APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000875-90.2025.4.03.6141
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: H. S. V.
REPRESENTANTE: CAROLINE SANTOS SILVA
Advogados do(a) APELANTE: LUCAS RODRIGUES D IMPERIO - SP318430-A,
APELADO: GERENTE EXECUTIVO DO INSS DE SANTOS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
R E L A T Ó R I O
A EXMA SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta contra sentença proferida em Mandado de Segurança, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 485, VI, do Código de Processo Civil. Em suas razões de apelação, sustenta o impetrante, em síntese: - que o autismo é expressamente reconhecido por lei como deficiência, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana); - que os documentos acostados aos autos demonstram de forma inequívoca o preenchimento dos requisitos do art. 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), tornando desnecessária qualquer dilação probatória; - que o mandado de segurança é a via adequada para a proteção do direito líquido e certo diante de ato ilegal do INSS. Pugna pela reforma da r. sentença, com a concessão da segurança, para determinar a implantação do benefício desde a DER (28/02/2025), ou, subsidiariamente, a conversão do feito em ação ordinária. Sem contrarrazões, subiram os autos a este Eg. Tribunal. O órgão do Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso. É O RELATÓRIO.
V O T O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Conheço do recurso, por entender atendidos os seus pressupostos de admissibilidade. A teor do artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal, caberá mandado de segurança sempre que se verificar a existência de um direito líquido e certo a proteger, não socorrido por habeas corpus ou habeas data, diante de ato ou omissão, cercado de ilegalidade ou abuso de poder, advindo de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Admite-se a ação mandamental em matéria previdenciária, "desde que vinculada ao deslinde de questões unicamente de direito ou que possam ser comprovadas exclusivamente por prova documental apresentada de imediato pela impetrante para a demonstração de seu direito líquido e certo" - TRF 3ª Região, AC nº 0006324-52.2016.4.03.6102, 7ª Turma, Desembargador Federal Relator Fausto de Sanctis, DE 14/09/2017. A questão em apreciação diz respeito ao indeferimento do pedido de benefício assistencial, de que trata o artigo 20 da Lei 8.742/1993, por ausência de um dos requisitos legais. De fato, a comprovação dos requisitos necessários ao deferimento do benefício assistencial (idade/incapacidade e miserabilidade) exige a submissão da parte requerente às perícias médica e psicossocial. No caso, o benefício foi indeferido administrativamente ao argumento de que "não atende ao critério de deficiência para acesso ao BPC-LOAS." O impetrante aduz que foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (CID F84.0) desde os três anos de idade, formulou requerimento administrativo em 28/02/2025, instruindo-o com laudo médico e laudo social emitidos pelo próprio INSS, comprovando sua deficiência em caráter de impedimento de longo prazo, e renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo, sendo que seu pedido foi indeferido pela autarquia sob a alegação de que "autismo não é deficiência". Decorre dos autos, mais especificamente do DETALHAMENTO DA ANÁLISE E DECISÃO DE REQUERIMENTO DE BENEFÍCIO, o seguinte quadro (ID 332328052 - PG 67):
Vê-se, do quanto destacado, que a parte impetrante logrou demonstrar que o próprio INSS reconheceu que se encontravam presentes os requisitos para a concessão do benefício assistencial, sendo que, na avaliação conjunta, entendeu que tais requisitos não tinham sido preenchidos. Daí se conclui que, em tese, ao menos o requisito objetivo teria sido reconhecido. Por outro lado, a teor da tese firmada no âmbito da TNU, objeto do Tema 187, "para os requerimentos administrativos anteriores a 07 de novembro de 2016 (Decreto n. 8.805/16), em que o indeferimento pelo INSS do Benefício da Prestação Continuada ocorrer em virtude de não constatação da deficiência, é dispensável a realização em juízo da prova da miserabilidade quando tiver ocorrido o seu reconhecimento na via administrativa, desde que inexista impugnação específica e fundamentada da autarquia previdenciária e não tenha decorrido prazo superior a 2 (dois) anos do indeferimento administrativo." Consigne-se que não se busca a aferição dos requisitos necessários ao deferimento do benefício, o que demandaria dilação probatória, mas tão-somente a verificação se de fato a impetrante conseguiu cumprir os requisitos necessários ao deferimento, de acordo com os documentos trazidos com a inicial. Desta forma, fica assegurada ao impetrante, por meio desta mandamental, a possibilidade de análise dos documentos que pretende comprovar o seu direito. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para desconstituir a r. sentença e determinar o prosseguimento do feito. É O VOTO.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE (BPC-LOAS). AUTISMO. RECONHECIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS EM SEDE ADMINISTRATIVA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Mandado de segurança impetrado por indivíduo diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (CID F84.0), objetivando a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), com fundamento no art. 20 da Lei nº 8.742/1993. O pedido foi instruído com laudos médico e social elaborados pelo próprio INSS, que demonstrariam o preenchimento dos requisitos legais - deficiência e miserabilidade. A autarquia, contudo, indeferiu administrativamente o requerimento sob o fundamento de que "autismo não é deficiência".
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há duas questões em discussão: (i) determinar se o mandado de segurança é via processual adequada para discutir o indeferimento administrativo de benefício assistencial por deficiência; e (ii) verificar se há direito líquido e certo à continuidade da tramitação do pedido, à luz dos documentos administrativos que apontam para o preenchimento dos requisitos legais.
III. RAZÕES DE DECIDIR
O mandado de segurança é cabível quando o direito invocado for líquido e certo, passível de demonstração por prova documental pré-constituída, nos termos do art. 5º, LXIX, da CF/1988. Em matéria previdenciária, admite-se a ação mandamental quando a controvérsia envolver apenas questões de direito ou de fato comprovável de plano.
O indeferimento do benefício assistencial com base na alegação genérica de que "autismo não é deficiência" configura ilegalidade, especialmente quando laudos médicos e sociais elaborados pelo próprio INSS atestam impedimentos de longo prazo, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.742/1993.
A documentação constante dos autos, especialmente o "Detalhamento da Análise e Decisão de Requerimento de Benefício", demonstra o reconhecimento administrativo dos requisitos objetivos do benefício, o que evidencia, ao menos em tese, o direito líquido e certo à continuidade do feito.
A jurisprudência da TNU, no Tema 187, estabelece que, em determinadas hipóteses, é dispensável a produção de prova judicial sobre a miserabilidade quando esta tiver sido reconhecida administrativamente, como no caso dos autos.
A concessão da segurança não exige dilação probatória quando a ilegalidade do ato administrativo resulta do próprio conjunto probatório produzido pela Administração, bastando a constatação de incoerência entre os elementos constantes nos autos e a conclusão adotada pelo INSS.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento:
O mandado de segurança é via processual adequada para impugnar indeferimento administrativo de benefício assistencial quando a controvérsia envolver apenas prova documental pré-constituída.
A negativa de benefício assistencial sob a justificativa genérica de que "autismo não é deficiência" revela ilegalidade quando há laudos oficiais que atestam impedimento de longo prazo.
A demonstração, por documentos administrativos, do preenchimento dos requisitos legais do BPC-LOAS justifica o prosseguimento do feito, com afastamento da sentença denegatória.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXIX; Lei nº 8.742/1993, art. 20.
Jurisprudência relevante citada: TRF3, AC nº 0006324-52.2016.4.03.6102, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, DE 14/09/2017; TNU, Tema 187.
A C Ó R D Ã O
Desembargadora Federal
