eu me retrato, mas eu precisava só apenas colocar uma consignação.

AGU: a retratação é incondicional, é sim ou não

JUIZ: nitidamente, é a sétima, oitava vez e o acusado não se põe da forma que o senhor, suponho...

JOAO DIAS: ta ok, eu me retrato ,ta bom, me retrato, lamento o fato, lamento toda essa confusão, já tentei explicar da forma que eu entendo, mas eu compreendo que o meritíssimo, me retrato (....)

JUIZ: Ministério Público tem alguma pergunta?

MPF: (...) gostaria de saber qual a percepção que o juízo teve? (...) esse ponto é muito importante, quero saber se o juízo entendeu se houve ou não retratação?(...)

JUIZ: evidentemente que não houve retratação

MPF: não houve retratação?

JUIZ: “hum hum”

MPF: entendi, é, bom, ele já teve, está gravado, no parecer do Ministério Público houve retratação (...)”

Destaco, ainda, na mesma audiência, trechos da manifestação do MPF, representado pelo Dr. Gustavo Torres Soares (ID 283591686, a partir do  4:58 min.):

“MPF: eu tenho receio, Excelência, na qualidade de custos legis, eu tenho receio Excelência, por estar simplesmente no filme, na filmagem, e não constar na ata, que isso passe batido, que me pareceu ao final, que o querelado...

JUIZ: o senhor agora está questionando o sistema de gravação de audiovisual, que tudo está ...no termo(....)

MPF: não estou questionando, (...) o que eu estou dizendo é o seguinte: é que provavelmente não irá sair no termo o que que ele falou, porque não é assim que a gente faz hoje em dia, e nesse caso, é muito importante, especialmente se o juízo entendeu que não houve a retratação, que atente que houve um momento que isso foi perguntado a ele e aí é uma questão...

JUIZ: está gravado.(...)me desculpe doutor não tem condição, o termo está aí e senhor pode (...)não precisa consignar nada porque está tudo gravado, o senhor está criando confusões com questões que são impertinentes do ponto de vista jurídico tentando antecipar questões de memoriais, querendo antecipar outras questões, e querendo consignar um pedacinho do depoimento na ata”

Dito isso, anoto que o Procurador da República que subscreveu os memoriais não foi o mesmo que participou da audiência. Ressalto que nos memoriais do MPF não há qualquer menção à retratação ou mesmo aos fatos narrados acima, ocorridos na audiência de instrução.

Com efeito, ao analisar as gravações e conforme as transcrições acima, entendo que houve a retratação cabal da calúnia feita por JOÃO DIAS ao querelante ORLANDO SILVA.

Nos termos da Jurisprudência do Egrégio STJ, a retratação não depende de aceitação do ofendido, bastando que seja clara, completa, definitiva e irrestrita. Neste sentido:

"AÇÃO PENAL. QUEIXA-CRIME. ACUSAÇÃO CONTRA DESEMBARGADORA DO TJRJ. CRIME DE CALÚNIA CONTRA PESSOA MORTA. RETRATAÇÃO CABAL ANTES DA SENTENÇA (ART. 143 DO CP). ATO UNILATERAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE (ART. 107, VI, DO CP). 1. A retratação cabal da calúnia, feita antes da sentença, de forma clara, completa, definitiva e irrestrita, sem remanescer nenhuma dúvida ou ambiguidade quanto ao seu alcance - que é justamente o de desdizer as palavras ofensivas à honra, retratando-se o ofensor do malfeito -, implica a extinção da punibilidade do agente e independe de aceitação do ofendido. Inteligência do art. 143, c.c. o art. 107, VI, do CP. 2. Em se tratando de ofensa irrogada por meios de comunicação - como no caso, que foi por postagem em rede social na internet -, "a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa" (art. 143, parágrafo único, do CP; grifei). 3. A norma penal, ao abrir ao ofendido a possibilidade de exigir que a retratação seja feita pelo mesmo meio em que se praticou a ofensa, não transmudou a natureza do ato, que é essencialmente unilateral. Apenas permitiu que o ofendido exerça uma faculdade. 4. Se o ofensor, desde logo, mesmo sem consultar o ofendido, já se utiliza do mesmo veículo de comunicação para apresentar a retratação, não há razão para desmerecê-la, porque o ato já atingiu sua finalidade legal. 5. Declarada a extinção da punibilidade da Querelada."

(STJ. APn n. 912/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 3/3/2021, DJe de 23/3/2021)(grifo nosso).

Nos autos, verifica-se que, durante a audiência de instrução realizada em 29.03.2023, o querelado, JOÃO DIAS FERREIRA declarou, de forma expressa e inequívoca, retratar-se das afirmações que deram origem à presente queixa-crime, nos termos do art. 143 do Código Penal.

Embora não tenha havido, naquele momento, a formalização expressa da homologação judicial, a manifestação do ora apelante está integralmente registrada na gravação da audiência, sendo, portanto, válida e eficaz.

O art. 143 do Código Penal estabelece que o querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.

Nos termos do art. 107, VI, do Código Penal, a retratação é causa de extinção da punibilidade, que pode ser reconhecida em qualquer fase do processo (CPP, art. 61).

Diante disso, acolho a preliminar suscitada e DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE de JOÃO DIAS FERREIRA pela retratação cabal da calúnia, realizada antes da sentença, com fundamento nos artigos 143, 107, VI, do Código Penal e 61 do Código de Processo Penal.

É o voto.



Autos: APELAÇÃO CRIMINAL - 0011151-39.2011.4.03.6181
Requerente: JOAO DIAS FERREIRA
Requerido: ORLANDO SILVA DE JESUS JUNIOR e outros

 

Ementa: Direito penal. Apelação criminal. Calúnia. Retratação. extinção da punibilidade. recurso provido.

I. Caso em exame

1. Apelação criminal interposta pela defesa contra sentença condenatória que reconheceu a prática do crime de calúnia (art. 138 c/c art. 141, I e II, do Código Penal), fixando pena de 2 anos e 8 meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos.

 

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em saber se houve retratação (art. 143 CP) e seus efeitos.

III. Razões de decidir

 

3. A retratação cabal da calúnia foi realizada durante audiência de instrução, de forma expressa e inequívoca, estando registrada em gravação constante dos autos.

4. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a retratação não depende da aceitação do ofendido, bastando que seja clara, completa, definitiva e irrestrita.

5. A retratação antes da sentença acarreta a extinção da punibilidade, conforme art. 143 do CP e art. 107, VI, do CP, podendo ser reconhecida em qualquer fase do processo (CPP, art. 61).

 

IV. Dispositivo e tese

6. Recurso provido. Extinção da punibilidade do apelante, em razão da retratação cabal antes da sentença.

 

Tese de julgamento: “1. A retratação não depende de aceitação do ofendido, bastando que seja clara, completa, definitiva e irrestrita. 2. O art. 143 do Código Penal estabelece que o querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena. 3. Nos termos do art. 107, VI, do Código Penal, a retratação é causa de extinção da punibilidade, que pode ser reconhecida em qualquer fase do processo (CPP, art. 61).”

_________

Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 138, 141, I e II, 143 e 107, VI; CPP, art. 61.

Jurisprudência relevante citada: STJ, APn nº 912/RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, j. 03.03.2021, DJe 23.03.2021.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu acolher a preliminar suscitada e DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE de JOÃO DIAS FERREIRA pela retratação cabal da calúnia, realizada antes da sentença, com fundamento nos artigos 143, 107, VI, do Código Penal e 61 do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
ALI MAZLOUM
Desembargador Federal