APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000477-36.2025.4.03.6112
RELATOR: Gab. 32 - DES. FED. ANA IUCKER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDELICE DE JESUS SILVA SOUZA
Advogado do(a) APELADO: ANA MARIA RAMIRES LIMA - SP194164-A
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
R E L A T Ó R I O
RELATÓRIO A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora): Vistos. Trata-se de ação de conhecimento distribuída em 23/02/2025, na qual a parte autora postula a concessão de benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência. Foram apresentados laudo médico pericial e estudo social (id's 338835211 e 338835217). O Juiz da 2ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP, acolheu parcialmente o pedido da parte autora em sentença proferida em 01/08/2025 condenando o INSS: - a conceder e pagar o benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência - NB 87/704.569.467-0, com DIB em 20/03/2019, corrigidos pelo IPCA-E e acrescidas de juros moratórios conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal; - ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ e do art. 85, §3º, do CPC. - a imediata implantação do benefício, em antecipação de tutela, independentemente do trânsito em julgado (Id. 338835237). Houve interposição de apelação pelo INSS sendo os autos distribuídos nesta Corte em 09/10/2025. Alega o INSS em sede de preliminar a necessidade de recebimento do recurso no efeito suspensivo. No mérito, requer seja reformada a sentença, sendo reconhecida a total improcedência dos pedidos constantes da petição inicial por não ter a parte autora conseguido demonstrar o atendimento do requisito de deficiência de longo prazo, bem como a autorização para o início da realização da cobrança, nestes próprios autos, dos valores recebidos indevidamente pela parte recorrida a título de tutela antecipada, após regular liquidação, à luz do entendimento consagrado no Tema Repetitivo 692 do STJ. Em caso de manutenção do decisum, pleiteia a fixação do termo inicial do benefício na data da constatação da incapacidade, em 09/01/2025 (Id.338835245). Contrarrazões pela parte autora. Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do recurso do INSS (id 339342199). É o relatório
VOTO A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL ANA IUCKER (Relatora): Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que concedeu à parte autora, pessoa com deficiência de longo prazo e em condição de vulnerabilidade social, o benefício assistencial de prestação continuada, previsto no art. 20 da Lei n.º 8.742/93. A controvérsia cinge-se à análise da ausência de deficiência de longo prazo para a concessão do benefício. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Do efeito suspensivo O pedido de efeito suspensivo à apelação, pugnado pelo INSS em seu recurso, tem fulcro no artigo 1.012 do CPC encontra barreira no par. 1º., V, do mesmo diploma processual. Do benefício assistencial de prestação continuada O benefício assistencial está previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, nos termos seguintes: "A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social e tem por objetivos: a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei." Por sua vez, o art. 20 da Lei 8.742/93 estabelece os requisitos necessários para a concessão de benefício assistencial, com a finalidade de prestar amparo a quem dele necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, garantindo 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso com mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, que comprove não possuir meios de prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família. Embora o §3º, do referido dispositivo legal considere incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda 'per capita' seja inferior a ¼ do salário mínimo, a Suprema Corte declarou a sua inconstitucionalidade (ADI 1232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998). Cumpre ressaltar, neste ponto, que a Lei nº 12.470/2011 alterou o artigo 20 da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), para estabelecer como de "baixa renda" a família cuja renda mensal seja de até ¼ (um quarto) do salário mínimo, levando em consideração cada membro do núcleo familiar, exceto aquele que já percebe o benefício de prestação continuada, nos termos do art. 34, da Lei n.º 10.741/03 (Estatuto do Idoso). Vale destacar que o Decreto n.º 6.214/07, que regulamenta o benefício no art. 4º, inc. VI e o art. 19, "caput" e parágrafo único, dispõe no mesmo sentido. Além disso, a Lei n. 13.146/2015 incluiu o parágrafo 11 ao art. 20 da Lei n. 8.742/93, trazendo a possibilidade de utilização de outros parâmetros para auferir a renda per capta mensal do núcleo familiar, e a Lei n. 14.176/2021 acrescentou ao mesmo artigo os §§ 11-A e 20-B, majorando o critério objetivo para ½ (meio) salário mínimo e permitindo a avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e vulnerabilidade exigidas para a concessão do benefício aqui tratado, tais como o grau de deficiência, a dependência de terceiros para o desempenho das atividades básicas cotidianas e o comprometimento do orçamento do núcleo familiar. Registre-se que, em meio às modificações legislativas mencionadas, os Colendos Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça pacificaram entendimento no sentido de se admitir diversos parâmetros para a aferição da condição de miserabilidade, conforme RE 567.985, Tema de Repercussão Geral n.º 27 e Resp 1.112.557/MG, Tema repetitivo 185, com trânsito em julgado em 11/12/13 e 21/03/14, respectivamente. Assim, deve ser analisada a eventual hipossuficiência no caso concreto. Quanto aos demais requisitos, é definida como idosa a pessoa com idade mínima de 65 anos, conforme estatuto do idoso, e portadora de deficiência "aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas" - art. 20, § 2º da Lei 8.742/93, com a redação dada pela Lei n. 13.146/15, denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência. Do conceito de família A Lei n. 12.435, de 06/07/2011, alterou o parágrafo 1° da Lei 8.742/93, estabelecendo que o conceito de família, em relação à concessão de benefício assistencial, é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Vale ressaltar que, conforme dispõe o art. 229, da Constituição Federal, os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Nesse sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) fixou a seguinte tese: "o benefício de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". Dos termos inicial e final do benefício assistencial No que se refere ao termo inicial do benefício, a legislação assegura o início do pagamento na data do requerimento administrativo, se houver, caso assim não seja, será fixado na data da citação, ou ainda, na data do laudo que atesta a incapacidade. A saber, a Súmula 22 da TNU dispõe: "Se a prova pericial realizada em juízo dá conta de que a incapacidade já existia na data do requerimento administrativo, esta é o termo inicial do benefício assistencial". Por fim, os artigos 21 e 21-A da LOAS e o art. 48 do Decreto 6.214/2007, discorrem sobre o termo final do benefício: a) quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive como microempreendedor individual; b) quando superadas as condições que deram origem ao benefício; c) quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização; d) com a morte do beneficiário ou a morte presumida, declarada em juízo; e) em caso de ausência do beneficiário, judicialmente declarada. Do caso em análise A parte autora, com 50 anos de idade é portadora de neoplasia de mama D com metástase. Registre-se que o ponto controvertido nos autos era referente à condição de deficiência de longo prazo, não sendo discutida a existência de miserabilidade. A perícia médica, realizada em 24/03/2025, estabeleceu diagnóstico de "neoplasia maligna de útero com metástase abdominal, em acompanhamento no Hospital Regional de Presidente Prudente desde 23/01/2025. Está em tratamento quimioterápico. Se encontra bastante emagrecida, peso de 54kg. Ascite residual. O laudo pericial comprova, nos termos do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) e do artigo 4º, § 2º, do Decreto nº 6.214/2007, que a periciada possui impedimento de longo prazo, caracterizado por neoplasia maligna de útero com metástase abdominal, tratamento quimioterápico em curso, incapacidade total e permanente para o exercício das atividades laborativas e ausência de possibilidade de reabilitação. O decreto regulamentador define impedimento de longo prazo como aquele que limita a participação plena e efetiva na sociedade por prazo mínimo de dois anos, enquadrando o quadro clínico da periciada como deficiência para fins do BPC. Tal condição preenche o requisito essencial previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 para a qualificação como pessoa com deficiência, requisito para a concessão do benefício assistencial. Quanto à data do início do impedimento, esta foi fixada em 09/01/2025, correspondente ao diagnóstico da metástase e ao início do tratamento, conforme o laudo pericial. Não é possível retroagir tal data, pois registros médicos anteriores, inclusive de 2019, não indicavam recidiva da doença. O início do impedimento está amparado pela prova documental e clínica atualizada, observando os critérios de temporalidade exigidos pelo Decreto nº 6.214/2007 para exame pericial do BPC. Assim, a partir desta data, considera-se consolidada a deficiência e seu efeito impeditivo de longo prazo, o que justifica a cobertura do benefício assistencial previsto em lei. Assim, a requerente faz jus ao benefício desde a data da incapacidade em 09/01/2025, uma vez que o perito afirmou que o início da incapacidade ocorreu em data posterior ao requerimento administrativo. A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, vigente por ocasião do cumprimento de sentença. Por fim, prejudicada a análise do pleito de incidência do Tema 692/STJ diante do reconhecimento do direito ao benefício. Dispositivo Posto isso, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do INSS para fixar o termo inicial do benefício na data da incapacidade.
Ocorreu tratamento em 2017 de câncer de mama direita, tratamento cirúrgico e radioterapia. Documentos médicos de 2019 sem evidência de recidiva. Cicatriz de mama direita compatível com a cirurgia informada pela periciada".
E M E N T A
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EMENTA DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 20 DA LEI 8.742/93. CONCESSÃO PARCIAL. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. LAUDO PERICIAL. DÉFICIT FUNCIONAL DE LONGO PRAZO COMPROVADO. VULNERABILIDADE SOCIAL. FIXAÇÃO DO TERMO INICIAL NA DATA DA CONSTATAÇÃO DA INCAPACIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame
II. Questão em discussão III. Razões de decidir IV. Dispositivo e tese Tese de julgamento: Dispositivos relevantes citados: arts. 20, §§ 2º, 3º, 11, 11-A, 20-B da Lei 8.742/93; arts. 203, V e 229 da CF; art. 1.012, §1º, V, do CPC; arts. 21 e 21-A da LOAS; Decreto 6.214/07; art. 85, §3º do CPC; Súmula 22 da TNU; Súmula 111 do STJ. Jurisprudência relevante citada: |
A C Ó R D Ã O
Relatora
