SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5001511-93.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. Presidência
REQUERENTE: UNIAO FEDERAL
REQUERIDO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 25ª VARA FEDERAL CÍVEL, FORUM NACIONAL DE PROTECAO E DEFESA ANIMAL
Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279
SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5001511-93.2018.4.03.0000 RELATOR: Gab. Presidência REQUERENTE: UNIAO FEDERAL REQUERIDO: JUÍZO FEDERAL DA 25ª VARA CÍVEL DE SÃO PAULO SP, FORUM NACIONAL DE PROTECAO E DEFESA ANIMAL Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279 R E L A T Ó R I O A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Relatora). Agravo interposto pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal em face de “decisão que suspendeu a bem lançada decisão liminar do Juízo da 25ª Vara Federal Cível nos autos da AÇÃO CIVIL PUBLICA nº 5000325- 94.2017.403.6135, que proibiu a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo o território nacional” (Id. 1693680). Trata-se, em síntese, de pedido de suspensão de decisão judicial, proposto pela União Federal (Id. 1652014) contra decisum que, proferido nos autos de reg. nº 5000325-94.2017.4.03.6135, em trâmite perante o juízo da 25ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, impediu “a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo território nacional, até que o país de destino se comprometa, mediante acordo inter partes, a adotar práticas de abate compatíveis com o preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro e desde que editadas e observadas normas específicas, concretas e verificáveis, por meio de parâmetros clara e precisamente estabelecidos, os quais possam efetivamente conferir condições de manejo e bem estar dos animais transportados”, também ordenando o “DESEMBARQUE e RETORNO à origem, mediante plano a ser estabelecido pelo MAPA e operacionalizado pelo exportador, sob fiscalização das autoridades sanitárias, de todos os animais embarcados no NAVIO NADA, cuja embarcação somente poderá prosseguir viagem depois de completamente livre de animais vivos”. Na origem, cuida-se de ação civil pública ajuizada inicialmente na Seção Judiciária do Distrito Federal, redistribuída, em razão de declínio de competência, ao juízo da 25ª Vara Federal Cível desta Capital, na qual se relata que, no país, permite-se o “comércio de animais vivos através de viagens marítimas”, e que “o transporte por longas distâncias, que pode durar semanas ate o destino final, e considerado desnecessário e cruel”, porque “Seja por terra ou por mar, o sofrimento causado por traumas, temperaturas adversas, falta de alimentação e água, exaustão e falta de condições higienico-sanitárias e evidente”, de modo que “O estresse inevitável prejudica a função imunológica desses animais, suscetibilizando-os a inúmeras afecções”, a “incidência e disseminação de doenças infectocontagiosas, problemas respiratórios e intoxicações podem ser observados durante o processo” e “o risco de acidentes e extremamente elevado”, presentes “incontáveis registros de incêndios e naufrágios das embarcações, provocando sufocamento ou afogamento dos animais e profissionais envolvidos”, risco que se materializa, por exemplo, na circunstância de que “no próximo dia 13, no Porto de São Sebastião, está programado o embarque de 22 mil bois para a Libéria e Singapura”, e “A não se conceder a tutela de urgência, o Brasil estará diante de mais uma viagem para a barbárie, sem que as autoridades governamentais tomem qualquer tipo de providência para impedi-la”. Fatos postos, pleiteou-se o deferimento da tutela provisória jurisdicional “para o fim de que a União Federal impeça IMEDIATAMENTE essas exportações, até que sejam adotadas medidas efetivas para garantir o bem estar dos animais não só durante a viagem, como também, para que o abate no país destinatário, seja o abate humanitário, pois, do contrário, não será digno de recepcionar animais vivos vindos de nosso país” e “Em relação à exportação do próximo dia 13, que seja a tutela concedida, não apenas para impedir a exportação, mas para que o gado seja devolvido ao local onde se encontrava mediante o acompanhamento de veterinários indicados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento” (Id. 1651924). Sobreveio decisão em que deferidas as “medidas emergenciais sugeridas pelo Ministério Público Federal, para determinar ao IBAMA e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que, no prazo máximo de 24 horas, adentrem o (s) navio (s) que se encontram no Porto de São Sebastião, comportando os animais vivos para exportação, e fim de verificarem se há condições de tratar dos 20.000 animais durante semanas a mar aberto, devendo ir acompanhados de veterinários credenciados” e “Sendo o caso, havendo inobservância da legislação, deverão ser adotadas as medidas administrativas cabíveis”, restando, ato contínuo, declinada a competência para a Subseção Judiciária de Caraguatatuba. Apresentada emenda à exordial da ação civil pública, em que “requer o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal seja aditada a inicial, para que em caráter liminar sejam proibidas exportações de quaisquer animais vivos por meio de navios em todos os portos do país expedindo-se ofício à capitania dos portos informando-lhes da proibição”, adveio novo declínio de competência, destarte “em favor de uma das Varas Federais Cíveis da Subseção de São Paulo” (Id. 1651925). Redistribuídos os autos ao juízo da 25ª Vara Federal Cível de São Paulo – cuja jurisdição sob o caso veio a ser avalizada via Conflito de Competência nº 156.515, decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “a presença da União como parte em uma das ações civis públicas ajuizadas atrai a competência de que trata o inciso I do artigo 109 da Constituição Federal” –, foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela, nos seguintes termos: “Vistos em decisão. Trata-se de pedido de TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA, formulado em sede de AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo FÓRUM NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DE ANIMAL (organização não governamental) em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando provimento jurisdicional que “impeça IMEDIATAMENTE exportações de gado, até que sejam adotadas medidas efetivas para garantir o bem estar dos animais não só durante a viagem, como também, para que o abate nos país destinatários, seja o abate humanitário, pois, do contrário, não será digno de recepcionar animais vivos vindos do nosso país”. Narra a autora, em suma, tratar-se de organização não governamental, constituída sob a forma de entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, “cuja criação resulta da congregação de entidades e organizações não governamentais de proteção e bem-estar animal de todo o território nacional e estrangeiro e pessoas físicas, com a finalidade de, juntando esforços, estimular, promover e desenvolver planos e estratégias que otimizem as ações em prol da proteção e bem-estar animal”. Afirma ser o Brasil um grande exportador de animais, mormente de gado vivo, tendo exportado cerca de 600 mil animais em 2016. Alega que o transporte é realizado de forma CRUEL “por longas distâncias, que pode durar semanas até o destino final”. Relata que “seja por terra ou por mar, o sofrimento causado por traumas, temperaturas adversas, falta de alimentação e água, exaustão e falta de condições higiênicos-sanitárias é evidente”. Sustenta que o Código Sanitário de Animais e Terrestres da OIE (Organização Mundial de Saúde Animal) estabelece padrões claros em relação às responsabilidades dos exportadores quanto aos períodos de descanso, densidade de rebanhos e provisão de alimento e água. Todavia, alega que, apesar de signatário da OIE, o Brasil não cumpre vários artigos do Código Sanitário de Animais Terrestres, que estabelece, na parte das considerações gerais: “exportadores, importadores, proprietários de animais e gerentes de instalações são conjuntamente responsáveis pela saúde geral dos animais, pela sua condição física para a viagem, e pelo seu bem-estar durante a jornada, mesmo que os serviços sejam terceirizados”. Assevera ainda: “E cientificamente comprovado que o estresse gerado pelo transporte por longas distâncias provoca esgotamento do glicogênio dos músculos, afetando negativamente as características sensoriais da carne, como por exemplo o aumento de sua rigidez. As lesões frequentemente observadas, como contusões, hematomas e fraturas, não apenas geram dor e sofrimento, mas também reduzem da mesma forma o valor do produto final. Ademais, a elevada mortalidade pelos motivos acima descritos obviamente promove perdas econômicas, visto que esses animais geraram um custo para a criação e engorda, porém não serão contabilizados ao chegarem no destino. É válido destacar que a situação brasileira e alarmante, tendo em vista as péssimas condições das rodovias e da grande maioria dos portos, particularmente do estado do Para, que e o principal exportador de gado vivo, bem como a fragilidade do sistema de regulação e fiscalização. Não ha sequer uma regulamentação governamental que estabeleça e exija normas para transporte de animais de abate em território nacional, dando margem a execução de práticas imprudentes e sem nenhuma consideração com as necessidades básicas de indivíduos reconhecidamente sencientes ao serem deslocados para abatedouros. Além disso sabe-se também por estudos científicos que animais submetidos ao manejo e transporte em estradas não pavimentadas por longas distâncias apresentam maior proporção de lesões”. Além disso, afirma “que o navio durante toda a sua viagem deixa um rastro de grave impacto ambiental, pois, por onde passa vai lançando ao mar dejetos de milhares de animais, tornando marrom a cor da água, além das carcaças de animais mortos que são lançados ao mar! Chega a ser inacreditável que em pleno século XXI esta aberração, não só para os indefesos animais, como também, para o meio ambiente e para os cofres de nossa nação ocorram abertamente com a maior naturalidade”. Aduz que os animais não têm espaço sequer para dormir, comem ração misturada com urina e fezes e “se um animal ousar deitar morrerá sufocado nos excrementos”. Sem contar que, em viagens marítimas, há o risco de lesões traumáticas devido à agitação do mar, pneumonia e doença respiratória bovina. Relata que, em 2017, “a Animals International documentou o manejo e abate de animais brasileiros no Líbano e no Egito. No Líbano, tentativas de conter animais assustados levaram rotineiramente a um tratamento terrível, como perfuração dos olhos e torção da cauda. No Egito, bois brasileiros foram esfaqueados na face e nos olhos, e tendões dos membros foram cortados a fim de imobilizá-los para que fossem degolados (conscientes). Esse tratamento horrível é rotineiro no Egito”. Destaca que o art. 225, §1°, VII, da Constituição Federal, o art. 32 da Lei n. 9.605/98, assim como a Declaração Universal dos Direitos dos Animais vedam o tratamento cruel dispensado aos animais. Com a inicial vieram documentos. A ação foi inicialmente proposta perante o Juízo da 14ª Vara Cível Federal do Distrito Federal, tendo por pedido liminar a proibição de exportação de gado vivo na data de 13/12/2017 no Porto de São Sebastião. A decisão de ID n. 3817910 lá proferida, reconhecendo a incompetência do juízo para julgamento da lide em razão do local do dano, determinou, ad cautelam, que o IBAMA e o Ministério da Agricultura adentrassem no navio ancorado no Porto de São Sebastião para verificar as condições existentes. O feito foi então redistribuído à 1ª Vara Federal de Caraguatatuba, ocasião que o autor aditou a exordial para formular o pedido liminar no sentido de proibição das exportações de quaisquer animais vivos por meio de navios em todos os portos do país. Em virtude do aditamento, o juízo de Caraguatatuba, considerando a abrangência nacional do dano, determinou a redistribuição dos autos para uma das varas federais da capital do Estado de São Paulo. Redistribuído o processo a esta 25ª Vara Cível Federal, foi determinada a intimação da União Federal para que se manifestasse no prazo de 72 horas, nos termos do art. 2º da Lei n. 8.437/92 (ID 3963071). O autor juntou laudos técnicos elaborados por um biólogo e duas veterinárias, “os quais convergem com a vivência trazida aos autos” (ID 4200419). Mantida a decisão que postergou a análise do pedido de tutela provisória de urgência após a manifestação da União Federal (ID 4205120). Intimada, a União Federal apresentou manifestação (ID 4273260). Alega, em suma, a impossibilidade de concessão de liminar que esgote o objeto da ação contra a Fazenda Pública. Sustenta que não compete ao governo brasileiro verificar a forma de tratamento do gado em países fora de sua jurisdição e que “as fotos juntadas aos autos e extraídas do Google, referente a transporte internacional de animais, são de fatos não ocorridos dentro do território nacional”. Sobre o mérito, junta informações constantes do Relatório de Vistoria n. 51/2017-UT-CARAGUATATUBA-SP/SUPES-SP, pelo IBAMA. Junta, também, as seguintes informações constantes da COTA n. 00166/2018/CONJUR-MAPA/CGU/AGUE, de 23 de janeiro de 2018: “Entretanto, tendo em vista o volume de informações aportados na inicial, que apesar de falaciosas e fora da realidade da cadeia produtiva brasileira merecem ser rechaçadas item a item, até pela notoriedade que o tema vem assumindo, inclusive na mídia brasileira, pleiteamos seja solicitado prazo complementar que possibilite a esta Coordenação aportar informações adicionais, elaborando manifestação técnica detalhada sobre o tema, validando-a junto à CTBEA – Comissão Técnica Permanente de Bem-Estar Animal, a fim de consignar manifestação consolidada do MAPA, esclarecendo de forma definitiva a injustificável polêmica, que seja por razões- ideológicas ou mesmo por motivos econômicos, vem sendo incitada sobre o mesmo assunto. O autor reitera seu pedido “de imediata ida dos autos á conclusão para apreciação e deferimento de liminar proibindo o embarque de animais vivos em todos os portos do país, assim como, que os animais sejam imediatamente devolvidos aos pastos de onde vieram!”(ID 4318724). O pedido de liminar foi apreciado e DEFERIDO EM PARTE paradeterminar a SUSPENSÃO IMEDIATA das operações de embarque do referido navio com carga viva de animais que se encontra atracado no Porto de Santos, assim como para determinar ao Presidente da CODESP (Companhia Docas de São Paulo) e ao representante da Marinha no Porto de Santos para que IMPEÇAM a partida do NAVIO NADA, com destino à Turquia, até ordem posterior, a ser proferida à vista do relatório da INSPEÇÃO (ID 4385047). Juntada do “Relatório de Inspeção Técnica” pela médica veterinária designada (ID 4415146). ID 4416724: petição do autor informando que os animais do navio NADA estão sem água potável. ID 4420617: veio aos autos a notícia de que o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da ACP n. 1000419-39.2018.8.26.0562, determinou “a suspensão do embarque de animais vivos no Porto de Santos”. Com o intuito de dar efetividade à ordem, o juiz de primeira instância assim determinou: “expeça-se com urgência mandado de intiamção aos litisconsortes CODESP, Município de Santos, ECOPORTO e MINERVA, para i) cência da ordem de interdição do embargque de carga viva no Porto de Santos; ii) interdição da saída de navio com cargas vivas em seu interior; iii) promover, no âmbito de suas responsabilidades, o desembarque de eventual carga viva já embarcada, informando-se prontamente ao juízo o destino que será dado aos animiais desembarcados”. ID 4428761: conforme informado pela empresa MINERVA S/A, na condição de terceiro interessado, restou decidido em sede de conflito de competência proposto pela referida empresa (suscitante), tendo como suscitados os juízos da 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos e desta 25ª Vara Cível Federal em São Paulo, pelo Ministro Gurgel de Faria o seguinte: “A MEDIDA LIMINAR DE MINERVA S/A PARA SUSPENDER O PROCESSO EM TRÂMITE NA 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SANTOS SP (PROCESSO Nº 1000419-39.2018.8.26.0562) E DESIGNAR O JUÍZO DA 25ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA DECIDIR, EM CARÁTER PROVISÓRIO, AS MEDIDAS URGENTES REFERENTES AO PROCESSO EM COMENTO, ATÉ O JULGAMENTO DEFINITIVO DO PRESENTE CONFLITO DE COMPETÊNCIA E SOLICITADAS AS INFORMAÇÕES AOS JUÍZOS SUSCITADOS PARA QUE AS PRESTEM EM DEZ DIAS (PUBLICAÇÃO PREVISTA PARA 06/02/2018)”. Vieram os autos conclusos nesta data. É o relatório, decido. À vista da decisão do Eminente Ministro GURGEL DE FARIA, do E. STJ, passo a decidir a questão urgente, qual seja, a de impedir a exportação de animais vivos para o abate no exterior. O autor da presente ação formulou o seguinte pedido de tutela provisória de urgência: “a tutela de urgência deverá ser concedida, para o fim de que a União Federal impeça IMEDIATAMENTE essas exportações, até que sejam adotadas medidas efetivas para garantir o bem estar dos animais não só durante a viagem, como também, para que o abate no país destinatário, seja o abate humanitário, pois, do contrário, não será digno de recepcionar animais vivos vindos de nosso país.”. Posteriormente, aditou a inicial para requerer “a proibição de transporte de animais vivos através de navios em todos os portos de nosso país.”. Pois bem. Inicialmente, observo que a Lei 8.171/91 estabelece em seus artigos 27-a e 28-A: Art. 27-A. São objetivos da defesa agropecuária assegurar: (Incluído pela Lei nº 9.712, de 20.11.1998) II – a saúde dos rebanhos animais; § 1º. Na busca do atingimento dos objetivos referidos no caput, o Poder Público desenvolverá, permanentemente, as seguintes atividades: II – vigilância e defesa sanitária animal; § 2º. As atividades constantes do parágrafo anterior serão organizadas de forma a garantir o cumprimento das legislações vigentes que tratem da defesa agropecuária e dos compromissos internacionais firmados pela União. Art. 28-A. Visando à promoção da saúde, as ações de vigilância e defesa sanitária dos animais e dos vegetais serão organizadas, sob a coordenação do Poder Público nas várias instâncias federativas e no âmbito de sua competência, em um Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, articulado, no que for atinente à saúde pública, com o Sistema Único de Saúde de que trata a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, do qual participarão: (Incluído pela Lei nº 9.712, de 20.11.1998) – serviços e instituições oficiais; De seu turno, o art. 9.º do Decreto 5.741/2006, que regulamentou os apontados dispositivos legais discriminou as atividades atribuídas às diversas instâncias do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, conferindo à Instância Central (Governo Federal, isto é, à União) as atribuições de “de natureza política, estratégica, normativa, reguladora, coordenadora, supervisora, auditora, fiscalizadora e inspetora”. Eis a disposição regulamentar: Art. 9º. As atividades do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária serão executadas pelas Instâncias Central e Superior, Intermediárias e Locais. § 1º. A Instância Central e Superior responderá pelas atividades privativas do Governo Federal, de natureza política, estratégica, normativa, reguladora, coordenadora, supervisora, auditora, fiscalizadora e inspetora, incluindo atividades de natureza operacional, se assim determinar o interesse nacional ou regional. Logo, visando a presente ação à proibição de exportações de animais vivos para o exterior, tem-se que a pretensão se volta às atividades “de natureza política, estratégica, normativa, reguladora, coordenadora, supervisora, auditora, fiscalizadora e inspetora”, sendo, portanto, legítima a figuração da União no polo passivo, vez que tais atribuições foram conferidas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Passo, então, ao exame da pretensão antecipatória. A – ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS. A evolução da civilização fez com que os animais deixassem de ser tão somente OBJETOS de direito e passassem a ser SUJEITOS de direito. Com isso, os ordenamentos jurídicos dos povos civilizados passaram a conferir proteção aos animais não porque eles fossem “coisa”, “objeto” e, nessa qualidade integrassem o patrimônio de alguém, mas porque eles próprios, por sua natureza de seres sencientes e, como tais, dotados de dignidade, merecessem, por si só, proteção jurídica. É dizer, alguém sendo dono de uma cadeira e de um cão, poderia, sem qualquer recriminação de ordem jurídica, despedaçar a cadeira e atirar seus cacos na caçamba de lixo ou com eles fazer uma coivara. Porém, seria inconcebível que mesmo sendo dono do cão, pretendesse fazer com o animal o mesmo o mesmo que fizera com a cadeira. Assim, por esse exemplo metafórico e caricato assenta-se bem a ideia de que o animal é sujeito de direito, sendo sua proteção um DEVER JURÍDICO e não apenas um preceito de ordem ética. No caso do ordenamento jurídico brasileiro, temos disposições protetivas de ordem constitucional, de ordem legal e regulamentar e até do direito das gentes, por meio de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. A Constituição Federal garante “a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (art. 225). Referida norma constitucional estabelece em seu §1º, inciso VII: “§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. A Lei 8.171/91 e seu regulamento (Decreto 5.741/2006) estabelecem normas de proteção sanitária aos animais e ainda atos normativos infralegais estabelecem procedimentos de recomendação de Boas Práticas de Bem-Estar aos animais. Não bastassem essas normas de índole administrativas, o ordenamento ainda lança mão de proteção na esfera penal. Assim, a Lei 9.605/1998, define como ilícito penal o ato de “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (art. 32). Por sua vez, como signatário de normas internacionais, o Brasil se obrigou a proteger os animais, de modo que eles não sejam submetidos a maus tratos ou a atos cruéis e que, em caso de serem mortos, por exemplo, para fins de alimentação humana, que o sejam instantaneamente sem que sejam submetidos a sofrimento físico ou psíquico. Assim, a Declaração Universal dos Direitos Animais, diploma legal internacional, proclamada pela UNESCO em 27 de janeiro de 1978, em sessão realizada em Bruxelas – Bélgica, a qual visa a criar parâmetros jurídicos para os países membros da Organização das Nações Unidas sobre os direitos animais, e da qual o Brasil é signatário, prevê em seus artigos 3° e 9°: “Art. 3º 1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2.Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia”. (...) Artigo 9º Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor”. Ao que se verifica, portanto, múltiplos são os diplomas normativos que impõem o dever de proteção aos animais, de modo que não há dúvidas de que o Poder Público (União, Estados e Municípios) deve ZELAR pelo cumprimento dos DIREITOS DOS ANIMAIS, e ASSEGURÁ-LOS no âmbito das cinco liberdades a que alude o Conselho Federal de Medicina Veterinária (Liberdade Nutricional, de Dor e Doença, de Desconforto, de Comportamento natural e de Medo e Estresse) e, nomeadamente, tendo em vista o caso em exame, os direitos ligados à vedação de tratamento cruel ou de maus tratos. B – PRETENSÃO DE VEDAÇÃO DE EXPORTAÇÃO DE ANIMAIS VIVOS PARA OUTROS PAÍSES, ONDE SERÃO ABATIDOS, EM RAZÃO DO MÉTODO DE ABATE. Depreende-se da inicial que o autor pretende o reconhecimento de que o ordenamento brasileiro veda a exportação de animais vivos para outros países onde não ocorre o que ele denomina de “abate humanitário”. O ordenamento brasileiro estabelece a metodologia de abate de animais para fins de alimentação humana. Vale dizer, não sendo seguida essa metodologia, o abate é irregular, pelo que se está desrespeitando o ordenamento jurídico. A Instrução Normativa n.º 3, de 17 de janeiro de 2000, da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária a Abastecimento – MAPA estabelece que o abate se dará “por sangria”, precedida de “métodos humanitários de insensibilização dos animais” a serem abatidos. Vale dizer, no Brasil o abate não se dá senão mediante a utilização prévia de métodos humanitários de insensibilização, de modo que a exportação, por uma questão de integridade do ordenamento, não poderá ocorrer senão mediante a garantia, estabelecida em documentos internacionais inter-partes, de que no país de destino o animal brasileiro exportado vivo terá, quando de seu abate, o mesmo tratamento jurídico que lhe confere o ordenamento brasileiro. Se assim não fosse não faria razão o disposto no ordenamento, que valeria para o animal brasileiro abatido aqui, mas não valeria para o animal brasileiro exportado para o abate no exterior. Para se ter presente o que quero significar, basta que se atente para o regime de extradição de pessoa estrangeira para ser processada ou para cumprir pena no exterior: lá ela não poderá sofrer pena que não exista em nosso ordenamento e nem sofrer pena superior à que receberia no Brasil pelo mesmo fato. Dispõe, por exemplo, o artigo 96 da Lei n. 13.445/2017 que não efetivada a entrega do extraditando sem que o Estado requerente assuma o compromisso de (I) não submeter o extraditando à prisão ou processo por fato anterior ao pedido de extradição; (II) computar o tempo da prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição; (III) comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos; (IV) não entregar o extraditando, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; (V) não considerar qualquer motivo político para agravar a pena e (VI) não submeter o extraditando a tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Vale dizer, embora o Brasil extradite um criminoso ou acusado estrangeiro, ele não o faz sem que o extraditando receba do Estado requerente o mesmo tratamento digno e humanitário que o Brasil entende ser o aplicável à espécie. Se assim não procedesse estaria, indiretamente, praticando atos que, por seu ordenamento jurídico, considera inadequado. Ora, o raciocínio é o mesmo aplicável ao caso dos animais vivos exportados para o abate no exterior. Se o ordenamento jurídico brasileiro estabelece um método de abate que considera humanitário (sangria precedida de insensibilização), não pode ele, sob risco de incorrer em ofensa a esse mesmo ordenamento jurídico, exportar animais vivos para o exterior sem garantias de que essa metodologia de abate, considerada aquele que cumpre determinados princípios e uma dada finalidade, venha a ser observada. E, à vista do exemplo da carga viva embarcada no Navio NADA com destino à Turquia, sabe-se que lá (como melhor pode vir a ser esclarecido ao longo da instrução) o método (halial ou halal), praticado por países mulçumanos, é diverso do preconizado pela legislação brasileira, como também o é o chamado método koser, utilizado no mundo judeu. Como observa o Prof. Fernando De Cesare Kolya, Engenheiro Agrônomo e Mestre em Nutrição Animal pela ESALQ/USP. Sócio-consultor da Boviplan Consultoria Agropecuária: “O significado das palavras Halal e Kosher não é o mesmo, mas ambos envolvem um ritual muito semelhante no abate de animais. O termo Halal é a denominação que recebem os alimentos “adequados” para o consumo de acordo com a lei islâmica. No judaísmo os alimentos preparados de acordo com as leis judaicas são denominados Kosher ou Kasher. Em ambos os casos, no abate Halal e Kosher, o animal não deve ser insensibilizado antes da degola e esta deve ser realizada por alguém treinado e habilitado para este tipo de abate. (https://www.scotconsultoria.com.br/noticias/artigos/21605/)” Vale dizer, sem ingressar no mérito da maior ou menor “humanidade” daqueles métodos de abate, para este momento de cognição sumária, tenho que por serem diversos do preconizado pelo ordenamento brasileiro, inviabiliza a exportação de animais vivos para serem abatidos por tais métodos. C- VEDAÇÃO DE EXPORTAÇÃO DE ANIMAIS VIVOS, ATÉ QUE SEJAM ADOTADAS MEDIDAS EFETIVAS PARA GARANTIR O BEM ESTAR DOS ANIMAIS NOS PROCEDIMENTO DE EMBARQUE, TRANSPORTE INTERNO E DURANTE A VIAGEM. A Instrução Normativa n. 13, de 30 de março de 2010, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que aprovou o Regulamento Técnico para Exportação de Bovinos, Búfalos, Ovinos e Caprinos vivos, destinados ao abate estabelece: “Art. 1º Este Regulamento estabelece as normas de procedimentos básicos para a preparação de animais vivos para a exportação, incluindo a seleção nos estabelecimentos de origem, o transporte entre o estabelecimento de origem e os Estabelecimentos de Pré-embarque e destes para o local de saída do país e o manejo nas instalações de pré-embarque e no embarque. Parágrafo único. Este Regulamento se aplica aos bovinos, búfalos, ovinos e caprinos destinados à exportação para abate imediato ou engorda para posterior abate. (...) Art. 27. O transporte marítimo e fluvial deve ser realizado em embarcações que possuam instalações adequadas para alojar a espécie animal exportada e para o seu manejo e sua alimentação, propiciando o bem-estar geral dos mesmos durante a viagem. Art. 28. As embarcações utilizadas para o transporte marítimo ou fluvial deverão estar em bom estado de conservação e manutenção e ser completamente limpas e desinfetadas com produtos aprovados pelo MAPA, antes do embarque dos animais. Art. 29. O transporte marítimo ou fluvial deve ser previamente planejado pelo transportador e pelo exportador e realizado em navios aprovados pela Capitania dos Portos, adequadamente abastecidos de provisões - alimento e água - para a viagem, que tenham habilitação para o transporte de animais, segundo a espécie, e conduzidos de forma a prevenir danos aos animais e minimizar o estresse de viagem, respeitando as normas estabelecidas para o bem-estar animal. Art. 30. O exportador ou importador deverão apresentar ao Serviço ou Unidade de Vigilância Agropecuária do MAPA, no local de saída do país, até três dias antes do embarque, a configuração do navio a ser utilizado na operação, expedida pelo armador, contendo: metragem da embarcação, metragem quadrada de cada deck disponível para carregamento de animais, quantidade de cochos, bebedouros, capacidade de armazenagem de alimentação (em toneladas), capacidade de tanques para água potável, quantidade e capacidade do dessanilizador, número de acionamentos por minuto das turbinas para ventilação e renovação de ar. Parágrafo único. A configuração apresentada servirá de base para estabelecer a quantidade de animais que será embarcada. (...) Art. 44. O número de animais a serem abrigados no interior dos veículos de transporte rodoviário e nos navios deverá atender as condições de conforto e bem-estar animal, determinando-se este número em função do espaço disponível, segundo a espécie animal.”. Vale dizer, o transporte marítimo fluvial de animais vivos deve ser realizado em embarcação com instalações adequadas e eles submetidos a manejo preconizados, com instalações limpas e desinfetadas, adequadamente abastecidos de provisões (alimento e água) para viagem. Expressamente a Instrução Normativa impõe que durante a viagem, os animais sejam “conduzidos de forma a prevenir danos” e “minimizar o estresse da viagem, respeitadas as normas estabelecidas”. Dispõe ainda a referida IN que a embarcação deve ser de ordem a que a metragem quadrada de cada deck disponível para carregamento de animais, quantidade de cochos, bebedouros, capacidade de armazenagem de alimentação (em toneladas), capacidade de tanques para água potável, e que “o número de animais a serem abrigados no interior dos veículos de transporte rodoviário e nos navios deverá atender as condições de conforto e bem-estar animal, determinando-se este número em função do espaço disponível, segundo a espécie animal”. Contudo, segundo inspeção determinada por esse juízo, no caso do NAVIO NADA, com carga viva embarcada para a Turquia, tais condições estavam longe de serem observadas. Segundo observado pela técnica designada pelo juízo, a veterinária Dra. Magda Regina, CRMV-7583, que fez relatório circunstanciado encartado nos autos, os animais encontram-se acondicionados em condições de higiene muito precárias, “a imensa quantidade de urina e excrementos produzida e acumulada nesse período, propiciou impressionante deposição no assoalho de uma camada de dejetos lamacenta. O odor amoniacal nesses andares era intenso tornando difícil a respiração”; “os dejetos acumulados pelo processo de limpeza tem então o seu conteúdo descartado, sem qualquer tratamento, ao mar”; “os animais são alocados em grupos (em baias ou bretões), em espaços exíguos , por exemplo, totalizando dimensões menores que 1 metro quadrado por indivíduo”; “tanto nos caminhões como dentro das baias da embarcação marítima o movimento dos animais é seriamente comprometido”; “o transporte marítimo de carga viva não contempla a possibilidade de saída dos animais de suas baias de confinamento até o seu destino de chegada, impedindo assim qualquer tipo de descanso ou passeio para o animal”; o modo como são acondicionados e transportados “sujeita o animal a contato íntimo com seus dejetos e os dejetos de outros animais”; os animais são submetidos na embarcação a “severa poluição sonora” em ambientes onde verificadas elevadas temperatura e taxas de umidade extremas “que comprometem claramente o bem estar dos animais”. Enquanto proferia a presente decisão, compareceram a este juízo, o Superintendente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em São Paulo, Dr. Francisco Sergio Ferreira Jardim, acompanhado da Superintendente Substituta, Dra Andréa Moura, assistidos pelo Procurador Regional da União em São Paulo, Dr. Luiz Carlos de Freitas e a Procuradora Regional Substituta Dra Cristiane Flores Soares Rolin, que entregaram ao juízo relatório das atividades elaborado pelo Serviço de Vigilância Agropecuária do Porto de Santos, elaborado pelo Chefe daquele setor, Paulo Roberto de Carvalho Filho, dando conta de que as condições de manejo e de bem estar dos animais embarcados atendem o preconizado nas normas editadas pelo MAPA. Consta do referido relatório que durante a fiscalização, realizada por aquele serviço logo após a decisão deste juízo, que “constatou-se que a embarcação encontrava-se com os currais limpos, bem dimensionados, com piso adequado à movimentação animal, cobertura de camas em quantidade compatível com a viagem e o número dos animais, com cochos e bebedouros adequados, seja em tamanho ou quantidade, providos de sistema automático de reposição de água, com estoque suficiente de ração e forragem, dotado de três dessanilizadores com capacidade técnica para a produção de água por meio de osmose reversa e ventilação de modo a prover o conforto dos animais”; que durante o período, entre a tarde de 26/01 e as últimas horas de 31/01, todos os animais foram visualmente inspecionados por pelos menos um técnico competente”, não se visualizando “situações que denotassem maus tratos ou irregularidades às recomendações de bem estar animal, conforme a Organização Internacional de Saúde Animal (OIE)”; tendo sido constatado também que “o espaço destinado para cada animal estava compatível ao recomendado pela Organização Internacional de Saúde Animal”, tendo ainda o representante do armador declarado que a taxa de mortalidade registrada na viagem entre o Brasil e a Turquia, realizada após o embarque de dezembro de 2017 foi de 0,001%”. Nota-se, pelo referido relatório que o MAPA considera atendidas sua normatização, o que talvez se deva a uma falta de parâmetros mais objetivos, vez que a situação narrada no relatório da veterinária nomeada para a realização da inspeção, com apoio em inúmeras fotografias que instruem seu relatório, apontam para um manejo inadequado e para condições de bem-estar animal muito comprometidas. É dizer, as condições verificadas – e documentadas pela veterinária designada - estão longe de atender o que preconiza a Instrução Normativa n. 56, de 06 de novembro de 2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, que estabelece os procedimentos gerais de Recomendações de Boas Práticas de Bem-Estar para animais, verbis: Art. 3º Para fins desta Instrução Normativa, deverão ser os seguintes princípios para a garantia do bem-estar animal, sem prejuízo do cumprimento, pelo interessado, de outras normas específicas: I - proceder ao manejo cuidadoso e responsável nas várias etapas da vida do animal, desde o nascimento, criação e transporte; II - possuir conhecimentos básicos de comportamento animal a fim de proceder ao adequado manejo; III - proporcionar dieta satisfatória, apropriada e segura, adequada às diferentes fases da vida do animal; IV - assegurar que as instalações sejam projetadas apropriadamente aos sistemas de produção das diferentes espécies de forma a garantir a proteção, a possibilidade de descanso e o bem-estar animal; V - manejar e transportar os animais de forma adequada para reduzir o estresse e contusões e o sofrimento desnecessário; VI - manter o ambiente de criação em condições higiênicas. Diante da constatação de que os animais estão, quando embarcados no NAVIO NADA com destino à Turquia, submetidos a manejo inadequado e acomodações que revelam um quadro de total ausência de bem-estar animal, numa situação senão de crueldade em condições bem análogas, tenho que a liminar, para impedir a viagem do navio, comporta deferimento. Isso posto, DEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR para IMPEDIR a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo território nacional, até que o país de destino se comprometa, mediante acordo inter partes, a adotar práticas de abate compatíveis com o preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro e desde que editadas e observadas normas especifícas, concretas e verificáveis, por meio de parâmetros clara e precisamente estabelecidos, os quais possam efetivamente conferir condições de manejo e bem estar dos animais transportados. Em consequência, determino o DESEMBARQUE e RETORNO à origem, mediante plano a ser estabelecido pelo MAPA e operacionalizado pelo exportador, sob fiscalização das autoridades sanitárias, de todos os animais embarcados no NAVIO NADA, cuja embarcação somente poderá prosseguir viagem depois de completamente livre de animais vivos. Intimem-se as partes, inclusive a empresa MINERVA S/A que compareceu aos autos ofertando petição. Cientifique-se o Presidente da Companhia Docas do Porto de Santos e o responsável pelo Gabinete Militar da Marinha no Porto de Santos para que deem efetivo cabal cumprimento à presente decisão sob pena de responsabilidade funcional e pessoal. Intimem-se as autoridades por meio dos e-mails e telefones conhecidos da Secretaria, certificando-se. Serve a presente como ofício conforme autorizado pelas normas da Corregedoria. P.I. São Paulo, 02 de fevereiro de 2018. DJALMA MOREIRA GOMES Juiz Federal” Daí o pedido de “SUSPENSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA/LIMINAR”, nele sustentando a União Federal que a “r. Decisão de primeira instância violou diretamente a ordem público-administrativa ao suspender liminarmente a partida de um navio carregado com mais de vinte e cinco mil gados vivos, determinando, outrossim, o imediato e completo desembarque do navio, com o retorno dos animais às fazendas de origem”. Consta, dentre as alegações formuladas, que “O desembarque dos mais de vinte e cinco mil bovinos com idade inferior a 12 meses, embarcados no navio específico para o transporte de bois denominado MV NADA, atracado no cais do Porto de Santos, poderá submeter a agropecuária nacional a risco”. Também, que “É considerável o risco do desembarque dos animais alojados no MV NADA”, “porque, muito embora a embarcação tenha sido submetida a vistoria prévia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, ocasião em que se encontrava limpa e havia registros de desinfecção das instalações efetuada por terceiros, deve-se contar com a possibilidade de haver resíduos microscópicos que possam albergar agentes patógenos de notificação obrigatória junto à OIE”. Que “O efeito e os danos de uma eventual introdução de um agente patógeno de notificação obrigatória poderiam ser catastróficos para a agropecuária nacional, com prejuízo imensuráveis, afetando a cadeia produtiva inteira, o abastecimento do mercado nacional e o comércio internacional da carne brasileira”. Que “há um claro risco reverso na decisão que impede de iniciar viagem ao seu país de destino um navio carregado com mais de vinte e cinco mil animais vivos, que já passaram pela zona alfandegária e se encontram em navio estrangeiro, tendo sido alimentados com ração estrangeira, sem controle de risco de praga pela autoridade nacional”. Que, “Conforme indicados nos Subsídios do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, fixar uma logística e procedimento para o desembarque dos animais e para o retorno deles às fazendas de origem demandaria uma operação de cerca de 30 (trinta) dias”. Que “há que se destacar o grave risco de dano à saúde pública, com esses mais de vinte e cinco mil animais no cais do Porto de Santos, tendo em vista a ordem de imediato desembarque, aguardando todo a operação de retorno dos mesmos às fazendas de origem, sendo que o retorno dos animais aos locais de origem irá demandar um prazo estimado de 30 dias”. Que o decisum em questão “causa um grave risco de dano reverso aos próprios animais ao simplesmente impedir o início da viagem do navio MV NADA, mantendo-os no aguardo do início da viagem e com a possibilidade de se efetivar o desembarque e o retorno às fazendas de origem, como todo o desgaste decorrente, tanto pela demora como pelas condições em que se dará tal retorno, conforme exposto nos itens anteriores deste pedido de Suspensão”. Que “o impacto econômico direto e imediato da decisão ora atacada é evidente: em sendo mantida a decisão, os impactos econômicos no comércio internacional e na balança comercial brasileiros serão enormes e imediatos, agravando ainda mais a crise econômica pela qual o país atravessa atualmente”. Que, “ao proibir liminarmente tais exportações, a decisão ora atacada atinge e afeta negativamente todos os compromissos comercias internacionais já assumidos pelos agentes econômicos brasileiros com seus pares estrangeiros”. Argumentos postos, requereu-se a “concessão de liminar no presente pedido de Suspensão, com fundamento no art. 4º da Lei nº 8.437/9, com vista à IMEDIATA SUSPENSÃO da r. decisão proferida pelo MM. Juízo Federal da 25ª Vara Federal Cível de São Paulo, em sede da ação civil pública n° 5000325- 94.2017.403.6135, para o afastamento da proibição de exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo o território nacional”, bem como para “suspender a r. decisão de primeira instância que impede com que o navio MV NADA inicie sua viagem, já estando devidamente carregado com mais de vinte e cinco mil animais vivos (gados) com destino à Turquia, suspendendo, ainda, a determinação de desembarque de tal contingente de animais no Porto de Santos e o retorno dos mesmos aos locais de origem”. Petição intercorrente (Id. 1653197), em que pleiteada pela União Federal a “juntada da decisão (anexa), proferida no âmbito do agravo de instrumento nº 5001513-63.2018.4.03.0000, que concedeu a liminar para determinar o imediato início da viagem do navio MV NADA”, manifestando-se, ainda, no sentido de que “persiste o interesse da União para suspender a proibição de exportação de animais vivos para abate no exterior (em todo território nacional), uma vez que nítido o grave risco de dano à economia, dentre outros aspectos já apontados na inicial da suspensão”. “Vistos, Trata-se de pedido de suspensão de execução de liminar ajuizado pela UNIÃO em face de decisão proferida pelo Juízo da 25ª Vara Federal da Subseção Judiciária da Capital nos autos da ação civil pública nº 5000325-94.2017.403.6135, que proibiu a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo o território nacional, bem como determinou o desembarque e retorno à origem dos mais de vinte e cinco mil animais vivos que se encontram embarcados no navio “MV NADA”, atracado no Porto de Santos. A União alega, em síntese, que o cumprimento do decisum implicará grave lesão à ordem administrativa, à saúde e à economia públicas. Sustenta a presença de grave risco de dano à ordem público-administrativa com a determinação de suspensão de um navio carregado com mais de 25.000 (vinte e cinco mil) gados vivos e o imediato desembarque dos mesmos com retorno às fazendas de origem. Tal medida seria apta a submeter a agropecuária nacional a risco, pois cabe unicamente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento calcular o risco sanitário atribuível ao trânsito internacional de animais de interesse agropecuário. Ademais, frisa, o navio é estrangeiro e “é considerado um fator potencial de risco à introdução de diversos agentes patógenos de difícil mensuração, razão pela qual todos os produtos, alimentos e equipamentos não são autorizados a adentrarem em território nacional”. Nestes termos, o efeito e os danos de eventual introdução de um agente patógeno em território nacional poderiam ser catastróficos para a agropecuária nacional, com prejuízos imensuráveis que afetariam toda a cadeia produtiva e o abastecimento do mercado nacional e o comércio internacional de carne brasileira. Outro risco à ordem administrativa reside no fato de que toda a operação de transporte e embarque dos animais está prevista e estruturada apenas para este fim, inexistindo previsão e procedimentos adequados para o desembarque em território nacional e retorno dos animais às fazendas de origem. Estabelecer nova logística e procedimentos para desembarque e retorno do gado às propriedades rurais demandaria operação cujo prazo se aproximaria de 30 (trinta) dias, haja vista a necessidade da presença de cerca de 820 (oitocentos e vinte) caminhões, 60 (sessenta) pessoas e pelo menos 10 (dez) dias de trabalho. Não bastasse, a acomodação desses animais nas fazendas de origem requer planejamento e mão-de-obra especializada, além de aporte de alimentação e do atendimento aos requisitos de ordem sanitários vigente. Ainda segundo a União, impedir o início da viagem do navio e considerando o tempo para implementar os procedimentos para desembarque e retorno do gado às fazendas, o sofrimento imposto aos animais aumentaria porque a embarcação não pode ser limpa na costa brasileira por questões ambientais, impedindo a higienização dos ambientes em que o gado se encontra confinado. Salienta que a exportação de bovinos é regulamentada por uma série de atos normativos, todos observados no caso em apreço, que estão em consonância com as diretrizes estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). No que se refere ao método de abate dos animais, aponta que a legislação brasileira permite o abate de acordo com preceitos religiosos, o que se justifica pelo fato de o Brasil ser um país laico provedor mundial de proteína animal, garantindo, assim, a possibilidade de atender a demanda de comunidades religiosas nacionais e internacionais. Sob o enfoque da grave lesão à economia pública, assevera que a decisão judicial impôs restrição duríssima e de gravíssimas consequências para o comércio internacional, principalmente porque o Brasil é um dos maiores, senão o maior, produtor de carnes do mundo e o quarto país em número de exportação de bovinos. Somente em relação à exportação de animais vivos, o país movimenta anualmente cerca de US$ 170,000,000.00 (cento e setenta milhões de dólares americanos) com a exportação de aproximadamente 600.000 (seiscentas mil) cabeças de gado. Portanto, o impacto econômico é evidente. Mantida a decisão, agravar-se-á ainda mais a crise econômica pela qual o país atravessa. Todos os contratos internacionais serão afetados e a tendência é que as exportações brasileiras sejam substituídas por outras, prejudicando a economia nacional. Além do mais, haverá desgaste nas relações internacionais brasileiras, porque a decisão atinge e afeta negativamente todos os compromissos internacionais já assumidos pelos agentes econômicos brasileiros e por seus pares estrangeiros. Aventa-se, inclusive, a possibilidade de retaliações comerciais ao país, por força da aplicação do princípio da credibilidade. Pugna, assim, pela concessão de liminar que autorize a partida do navio MV NADA do país e afaste a proibição de exportação de animais vivos para o abate no exterior em todo o território nacional. É o relatório. Decido. Primeiramente observo que a questão referente à permissão para início da viagem do navio MV NADA com a carga de animais vivos encontra-se prejudicada porque alcançada por meio de liminar deferida nos autos do agravo de instrumento nº 5001513-63.2018.4.03.0000. Nestes autos, em sede de plantão judiciário, a eminente Desembargadora Federal Diva Malerbi consignou: “Inicialmente, consigno que as alegações de grave lesão à ordem público-administrativa, ordem econômica e saúde pública devem ser deduzidas em sede própria (suspensão de segurança). No entanto, neste juízo de cognição sumária, verifico presente o periculum in mora reverso à integridade e saúde dos animais, tendo em vista que encontrando-se completamente embarcada a carga viva e impossibilitada a limpeza do navio no porto de Santos, por questões ambientais (para não contaminar a costa brasileira), a permanência no navio aguardando os procedimentos de reversão, que sequer encontram-se programados, provocará maior sofrimento e penoso desgaste aos animais do que o prosseguimento da viagem. Ante o exposto, concedo liminar para o fim específico de determinar o imediato início da viagem do navio MV NADA.” Portanto, nada resta a enfrentar sobre este ponto, sendo a União, quanto a este aspecto, carecedora de interesse processual. No entanto, a decisão liminar do juízo a quo é mais abrangente. Além de proibir a partida do navio e determinar o desembarque do gado, impediu a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo o território nacional, até que o país de destino se comprometa, mediante acordo inter partes, a adotar práticas de abate compatíveis com o preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro e desde que editadas e observadas normas específicas, concretas e verificáveis, por meio de parâmetros clara e precisamente estabelecidos que possam efetivamente conferir condições de manejo e bem estar dos animais transportados (id 1651930). Oportuno frisar, de antemão, que o ordenamento jurídico pátrio não veda o comércio internacional de animais vivos. Ao contrário, há uma série de atos normativos traçando regramentos a respeito do assunto, estabelecidos pelo órgão nacional competente que é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A título exemplificativo, cito a Instrução Normativa nº 13, de 30 de março de 2010, da lavra do Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que aprova o regulamento técnico para exportação de bovinos, búfalos, ovinos e caprinos vivos destinados ao abate. Nela consta: “Art. 2º Será permitido exportar animais vivos que estejam em bom estado de saúde, isentos de ectoparasitos e que procedam de estabelecimentos de criação e de áreas que não estejam sob restrição sanitária devido a doenças transmissíveis que afetam a espécie a ser exportada. Art. 3º Os animais somente poderão ser exportados quando acompanhados de Certificado Zoossanitário Internacional regularmente expedido por Médico Veterinário ocupante do cargo de Fiscal Federal Agropecuário, que atenda aos requisitos constantes das normas vigentes no País e às condições sanitárias requeridas pelo país importador. Parágrafo único. A saída do país somente será autorizada pelos portos, aeroportos e pontos de fronteira devidamente aparelhados e designados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. Art. 4º Os veículos transportadores devem atender aos requisitos para transporte de animais de forma segura e de acordo com os princípios de bem-estar animal, sendo limpos e desinfetados antes do carregamento no estabelecimento de origem e no estabelecimento de pré-embarque, sob a responsabilidade do transportador. Parágrafo único. Será permitido que a limpeza e a desinfecção dos veículos transportadores sejam realizadas em uma única oportunidade, prévia ao primeiro embarque, quando estes forem utilizados exclusivamente para transporte dos animais do mesmo estabelecimento de origem ao estabelecimento de pré-embarque ou do estabelecimento de pré-embarque ao local de saída do país, podendo, a qualquer momento, ser requerida nova higienização destes. Art. 5º Os animais a serem exportados devem ser selecionados em estabelecimentos que cumpram com as normas sanitárias vigentes no País, com atendimento aos requisitos sanitários e de bem-estar animal estabelecidos pelo país importador. Art. 6º Os animais selecionados para exportação devem ser identificados individualmente ou por lote, de forma que possam ser relacionados ao estabelecimento de origem, ou possuir outro tipo de identificação quando o país importador assim o solicitar. Art. 7º Os animais selecionados devem estar adequadamente preparados para o transporte e, adicionalmente, não devem apresentar qualquer condição que possa comprometer a sua saúde e bem-estar no trajeto até o Estabelecimento de Pré-embarque - EPE - e deste até o local de embarque. (...) Art. 27. O transporte marítimo e fluvial deve ser realizado em embarcações que possuam instalações adequadas para alojar a espécie animal exportada e para o seu manejo e sua alimentação, propiciando o bem-estar geral dos mesmos durante a viagem. Art. 28. As embarcações utilizadas para o transporte marítimo ou fluvial deverão estar em bom estado de conservação e manutenção e ser completamente limpas e desinfetadas com produtos aprovados pelo MAPA, antes do embarque dos animais. Art. 29. O transporte marítimo ou fluvial deve ser previamente planejado pelo transportador e pelo exportador e realizado em navios aprovados pela Capitania dos Portos, adequadamente abastecidos de provisões - alimento e água - para a viagem, que tenham habilitação para o transporte de animais, segundo a espécie, e conduzidos de forma a prevenir danos aos animais e minimizar o estresse de viagem, respeitando as normas estabelecidas para o bem-estar animal. Art. 30. O exportador ou importador deverão apresentar ao Serviço ou Unidade de Vigilância Agropecuária do MAPA, no local de saída do país, até três dias antes do embarque, a configuração do navio a ser utilizado na operação, expedida pelo armador, contendo: metragem da embarcação, metragem quadrada de cada deck disponível para carregamento de animais, quantidade de cochos, bebedouros, capacidade de armazenagem de alimentação (em toneladas), capacidade de tanques para água potável, quantidade e capacidade do dessanilizador, número de acionamentos por minuto das turbinas para ventilação e renovação de ar. Parágrafo único. A configuração apresentada servirá de base para estabelecer a quantidade de animais que será embarcada. Art. 31. Animais de diferentes espécies não podem ser transportados no mesmo curral; animais criados em um mesmo estabelecimento devem ser mantidos como um grupo, sempre que possível. Art. 32. Antes do embarque dos animais, com no mínimo três dias de antecedência, o exportador deverá protocolar na unidade local do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento documento com as seguintes informações: I - plano de viagem; II - informação sobre o local, data e hora do embarque; III - previsão de chegada, data e local de desembarque dos animais; IV - número de animais a serem embarcados; e V - a quantidade e o tipo de alimento embarcado e a quantidade de água. Art. 33. Os exportadores e importadores, os proprietários dos animais, os agentes comerciais, as empresas de navegação, os capitães de navios e os administradores das instalações são responsáveis pelo estado geral de saúde dos animais e pela sua aptidão física para a viagem, independentemente de que sejam contratados terceiros para realização de determinados serviços durante o transporte. Art. 34. Os EPEs devem ser construídos, mantidos e utilizados de tal maneira que evitem lesões e sofrimento e garantam a segurança dos animais. Art. 35. O proprietário dos animais ou o exportador deverá disponibilizar pessoal suficiente para realizar as operações de embarque e desembarque rodoviário e para embarque nos navios de transporte. Art. 36. As pessoas encarregadas do manejo dos animais nos navios devem ter experiência no transporte e conhecimento do comportamento animal e dos princípios básicos necessários para o desempenho das suas tarefas, sem utilização de violência ou qualquer método passível de provocar medo, lesões ou sofrimento. Art. 37. Caso ocorram problemas no transporte, devem ser tomadas medidas necessárias para garantir o bem-estar animal. Art. 38. No caso de doença ou traumatismos nos animais durante o transporte, os animais envolvidos devem ser separados dos demais animais e receber tratamento adequado e imediato. Art. 39. Os veículos e navios transportadores de animais devem dispor de instalações que assegurem a proteção dos animais das intempéries, temperaturas extremas e variações meteorológicas desfavoráveis. Art. 40. Os navios devem dispor de fonte de iluminação artificial suficiente para a inspeção e o tratamento dos animais durante a viagem. Art. 41. Os navios devem estar equipados com equipamentos de combate a incêndios. Art. 42. Os animais devem ser transportados em piso que garanta o seu conforto, adaptado à espécie, ao número de animais transportados e à duração da viagem. Art. 43. Os navios devem manter em permanente disponibilidade uma baia hospital em cada deck, específica para separação dos animais que durante o transporte apresentem problemas de saúde. Art. 44. O número de animais a serem abrigados no interior dos veículos de transporte rodoviário e nos navios deverá atender as condições de conforto e bem-estar animal, determinando-se este número em função do espaço disponível, segundo a espécie animal. Art. 45. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento adotará as medidas necessárias para aplicação deste Regulamento em todo o Território Nacional.” Portanto, o transporte internacional de animais vivos é realizado de acordo com as normas editadas pelo Poder Executivo, observando, in casu, os interesses da Administração no comércio exterior e sem deixar de lado o controle da qualidade, da segurança e do bem-estar dos animais. Ao estabelecer parâmetros para o bem-estar dos animais a serem transportados (quantidade de cochos, de bebedouros, de alimentação, além da presença de pessoas com experiência de transporte e de conhecimento de comportamento animal, vedando a utilização de violência ou de método capaz de provocar medo, lesões ou sofrimento), a norma mostra-se em consonância tanto com a legislação interna (Lei nº 9.605/98, que criminaliza o abuso e maus-tratos a animais) quanto com a legislação externa, notadamente a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em Bruxelas, na Bélgica, em 27 de janeiro de 1978. Assim, resta evidente que, ao menos em sede de cognição sumária, própria do momento, não se pode impedir a exportação de animais destinados a abate no exterior, seja pela existência de normas a respeito do tema, seja por se tratar de modelo eleito pelo administrador e sobre o qual não se pode admitir, em princípio, ingerência do Poder Judiciário, sob pena de violar o indispensável e fundamental princípio da separação dos poderes (art. 2º da Carta Magna). A imposição de um modelo diverso daquele eleito pelo Administrador para a exportação de animais vivos, por parte do Poder Judiciário, somente seria admissível em sede de cognição exauriente, ou seja, após ampla instrução, com o esgotamento e análise de todas as provas produzidas, bem como a oitiva de todos os interessados, haja vista as consequências advindas de medida de tamanha envergadura. Em outras palavras, para afastar o modelo escolhido pelos órgãos técnicos da Administração Federal a decisão judicial deve estar robustamente amparada em provas e elementos de convencimento que assegurem que a exportação de animais vivos, na forma como é feita atualmente, causa prejuízo a estes animais. Não obstante, são evidentes os prejuízos a serem suportados pela União, no momento, no caso de manutenção da ordem judicial. De acordo com informações extraídas do site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, “A cada ano, a participação brasileira no comércio internacional vem crescendo, com destaque para a produção de carne bovina, suína e de frango. Segundo o Ministério da Agricultura, até 2020, a expectativa é que a produção nacional de carnes suprirá 44,5% do mercado mundial. Já a carne de frango terá 48,1% das exportações mundiais e a participação de carne suína será de 14,2%. Essas estimativas indicam que o Brasil pode manter posição de primeiro exportador mundial de carnes bovina e de frango” (http://www.agricultura.gov.br/assuntos/sanidade-animal-e-vegetal/saude-animal/exportacao). A exportação de carne bovina, de acordo com o Portal da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, representa relevante percentual das exportações brasileiras, com um faturamento expressivo de cifras bilionárias. Conquanto haja discussão a respeito da viabilidade do negócio chamado de venda de gado em pé – venda de animais vivos –, com alguns empresários do setor dizendo que o produto deixa de agregar valor e empregos no comparativo com as vendas de carnes processadas, não se pode perder de vista que há uma demanda de consumo a ser atendida e que o Brasil possui interesse, normas e regras previamente estabelecidas para atender esta demanda. De acordo com as alegações contidas na exordial, a própria autora da ação civil pública informou que o mercado de animais vivos movimenta valores da ordem de 170 milhões de dólares por ano. Cuida-se de valor significativo, que jamais poderia ser desprezado. Numa época crítica como a atual, com escassez de recursos, abrir mão de tamanha quantia beiraria o escárnio e agravaria ainda mais a crise econômica. Indiretamente, a vedação imposta pelo juízo a quo também provocaria prejuízos ao país, inclusive o impedimento, no que diz respeito aos contratos já existentes, acarretará a incidência de multa, cuja indenização poderá ser de responsabilidade da União. Ademais, os contratos já celebrados para vendas de animais em pé não poderiam ser cumpridos e, com isso, os países compradores seriam obrigados a buscar outros mercados fornecedores. Haveria quebra de confiabilidade no país, que geraria reflexos na perda de mercado e no modelo de negócio internacional. Nesse sentido destaca-se trecho das informações prestadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (id 1652004): “Para estabelecer um comércio internacional livre e transparente, a Organização Mundial do Comércio – OMC, traz alguns princípios básicos que restringem as políticas de comércio exterior dos países, a saber: a não discriminação, a previsibilidade, a concorrência leal, a proibição de restrições quantitativas, o tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento. Os operadores do comércio exterior precisam de previsibilidade de normas e do acesso aos mercados tanto na exportação quanto na importação para poderem desenvolver suas atividades. Para garantir essa previsibilidade, o pilar básico é a consolidação dos compromissos tarifários para bens e das listas de ofertas em serviços, além das disciplinas em outras áreas da OMC, como TRIPS, TRIMS, Barreiras Técnicas (TBT) e SPS (Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias) que visam impedir o uso abusivo dos países para restringir o comércio. O Acordo SPS/OMC não contempla o tema bem-estar animal, que na concepção do global deve ser pautado sempre nas diretrizes e recomendações da Organização Mundial de Saúde Animal - OIE para a sua regulação. Existe clara movimentação direcionada à intensificação da utilização do bem-estar animal como barreira não tarifária aos produtos exportados pelo Brasil e exploração comercial por grupos de interesse, e, para mitigar essa prática, O Brasil participando ativamente na elaboração dos temas relativos ao bem-estar animal e segue as diretrizes da OIE. As diretrizes em vigor são respaldadas por anos de pesquisa técnico-científica e validadas por seus 181 países membros, ou seja, não são pautadas em percepções de cunho ideológico muito comum hoje em alguns setores da sociedade civil organizada. Compete ao país importador avaliar as condições de aceitação da paridade ou equivalência com suas legislações, bem como das regras internacionais. No caso em questão, não foi identificada incompatibilidade com o Acordo TBT/OMC (Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio) e a Turquia, país membro da OMC e da OIE, entende que há equivalência com suas regras internacionais de bem-estar animal cuja referência é a OIE. O Brasil comercializa os animais, sendo que a destinação e tratamentos posteriores em território de outro país devem ser definidas por esses com base em sua soberania e costumes. Os países muçulmanos com quem o Brasil tem comercio aplicam o abate humanitário e zelam dos seus animais, o que pode ser demonstrado pelo documento encaminhado pela própria OIE que se encontra anexo. O impedimento de exportação de animais vivos pode gerar imprevisibilidade no fluxo comercial e promover crise de confiabilidade no comércio internacional pelas exportações realizadas pelo Brasil. A perda de credibilidade pode gerar impactos gerais nas negociações internacionais do Agronegócio em curso para promover a remoção de barreiras relacionadas com abertura, manutenção e ampliação das exportações nesse e em outros países. Além disso, pode gerar instabilidade nas relações internacionais e afetar outros temas, tais como relacionados aos acordos de comércio, reduções tarifarias, cooperação, promoção e atração de investimentos. Não se pode descartar a possibilidade de que prejuízos causados pelas ações do Estado sobre os entes privados acarretem em prejuízos à União em eventuais ações de reparação de perdas e danos pelos entes privados de ambos países. Considerando a possibilidade de reais prejuízos aos importadores, uma vez que o Estado estrangeiro considere inaceitável, não pode ser descartado o desencadeamento de ações de retaliações comerciais a diversos produtos brasileiros que, se aplicadas, podem não ficar caracterizadas como claras e inequívocas. Ou seja, podem desencadear escalada de retaliações disfarçadas com difícil caracterização de nexo causal, o que afetaria as diversas ações ofensivas no comercio internacional do Agronegócio.” É evidente, por conseguinte, o risco de dano à ordem administrativa. Assim, estando convencida de que a liminar deferida pelo douto juízo a quo causará violação aos bens tutelados pela Lei nº 8.437/92, de rigor a sua suspensão. Ante o exposto, constatado carência superveniente em relação a parte do pedido, DETERMINO a suspensão da liminar deferida nos autos do processo nº 5000325-94.2017.403.6135, da 25ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, que impedia a exportação de animais vivos para abate no exterior em todo o território nacional, até o trânsito em julgado da ação civil pública. Comunique-se. Intimem-se. Publique-se. Depois, à Procuradoria Regional da República. Decorrido o prazo legal sem a interposição de recurso, arquive-se. São Paulo, 5 de fevereiro de 2018”. No agravo (Id. 1693677) objeto deste julgamento, interposto pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, aduz-se que o recorrente “é uma organização não governamental que tem como objeto o bem-estar animal e o respeito à sua dignidade”. Que “se insurge contra esse tipo de comércio (EXPORTAÇÃO DE CARGA VIVA), que tem início com a retirada dos animais do pasto onde nasceram e foram criados, sua colocação em caminhões onde farão viagem de aproximadamente 10 horas sem poderem beber ou comer, e depois saem dos caminhões levando choques elétricos até que entrem em suas baias no navio onde deverão permanecer de 15 a 20 dias em um piso duro que lesiona suas patas, em um espaço de 1 metro quadrado, convivendo durante toda a viagem com fezes, vomito e urina que contaminam sua água e ração”. Que “é contra esses maus tratos que ultrapassam as raias do desconforto e entram na seara do crime que levam o autor a socorrer-se do Poder Judiciário”. Que “não tem absolutamente nada contra o agronegócio, que, por sua vez não se confunde com o transporte de animais vivos por navio”. Alega-se que, “Ao tomar como razão de decidir a apresentação feita pelo MAPA, a decisão em comento desconsiderou por completo o bem maior tutelado na decisão exarada pelo Juízo de Direito da 25ª Vara Federal Cível que pugnou pela proibição de exportação de animais vivos em todo o território nacional, que, por sua vez, teve como lastro, laudos de biólogo, veterinárias e de técnicos de sua confiança que realizaram a inspeção judicial no navio em solo brasileiro, onde ficou claro que as condições em que este tipo de transporte é realizada é absolutamente inadequada e gera intensos e inaceitáveis maus tratos aos animais”, e que “A situação de degradação a que são submetidos os animais nesse tipo de comércio é proibitiva, e condenada por todo e qualquer laudo técnico”, servindo-se, a tanto, de estudos desenvolvidos, reproduzidos na peça recursal, relacionados ao transporte de gado por via marítima, incluindo-se “trabalho técnico do biólogo Frank Alarcon”, além do “Relato de Inspeção Técnica” constante do feito originário. Refere-se que, “Se avaliarmos a significância da exportação de carne processada em nosso país, comparativamente com a exportação de animais vivos, de fácil constatação que esta última ocupa uma parcela absolutamente pequena e insignificante no contexto geral, não se justificando os maus tratos a que são submetidos os animais, e o que torna sem sentido o despacho enfrentado quando menciona das consequências de uma proibição desse tipo de atividade”. Aduz-se, em seguida, que “A 2ª Camara de Direito Ambiental do Tribunal de Justiça de São Paulo, com relação ao embarque do navio NADA, determinou a paralisação do embarque e determinou o desembarque dos animais, culminando pena de R$ 5.000.000,00 no caso de descumprimento da decisão, conforme cópia em anexo”, sendo que “Referida Câmara especializada em Direito Ambiental se colocou contrária aos maus tratos impingidos aos animais, determinando, por via de consequência, que a viagem não mais ocorresse” mas “após a instauração do Conflito de Competência, e com a determinação pelo STJ de que a competência daquela situação seria da Justiça Federal, a decisão do TJSP perdeu sua eficácia”. Ainda, argumenta-se que “Expor animal a maus tratos não está em conformidade com nossa ordem jurídica”. Mais, que “Exportar animais vivos, infringe tanto a Legislação Nacional (Constituição Federal, Lei de crimes ambientais), como pacto internacional do qual o Brasil é signatário”. Que “não é coerente que o Brasil se isente de corresponsabilidade na prática de maus tratos ou crueldade contra nossos animais no país de destino, por uma mera questão de costumes”. Em tópico intitulado “DA AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS TENDENTES A SUSPENDER A TUTELA DE URGÊNCIA – FALTA DOS ALEGADOS DANOS À SAÚDE PÚBLICA E À ECONOMIA PÚBLICA”, sustenta-se, in verbis: “De tudo que se escreveu acima, já se pode verificar que não se encontram, nem de longe, presentes os pressupostos autorizadores à suspensão da tutela de urgência. Com efeito, o primeiro e primordial bem jurídico que a tutela deferida pelo Juízo Federal de origem visou proteger – o bem-estar animal – se sobrepõe, em larga escala, a eventuais e não provados danos à economia nacional. Isso porque, há tratados internacionais e leis internas que impõem ao Brasil a não agressão ao meio ambiente. No caso específico dos autos, há prova robusta, isenta e imparcial de que as condições dos animais no referido navio panamenho são deploráveis. Contra fatos não há argumentos. A prova pericial determinada pelo Juízo Federal de origem e transcrita, à saciedade, como razão de decidir não deixa qualquer margem de dúvida no sentido de que há uma tentativa de ludibriar as autoridades sanitárias através de um “showroom” em que os animais estão aparentemente bem tratados. Já nos andares abaixo, as condições dos animais são penosas. Sopesados os bens jurídicos em discussão, por óbvio que o direito ao meio ambiente equilibrado – aqui inserido o bem-estar animal – há de prevalecer. É como se o Estado nacional admitisse a extradição de seres humanos para serem mortos em terras estrangeiras nas quais admitida a pena de morte. Mal comparando, é precisamente isso o que ocorre nos autos, porquanto os animais são embarcados para serem trucidados sem qualquer atenção a princípios internacionalmente assegurados aos animais, como a insensibilização antes do abate. A Turquia, para ficar apenas com um exemplo do destino principal dessas exportações, é uma nação que não respeita quaisquer direitos humanos (sendo conhecidos os ataques bárbaros aos homossexuais e àqueles que se contrapõem ao regime), o que não dizer quanto aos animais que lá desembarcam. São países que não têm qualquer compromisso com direitos humanos ou tratados internacionais. [...] Esse é um aspecto que, por tão óbvio e conhecido, desmerece maiores considerações. No que diz respeito aos danos à economia nacional, trata-se de uma falácia não provada em lugar algum nesses autos. Ao contrário, o dano decorre muito mais da exportação de gado vivo do que da carne processada, essa sim mais próxima à proteção animal, uma vez que controlada por autoridades sanitárias brasileiras e, em tese, protegidos os animais antes do abate. A morte dos animais em solo estrangeiro, como a Turquia por exemplo, é realizada por motivos religiosos, em que os animais são degolados e sangram até a morte. O sofrimento é inenarrável. Não apenas sofrem na locomoção terrestre (das fazendas até o porto), como sofrem ainda mais no longo trajeto até o destino final (como amplamente provado nos autos de primeira instância). Ademais, não vinga o argumento de que há um dano reverso no desembarque dos animais. O argumento é pífio. Isso porque, ao chegarem no destino, necessariamente os animais serão desembarcados. Não há como, portanto, sustentar que se faria necessária uma ampla engenharia para o desembarque, simplesmente porque esse seria o fim dos animais: o desembarque em terras estrangeiras. O que não se diz na inicial é que, já em terras estrangeiras, os animais serão desembarcados sem qualquer atenção aos seus direitos básicos, como já mostrou o laudo feito pela Animals International. O que se tem nos autos é uma vergonhosa defesa de direitos econômicos de alguns produtores rurais, secundado por um governo que, para conseguir levar adiante sua pauta econômica e política, precisa de apoio da bancada ruralista, custe o que custar. Essa é a pura verdade dos autos. [...] Já se afirmou e provou acima que a proporção da exportação de gado vivo é insignificante frente à exportação de carne processada. A economia nacional não será nem um pouco prejudicada pela proibição determinada pela decisão de origem. Pelo contrário. Além disso, insista-se no ponto: o bem jurídico que a decisão judicial protegeu vale infinitamente mais do que qualquer outro que porventura esteja em discussão pela Advocacia Geral da União. Os animais possuem direitos inalienáveis, todos eles severamente prejudicados por essa tenebrosa e inacreditável exportação de gado vivo. É totalmente inaceitável que, em pleno Século XXI, se esteja tratando de um tema dessa natureza. A exportação de gado vivo coloca o Brasil na condição de violador de direitos básicos dos animais, tudo isso através de uma prática que países mais avançados já aboliram há décadas ou nunca o adotaram. O Brasil está na contramão da história. O próprio relato feito pela AGU mostra que os danos provocados aos animais são irreversíveis. É a inicial do pedido de suspensão que alude à disseminação de doenças pela contaminação dos animais. Como sustentar, então, que não existe risco à saúde pública? Há clara contradição na petição inicial. Mais do que isso, a petição inicial joga argumentos ao léu, mas não prova suas afirmações. Não contrapõe o laudo pericial realizado pela médica veterinária indicada pelo Juízo Federal de origem. A inicial se limita a citar “laudos” de duas páginas de órgãos governamentais que, se sopesados com o laudo oficial do juízo (todo ele instruído com fotos de absoluta contundência), caem totalmente por terra. Não é possível, por fim, admitir a exportação de animais vivos para países sem qualquer tradição democrática e que desrespeitam direitos básicos de seus cidadãos. Um país que é acusado reiteradamente de dizimar os rebeldes curdos (e, entre eles, milhares de civis sem qualquer relação com os curdos) não tem credibilidade de ofertar tratamento digno à animais!!!” Ante o exposto, requer-se “a remessa dos autos para o Colendo Órgão Especial para julgamento e consequente PROVIMENTO DO RECURSO para a imediata revalidação da bem lançada liminar emanada pelo Juízo de Direito da 25ª Vara da Seção Judiciária da Capital, para proibir doravante a exportação de animais vivos de todos os portos do território Nacional, expedindo-se ofício ao MINISTRO DOS TRANSPORTES, PORTOS E AVIAÇÃO CIVIL, NO EMAIL MAURICIO.QUINTELLA@TRANSPORTES.GOV.BR, BEM COMO, AO SECRETÁRIO NACIONAL DA SECRETARIA NACIONAL DE PORTOS LUIZ.OTAVIO@TRANSPORTES.GOV.BR , para que tomem ciência de referida decisão, e possam diante dos postos que ocupam na administração pública federal, responder pela obrigação de dar cumprimento à referida decisão não deixando nenhum porto do país sem ter ciência do que aqui ficou decidido”. Juntadas contrarrazões pela União Federal (Id. 2061789). Parecer da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (Id. 2814808), no sentido do “provimento do agravo interno, requerendo, desde já, a prioridade para inclusão em pauta de julgamento no Eg. Órgão Especial”. Incluído o feito na pauta da sessão virtual programada para 11 de julho do corrente ano, a pedido da parte agravante (Id. 3457620) restou deferido o adiamento do julgamento do recurso em questão para a próxima sessão presencial do Órgão Especial, nos termos do art. 4º, caput e inciso I, da Portaria PRES nº 938/2017 (Id. 3460721). Também, inserida cópia do processado sob registro nº 5003695-22.2018.4.03.0000, após encaminhamento à Presidência pelo Relator originário, nos seguintes termos (Id. 3518931): “Tendo em vista a informação de ID 3466515, dando conta de que o presente feito foi autuado na classe processual Agravo de Instrumento, quando se trata, de fato, de Agravo Regimental contra decisão proferida pela e. Desembargadora Federal Presidente, nos autos da Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela de n.º 5001511-93.2018.403.0000, encaminhe-se cópia do presente arquivo à Presidência desta Corte, para as providências cabíveis, dando-se baixa na Distribuição do agravo de instrumento.” Por fim, promovida a juntada, pelo recorrente, de “MEMORIAL PARA JULGAMENTO DO DIA 8/8/18” (Id. 3551651). É o relatório. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região
SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5001511-93.2018.4.03.0000 RELATOR: Gab. Presidência REQUERENTE: UNIAO FEDERAL REQUERIDO: JUÍZO FEDERAL DA 25ª VARA CÍVEL DE SÃO PAULO SP, FORUM NACIONAL DE PROTECAO E DEFESA ANIMAL Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279 V O T O A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA, Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Relatora). De saída, no que concerne à reprodução do feito de reg. nº 5003695-22.2018.4.03.0000, aqui inserida sob Id. 3518931, tratando-se de recurso distribuído livremente pela parte, por equívoco, como agravo de instrumento, e que veio aos presentes autos apenas em 12.7.2018 – muito depois, portanto, que o regimental sob análise restasse processado –, fica prejudicada a análise correspondente, nada havendo que se decidir a esse respeito A suspensão da eficácia de provimentos jurisdicionais por ato da Presidência do respectivo Tribunal é “prerrogativa legalmente disponibilizada ao Poder Público, dentre outros legitimados, em defesa do interesse público, toda vez que se vislumbre, concretamente, perigo de grave lesão aos valores atinentes à ordem, à economia, a saúde ou à segurança públicas”, objetivando “a suspensão da eficácia das liminares e das sentenças proferidas contra entidades públicas e privadas que desempenham de alguma forma função pública” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, p. 35). Trata-se de regime jurídico constituído a partir da subsistência de dispositivos legais que regulam as distintas situações nas quais o manejo do pedido de suspensão mostra-se cabível, sendo adequada a menção, a esse respeito, ao que dispõem os artigos 15, da Lei nº 12.016/09, 25, da Lei nº 8.038/1990, 4º, da Lei nº 8.437/1992, 12, da Lei nº 7.347/1985, 1º, da Lei nº 9.494/1997, e 16, da Lei nº 9.507/1997 – respectivamente aplicáveis ao mandado de segurança, em primeiro e segundo grau de jurisdição, às medidas cautelares contra o Poder Público, à ação civil pública, à tutela antecipada contra a Fazenda Pública e ao habeas data: “Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição. § 1o Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. § 2o É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1o deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. § 3o A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o poder público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. § 4o O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. § 5o As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original” “Art. 25 - Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. § 1º - O Presidente pode ouvir o impetrante, em cinco dias, e o Procurador-Geral quando não for o requerente, em igual prazo. § 2º - Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental. § 3º - A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito, se a decisão concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou transitar em julgado” “Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. § 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado. § 2o O Presidente do Tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em setenta e duas horas. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001) § 3o Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001) § 4o Se do julgamento do agravo de que trata o § 3o resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001) § 5o É cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 4o, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001) § 6o A interposição do agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001) § 7o O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar, se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001) § 8o As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001) § 9o A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal. (Incluído pela Medida Provisória nº 2,180-35, de 2001)” “Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. § 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato. § 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento” “Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992.” “Art. 16. Quando o habeas data for concedido e o Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo para o Tribunal a que presida” Sob a ótica da doutrina moderna, sem que se cogite existir “tratamento distinto dos regimes de suspensão dos provimentos das ações de mandado de segurança e das demais ações movidas contra o Poder Público”, vislumbra-se “indiscutível uniformidade procedimental quanto aos pedidos de suspensão de provimentos contrários ao interesse público”, “compreendida a existência de um verdadeiro microssistema legal que rege os pedidos de suspensão”, ausente “sentido em continuar a buscar distinção das hipóteses de cabimento a partir do tipo de processo em que incidem os pedidos, ou mesmo a partir da espécie de decisão cuja eficácia se deseja sustar” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, pp. 35 e 373). Nesse âmbito, exsurge comum às modalidades sob análise, consoante jurisprudência de há muito consolidada neste sentido, a constatação de que “o pedido de suspensão não possui natureza de recurso, ou seja, não propicia a devolução do conhecimento da matéria para eventual reforma”, tratando-se, assim, de “um instrumento processual de cunho eminentemente cautelar, que tem por finalidade a obtenção de providência absolutamente drástica, excepcional e provisória”, “restringindo-se à comprovação de seus pressupostos e sem adentrar no efetivo exame do mérito da causa principal, cuja competência cabe tão-somente às instâncias ordinárias” (STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 201/MA, rel. Ministro Edson Vidigal, 10.4.2006). No caso dos autos, cinge-se a controvérsia, trazida ao colegiado pela via do agravo, à existência de motivos ensejadores da suspensão de eficácia de decisão jurisdicional, em hipótese em que determinados tanto a sustação da exportação de animais vivos para o abate no exterior em todo o território nacional, quanto o desembarque e consequente retorno ao local de origem de animais alojados no denominado “NAVIO NADA”. Em síntese, deferido o mencionado pleito liminar, nos termos acima resumidos, sobreveio pedido de suspensão de sua eficácia, cujo acolhimento, em decisão da Presidência deste Tribunal, na parte em “que impedia a exportação de animais vivos para abate no exterior em todo o território nacional”, ensejou a interposição de recurso que, regularmente processado, submete-se à análise deste colegiado. De saída, cumpre logo esclarecer que, apesar de na decisão proferida pelo juízo a quo terem constado provimentos jurisdicionais sob duas vertentes – quais sejam, para “IMPEDIR a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo território nacional”, e para determinar o “DESEMBARQUE e RETORNO à origem, mediante plano a ser estabelecido pelo MAPA e operacionalizado pelo exportador, sob fiscalização das autoridades sanitárias, de todos os animais embarcados no NAVIO NADA” (Id. 1651930) –, restringe-se o presente exame ao primeiro desses pontos, uma vez que a ele limitada a deliberação ora impugnada, sob os seguintes fundamentos à ocasião conferidos pela Senhora Presidente, Desembargadora Federal Cecília Marcondes: “Primeiramente observo que a questão referente à permissão para início da viagem do navio MV NADA com a carga de animais vivos encontra-se prejudicada porque alcançada por meio de liminar deferida nos autos do agravo de instrumento nº 5001513-63.2018.4.03.0000. Nestes autos, em sede de plantão judiciário, a eminente Desembargadora Federal Diva Malerbi consignou: ‘Inicialmente, consigno que as alegações de grave lesão à ordem público-administrativa, ordem econômica e saúde pública devem ser deduzidas em sede própria (suspensão de segurança). No entanto, neste juízo de cognição sumária, verifico presente o periculum in mora reverso à integridade e saúde dos animais, tendo em vista que encontrando-se completamente embarcada a carga viva e impossibilitada a limpeza do navio no porto de Santos, por questões ambientais (para não contaminar a costa brasileira), a permanência no navio aguardando os procedimentos de reversão, que sequer encontram-se programados, provocará maior sofrimento e penoso desgaste aos animais do que o prosseguimento da viagem. Ante o exposto, concedo liminar para o fim específico de determinar o imediato início da viagem do navio MV NADA.’ Portanto, nada resta a enfrentar sobre este ponto, sendo a União, quanto a este aspecto, carecedora de interesse processual” Logo, a questão da liberação do navio para zarpar, a que se fez menção acima, não se coloca na avaliação da insurgência apresentada neste julgamento. De ver que, em manifestação anterior à prolação do decisum neste pedido de suspensão, e após promover “a juntada da decisão (anexa), proferida no âmbito do agravo de instrumento nº 5001513-63.2018.4.03.0000, que concedeu a liminar para determinar o imediato início da viagem do navio MV NADA”, a própria União Federal delimitou remanescer seu interesse “para suspender a proibição de exportação de animais vivos para abate no exterior (em todo território nacional), uma vez que nítido o grave risco de dano à economia, dentre outros aspectos já apontados na inicial”. Assim, já na decisão ora atacada, o encaminhamento levado a efeito deu-se sob a perspectiva da carência superveniente, ante a autorização de saída da embarcação dada no curso de agravo de instrumento neste Tribunal, que não restou atingida, pois, pela decisão da Presidência, nem sequer existiu, por parte de quaisquer dos interessados, abordagem recursal específica a esse propósito. Ainda previamente ao exame do mérito propriamente dito – e tendo a questão sido pontuada por ocasião da Petição de Id. nº 1653197, supra, em que constante manifestação no sentido de que “persiste o interesse da União” no prosseguimento do feito –, não se diga ser caso de incidência, na hipótese sob verificação, de precedentes existentes tanto em Tribunal Superior, quanto nesta Corte Regional mesmo, de que o julgamento de agravo de instrumento que impugna provimento liminar enseja a prejudicialidade do pedido de suspensão, ante o efeito substitutivo do recurso (art. 1.008, do CPC). Vejam-se, a propósito: "AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO (CF, ART. 105, I, f). USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE TUTELA ANTECIPADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO. EFEITO SUBSTITUTIVO DO RECURSO. ESGOTAMENTO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. EMERGÊNCIA DA COMPETÊNCIA DO STJ. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. Em virtude do efeito substitutivo (CPC, art. 512), uma vez julgado o mérito do recurso pelo Tribunal a quo, o decisum dali decorrente, no que tiver sido objeto do apelo, substitui a decisão recorrida, ainda que a pretensão recursal não tenha sido acolhida. 2. Da interpretação sistemática do art. 4º, §§ 4º, 5º e 6º da Lei 8.437/92, do art. 25 da Lei 8.038/90 e do art. 1º da Lei 9.494/97, tem-se que o julgamento colegiado do agravo de instrumento manejado contra a decisão que deferiu liminar ou tutela antecipada, com o exaurimento da instância ordinária, faz cessar a competência da Presidência do Tribunal de Justiça e inaugura a do Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Corte competente para conhecer de eventual recurso especial, para o processamento e julgamento de pedido de suspensão da execução da liminar ou da tutela antecipada. 3. Comprovada a usurpação da competência desta Corte Superior, dá-se provimento ao presente agravo interno, para julgar procedente a reclamação, cassando-se a decisão reclamada” (STJ, Corte Especial, AgRg na Rcl 6953/BA, rel. Ministro Raul Araújo, 11.12.2014) "AGRAVO REGIMENTAL - SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - AGRAVO DE INSTRUMENTO - JULGAMENTO - PREJUDICIALIDADE - AGRAVO IMPROVIDO. 1. Suspensão de segurança e agravo regimental julgados prejudicados. 2. Interposição de novo agravo regimental. 3. Efeito substitutivo do recurso (artigo 512, do CPC). 4. O julgamento do agravo de instrumento interposto contra a liminar ou antecipação de tutela enseja a perda de objeto do pedido de suspensão. 5. Precedentes do STJ e desta Corte Regional. 6. Agravo regimental improvido." (TRF3, Órgão Especial, Processo nº 0018314-18.2013.4.03.0000, Órgão Especial, rel. Desembargador Federal Presidente, 25.2.2016) Isso porque, consoante busca nos sistemas de tramitação processual do Tribunal, à luz das informações existentes nos autos, subsistem cinco agravos de instrumento em trâmite nesta Corte e vinculados à Ação Civil Pública nº 5000325-94.2017.4.03.6135 – nenhum dos quais, entretanto, ensejador de enquadramento semelhante ao observado nos precedentes: - Agravo de Instrumento nº 5001513-63.2018.4.03.0000, sob relatoria do Desembargador Federal Mairan Maia e interposto pela União em face da decisão liminar aqui sob crivo, em que sobreveio – como relata a requerente – decisão liminar, prolatada em sede de plantão pela Desembargadora Federal Diva Malerbi, que suspendeu os efeitos do decisum a quo apenas quanto à necessidade de início imediato da viagem do navio MV NADA (Id. 1652282). Confira-se: “D E C I S Ã O Vistos em regime de Plantão Judiciário, às 19:50hs. Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela UNIAO FEDERAL em face da decisão proferida pelo MM. Juízo da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo que, em ação civil pública ajuizada por FORUM NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA ANIMAL, deferiu o pedido liminar “para IMPEDIR a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo território nacional, até que o país de destino se comprometa, mediante acordo inter partes, a adotar práticas de abate compatíveis com o preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro e desde que editadas e observadas normas específicas, concretas e verificáveis, por meio de parâmetros clara e precisamente estabelecidos, os quais possam efetivamente conferir condições de manejo e bem estar dos animais transportados”, bem como em consequência, determinou “o DESEMBARQUE e RETORNO à origem, mediante plano a ser estabelecido pelo MAPA e operacionalizado pelo exportador, sob fiscalização das autoridades sanitárias, de todos os animais embarcados no NAVIO NADA, cuja embarcação somente poderá prosseguir viagem depois de completamente livre de animais vivos.” Sustenta o agravante, em síntese, a aplicação do art. 16 da Lei nº 7.347/85, uma vez que a decisão em questão foi proferida por um magistrado pertencente ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e os efeitos de eventual decisão não pode abranger todo o território nacional, mas devem se estender somente por toda a área de abrangência jurisdicional do TRF 3ª Região. Aduz que a decisão agravada enseja grave risco de lesão à agropecuária nacional ao suspender liminarmente a partida de um navio carregado com mais de vinte e cinco mil gados vivos, determinando, outrossim, o imediato e completo desembarque do navio, com o retorno dos animais às fazendas de origem. Alega que o desembarque dos mais de vinte e cinco mil bovinos com idade inferior a 12 meses, embarcados no navio específico para o transporte de bois denominado MV NADA, atracado no cais do Porto de Santos, poderá submeter a agropecuária nacional a risco, pois trata-se a embarcação de continente autônomo de acordo com a leis internacionais da navegação marítima, quando em águas internacionais. Esclarece que o navio MV NADA tem condições de se submeter ao transporte internacional de animais de interesse pecuário por inúmeros países, constituindo um continente de alta movimentação de animais de diferentes origens, status sanitários, sistemas produtivos. Ressalta que cabe integralmente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento calcular o risco sanitário atribuível ao trânsito internacional de animais de interesse agropecuário. Informa que o navio cujos animais estão alojados é considerado um fator potencial de risco à introdução de diversos agentes patógenos de difícil mensuração, razão pela qual todos os produtos, alimentos e equipamentos não são autorizados a adentrarem em território nacional. Afirma que caso estes animais, que hoje já se encontram a bordo, retornem ao território nacional, haveria um risco potencial de disseminação de sementes de plantas daninhas não existentes no Brasil através de seu esterco. Sustenta a existência de risco de grave lesão à ordem público-administrativa, pois toda a operação de transporte e embarque dos mais de vinte e cinco animais no navio é prevista e estruturada apenas para o embarque e não para o desembarque em território nacional e retorno dos animais às fazendas de origem. Explica que nos Subsídios do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, fixar uma logística e procedimento para o desembarque dos animais e para o retorno deles às fazendas de origem demandaria uma operação de cerca de 30 (trinta) dias. Destaca, ainda, o grave risco de dano à saúde pública, com esses mais de vinte e cinco mil animais no cais do Porto de Santos, tendo em vista a ordem de imediato desembarque, aguardando toda a operação de retorno dos mesmos às fazendas de origem, sendo que o retorno dos animais aos locais de origem irá demandar um prazo estimado de 30 dias. Alega que a decisão agravada causa risco de dano reverso aos próprios animais ao simplesmente impedir o início da viagem do navio MV NADA, mantendo-os no aguardo do início da viagem e com a possibilidade de se efetivar o desembarque e o retorno às fazendas de origem, como todo o desgaste decorrente, tanto pela demora como pelas condições em que se dará tal retorno. Aduz que o aguardo no Porto de Santos, com a viagem impedida de se iniciar por ordem judicial, mostra-se muito mais penoso e desgastante para os animais do que a viagem em si, uma vez que o navio não pode ser limpo na costa brasileira (Porto de Santos), por questões ambientais (para não contaminar a costa brasileira), sendo certo que ele somente pode ser limpo, com as fezes dos animais retiradas do navio em alto mar, com a utilização de equipamento específico que utiliza água do próprio mar para a limpeza do navio. Afirma que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, por meio de sua equipe de fiscalização, realizou inspeção no navio em tela e identificou que são regulares as condições para prosseguir viagem, conforme o Relatório de Atividades do Serviço de Vigilância Agropecuária do Porto de Santos, emitido em 01 de fevereiro último. Ressalta que foram constatadas condições regulares para o embarque dos animais, nos termos dos regramentos que disciplinam as condições para o transporte de animais (Instrução Normativa n.º13, de 30 de março de 2010, Instrução Normativa n.º 36, de 30 de março de 2006, e Instrução Normativa n.º 39, de 27 de novembro de 2017, todas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA. Assinala, ainda, que os navios que transportam bovinos não operam somente no Brasil, e sim realizam viagens transcontinentais prestando o serviço de transporte de “cargas vivas”, sendo certo que a peculiaridade desta atividade obriga que essas embarcações marítimas atendam a rígidos protocolos internacionais que permitam que esses animais sejam transportados de forma segura, e sejam desembarcados em boas condições físicas gozando de plena saúde. Frisa que a legislação brasileira permite o abate de animais de acordo com preceitos religiosos, bem como a realização de abates religiosos no Brasil é autorizada e realizada sob acompanhamento da autoridade sanitária oficial e de membros da comunidade religiosa. Menciona que existe previsão legal no Brasil para o abate de animais respeitando-se preceitos religiosos, definida no Decreto 9013, de 29 de março de 2017, que regulamenta as Leis 7889/89 e 1283/50, e dessa forma, a realização de abates religiosos no Brasil é autorizada e realizada sob acompanhamento da autoridade sanitária oficial e de membros da comunidade religiosa. Reafirma que o impacto econômico direto e imediato da decisão ora atacada é evidente, e em sendo mantida a decisão, os impactos econômicos no comércio internacional e na balança comercial brasileiros serão enormes e imediatos, agravando ainda mais a crise econômica pela qual o país atravessa atualmente. Alega que, caso mantida a liminar, todos os contratos internacionais brasileiros serão afetados e com isso, os agentes internacionais imediatamente buscarão outros mercados fornecedores para abastecerem os importadores, causando séria lesão à economia nacional, bem como o Brasil sofrerá enorme perda de confiabilidade e credibilidade internacionais. Por fim, salienta que o Brasil é um país de vanguarda na coerção às práticas de maus tratos aos animais, e sua legislação neste tema teve início com o Decreto nº 24.645 de julho de 1934, que estabelece medidas de proteção animal. Informa que todas as exportações de animais, inclusive as da espécie bovino, são objeto da fiscalização feita pelos Auditores Fiscais Agropecuários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - AFFA´s/MAPA, a fim de assegurar que os animais destinados ao comércio internacional sejam transportados em bom estado de saúde, procedam de estabelecimentos de criação e de áreas que não estejam sob restrição sanitária e atendam aos requisitos sanitários específicos acordados com os Serviços Veterinários Oficiais dos países importadores. Requer nos termos do artigo 1019, I, do Código de Processo Civil, “com vista à IMEDIATA SUSPENSÃO da r. decisão proferida pelo MM. Juízo Federal da 25ª Vara Federal Cível de São Paulo, em sede da ação civil pública n° 5000325-94.2017.403.6135, para o afastamento da proibição de exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo o território nacional.” Pugna, ainda, pela concessão de efeito suspensivo “para sustar a r. decisão de primeira instância que impede com que o navio MV NADA inicie sua viagem, já estando devidamente carregado com mais de vinte e cinco mil animais vivos (gados) com destino à Turquia, suspendendo, ainda, a determinação de desembarque de tal contingente de animais no Porto de Santos e o retorno dos mesmos aos locais de origem.” É o relatório. Decido. Nos termos do artigo 1.019, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015, o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, mediante a constatação da presença dos requisitos previstos nos artigos 300 e 995, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 2015. Assim, a possibilidade de suspensão da eficácia da decisão recorrida poderá ser deferida pelo relator do agravo de instrumento, com fulcro no comando do parágrafo único do artigo 995 do CPC de 2015, se verificado que "da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso". Na mesma senda, caberá a concessão de tutela de urgência em sede recursal, a teor do artigo 300 da lei processual, "quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo". Inicialmente, consigno que as alegações de grave lesão à ordem público-administrativa, ordem econômica e saúde pública devem ser deduzidas em sede própria (suspensão de segurança). No entanto, neste juízo de cognição sumária, verifico presente o periculum in mora reverso à integridade e saúde dos animais, tendo em vista que encontrando-se completamente embarcada a carga viva e impossibilitada a limpeza do navio no porto de Santos, por questões ambientais (para não contaminar a costa brasileira), a permanência no navio aguardando os procedimentos de reversão, que sequer encontram-se programados, provocará maior sofrimento e penoso desgaste aos animais do que o prosseguimento da viagem. Ante o exposto, concedo liminar para o fim específico de determinar o imediato início da viagem do navio MV NADA. Comunique-se e intime-se com urgência. São Paulo, 4 de fevereiro de 2018” Em seguida, o aludido provimento liminar foi ratificado pelo relator do feito (Id. 1986063), nos termos abaixo consignados, ausentes ulteriores desenvolvimentos decisórios a esse respeito: “ D E S P A C H O Recebido o feito mediante redistribuição por sucessão em 01 de março de 2018. Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela União Federal em face de decisão que deferiu pedido de tutela de urgência em ação civil pública ajuizada com o fim de obter "provimento jurisdicional que impeça imediatamente a exportação de gado vivo, até que sejam adotadas medidas efetivas para garantir o bem-estar dos animais não só durante a viagem, como também para que o abate nos países destinatários seja o chamado abate humanitário." (ID 1652242) Em sede de plantão judiciário, o e. Des. Fed. Fábio Prieto deferiu a liminar pleiteada "para o fim específico de determinar o imediato início da viagem do navio MV NADA" com destino à Turquia (ID 1652282). Os autos foram distribuídos livremente à relatoria da e. Des. Fed. Diva Malerbi, tendo sido posteriormente encaminhados à relatoria do e. Des. Fed. Nery Júnior, a quem sucedi nesta E. 3ª Turma, em razão da anterior distribuição dos agravos de instrumento nºs 5001499-79.2018.4.03.0000 e 5001507-56.2018.4.03.0000, com origem na mesma ação civil pública (certidão ID 1652559). É o relatório. DECIDO. Ratifico a decisão proferida em plantão judiciário (ID 1652282). Outrossim, determino a intimação da parte contrária para, nos termos do art. 1.019, II, apresentar sua resposta ao presente agravo de instrumento. Intimem-se. São Paulo, 5 de abril de 2018” - Agravo de Instrumento nº 5008482-94.2018.4.03.0000, sob relatoria do Desembargador Federal Mairan Maia e interposto pela Associação Brasileira dos Exportadores de Animais Vivos – ABREAV, que diz respeito, nos termos da inicial, à decisão que “inadmitiu a intervenção da ora Agravante na lide na condição de Assistente da União Federal, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 25ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo nos autos da Ação Civil Pública (‘ACP’) nº 5000325-94.2017.4.03.6135” (Id. 2390801) – referente, portanto, a aspecto distinto daquele aqui tratado e no qual não há provimento jurisdicional decisório. - Agravo de Instrumento nº 5004527-55.2018.4.03.0000, sob relatoria do Desembargador Federal Mairan Maia e interposto pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, em que se requer “seja permitido o ingresso da CNA no feito [de nº 5000325-94.2017.4.03.6135], como Assistente” (Id. 1843996), que também tem como cerne questão distinta da que é objeto deste pedido de suspensão. - Agravo de Instrumento nº 5001507-56.2018.4.03.0000, em que consta homologação de desistência do recurso, ausentes consequências jurisdicionais em sua interposição. - Agravo de Instrumento nº 5001499-79.2018.4.03.0000, em que também consta homologação de desistência do recurso, ausentes, portanto, consequências jurisdicionais em sua interposição. - Agravo de Instrumento nº 5003695-22.2018.4.03.0000, não propriamente vinculado à Ação Civil Pública subjacente, mas a esta suspensão, e cujas cópias se encontram aqui acostadas, ante o equívoco na distribuição, ausentes, também, implicações advindas do manejo do instrumento recursal. Difere, portanto, a situação sob análise dos paradigmas em que reconhecida a prejudicialidade da suspensão de decisão, sobretudo porque não adveio, em relação a quaisquer dos recursos – de nºs 50001513-63.2018.4.03.0000, 5008482-94.2018.4.03.0000, 5004527-55.2018.4.03.0000, 5001507-56.2018.4.03.0000, 5001499-79.2018.4.03.0000 e 5003695-22.2018.4.03.0000 –, efetivo julgamento das impugnações correspondentes, sendo de rigor o prosseguimento na análise recursal propriamente dita. Conhecido, portanto, o agravo, no mérito a insurgência comporta parcial provimento, apenas no tocante à extensão dos efeitos da decisão suspensiva, que devem vigorar até a existência de pronunciamento colegiado neste Tribunal a respeito da questão trazida a juízo. Sob verificação, segundo acima delimitado, se a proibição à exportação de animais vivos para o abate no exterior, nos termos em que materializada a decisão proferida pelo juízo da 25ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo na Ação Civil Pública nº 5000325-94.2017.4.03.6135, representa medida cuja eficácia ocasiona prejuízos à ordem e à economia públicas, a ponto de justificar sua tutela pela presente via suspensiva. O que aqui se veio a questionar, conforme trazido pelo ente público envolvido, não é propriamente o cabimento da medida judicial que deferiu a liminar. Nem ao menos, se ela se apresenta adequada, à vista dos indicativos colacionados aos autos, até mesmo no que toca aos elementos técnicos inseridos pela associação agravante e às constatações produzidas no juízo a quo, que tiveram “como lastro, laudos de biólogo, veterinárias e de técnicos de sua confiança que realizaram a inspeção judicial no navio em solo brasileiro, onde ficou claro que as condições em que este tipo de transporte é realizada é absolutamente inadequada e gera intensos e inaceitáveis maus tratos aos animais”. Ou mesmo adentrar na discussão, presente inclusive no parecer do Ministério Público Federal, relativa ao reconhecimento da condição de sujeito a animais não humanos. Por tal motivo, considerações atinentes às questões de fundo, que têm curso com o objeto da lide, não se colocam nesta sede, a qual não comporta avaliações como a que, conforme anotado na argumentação sistematizada na peça recursal, levou a Câmara de Direito Ambiental do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, enquanto não definida pelo Superior Tribunal de Justiça a competência na hipótese, a determinar a não realização da viagem, com o consequente desembarque dos animais. Dito de outra forma: a análise que se faz, no âmbito desta medida suspensiva, não diz respeito à qualidade jurídica dos argumentos lançados na decisão de primeiro grau, mas sim aos impactos dela decorrentes, para os valores legislativamente tutelados, a título de exemplo, no art. 12, § 1º, da Lei nº 7.347/1985, que oferece resguardo “à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública”. É nesse ponto específico, no que concerne, primeiro, à ordem econômica, que se verificam hígidas as razões explicitadas na decisão que deferiu a suspensão dos efeitos do provimento liminar (Id. 1659094): “Não obstante, são evidentes os prejuízos a serem suportados pela União, no momento, no caso de manutenção da ordem judicial. De acordo com informações extraídas do site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, “A cada ano, a participação brasileira no comércio internacional vem crescendo, com destaque para a produção de carne bovina, suína e de frango. Segundo o Ministério da Agricultura, até 2020, a expectativa é que a produção nacional de carnes suprirá 44,5% do mercado mundial. Já a carne de frango terá 48,1% das exportações mundiais e a participação de carne suína será de 14,2%. Essas estimativas indicam que o Brasil pode manter posição de primeiro exportador mundial de carnes bovina e de frango” (http://www.agricultura.gov.br/assuntos/sanidade-animal-e-vegetal/saude-animal/exportacao). A exportação de carne bovina, de acordo com o Portal da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, representa relevante percentual das exportações brasileiras, com um faturamento expressivo de cifras bilionárias. Conquanto haja discussão a respeito da viabilidade do negócio chamado de venda de gado em pé – venda de animais vivos –, com alguns empresários do setor dizendo que o produto deixa de agregar valor e empregos no comparativo com as vendas de carnes processadas, não se pode perder de vista que há uma demanda de consumo a ser atendida e que o Brasil possui interesse, normas e regras previamente estabelecidas para atender esta demanda. De acordo com as alegações contidas na exordial, a própria autora da ação civil pública informou que o mercado de animais vivos movimenta valores da ordem de 170 milhões de dólares por ano. Cuida-se de valor significativo, que jamais poderia ser desprezado. Numa época crítica como a atual, com escassez de recursos, abrir mão de tamanha quantia beiraria o escárnio e agravaria ainda mais a crise econômica. Indiretamente, a vedação imposta pelo juízo a quo também provocaria prejuízos ao país, inclusive o impedimento, no que diz respeito aos contratos já existentes, acarretará a incidência de multa, cuja indenização poderá ser de responsabilidade da União. Ademais, os contratos já celebrados para vendas de animais em pé não poderiam ser cumpridos e, com isso, os países compradores seriam obrigados a buscar outros mercados fornecedores. Haveria quebra de confiabilidade no país, que geraria reflexos na perda de mercado e no modelo de negócio internacional. Nesse sentido destaca-se trecho das informações prestadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (id 1652004): “Para estabelecer um comércio internacional livre e transparente, a Organização Mundial do Comércio – OMC, traz alguns princípios básicos que restringem as políticas de comércio exterior dos países, a saber: a não discriminação, a previsibilidade, a concorrência leal, a proibição de restrições quantitativas, o tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento. Os operadores do comércio exterior precisam de previsibilidade de normas e do acesso aos mercados tanto na exportação quanto na importação para poderem desenvolver suas atividades. Para garantir essa previsibilidade, o pilar básico é a consolidação dos compromissos tarifários para bens e das listas de ofertas em serviços, além das disciplinas em outras áreas da OMC, como TRIPS, TRIMS, Barreiras Técnicas (TBT) e SPS (Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias) que visam impedir o uso abusivo dos países para restringir o comércio. O Acordo SPS/OMC não contempla o tema bem-estar animal, que na concepção do global deve ser pautado sempre nas diretrizes e recomendações da Organização Mundial de Saúde Animal - OIE para a sua regulação. Existe clara movimentação direcionada à intensificação da utilização do bem-estar animal como barreira não tarifária aos produtos exportados pelo Brasil e exploração comercial por grupos de interesse, e, para mitigar essa prática, O Brasil participando ativamente na elaboração dos temas relativos ao bem-estar animal e segue as diretrizes da OIE. As diretrizes em vigor são respaldadas por anos de pesquisa técnico-científica e validadas por seus 181 países membros, ou seja, não são pautadas em percepções de cunho ideológico muito comum hoje em alguns setores da sociedade civil organizada. Compete ao país importador avaliar as condições de aceitação da paridade ou equivalência com suas legislações, bem como das regras internacionais. No caso em questão, não foi identificada incompatibilidade com o Acordo TBT/OMC (Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio) e a Turquia, país membro da OMC e da OIE, entende que há equivalência com suas regras internacionais de bem-estar animal cuja referência é a OIE. O Brasil comercializa os animais, sendo que a destinação e tratamentos posteriores em território de outro país devem ser definidas por esses com base em sua soberania e costumes. Os países muçulmanos com quem o Brasil tem comercio aplicam o abate humanitário e zelam dos seus animais, o que pode ser demonstrado pelo documento encaminhado pela própria OIE que se encontra anexo. O impedimento de exportação de animais vivos pode gerar imprevisibilidade no fluxo comercial e promover crise de confiabilidade no comércio internacional pelas exportações realizadas pelo Brasil. A perda de credibilidade pode gerar impactos gerais nas negociações internacionais do Agronegócio em curso para promover a remoção de barreiras relacionadas com abertura, manutenção e ampliação das exportações nesse e em outros países. Além disso, pode gerar instabilidade nas relações internacionais e afetar outros temas, tais como relacionados aos acordos de comércio, reduções tarifarias, cooperação, promoção e atração de investimentos. Não se pode descartar a possibilidade de que prejuízos causados pelas ações do Estado sobre os entes privados acarretem em prejuízos à União em eventuais ações de reparação de perdas e danos pelos entes privados de ambos países. Considerando a possibilidade de reais prejuízos aos importadores, uma vez que o Estado estrangeiro considere inaceitável, não pode ser descartado o desencadeamento de ações de retaliações comerciais a diversos produtos brasileiros que, se aplicadas, podem não ficar caracterizadas como claras e inequívocas. Ou seja, podem desencadear escalada de retaliações disfarçadas com difícil caracterização de nexo causal, o que afetaria as diversas ações ofensivas no comercio internacional do Agronegócio.””. Consoante convém registrar, incontroversa a existência de significativo volume de exportações de animais vivos no Brasil, dado que serviu de esteio à propositura da ação civil pública subjacente, como excertos da respectiva petição inicial denotam (Id. 1651924): “Pois bem, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, o Brasil exportou cerca de 600 mil animais em 2016. Até setembro de 2017, a alta em relação ao mesmo período de 2016 foi de 23%, alcançando 248,7 mil cabeças. Um dos principais importadores, Venezuela, interrompeu a compra e Turquia é hoje o maior comprador nacional, responsável por quase metade dos cerca de US$ 170 milhões exportados até esse período. Apesar do crescimento, é um comércio instável, e implica inúmeros problemas e riscos.” Indiscutível, por conseguinte, a importância da prática comercial para a economia nacional, que se estruturou, em suas mais diversas formas de organização – em âmbito administrativo, empresarial e político –, para atender mercado consumidor específico, com o fornecimento do produto por meio de rotas marítimas. A partir da análise da decisão objeto desta suspensão, extrai-se que a atuação judicial no sentido de vedar, peremptoriamente, a exportação de animais vivos oriundos do Brasil, representa medida que termina por tolher o poder de decisão a esse respeito das esferas próprias, verdadeiramente competentes para a elaboração de políticas econômicas e ambientais específicas e adequadas à hipótese, ponderando-se, por um lado, a tutela animal, e, por outro, a proteção à economia nacional. Ao substituir-se à atuação regulamentadora administrativa, pese embora o nobre intuito de oportunizar melhor tratamento da questão da exportação de animais vivos pelo Brasil, o provimento jurisdicional findou por gerar impactos negativos à ordem econômica nacional, porque, na prática, tem o condão de inviabilizar atividade econômica de que depende a geração de riquezas, das quais se beneficiam, no mínimo, todos que atuam em referida cadeia produtiva. A propósito da repercussão em tela, válida a transcrição de trechos de manifestação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, trazida pela requerente, parte ora agravada (Id. 1652014): “O Brasil é o quarto maior exportador de bovinos vivos do mundo. Tem protocolos sanitários firmado com mais de 15 países e compromissos comerciais vigentes com pelo menos 4 países: Egito, Turquia, Jordânia e Líbano. (...) Segundo o MDIC, no ano de 2017, a exportação de bovinos vivos atingiu aproximadamente 263 milhões de dólares e a Turquia, principal mercado e destino destes animais, representou U$ 138 milhões deste valor (dados ainda em consolidação). (...) Deve-se ter em boa conta não somente as cifras citadas acima mais principalmente a oferta de serviços e empregos, bem como a possibilidade de disponibilizar aos mais de 4.5 milhões de pecuaristas (com mais de 210 milhões de bovinos) a possibilidade de ofertar seus animais destinados ao abate não somente a cadeia frigorifica brasileira, o que invariavelmente oportunizará agregar valor aos animais dos milhões de pecuaristas brasileiros.” Saliente-se, acerca do ponto em questão, que a circunstância aludida no agravo, de que “Se avaliarmos a significância da exportação de carne processada em nosso país, comparativamente com a exportação de animais vivos, de fácil constatação que esta última ocupa uma parcela absolutamente pequena e insignificante no contexto geral, não se justificando os maus tratos a que são submetidos os animais, e o que torna sem sentido o despacho enfrentado quando menciona das consequências de uma proibição desse tipo de atividade”, não é o bastante a diminuir o impacto econômico da prática, uma vez que, dado o imenso volume produtivo do setor agropecuário no Brasil, mesmo o óbice a parcelas reduzidas de sua atividade pode abalar a vida econômica nacional. Assim, não se está a somar, de maneira alguma, com eventual linha de argumentação de que inexiste a necessidade de maiores cuidados no transporte de animais vivos. Mas sim, primeiro, a reconhecer que essa é uma questão que deve ser conformada às demais que envolvem a controvérsia, notadamente as referentes aos impactos econômicos advindos da imposição de restrições à prática. E, segundo, a ver com cuidado a capacidade de o Poder Judiciário fazê-lo, em específico em cognição sumária, antes de decorrida a regular instrução processual no feito em que submetida a juízo a discussão. Dessa forma, mesmo que se argumente que o negócio da venda do gado vivo gere benefícios econômicos não tão expressivos, porque ocasiona menos empregos que a venda da carne já processada, a isso se contrapõe o fato de que, subsistindo mercado para tanto, há oportunidade para traduzi-lo na geração de riqueza à nação e de vagas de trabalho, cada vez mais escassas no país. Como, inclusive, restou expressamente assentado na decisão impugnada, ao asseverar, valendo refrisar, que “Conquanto haja discussão a respeito da viabilidade do negócio chamado de venda de gado em pé – venda de animais vivos –, com alguns empresários do setor dizendo que o produto deixa de agregar valor e empregos no comparativo com as vendas de carnes processadas, não se pode perder de vista que há uma demanda de consumo a ser atendida e que o Brasil possui interesse, normas e regras previamente estabelecidas para atender esta demanda” (Id. 1659094). Nesse particular, quanto à alegação veiculada pelo Ministério Público Federal, de que “enquanto a exportação de gado vivo rendeu em dois meses de 2017 aproximadamente US$ 44 milhões de dólares, a carne congelada rendeu, nos dois primeiros meses de 2017, US$ 678 milhões de dólares”, o que demonstra que “o processamento de carne no território brasileiro agrega muito mais valor social (emprego e renda)”, imperioso compreender que ambos os mercados não são excludentes, mas complementares. O que significa, em síntese, que eventual proibição da exportação de gado vivo não se converte, de maneira automática, em ganhos no mercado de carne congelada, mas, ao que tudo indica, simplesmente significa a busca do produto em outros países. De resto, a despeito da constatação de que o volume de vendas de gado vivo seja, de fato, inferior ao de carne congelada, trata-se de mercado que, como mencionado pela própria Procuradoria Regional da República, movimentou 44 milhões de dólares em dois meses, montante de recursos deveras significativo, sobretudo à vista, remarque-se, do cenário de dificuldades econômicas pelo qual passa o país. Indiscutível, portanto, o impacto econômico de eventual proibição de tal movimentação, mesmo que inferior ao volume de vendas atinente à carne congelada. A valer, está-se a cuidar de questão afeta ao âmago da política econômica a ser adotada pelo Brasil, a que cumpre definir em que medida benefícios econômicos são preferíveis ou não às consequências decorrentes do transporte de animais vivos, razão pela qual tal cenário, conforme o impacto decorrente da peremptoriedade do decisum objeto do pleito suspensivo bem demonstra, dificilmente comporta avaliação sob perspectiva não exauriente pelo Judiciário. Nesse sentido, ao Poder Judiciário não cabe a confecção de políticas, mas tão-somente a tutela de direitos, o que significa que não é de sua alçada determinar as formas de atuação estatal na economia, estabelecendo diretrizes quanto àquilo que deve ou não ser exportado, bem como as constrições aplicáveis aos produtos sujeitos ao comércio. Trata-se, à toda evidência, de temas cujo manejo compete ao âmbito dos poderes de Estado especificamente criados para esse fim, in casu, formando-se diálogo interinstitucional entre o Legislativo – com aptidão, à primeira vista, para estabelecer regulamentação mais restritiva quanto ao comércio sob análise, em ponderação a ser feita com as suas eventuais consequências deletérias ao meio ambiente – e o Executivo – natural regulamentador da atividade comercial externa no país e a quem cumpre, inclusive por meio de interlocuções internacionais, viabilizar acertos que não só venham a privilegiar o viés econômico do desenvolvimento do país, mas também a respeitar a tutela ambiental. À suspensão de provimentos jurisdicionais, assim, advém o papel de contrabalançar a intervenção estritamente judiciária a partir de determinado aspecto político-jurídico, reestabelecendo-se o ajuste de forças e reservas inerentes à forma como constitucionalmente dividido o poder no país, sustando-se ingerência entendida como indevida nos espectros de atuação atinentes ao Legislativo e ao Executivo. Sob idêntico enfoque deve ser examinado o problema sanitário envolvido, notadamente aquele referente à circunstância de que, segundo relatado, “Ao atracarem navios vindos de outras partes do mundo e aqui permanecerem por alguns dias até que se efetue o completo carregamento de milhares de animais, corre-se o risco de que pessoas em contato com o ambiente do navio já eventualmente contaminado por algum patógeno possa transmiti-lo em nosso território, trazendo doenças que possam contaminar nossos animais” (Id. 1652014). É dizer: eventuais riscos advindos da prática comercial devem ser analisados em conjunto com as suas respectivas consequências de viés econômico e ambiental, fazendo-o no âmbito político próprio com o objetivo de se atingir uma solução que melhor os conforme sem que se proíba, de modo absoluto, prática comercial que gera benefícios ao país. Em linha de raciocínio assemelhada, a necessidade de se ter considerado o cenário econômico em provimentos jurisdicionais correspondentes à questão trazida em juízo encontra-se estampada até mesmo no Supremo Tribunal Federal, como se vê do decisum abaixo transcrito, em que, a partir dos fundamentos consignados, se deferiu liminar para suspender normativa do Município de Santos/SP que restringia o transporte de animais vivos, prioritariamente destinados à exportação, calcando-se o periculum in mora ali detectado justamente no impacto econômico do quanto discutido, valendo os destaques sublinhados: “Decisão: Trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com pedido de medida cautelar, ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA em face dos arts. 1º e 3º, da Lei Complementar nº 996/2018, do Município de Santos/SP. Eis o teor dos dispositivos impugnados: “Art. 1º. Fica alterado o caput e acrescentado o parágrafo único ao artigo 290 da Lei nº 3.531, de 16 de abril de 1968 – Código de Posturas do Município de Santos, que passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 290. É proibido o trânsito de veículos, sejam eles motorizados ou não, transportando cargas vivas nas áreas urbanas e de expansão urbana do Município. Parágrafo único. Excetuam-se do disposto no caput os seguintes animais: I – domésticos; II – de uso terapêutico em projetos educativos e medicinais; III – à serviço das forças policiais; IV – que passarão por tratamento médico em clínicas e hospitais veterinários; V – utilizados em atividades esportivas; VI – destinados à preservação ambiental.” Art. 3º. Ficam alterados os incisos V e VIII e acrescidos os incisos XVI ao XXI do artigo 300 da Lei nº 3.531, de 16 de abril de 1968 – Código de Posturas do Município de Santos, que passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 300. É proibido a qualquer pessoa maltratar animais ou praticar ato de crueldade contra os animais, a exemplo dos seguintes: (...) V – obrigá-los a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças; (...) VIII – castigá-los com rancor e excesso, ainda que para aprendizagem e/ou adestramento; (...) XVI – submetê-los a qualquer prática que cause ferimentos, golpes ou morte; XVII – transportá-los de forma inadequada ao seu bem-estar, como por exemplo em gaiolas, veículos, entre outros; XVIII – utilizá-los em rituais religiosos, e em lutas entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes; XIX – VETADO; XX – sacrificá-los com métodos não humanitários; XXI – soltá-los ou abandoná-los em vias ou logradouros públicos e privados, nos termos do artigo 32 da Lei Complementar nº 533, de 10 de maio de 2005, que disciplina a criação, propriedade, posse, guarda, uso e transporte de cães e gatos no Município de Santos.” A CNA afirma que o diploma combatido, ao vedar o transporte de cargas vivas nas áreas urbanas e de expansão urbana do Município, inviabiliza a atividade de exportação da produção pecuária dos produtores rurais brasileiros através do porto de Santos. Neste contexto, enfatiza que “a maior parte dos animais vivos exportados pelo Porto de Santos/SP vão para países muçulmanos” (eDOC 1, p. 11), uma vez que estes importam apenas animais vivos em virtude de questão religiosa relacionada ao abate. Aponta como parâmetro de controle os arts. 1º, caput; 18, caput; 21, XII, f; 22, VIII, IX, X, XI e 60, § 4º, I, todos da Constituição Federal. Sustenta, em síntese, que os dispositivos atacados, ao restringirem, de forma indireta, o acesso ao porto, ferem a competência privativa da União para legislar sobre comércio exterior e interestadual e regime de portos, bem como a competência material do mesmo ente para a exploração de portos marítimos. Indica como preceito fundamental violado o federalismo, na medida em que a alegada afronta à competência da União é decorrência do pacto federativo. Para reforçar o seu posicionamento, a arguente cita o Decreto nº 9;013/2017 que, em seu art. 112, § 2º, excepciona da submissão ao abate humanitários os animais cujo produto seja destinado ao consumo por comunidade religiosa que os requeira ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência. Salienta a previsão do art. 3º, V, da Lei nº 12.815/2013, que assegura o amplo acesso aos portos organizados, instalações e atividades portuárias. Destaca, ainda, que a justificativa para a promulgação do diploma impugnado, qual seja, a proteção aos animais, não encontra respaldo na realidade, enfatizando a fiscalização realizada pelos órgãos de controle como IBAMA, CONTRAM, ANTAQ e MAPA. Por fim, com base no art. 5º, § 1º, da Lei 9.882/99, requer a concessão de medida liminar ad referendum do Tribunal Pleno, para suspender a vigência e eficácia dos dispositivos impugnados. Aduz que o fumus boni iuris decorre das razões jurídicas explicitadas. Assevera que o periculum in mora é patente, tendo em vista a (eDOC 1, p. 18) “intervenção direta no escoamento da produção nacional, podendo ocasionar grave dano para a balança comercial e para a economia brasileira, que afetará diretamente o preço da arroba do boi na comercialização da produção pecuária dos produtores rurais, podendo verificar, entre os riscos de lesão grave, a quebra de contratos internacionais nos próximos dias – com a chegada de sete navios para exportação – bem como a perda de mercados relevantes perante competidores internacionais, principalmente no referente ao mercado futuro de exportações de animais vivos.” É o relatório. Decido. Inicialmente, ressalto que a jurisprudência desta Corte define que compete ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental. Veja-se, a propósito, a ementa da ADPF-QO 1, de relatoria do Ministro Néri da Silveira, Tribunal Pleno, DJ 07.11.2003: “Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Lei nº 9882, de 3.12.1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da referida medida constitucional. 2. Compete ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental. 3. Cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Necessidade de o requerente apontar a lesão ou ameaça de ofensa a preceito fundamental, e este, efetivamente, ser reconhecido como tal, pelo Supremo Tribunal Federal. 4. Argüição de descumprimento de preceito fundamental como instrumento de defesa da Constituição, em controle concentrado. 5. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: distinção da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade. 6. O objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental há de ser "ato do Poder Público" federal, estadual, distrital ou municipal, normativo ou não, sendo, também, cabível a medida judicial ‘quando for relevante o fundamento da controvérsia sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição’.” Nesse sentido, o ilustre Ministro Gilmar Mendes bem explicitou na ADPF-MC 33 o esforço hermenêutico a ser realizado pelo Supremo Tribunal Federal: “É o estudo da ordem constitucional no seu contexto normativo e nas suas relações de interdependência que permite identificar as disposições essenciais para a preservação dos princípios basilares dos preceitos fundamentais de um determinado sistema.” Ainda nesse importante voto para a construção institucional do controle abstrato de constitucionalidade, o e. Ministro Gilmar Mendes apresenta diretriz para o trabalho que aqui se coloca: “Destarte, um juízo mais ou menos seguro sobre a lesão de preceito fundamental consistente nos princípios da divisão de Poderes, da forma federativa do Estado ou dos direitos e garantias individuais exige, preliminarmente, a identificação do conteúdo dessas categorias na ordem constitucional e, especialmente, das suas relações de interdependência. Nessa linha de entendimento, a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando se verificar possível afronta a um princípio fundamental, tal como assente na ordem constitucional, mas também a regras que confiram densidade normativa ou significado específico a esse princípio. Tendo em vista as interconexões e interdependências dos princípios e regras, talvez não seja recomendável proceder-se a uma distinção entre essas duas categorias, fixando-se um conceito extensivo de preceito fundamental, abrangente das normas básicas contidas no texto constitucional.” No presente caso, o que está em xeque é a suposta violação do pacto federativo, uma vez que a repartição de competências é decorrência direta e característica fundamental de um Estado federado para que seja protegida a autonomia de cada um dos seus membros e, por conseguinte, a convivência harmônica entre todas as esferas, com o fito de evitar a secessão, o que evidencia, em meu entender, a existência de discussão acerca de preceito fundamental. Do mesmo modo, verifico estar presente o requisito da subsidiariedade. A jurisprudência do STF é firme no sentido da impossibilidade de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade em face de lei municipal (ADI 5089 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJe 06.02.20150. Ademais, do exposto pelo Ministro-Relator Teori Zavascki na ADPF 127, tem-se o seguinte perfil institucional da ADPF: “A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi concebida pela Lei 9.882/99 para servir como um instrumento de integração entre os modelos difuso e concentrado de controle de constitucionalidade, viabilizando que atos estatais antes insuscetíveis de apreciação direta pelo Supremo Tribunal Federal, tais como normas pré-constitucionais ou mesmo decisões judiciais atentatórias a cláusulas fundamentais da ordem constitucional, viessem a figurar como objeto de controle em processo objetivo. A despeito da maior extensão alcançada pela vertente objetiva da jurisdição constitucional com a criação da nova espécie de ação constitucional, a Lei 9.882/99 exigiu que os atos impugnáveis por meio dela encerrassem um tipo de lesão constitucional qualificada, simultaneamente, pela sua (a) relevância (porque em contravenção direta com paradigma constitucional de importância fundamental) e (b) difícil reversibilidade (porque ausente técnica processual subsidiária capaz de fazer cessar a alegada lesão com igual eficácia.)” Além disso, o Plenário desta Corte assim dispôs sobre o princípio da subsidiariedade no mérito da já citada ADPF 33, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJ 27.10.2006: “13. Princípio da subsidiariedade (art. 4o ,§1o, da Lei no 9.882/99): inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão, compreendido no contexto da ordem constitucional global, como aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata. 14. A existência de processos ordinários e recursos extraordinários não deve excluir, a priori, a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude da feição marcadamente objetiva dessa ação.” (grifos nossos) Igualmente, observo a legitimidade ativa da parte Requerente para pleitear em juízo medida judicial de salvaguarda do direito dos produtores agropecuários de exportarem a sua produção. Diante do exposto, conclui-se pela cognição da presente arguição em face de hipotético descumprimento do preceito fundamental referente à invasão do espaço de competência da União para disciplinar a matéria. Observo, entretanto, que se depreende dos argumentos ventilados na petição inicial da presente arguição, impugnação específica somente quanto as disposições que obstam o transporte de cargas vivas nas áreas urbanas e de expensão urbana em gaiolas ou veículos. Sendo assim, conheço da presente ação apenas em relação a estas disposições. Como destaca o arguente, o objetivo do legislador municipal ao promulgar o diploma combatido foi obstar o transporte de carga viva para embarque e desembarque no porto de Santos, o que afeta diretamente a atividade comercial dos produtores agropecuários: “Essa essência normativa dos dispositivos municipais impugnados é plenamente verificada com a justificativa do relator do projeto de lei, Vereador Benedito Furtado, que assim se manifestou: “Em coerência com essa diretriz, constatamos que a operação de embarque de bois no terminar do Ecoporto, no Cais de Saboó, suspensa várias vezes por decisão judicial, trouxe ao conhecimento da população de nossa cidade um tema que é do interesse de todos nós, tema este que necessita de atenção especial, na medida que gerou e poderá, ainda, vir a gerar novos impactos ambientais, urbanísticos e sociais que atingirão a todos nós. Em que pese a necessidade de mantermos nosso porto em atividade, esta necessidade não pode estar acima do bem-estar da população. A enorme quantidade de animais que foram trazidos para o ambiente urbano, necessitaria, para a minimização dos impactos ambientais, todo um planejamento que culminaria com a alteração do Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto, seja pelos cuidados higiênicos que tal carga requer, seja pelo fato de que nossa área portuária não está adaptada, ainda, para o transporte de cargas vivas nas proporções do que ocorreu. (...) Repito que nosso porto é de vital importância, mas somos uma cidade turística e não podemos mais correr o risco de sentir a atmosfera de nossa cidade contaminada pelo mau cheiro de esterco produzido por animais, sujeitos a condições degradantes, situação esta que coloca em cheque, em primeiro lugar a nossa humanidade, em segundo a nossa responsabilidade com a saúde da população e o meio ambiente e, finalmente, nossa condição de estância balneária, referência em toda a Baixada.” (grifos no original) Este objetivo fica ainda mais evidente da leitura das exceções previstas no art. 1º da Lei Complementar Municipal nº 996/2018, o que demonstra que a proibição instituída pelo dispositivo destina-se a obstaculizar a atividade de embarque e desembarque das cargas do setor agropecuário. Portanto, a questão que se coloca na presente ADPF consiste em saber se o Município, ao estatuir tal proibição, adentou no espaço de competência da União. Quando do julgamento das ADIs 3406 e 3470, consignei em meu voto que a simples edição de lei, pela União, que cuida de matéria cuja competência para disposição seja concorrente, não exclui, em princípio, a competência de outros entes para a sua regulação. A inconstitucionalidade formal de lei municipal, estadual ou distrital só deve ser reconhecida se a legislação federal dispuser, de forma clara e cogente, que outros entes não podem sobre ela legislar, ou se os outros entes legislarem de forma autônoma sobre matéria idêntica. Feita esta consideração, é necessário, para melhor elucidar a controvérsia, trazer breve referência sobre a legislação federal pertinente. A Lei nº 8.171/1991, que dispõe sobre a política agrícola, assim prevê em seu art. 6º, II: “Art. 6° A ação governamental para o setor agrícola é organizada pela União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, cabendo: (...) II – ao Governo Federal a orientação normativa, as diretrizes nacionais e a execução das atividades estabelecidas em lei.” (grifo nosso) Os arts. 44 e 45 do Decreto nº 5.741/2006, que regulamente a Lei nº 8.171/1991, possuem a seguinte redação: “Art. 44. É obrigatória a fiscalização do trânsito nacional e internacional, por qualquer via, de animais e vegetais, seus produtos e subprodutos, qualquer outro material derivado, equipamentos e implementos agrícolas, com vistas à avaliação das suas condições sanitárias e fitossanitárias, e de sua documentação de trânsito obrigatória. § 1º A fiscalização e os controles sanitários agropecuários no trânsito nacional e internacional de animais, vegetais, insumos, inclusive alimentos para animais, e produtos de origem animal e vegetal, equipamentos e implementos agrícolas, nos termos deste Regulamento, serão exercidos mediante procedimentos uniformes, em todas as Instâncias do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária. § 2º As autoridades responsáveis por transporte aéreo internacional e doméstico, navegação internacional e de cabotagem, ferrovias, hidrovias e rodovias assegurarão condições de acesso das equipes de fiscalização sanitária agropecuária às áreas de embarque e desembarque de passageiros e recebimento e despacho de cargas. § 3º O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como Instância Central e Superior, estabelecerá as normas e coordenará a fiscalização do trânsito nacional e internacional, por qualquer via, de animais e vegetais, seus produtos e subprodutos, ou qualquer outro material destes derivado. § 4º As Instâncias Intermediárias do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária atuarão na fiscalização agropecuária do trânsito interestadual, com base nas normas fixadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como Instância Central e Superior. § 5º As Instâncias Intermediárias regulamentarão e coordenarão a fiscalização agropecuária do trânsito intermunicipal e intramunicipal, com base nas normas fixadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como Instância Central e Superior. § 6º As Instâncias Locais do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária atuarão na fiscalização agropecuária no âmbito de sua atuação. § 7º As Instâncias Locais do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária regulamentarão e coordenarão o trânsito intramunicipal, com base nas normas fixadas pelas Instâncias Intermediárias e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como Instância Central e Superior. Art. 45. A fiscalização do trânsito agropecuário nacional e internacional incluirá, entre outras medidas, a exigência de apresentação de documento oficial de sanidade agropecuária emitido pelo serviço correspondente, o qual conterá a indicação de origem, destino e sua finalidade, e demais exigências da legislação.” (grifos nossos) Citem-se, ainda, as Leis nº 1.283/1950 e 7.889/1989, que dispõem sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal, bem como o Decreto nº 9.013/2017, que as regulamenta e, ainda, diversas portarias expedidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Como se depreende, o Município, ao inviabilizar o transporte de gado vivo na área urbana e de expansão urbana de seu território, transgrediu a competência da União, que já estabeleceu, à exaustão, diretrizes para a política agropecuária, o que inclui o transporte de animais vivos e a sua fiscalização. Sob a justificativa de criar mecanismo legislativo de proteção aos animais, o legislador municipal impôs restrição desproporcional ao direito dos empresários do agronegócio de realizarem a sua atividade. Esta desproporcionalidade fica evidente quando se analisa o arcabouço normativo federal que norteia a matéria, tendo em vista a gama de instrumentos estabelecidos para garantir, de um lado, a qualidade dos produtos destinados ao consumo pela população e, de outro, a existência digna e a ausência de sofrimento dos animais, tanto no transporte quanto no seu abate. Registro, ainda, que a fiscalização de tais diretrizes é ônus dos órgãos federais, estaduais e municipais competentes para tanto, não sendo possível imputar ao particular restrição desproporcional à sua iniciativa tendo em conta suposto descumprimento de norma sobre transporte de animais. Desta forma, o fumus boni iuris advém da aparente afronta à competência da União para disciplinar a matéria, bem como da verificação de que a restrição ora examinada parece, prima facie, destoar da proporcionalidade necessária à instituição de grave restrição ao direito de relevante seguimento comercial do país. Em relação ao periculum in mora, entendo estar este requisito também configurado, tendo em vista “a previsão da chegada de sete navios no território brasileiro (com capacidade de mais de 88 mil cabeças), sendo Santos/SP um importante porto para escoamento da produção” (eDOC 1, p. 12), o que comprova que a demora no provimento trará graves danos, tanto sob o prisma econômico, quanto sob o viés de proteção e bem estar dos animais envolvidos na atividade comercial. Ante o exposto, conheço parcialmente da arguição de descumprimento de preceito fundamental e, configurada a plausibilidade jurídica das alegações e em virtude do perigo de lesão grave, defiro, com base no §1º do art. 5º da Lei 9.882/99, medida liminar ad referendum do Tribunal Pleno, suspender a eficácia do art. 1º da Lei Complementar nº 996/2018, do Município de Santos, bem como do seguinte trecho do art. 3º da mesma lei: “XVII – transportá-los de forma inadequada ao seu bem estar, como por exemplo em gaiolas, veículos, entre outros;”. Comunique-se, com a máxima urgência, inclusive via fax ou meio mais expedito, o teor da presente decisão a todas as partes processuais integrantes do feito. Determino sejam requisitadas as informações à autoridade responsável pelo ato questionado. Após, remetam os autos ao Procurador-Geral da República, nos termos do art. 7º, parágrafo único da Lei 9.882/99. Peço dia para o julgamento do referendo da decisão sobre a medida cautelar, por mim deferida, pelo Plenário desta Corte. Publique-se. Intime-se. Brasília, 24 de abril de 2018. Ministro Edson Fachin Relator” (ADPF 514 MC / SP, rel. Ministro Edson Fachin, 24.4.2018) Igualmente, nessa mesma esteira, decisão proferida no âmbito da Presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, in verbis: “SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA N. 0057323-36.2016.4.01.0000/MT REQUERENTE : ESTADO DE MATO GROSSO PROCURADOR : PATRYCK DE ARAUJO AYALA PROCURADOR : LUCAS SCHWINDEN DALLAMICO PROCURADOR : DIEGO DE MAMAN DORIGATTI REQUERIDO : JUIZO FEDERAL DA 8A VARA - MT IMPETRANTE : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR : MARIO LUCIO DE AVELAR PROCURADOR : WILSON ROCHA DE ASSIS DECISÃO O ESTADO DO MATO GROSSO requer a suspensão da antecipação de tutela concedida pelo Juízo Federal da 8ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso, que, nos autos da ação civil pública n. 13286-85.2016.4.01.3600, ajuizada pelo Ministério Público Federal, determinou ao ora requerente: “a) que suspenda, imediatamente, os efeitos dos artigos 1º a 8º e 10 do Decreto Estadual nº 230/2015, voltando a aplicar, a partir de então, as Leis Complementares Estaduais nºs 38/1995 e 343/2008, que trazem exigência de LAU (Licença Ambiental Única) para a exploração de atividades de agricultura e pecuária extensiva e semiextensiva; b) que se abstenha de expedir novas APF's (Autorização Provisória de Funcionamento) prevista no Decreto Estadual nº 230/2015; c) que suspenda, no prazo de até 05 (cinco) dias, as APF's (Autorizações Provisórias de Funcionamento) já concedidas, advertindo os portadores que o referido documento não poderá mais ser utilizado para comprovação da regularidade ambiental do imóvel; d) que abstenha-se de emitir atos normativos que instituam autorizações ou licenças ambientais concedidas através de mero ato declaratório do interessado sem análise criteriosa do órgão ambiental que importe regular licenciamento ambiental, nos termos das normas gerais editadas pela União;”. (fls. 53/54). Na decisão que se pretende suspender consta também que “o descumprimento das obrigações impostas nos itens “a”, “b” e “c” acarretará o pagamento de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos do artigo 536, § 1º, do CPC c/c o artigo 11 da LACP” e que “o descumprimento da obrigação descrita no item “d” acarretará o pagamento de multa no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), nos termos do artigo 536, § 1º, do CPC c/c o artigo 11 da LACP.” (fl. 54). Alega, o requerente, que o ato decisório desestrutura todo o órgão ambiental no tocante ao licenciamento, subvertendo a ordem então existente e criando um cenário verdadeiramente catastrófico para o Estado. Sob o fundamento de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem e a economia pública, sintetiza as suas afirmações da seguinte forma: “a) O cancelamento de todas as mais de 5.600 (cinco mil e seiscentas) Autorizações Provisórias de Funcionamento (APF) colocará estes produtores imediatamente na ilegalidade, impedindo-os de exercer qualquer atividade agropecuária, ou seja, de plantar, colher, criar, vender ou abater animais; b) Considerando que o Ministério da Agricultura não disponibilizou até o momento todos os módulos do Cadastro Ambiental Rural (CAR), não é possível, atualmente, finalizar e validar o CAR, o que torna um obstáculo intransponível para a emissão de Licenças Ambientais Únicas (LAU), como determinado na decisão judicial, eis que não é mais possível retornar ao modelo anterior, ante a incompatibilidade do CAR estadual após a entrada em vigor do Novo Código Florestal; c) Tendo em vista o cancelamento das APF’s e a proibição de emissão de novas autorizações, corroborado pelo fato de que não é possível retornar ao modelo anterior desde emissão de LAU, pelas razões apresentadas, e que não há outra saída fática ou jurídica, o número de agricultores e pecuaristas que estariam na ilegalidade aumentaria vertiginosamente em pouco tempo, causando um colapso na cadeia produtiva do Estado de Mato Grosso, com reflexos diretos na arrecadação de tributos (ICMS e FETHAB), além de impactar na balança comercial brasileira, ante a importância do Estado de Mato Grosso no cenário nacional. d) Ocasionaria um verdadeiro caos e colapso administrativo na Secretaria de Estado de Meio Ambiente que há um ano se estruturou, organizou e se planejou nos moldes do Decreto Estadual 230 de agosto de 2015, com elevados gastos administrativos em estrutura e pessoal para implementar a Autorização Provisória de Funcionamento; e) Impossibilidade de absorver a demanda gerada pela necessidade de converter mais de cinco mil APF’s em Licenças Ambientais Únicas, que demandaria, atualmente, ante a falta de estrutura adequada, cerca de 50 (cinquenta) meses, período em que estes produtores permaneceriam impossibilitados de trabalhar, pois estariam na ilegalidade; f) Grave insegurança jurídica aos administrados e violação ao princípio da confiança, pois os produtores emitiram suas autorizações provisórias baseados em normas vigentes, legais, emanadas do Poder Público.” (fl. 36). Pugna pela imediata suspensão dos efeitos da liminar, nos termos do disposto nos artigo 12, § 1º, da Lei 7.347/85 e 4º da Lei 8.437/92. DECIDO. Segundo as prescrições do art. 12, § 1º, da Lei 7.347/85, “a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.” O art. 4º da Lei 8.437/92 estabelece, igualmente, que “compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.” O deferimento do pedido de suspensão, portanto, está condicionado a que esteja plenamente caracterizada a ocorrência de grave lesão à ordem, à segurança, à saúde ou à economia públicas, tendo em vista o caráter de excepcionalidade da medida (4º da Lei nº 8.437/1992). In casu, os autos dão conta de que o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra o Estado do Mato Grosso, objetivando lograr provimento judicial de conteúdo preponderantemente mandamental, que imponha ao réu a conduta de não fazer, consistente em abster-se de emitir a denominada “Autorização Provisória de Funcionamento” (APF) e/ou qualquer outro ato administrativo equivalente para imóveis rurais localizados no Estado, com a declaração de nulidade das Autorizações já emitidas. O Juízo de origem entendeu que a partir da edição do Decreto nº 230/2015, o Réu passou a descumprir a Constituição Federal de 1988 ao deixar de exigir a prévia Licença Ambiental Única (LAU) para a realização de desmatamento. Asseverou que a criação da APF (Autorização Provisória de Funcionamento) pelo Decreto Estadual nº 230/15, desrespeita expressamente o contido no artigo 24 do Texto Constitucional. Observo, contudo, que o quadro que se apresenta revela a possibilidade de advir grave lesão à ordem administrativa e à economia pública, decorrente da decisão que suspendeu os efeitos dos artigos 1º a 8º e 10 do Decreto Estadual nº 230/2015. Depreende-se dos autos que sem a Licença Ambiental Única (LAU) ou a Autorização Provisória de Funcionamento (LAU), o produtor rural fica impedido de explorar a sua área, bem como comercializar os seus produtos ou vender seus animais para abate. A meu ver, o cancelamento imediato das cerca de 5.706 APF’s já emitidas, compromete toda a engrenagem procedimental do órgão público, gerando insegurança jurídica e verdadeiro colapso na ordem administrativa ambiental, o que caracteriza grave lesão à ordem pública, no seu viés administrativo, com reflexos na arrecadação tributária. Com efeito, não se pode negar a grande importância da agropecuária na economia e seus reflexos na arrecadação do ICMS, principal tributo estadual, nem o esforço concentrado da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) para finalizar adequadamente o Sistema de Cadastro Ambiental Rural - SICAR, para que possam ser validados os inúmeros cadastros existentes na base da SEMA, de modo a permitir que todas essas propriedades possam obter regularmente a Licença Ambiental Única (LAU) que será emitida na sequência da Autorização Provisória de Funcionamento (APF). A arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS é receita originária estadual, cujos valores custeiam, dentre outros, os serviços essenciais à população. Assim, ofende a ordem e, especialmente, a economia pública, a decisão judicial que paralisa as atividade dos produtores do Estado, impedindo-os de exercer qualquer atividade agropecuária, ou seja, de plantar, colher, criar, vender ou abater animais, reduzindo, com isso, a arrecadação de tributos por entraves econômicos gerados pelo retrocesso administrativo causado pela decisão judicial. Pelo exposto, DEFIRO o pedido de suspensão de tutela antecipada. Intimem-se. Comunique-se, com urgência, ao juízo requerido, encaminhando-se-lhe cópia desta decisão. Sem recurso, arquivem-se os autos. Brasília, 29 de setembro de 2016. Desembargador Federal HILTON QUEIROZ Presidente” Por sua vez, além da questão afeta à ordem econômica, no que se refere à ordem público-administrativa, também permanecem íntegros os fundamentos da decisão agravada, no ponto mencionado (Id. 1659094): “Portanto, o transporte internacional de animais vivos é realizado de acordo com as normas editadas pelo Poder Executivo, observando, in casu, os interesses da Administração no comércio exterior e sem deixar de lado o controle da qualidade, da segurança e do bem-estar dos animais. Ao estabelecer parâmetros para o bem-estar dos animais a serem transportados (quantidade de cochos, de bebedouros, de alimentação, além da presença de pessoas com experiência de transporte e de conhecimento de comportamento animal, vedando a utilização de violência ou de método capaz de provocar medo, lesões ou sofrimento), a norma mostra-se em consonância tanto com a legislação interna (Lei nº 9.605/98, que criminaliza o abuso e maus-tratos a animais) quanto com a legislação externa, notadamente a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em Bruxelas, na Bélgica, em 27 de janeiro de 1978. Assim, resta evidente que, ao menos em sede de cognição sumária, própria do momento, não se pode impedir a exportação de animais destinados a abate no exterior, seja pela existência normas a respeito do tema, seja por se tratar de modelo eleito pelo administrador e sobre o qual não se pode admitir, em princípio, ingerência do Poder Judiciário, sob pena de violar o indispensável e fundamental princípio da separação dos poderes (art. 2º da Carta Magna). A imposição de um modelo diverso daquele eleito pelo Administrador para a exportação de animais vivos, por parte do Poder Judiciário, somente seria admissível em sede de cognição exauriente, ou seja, após ampla instrução, com o esgotamento e análise de todas as provas produzidas, bem como a oitiva de todos os interessados, haja vista as consequências advindas de medida de tamanha envergadura. Em outras palavras, para afastar o modelo escolhido pelos órgãos técnicos da Administração Federal a decisão judicial deve estar robustamente amparada em provas e elementos de convencimento que assegurem que a exportação de animais vivos, na forma como é feita atualmente, causa prejuízo a estes animais”. Não se ignora, que, de fato, tudo quanto aqui trazido sensibiliza sobremaneira. Contudo, como referido também pela agravada em suas contrarrazões, “a União possui sim um vasto, complexo e detalhado arcabouço de normas que regulam o tema da exportação de animais vivos por navios” (Id. 2061792), as quais se inserem em política agrícola constituída com base em escolhas específicas, majoritariamente afetas ao âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo. Nesse sentido, evidencia-se, no enquadramento processual dado à medida suspensiva – em que se perscruta, insista-se, não a propriedade jurídica, mas as consequências do decidido pelo juízo – que a solução dada, para suspender, em todo território nacional, o embarque de animais vivos, se traduziu não no enquadramento das práticas supostamente divergentes com o que consta no texto legal, mas na sua completa substituição pelo exercício jurisdicional. Com efeito, a vedação objeto deste pedido de suspensão não significou que as práticas comerciais no Brasil se adequaram àquilo que preconiza a legislação – a qual, como dito, não a proíbe, apenas a regulamenta –, e sim implicou a substituição dessa última por decisão de caráter provisório e de cognição não exauriente, infirmando a ordem administrativa regulatória sobre o tema. Ponderadas, dessarte, as repercussões da decisão que, proferida na Ação Civil Pública nº 5000325-94.2017.4.03.6135, em trâmite perante o juízo da 25ª Vara Cível da Subseção Judiciária de São Paulo, notadamente à vista do prejuízo às ordens econômica e administrativa comporta, neste instante, manutenção da suspensão de seus efeitos. E ausentes, pois, afinal, razões para que se reverta o decreto inicial da Presidência, eis que, insista-se, no pedido de suspensão de liminar não se adentra no mérito propriamente dito da questão de fundo objeto da demanda subjacente em que prolatado o decisum, examinando-se tão somente a existência dos pressupostos necessários ao reconhecimento da lesividade do ato combatido. Isso porque a tutela jurisdicional relacionada à suspensão de liminar é distinta daquela posta à disposição das partes na via recursal própria, já que aqui, consoante acima aludido, não se analisa a correição de mérito da decisão, mas sim o impacto que decorre de sua eficácia a certos valores legislativamente tutelados, salvaguardando-se interesse público primário envolvido em cada caso concreto. Em conclusão, a rejeição do agravo, no aspecto em questão, cujos argumentos revelam apenas o inconformismo com o destino dado neste âmbito, em nada servindo à alteração da decisão ora recorrida, impõe-se de rigor. Nada obstante, cabe análise quanto à distensão temporal da medida suspensiva, questão subjacente ao pleito da parte agravante – aqui se entendendo que, se pleiteou a supressão da medida, também lhe interessa juridicamente a imposição de restrição temporal a seu respeito. Isso porque, a despeito da redação do artigo 4º, § 9º, da Lei nº 8.437/1992, o qual estabelece que “A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”, não há falar em inviabilidade do ajuste temporal de referida decisão. Com efeito – e sem se perscrutar quanto à posição deste Tribunal ou do Superior Tribunal de Justiça, quanto à prejudicialidade da suspensão, que, como acima argumentado, não se coloca no presente caso –, a determinação legislativa segundo a qual, deferida a suspensão, ela “vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”, tenciona não restringir o campo de modulação temporal da medida quanto à sua eficácia suspensiva, mas garantir, ab initio, que, proferida decisão no processo subjacente à suspensão de segurança pelo juízo a quo, não fosse ela capaz de substituir o determinado pela Presidência do Tribunal competente, mantendo-se assim hígido o efeito suspensivo eventualmente deferido. É dizer: o dispositivo legal sob exame, no ponto em que firma a eficácia do decidido até o “trânsito em julgado”, objetiva apenas inviabilizar que a decisão suspensiva seja esvaziada automaticamente pela superveniência de provimento jurisdicional de juízo de grau inferior no feito subjacente – evitando que dela se irradiem efeitos diretamente à suspensão de segurança, incidente processual à parte –, ausentes quaisquer impedimentos para que referida caducidade se dê pela fixação, no bojo do próprio decisum suspensivo exarado pela Presidência do Tribunal – ou, então pelo colegiado, na via do agravo –, de marco que delimite a sua eficácia. Nesse âmbito, se pode o relator reavaliar, à luz de mudanças fáticas supervenientes, e com esteio em seu poder de “dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição das partes” (art. 932, I, CPC), o teor da decisão suspensiva que proferiu, então também pode fazê-lo, em sede de suspensão de liminar, tanto o relator, quanto o colegiado, na hipótese de agravo, como entende o Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO INTERNO. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. INTELIGÊNCIA DO § 9º DO ART. 4º DA LEI N. 8.437/92. – Conquanto o § 9º do art. 4º da Lei nº 8.437/92 disponha expressamente que “a suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”, nada obsta a que o Presidente delimite tempo inferior àquele estabelecido na legislação. Tal dispositivo, portanto, só é de ser aplicado no silêncio da decisão quanto à duração de seus efeitos. Agravo não provido” (g. n.). (STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 162/PE, rel. Ministro Barros Monteiro, 11.12.2006) Por sua vez, este Tribunal Regional Federal: "AGRAVO REGIMENTAL - SUSPENSÃO DE LIMINAR - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CRIAÇÃO DE CPI POR ASSEMBLEIA LEGISLATIVA ESTADUAL - APURAÇÃO DE ATOS PRATICADOS POR ÍNDIOS - ENCERRAMENTO DA CPI - PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE PROCESSUAL - AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I - O encerramento dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito esvaziou o interesse jurídico do julgamento do pedido de suspensão da liminar que, em ação civil pública movida pela Defensoria Pública da União, obstava os trabalhos dos parlamentares. II - Ausência de risco de lesão aos interesses tutelados pelo artigo 4º da Lei nº 8.437/92. III - Os atos administrativos praticados durante a suspensão da liminar são, em princípio, válidos porque amparados em decisão da Presidência que suspendeu os efeitos da liminar do juízo a quo. Questões referentes à legalidade e ao acerto/desacerto da instauração da CPI deverão ser analisadas pelo juízo a quo, já que a decisão proferida em sede de suspensão de liminar ou de antecipação da tutela não tem efeito substitutivo e não pode suprimir o grau de jurisdição. IV - Conquanto a legislação disponha que os efeitos da decisão devam prevalecer até o trânsito em julgado da ação que teve a liminar suspensa, o caso concreto pode evidenciar a desnecessidade de período tão elastério, não havendo impedimento para que se fixe prazo menor. V - Agravo regimental improvido." (g. n.). (TRF3, Órgão Especial, Processo nº 0002057-10.2016.4.03.0000, rel. Desembargador Federal Presidente, 18.11.2016) Quanto ao mais, a jurisprudência predominante nesta Corte Regional aponta para a permanência da suspensão dos efeitos de provimento jurisdicional de juízo a quo até o momento em que apreciado recurso eventualmente interposto perante órgão julgador desta Corte – conforme inclusive acima mencionado, para argumentar a ausência de prejudicialidade deste agravo. A valer, encontra-se “consolidado no âmbito do Órgão Especial deste E. Tribunal Regional Federal, com amparo em decisões do tribunal superior, que a superveniente prolação de decisão em agravo de instrumento substitui a decisão proferida em sede de liminar ou de antecipação de tutela e, consequentemente, retira a sua eficácia. Deste modo, ratificada pela E. 4ª Turma deste Tribunal, em agravo de instrumento, a tutela anteriormente antecipada, não remanesce competência desta Corte para a análise do pedido” (SLAT nº 0020785-02.2016.4.03.0000, j. em 13.12.2017). Como o julgamento de agravo de instrumento interposto contra decisão que defere a tutela antecipada desencadeia o efeito recursal substitutivo, pelo qual “O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a decisão impugnada no que tiver sido objeto de recurso” (art. 1.008, CPC), a eventual apreciação, em sede colegiada, dos recursos que impugnam as decisões aqui suspensas enseja a respectiva substituição de cada uma delas por outros provimentos jurisdicionais, que são inatacáveis pela presente via, ante a ausência de competência da Presidência deste Tribunal Regional Federal para tanto. Daí porque se fala, nos julgados acima, da perda de objeto do pedido de suspensão: esvaziada a competência da Presidência do TRF para conhecê-lo – uma vez que a decisão paradigma não mais é de primeiro grau de jurisdição, mas advém desta própria Corte Federal, que substituiu o anteriormente decidido pelo provimento colegiado, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal conhecer de eventual renovação do pleito suspensivo a seu respeito (art. 15, caput, Lei nº 12.016/2009) –, também se esvai a eficácia da decisão suspensiva. Trata-se de interpretação extraída, primeiro, da limitação temporal que, como dito, é indispensável ao instituto; segundo, da disposição das competências no âmbito específico da suspensão dos efeitos da decisão judicial, de modo que a decisão que susta tal eficácia sempre advém de órgão jurisdicional superior àquele que proferiu seu objeto; e, terceiro, da própria forma como organizado o Poder Judiciário no país, uma vez que não faria sentido, a título de exemplo, que decisão de um Regional inviabilizasse a produção de efeitos de determinação advinda de Tribunal Superior. Nesse sentido, tanto da jurisprudência, quanto da própria lógica do instituto, o que se extrai é a existência de baliza confiável, objetivamente aferível e que revela, por isso, segurança às partes, nos termos em que consolidada na jurisprudência deste Tribunal Regional Federal, unificando o entendimento desta Corte na direção de que, deferido pedido de suspensão dos efeitos de provimento jurisdicional, deve ele perdurar até o julgamento colegiado de recurso eventualmente interposto nas vias ordinárias, entendimento que, por todas essas razões, e considerando-se as nuanças do caso concreto, deve ser aqui aplicado. Quanto ao ponto, cabe adicionar baliza de relevo, extraída a partir de voto proferido pelo Desembargador Nelton dos Santos, no âmbito da SLAT nº 5024819-95.2017.4.03.0000, cujo julgamento ainda não restou concluído: “A e. Presidente propõe que a suspensão da liminar perdure até que as Turmas julguem, em colegiado, os agravos de instrumento interpostos contra a decisão de primeira instância. Segundo Sua Excelência, a previsão legal, vazada no sentido de que a suspensão da liminar subsista até o trânsito em julgado da sentença final de mérito, visa apenas a evitar que a prolação da sentença, em primeiro grau de jurisdição, subtraia a eficácia da decisão da Presidência. Ocorre que a limitação temporal dos efeitos da suspensão da liminar, nos termos em que propostos pela e. Presidente, pode não evitar aquele risco. Com efeito, se o processo subjacente, em trâmite perante a instância singular, for sentenciado antes do julgamento dos agravos de instrumento pelas Turmas, estes restarão prejudicados. Assim, se a suspensão da liminar ficar suspensa somente até que as Turmas apreciem os agravos de instrumento; e se estes restarem prejudicados por eventual sentenciamento do feito principal, o que remanescerá, em termos de eficácia e vigência, será a sentença. Em outras palavras, pela via indireta poderá ocorrer exatamente o que, segundo a e. Presidente, a legislação procura evitar: o prevalecimento da sentença sobre a decisão de suspensão da liminar." Em que pese a divergência quanto à conclusão, procede o argumento no sentido de que o sentenciamento do processo subjacente pode ensejar a prejudicialidade de eventual agravo de instrumento interposto com o fito de impugnar decisão que antecipou os efeitos da tutela, que, assim julgado, ensejaria a perda de eficácia da decisão suspensiva, gerando, com isso, “o prevalecimento da sentença sobre a decisão de suspensão da liminar”. In casu, entretanto, solução que se coloca não é a manutenção da decisão suspensiva até o trânsito em julgado da demanda subjacente, mas sim o seu ajuste, na direção de que deve permanecer hígida até que a questão venha a ser analisada, em sede colegiada, em seu mérito, por este Tribunal Regional Federal. Fazendo-o dessa forma, a superveniência de sentença no processo subjacente não prejudica a decisão proferida em suspensão de liminar, preservados seus efeitos não até a análise dos agravos de instrumento, acaso considerados prejudicados, como bem pontuado pelo Desembargador Nelton dos Santos, mas até que sobrevenha análise colegiada por este Tribunal em sede de apelação. Dessa forma, se não julgado o agravo pela Turma, mesmo que sentenciado o processo a suspensão persistirá até que eventual recurso a esse respeito seja analisado por esta Corte, que, fazendo-o, substituirá o provimento incidental objeto desta suspensão e, assim, deslocará a competência para eventual suspensão às instâncias superiores. Portanto, cingido o objeto recursal à suspensão dos efeitos de decisão que proibiu a exportação de animais vivos no Brasil e superada eventual prejudicialidade, bem como analisada a hipótese sob a perspectiva do pedido de suspensão, cabível a adequação do anteriormente decidido à baliza jurisprudencial que tem norteado este Órgão Especial, de modo, ainda, a evitar que decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição venham a subtrair a eficácia do decidido por este Tribunal Regional Federal, adequando-se o termo final da suspensão dos efeitos da decisão liminar proferida na ação subjacente ao momento em que referida questão for apreciada, de forma colegiada, e no mérito, por órgão julgador deste Tribunal Regional Federal, quer seja em recurso de agravo de instrumento, quer seja no âmbito de eventual apelação. Posto isso, dou parcial provimento ao agravo, a fim de que a suspensão dos efeitos deferida na decisão de Id. 1659094 permaneça hígida, no que concerne à inviabilidade de se proibir, em todo o território nacional, a exportação de animais vivos, até o momento em que referida questão for julgada, de forma colegiada, e, no mérito, por órgão deste Tribunal Regional Federal. É o voto. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta Presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região
O Excelentíssimo Desembargador Federal Nery Junior: Cuida-se de agravo interposto pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal em face de decisão da Presidência desta C. Corte, que suspendeu, até o trânsito em julgado da ação civil pública, a decisão liminar do Juízo da 25ª Vara Federal Cível nos autos da AÇÃO CIVIL PUBLICA nº 5000325-94.2017.403.6135, que proibia a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo o território nacional.
Iniciado o julgamento, votou a E. Desembargadora Federal Presidente pelo parcial provimento do agravo, “a fim de que a suspensão dos efeitos deferida na decisão de Id. 1659094 permaneça hígida, no que concerne à inviabilidade de se proibir, em todo o território nacional, a exportação de animais vivos, até o momento em que referida questão for julgada, de forma colegiada, e, no mérito, por órgão deste Tribunal Regional Federal.”
Após análise acurada dos autos, concluí pelo acerto do voto da E. Desembargadora Federal Presidente.
A Ação Civil Pública ajuizada pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa de Animal busca a obtenção de provimento jurisdicional que impeça a exportação de gado vivo, até que sejam adotadas medidas efetivas que garantam o bem-estar animal, não apenas durante a viagem, mas também para que o abate nos países de destino seja o denominado “abate humanitário”. A petição inicial foi aditada para requerer “a proibição de transporte de animais vivos através de navios em todos os portos de nosso país”.
Alega a entidade que o transporte desrespeita as regras nacionais e internacionais aplicáveis, além de não ser fiscalizada pelos órgãos públicos envolvidos. Sustenta ainda que a exportação de animais vivos é economicamente desvantajosa em comparação com a exportação da carne de animais já abatidos no Brasil, que a exportação de carne resfriada teria maior valor agregado, bem como que a exportação dos animais vivos geraria emprego para países estrangeiros.
O Juízo da 25ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de São Paulo deferiu a liminar, ensejando a presente suspensão fundamentada no art. 4º da Lei 8.437/92.
Pois bem.
É evidente que todo ato de crueldade e maus tratos aos animais deve ser veementemente coibido. Nesse sentido é a proteção expressa no art. 225, §1°, VII, da Constituição Federal, do art. 32 da Lei n. 9.605/98, bem assim da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proposta de diploma internacional apresentada à UNESCO em 1978 que, embora não tenha sito efetivamente endossada por aquela entidade internacional como documento oficial, nem possua força normativa ou regulamentar, foi apresentada publicamente em sessão da UNESCO com objetivo de indicar parâmetros acerca dos direitos dos animais, e é um documento a que corriqueiramente se recorre quando se trata de prerrogativas dos animais, ética e respeito.
Outrossim, a prática de maus-tratos a animais é definida como ilícito penal no art. 32 da Lei 9.605/1998.
Entretanto, não há no ordenamento jurídico qualquer vedação ao comércio internacional de animais vivos, tampouco indicativo concreto de que o transporte marítimo, de per si, implique em crueldade aos animais. Pelo contrário, a exportação de animais vivos destinados ao abate é objeto de uma série de atos normativos regulatórios, entre os quais cito a Instrução Normativa nº 13, de 30 de março de 2010, do Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, verbis:
“Art. 2º Será permitido exportar animais vivos que estejam em bom estado de saúde, isentos de ectoparasitos e que procedam de estabelecimentos de criação e de áreas que não estejam sob restrição sanitária devido a doenças transmissíveis que afetam a espécie a ser exportada.
Art. 3º Os animais somente poderão ser exportados quando acompanhados de Certificado Zoossanitário Internacional regularmente expedido por Médico Veterinário ocupante do cargo de Fiscal Federal Agropecuário, que atenda aos requisitos constantes das normas vigentes no País e às condições sanitárias requeridas pelo país importador.
Parágrafo único. A saída do país somente será autorizada pelos portos, aeroportos e pontos de fronteira devidamente aparelhados e designados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.
Art. 4º Os veículos transportadores devem atender aos requisitos para transporte de animais de forma segura e de acordo com os princípios de bem-estar animal, sendo limpos e desinfetados antes do carregamento no estabelecimento de origem e no estabelecimento de pré-embarque, sob a responsabilidade do transportador.
Parágrafo único. Será permitido que a limpeza e a desinfecção dos veículos transportadores sejam realizadas em uma única oportunidade, prévia ao primeiro embarque, quando estes forem utilizados exclusivamente para transporte dos animais do mesmo estabelecimento de origem ao estabelecimento de pré-embarque ou do estabelecimento de pré-embarque ao local de saída do país, podendo, a qualquer momento, ser requerida nova higienização destes.
Art. 5º Os animais a serem exportados devem ser selecionados em estabelecimentos que cumpram com as normas sanitárias vigentes no País, com atendimento aos requisitos sanitários e de bem-estar animal estabelecidos pelo país importador.
Art. 6º Os animais selecionados para exportação devem ser identificados individualmente ou por lote, de forma que possam ser relacionados ao estabelecimento de origem, ou possuir outro tipo de identificação quando o país importador assim o solicitar.
Art. 7º Os animais selecionados devem estar adequadamente preparados para o transporte e, adicionalmente, não devem apresentar qualquer condição que possa comprometer a sua saúde e bem-estar no trajeto até o Estabelecimento de Pré-embarque - EPE - e deste até o local de embarque.
(...)
Art. 27. O transporte marítimo e fluvial deve ser realizado em embarcações que possuam instalações adequadas para alojar a espécie animal exportada e para o seu manejo e sua alimentação, propiciando o bem-estar geral dos mesmos durante a viagem.
Art. 28. As embarcações utilizadas para o transporte marítimo ou fluvial deverão estar em bom estado de conservação e manutenção e ser completamente limpas e desinfetadas com produtos aprovados pelo MAPA, antes do embarque dos animais.
Art. 29. O transporte marítimo ou fluvial deve ser previamente planejado pelo transportador e pelo exportador e realizado em navios aprovados pela Capitania dos Portos, adequadamente abastecidos de provisões - alimento e água - para a viagem, que tenham habilitação para o transporte de animais, segundo a espécie, e conduzidos de forma a prevenir danos aos animais e minimizar o estresse de viagem, respeitando as normas estabelecidas para o bem-estar animal.
Art. 30. O exportador ou importador deverão apresentar ao Serviço ou Unidade de Vigilância Agropecuária do MAPA, no local de saída do país, até três dias antes do embarque, a configuração do navio a ser utilizado na operação, expedida pelo armador, contendo: metragem da embarcação, metragem quadrada de cada deck disponível para carregamento de animais, quantidade de cochos, bebedouros, capacidade de armazenagem de alimentação (em toneladas), capacidade de tanques para água potável, quantidade e capacidade do dessanilizador, número de acionamentos por minuto das turbinas para ventilação e renovação de ar.
Parágrafo único. A configuração apresentada servirá de base para estabelecer a quantidade de animais que será embarcada.
Art. 31. Animais de diferentes espécies não podem ser transportados no mesmo curral; animais criados em um mesmo estabelecimento devem ser mantidos como um grupo, sempre que possível.
Art. 32. Antes do embarque dos animais, com no mínimo três dias de antecedência, o exportador deverá protocolar na unidade local do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento documento com as seguintes informações:
I - plano de viagem;
II - informação sobre o local, data e hora do embarque;
III - previsão de chegada, data e local de desembarque dos animais;
IV - número de animais a serem embarcados; e
V - a quantidade e o tipo de alimento embarcado e a quantidade de água.
Art. 33. Os exportadores e importadores, os proprietários dos animais, os agentes comerciais, as empresas de navegação, os capitães de navios e os administradores das instalações são responsáveis pelo estado geral de saúde dos animais e pela sua aptidão física para a viagem, independentemente de que sejam contratados terceiros para realização de determinados serviços durante o transporte.
Art. 34. Os EPEs devem ser construídos, mantidos e utilizados de tal maneira que evitem lesões e sofrimento e garantam a segurança dos animais.
Art. 35. O proprietário dos animais ou o exportador deverá disponibilizar pessoal suficiente para realizar as operações de embarque e desembarque rodoviário e para embarque nos navios de transporte.
Art. 36. As pessoas encarregadas do manejo dos animais nos navios devem ter experiência no transporte e conhecimento do comportamento animal e dos princípios básicos necessários para o desempenho das suas tarefas, sem utilização de violência ou qualquer método passível de provocar medo, lesões ou sofrimento.
Art. 37. Caso ocorram problemas no transporte, devem ser tomadas medidas necessárias para garantir o bem-estar animal.
Art. 38. No caso de doença ou traumatismos nos animais durante o transporte, os animais envolvidos devem ser separados dos demais animais e receber tratamento adequado e imediato.
Art. 39. Os veículos e navios transportadores de animais devem dispor de instalações que assegurem a proteção dos animais das intempéries, temperaturas extremas e variações meteorológicas desfavoráveis.
Art. 40. Os navios devem dispor de fonte de iluminação artificial suficiente para a inspeção e o tratamento dos animais durante a viagem.
Art. 41. Os navios devem estar equipados com equipamentos de combate a incêndios.
Art. 42. Os animais devem ser transportados em piso que garanta o seu conforto, adaptado à espécie, ao número de animais transportados e à duração da viagem.
Art. 43. Os navios devem manter em permanente disponibilidade uma baia hospital em cada deck, específica para separação dos animais que durante o transporte apresentem problemas de saúde.
Art. 44. O número de animais a serem abrigados no interior dos veículos de transporte rodoviário e nos navios deverá atender as condições de conforto e bem-estar animal, determinando-se este número em função do espaço disponível, segundo a espécie animal.
Art. 45. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento adotará as medidas necessárias para aplicação deste Regulamento em todo o Território Nacional.”
Logo, o transporte internacional de animais vivos está em consonância com as normas editadas pelo Poder Executivo e deve observar os interesses da Administração no comércio exterior, sem que comprometa o controle da qualidade, da segurança e do bem-estar dos animais.
De igual modo não procede a alegada ausência de fiscalização da parte dos órgãos públicos competentes.
O documento ID 1651931 contém o relatório da fiscalização realizada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento durante todo o processo de exportação pela embarcação MV NADA. O relatório indica a fiscalização por meio do Serviço de Vigilância Agropecuária do Porto de Santos nas infraestruturas móveis instaladas para o embarque dos animais e das condições gerais da embarcação frente ao disposto nas Instruções Normativas nºs 13/2010, 36/2006 e 39/2017. O MAPA fiscalizou ainda o trânsito animal desde as propriedades rurais habilitadas para quarentena, situadas nos municípios paulistas de Altinópolis, Sabino e Morro Agudo, até o Porto de Santos.
Também não assiste razão ao argumento de que o abate de acordo com preceitos religioso praticado nos países de destino seria incompatível com o preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Isso porque a legislação brasileira permite a realização de abates com respeito a preceitos religiosos, conforme se infere do Decreto 9.013, de 29 de março de 2017, que regulamenta as Leis 7.889/89 e 1.283/50, senão vejamos:
Art. 112. Só é permitido o abate de animais com o emprego de métodos humanitários, utilizando-se de prévia insensibilização, baseada em princípios científicos, seguida de imediata sangria.
§1º Os métodos empregados para cada espécie animal serão estabelecidos em normas complementares.
§2º É facultado o abate de animais de acordo com preceitos religiosos, desde que seus produtos sejam destinados total ou parcialmente ao consumo por comunidade religiosa que os requeira ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência.
No mesmo sentido é o disposto na Instrução Normativa nº 3, de 17 de janeiro de 2000, editada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Diante de todo o contexto fático-jurídico, está evidenciado o interesse público, bem como o risco de grave lesão à ordem, economia e saúde públicas, a autorizar o cabimento da medida suspensiva em testilha, nos termos do art. 4º da Lei 8.437/92.
Por fim, registro que a hipótese dos autos (ação civil pública) se amolda ao disposto no §9º do art. 4º da Lei 8.437/92, que prevê a intangibilidade da medida suspensiva até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal.
No entanto, segundo a máxima “in eo quod plus est semper inest et minus”, nada impede que a Presidência do Tribunal module no tempo essa ultra-atividade para menos, como fez caso concreto ao definir o termo final da eficácia suspensiva para o momento em que referida questão for julgada, de forma colegiada, e, no mérito, por órgão deste Tribunal Regional Federal.
Ante o exposto, acompanho a E. Desembargadora Federal Presidente para dar parcial provimento ao agravo e assim manter hígida a medida suspensiva até que a matéria seja julgada no mérito e de forma colegiada, por órgão desta Corte Regional.
É como voto.
SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5001511-93.2018.4.03.0000
RELATOR: Gab. Presidência
REQUERENTE: UNIAO FEDERAL
REQUERIDO: JUÍZO FEDERAL DA 25ª VARA CÍVEL DE SÃO PAULO SP, FORUM NACIONAL DE PROTECAO E DEFESA ANIMAL
Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO DE LIMA CATTANI - SP82279
O Senhor Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza:
Trata-se do julgamento sobre o direito da União à normatização, à fiscalização e ao controle de operações de exportação de gado vivo, a partir de qualquer ponto do território nacional, para abate, no exterior, relacionado a preceito religioso, em face da proibição da prática de crueldade contra os animais.
Há, por ora, dois votos reconhecendo o direito da União; com cinco contrários.
Pedi vista dos autos.
É velha e persistente a preocupação do Poder Judiciário com a preservação dos animais.
A título de ilustração:
A BRIGA DE GALO NÃO É UM SIMPLES DESPORTO, POIS MALTRATA OS ANIMAIS EM LUTA E PROPICIA O JOGO.
(RHC 34936, Relator(a): Min. CÂNDIDO MOTTA, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/1957).
BRIGAS DE GALO. DITA PRÁTICA ENQUADRA-SE NO ART. 64, DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS.
(RE 39152, Relator(a): Min. HENRIQUE D'AVILA, Primeira Turma, julgado em 03/07/1958).
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 7.380/98, do Estado do Rio Grande do Norte. Atividades esportivas com aves das raças combatentes. "Rinhas" ou "Brigas de galo". Regulamentação. Inadmissibilidade. Meio Ambiente. Animais. Submissão a tratamento cruel. Ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob título de práticas ou atividades esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas "rinhas" ou "brigas de galo".
(ADI 3776, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/2007).
No caso concreto, as operações de exportação foram vetadas, “até que o país de destino se comprometa, mediante acordo inter partes, a adotar práticas de abate compatíveis com o preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro e desde que editadas e observadas normas especificas, concretas e verificáveis, por meio de parâmetros clara e precisamente estabelecidos, os quais possam efetivamente conferir condições de manejo e bem estar dos animais transportados”.
Por primeiro, registre-se que a decisão questionada negou aplicação ao direito nacional.
Não meditou sobre norma expressa e literal incidente sobre os fatos em consideração.
Diz a liminar:
“O ordenamento brasileiro estabelece a metodologia de abate de animais para fins de alimentação humana. Vale dizer, não sendo seguida essa metodologia, o abate é irregular, pelo que se está desrespeitando o ordenamento jurídico.
A Instrução Normativa n.º 3, de 17 de janeiro de 2000, da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária a Abastecimento – MAPA estabelece que o abate se dará “por sangria”, precedida de “métodos humanitários de insensibilização dos animais” a serem abatidos.
Vale dizer, no Brasil o abate não se dá senão mediante a utilização prévia de métodos humanitários de insensibilização, de modo que a exportação, por uma questão de integridade do ordenamento, não poderá ocorrer senão mediante a garantia, estabelecida em documentos internacionais inter-partes, de que no país de destino o animal brasileiro exportado vivo terá, quando de seu abate, o mesmo tratamento jurídico que lhe confere o ordenamento brasileiro”.
Ocorre que a Instrução Normativa n.º 3, de 17 de janeiro de 2000, da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária a Abastecimento – MAPA, tem dispositivo expresso, para o caso de abate relacionado a preceito religioso:
“11.3. É facultado o sacrifício de animais de acordo com preceitos religiosos, desde que sejam destinados ao consumo por comunidade religiosa que os requeira ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência, sempre atendidos os métodos de contenção dos animais”.
É certo que tal Instrução Normativa estava direcionada aos métodos de insensibilização para o abate de animais de açougue.
Na questão mais ampla e específica da disciplina da inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal, há o Decreto Presidencial nº 9.013, de 29 de março de 2017, cujo artigo 112 dispõe:
Art. 112. Só é permitido o abate de animais com o emprego de métodos humanitários, utilizando-se de prévia insensibilização, baseada em princípios científicos, seguida de imediata sangria.
§ 1º Os métodos empregados para cada espécie animal serão estabelecidos em normas complementares.
§ 2º É facultado o abate de animais de acordo com preceitos religiosos, desde que seus produtos sejam destinados total ou parcialmente ao consumo por comunidade religiosa que os requeira ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência.
Ou seja, como regra, para o abate, o Brasil segue métodos técnicos laicos. Mas permite outros procedimentos de eliminação da vida dos animais, por motivos religiosos.
De acordo com a Constituição Federal, a norma administrativa preserva o respeito à crença religiosa, garantindo o seu pleno exercício a residentes no Brasil e no exterior.
A desconsideração do preceito normativo não apenas viabiliza a intolerância com as crenças religiosas de cidadãos residentes nos países com os quais o Brasil mantém relações de comércio, como abre precedente, também, para a discriminação contra a fé de comunidades crentes estabelecidas no território nacional, como é o caso, entre outras, das que professam o Judaísmo e o Islamismo.
A propósito, a posição do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento:
“É importante lembrar que, atualmente, é estimada em 0,76% do total da população brasileira segue a religião islâmica, representando um total de 1.482.760 de pessoas no Brasil.
Portanto, o abate de animais com métodos islâmicos destina-se não só a atender a comunidade islâmica nacional como também a comunidade internacional. Em todo o mundo existem 1,8 bilhão de muçulmanos, distribuídos em cerca de 55 países, alguns deles importantes parceiros comerciais do Brasil como Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Omã, Líbano e Jordânia.
O Brasil é hoje o terceiro maior exportador do mundo de produtos provenientes do abate islâmico, depois da China e dos Estados Unidos. Estatísticas indicam que cerca de 30% das exportações de frango e 40% das exportações de carne bovina são destinadas a países muçulmanos. A receita com as exportações de produtos Halal foi de US$ 2,939 bilhões em 2016.
Os procedimentos praticados nos rituais do abate halal, definidos pelas autoridades sanitárias e religiosas muçulmanas, são praticados indistintamente em todos os países muçulmanos ou nos que estejam abatendo animais para consumo pela comunidade islâmica, nacional ou internacional.
Dessa forma, há que se considerar que com o eventual desembarque destes animais, ademais dos riscos sanitários envolvidos, os mesmos animais seguirão sua finalidade produtiva natural, ou seja, como de produção e destinados a alimentação humana, poderiam inclusive ter sido destinados no Brasil ao mesmo abate que ocorreria na Turquia, sem qualquer descumprimento de ordem legal ou ético. Portanto, não há coerência na argumentação que fundamentou a decisão judicial”.
Da premissa equivocada - a suposta só existência de abate técnico laico no Brasil -, a decisão liminar partiu para sujeitar o Poder Executivo, a União, a exigir cláusula de reciprocidade, no comércio exterior, para vetar, a Nações estrangeiras, procedimento aceito e praticado na jurisdição local.
Não se pode exigir do estrangeiro o que o Brasil não tem a oferecer no plano interno.
Tanto mais para fazer restrição alimentar, de natureza religiosa.
A imposição, aos países de credo muçulmano – judaico ou de qualquer outra matriz religiosa –, de intolerância com certo método de abate animal, radicalmente vinculado à expressão da fé, configura violação da Constituição Federal.
A falta de aplicação do direito nacional, a imposição de regra estranha ao domínio dos fatos no comércio exterior e o constrangimento para que a União, o Poder Executivo, se sujeite a estes parâmetros, ainda para fazer exigência diante de Estados estrangeiros, em matéria alimentar, de fundo religioso, configuram manifesta afronta ao interesse público, grave subversão da ordem jurídica e administrativa.
Por outro lado, ainda que a Constituição Federal não assegurasse a liberdade religiosa e o direito nacional ordinário só autorizasse o abate técnico laico, a imposição, no comércio exterior, à União, da exigência de cláusula de reciprocidade, caracterizaria, por si só, grave usurpação da competência do Poder Executivo pelo Judiciário e a escolha de certa política partidária de governo, com significativas repercussões nacionais e internacionais, a partir de dados precários, preliminares, ainda sujeitos a todo tipo de contestação complexa e cuidadosa, no plano da ampla defesa.
É incontroverso que o Poder Judiciário não pode realizar a usurpação das competências dos demais Poderes de Estado.
Mas quando isto é feito em ambiente processual tumultuado, com base em informações unilaterais ou precárias, ainda não submetidas ao contraditório, a iniciativa ganha contorno de gravidade irrecusável.
A ação civil pública foi ajuizada em Brasília (DF), deslocada para Caraguatatuba (SP) e, finalmente, transferida para uma das Varas Cíveis, aqui na Capital do Estado de São Paulo.
O Juízo Federal de Brasília reconheceu a própria incompetência e determinou a remessa dos autos ao de Caraguatatuba.
Não obstante, deferiu “as medidas emergenciais sugeridas pelo Ministério Público Federal, para determinar ao IBAMA e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para que, no prazo máximo de 24 horas, adentrem o (s) navio (s) que se encontram no Porto de São Sebastião, comportando os animais vivos para exportação, a fim de verificarem se há condições de tratar dos 20.000 animais durante semanas a mar aberto, devendo ir acompanhados de veterinários. Sendo o caso, havendo inobservância da legislação, deverão ser adotadas as medidas administrativas cabíveis”.
A decisão é de 12 de dezembro de 2.017. Foi enviada eletronicamente no mesmo dia, às 16 horas e 15 minutos, para Caraguatatuba.
Havia notícia oficial de que navio deixaria o Porto de São Sebastião, sob a jurisdição de Caraguatatuba, no dia seguinte.
O Juízo Federal de Brasília não interferiu na complexa operação de embarque da carga viva, além de observar o dia marcado para a zarpagem do navio em São Sebastião.
Na sequência, o processo ficou à disposição do Juízo Federal de Caraguatatuba e logo foi transferido para São Paulo.
O Juízo Federal de São Paulo, após ouvir a União sobre o pedido de concessão de medida liminar, suspendeu, em 31 de janeiro de 2.018, a finalização da operação de embarque de, aproximadamente, 25.000 bois, em navio de grande porte atracado no Porto de Santos (SP).
Além disto, a liminar proibiu a saída do navio do Porto de Santos.
Estas duas providências, de consequências previsíveis, foram impostas quando a operação de embarque da carga viva, iniciada em 26 de janeiro de 2.018, estava prestes a terminar.
A liminar determinou, por fim, a realização de inspeção na carga viva, por veterinária.
A veterinária escolhida pelo Juízo Federal de São Paulo é servidora do município de Santos. Participou, nesta condição, da fiscalização nos caminhões envolvidos no transporte dos bois até o porto local.
O Município autuou os transportadores com multa de, aproximadamente, um milhão e quinhentos mil reais, pela suposta violação de posturas locais.
A blitz coincidiu com o protesto de rua realizado por interessados na causa, para tentar impedir a operação de embarque de mais de 25.000 bois.
Registre-se que, além da multa, pouco tempo depois, o Município, para proibir o transporte de carga viva no Porto de Santos, aprovou lei, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida em decisão liminar prolatada na ADPF 514, no Supremo Tribunal Federal.
No laudo de inspeção apresentado ao Juízo Federal de São Paulo, no vídeo registrado sob o nº 4416260 - Outros Documentos (WhatsApp Video 2018 02 01 at 15.57.56), a inspetora nomeada pelo Juízo acaricia um dos bois e declara: “Oi, meu amor! Oi, meu lindo! Vou lutar por ti”.
De relevância sanitária, no laudo, há o registro, sobretudo nos compartimentos mais ao fundo do navio, de grande quantidade de dejetos animais.
Há controvérsia sobre o fato. O embarque da carga, durante vários dias, é feito de baixo para cima no navio.
Por questões sanitárias e ambientais, o navio não pode ser limpo no Porto ou quando em navegação a curta distância da costa.
Os dejetos animais devem ser despejados nas grandes correntes oceânicas, segundo normas internacionais, assim como ocorre com os emissários submarinos de lançamento de esgoto localizados nas cidades.
Segundo a União, na medida em que o Juízo Federal de São Paulo - ao contrário do de Brasília, com o navio de São Sebastião - atrasou o final da operação de embarque e proibiu a zarpagem, em Santos, contribuiu para elevar a acumulação de dejetos, cujo estágio crítico pode ser alcançado em horas, diante do significativo plantel embarcado.
A questão de fato tem inegável relevo jurídico.
Diz a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no artigo 22, § 2º: “Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente”.
Há, ainda, registro de que o laudo de inspeção foi encaminhado ao Juízo Federal por Frank Alarcon, fundador do Partido Animais e “Campaign Manager” da ONG “Cruelty Free International”. Confira-se:
“De: Frank Alarcon <frank.alarcon@gmail.com>
Para: <Civel_vara25_sec@jfsp.jus.br>
Data: 02/02/2018 11:20
Assunto: Ação Civil Pública No 5000325-94.2017.4.03.6135 : Relatorio de Inspeção navio NADA - Decisão Judicial (31 de Janeiro de 2018)
CC: <rl-cattani@uol.com.br>
Anexos: Parecer_Veterinario_Justica_FederaL_02FEV2018.pdf
MM. Juíz Djalma Moreira Gomes
Para sua apreciação:
Relatório Inspeção Técnica de Médica Veterinária nomeada + Fotos + Vídeos
Att.
Frank Alarcón, Ph.D”.
Seja como for, a alta política de comércio exterior de uma Nação não pode ser arbitrada pelo suposto grau de desvio procedimental, em uma operação de exportação, ainda que o próprio Poder Judiciário não seja o responsável pelo incidente tumultuário.
A ONG autora da ação civil pública apresenta estudos contra o transporte marítimo de bois vivos. De autoria de Frank Alarcon, um grupo de veterinárias brasileiras e uma australiana.
A respeito disto, a União contesta:
“(A ONG) Faz menção a um laudo elaborado por uma veterinária australiana, junta fotos de estabelecimentos onde se criam e se recebem animais para corte, bem como locais nos quais os animais já estariam dispostos para transporte, dentro dos navios. Que locais e navios são esses? Que competência teria essa veterinária australiana no sentido de substituir o trabalho e a fiscalização dos fiscais agropecuários lotados junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil? Coincidência ou não, a Austrália disputa junto com o mercado brasileiro, o primeiro lugar na exportação de gado bovino no mundo”.
A argumentação da União é relevante.
Os laudos técnicos de fiscalização emitidos pelas autoridades brasileiras, em Santos, atestam a regularidade da operação de exportação.
Isto está em conformidade com os laudos técnicos formalizados nas inspeções do navio embarcado no Porto de São Sebastião.
Também com a realidade de que o Brasil possui severa e estrita normatização sobre o agronegócio. Equipes multidisciplinares de fiscalização.
Trata-se de setor globalizado, com altas exigências regulatórias, inclusive de natureza religiosa.
É impossível disputar a hegemonia sem planejamento estratégico, custoso, através de complexa articulação entre os setores público e privado.
Parece contrastar com a realidade dos fatos, a ideia de que qualquer país possa sustentar posição de superior protagonismo neste segmento, sem observar não mínimos, mas máximos parâmetros regulatórios nacionais e internacionais.
O que não afasta a ocorrência de falhas, acidentes ou desvios operacionais ou humanos, em tal ou qual operação, em universo com milhares de procedimentos.
A propósito deste aspecto, na sessão de julgamento, o Desembargador Federal Carlos Muta ponderou:
“Por que a Europa é, juntamente com o México, um dos grandes exportadores de boi vivo?
A Europa exporta boi em pé, e o gado da Europa é muito mais apreciado do ponto de vista da qualidade do que o brasileiro, porque os turcos gostam muito mais de Angus do que Nelore. Todo mundo sabe que o gado Angus é muito melhor do que o gado Nelore, que é a base do nosso plantel aqui no país.
Mas por que se vai buscar um gado de qualidade inferior a muito maior distância do que aquele que tem na Europa?
Porque o custo é muito menor! Porque a cadeia produtiva, o custo de fazer esta exportação é muito melhor. E como é que ele tem que ser economicamente viável? Com a menor condição sanitária possível, o transporte tem que ser o mais econômico possível para o importador turco, por isso é que se faz isto! Você bota 30.000 animais em condições sanitárias terríveis para você ter um custo de importação menor em relação ao custo de importação que poderia ser da Europa, que está ali do lado da Turquia”.
Não há prova, nos autos, no sentido de que os exportadores europeus – ou de qualquer outra origem – lancem mão de logística distinta da utilizada pelo Brasil.
Os navios mencionados nos autos são, todos, de frotas mercantes estrangeiras. Nem há prova de que tais navios - ou similares - sirvam ao Brasil, mas não a outras Nações também líderes do setor.
Mas há prova consistente de que as condições sanitárias respeitadas no Brasil estão alinhadas com as mais restritivas exigências internacionais.
O Desembargador Federal Carlos Muta defendeu posição distinta, na sessão de julgamento:
“Segundo estudos que foram feitos, existem aí circulando na internet, num transporte de até 15 dias com boi naquelas condições, há uma taxa de mortalidade de 3%, 3% de 30.000 dá 900 bois mortos daqui até a Turquia. O que se faz com 900 bois que morrem durante isto? Ou 500 bois que morram, ou 100 bois que morram?
Diz que existe um aparelho lá que é um triturador de boi, então se tritura o boi. Se alguém conseguir entrar naquele lamaçal de fezes, porque pode ser que nem se entre lá, se deixe aquilo morto, até chegar ao porto de destino. Então na verdade o que se percebe em todo este contexto não é que a União defende que existe a sua competência administrativa para administrar e que o Judiciário não pode intervir, mas o fato é que todas as circunstâncias do caso concreto mostram que esta estruturação, normatização administrativa só existe no papel”.
É preciso ponderar que a eventual desídia ou, mesmo, o suposto desígnio malicioso das autoridades ou dos exportadores brasileiros, para provocar crueldade contra os animais, produziria as consequências dos maus tratos, com problemas de perda de peso, doenças e, até, a morte, tudo a embaraçar a credibilidade do Brasil como mercado exportador e o objetivo do lucro, com prejuízos certos, custos extravagantes e indenizações milionárias devidas aos importadores.
Ademais disto, a preocupação diligente - louvável –, no sentido de que um navio possa entrar em algum porto do mundo, com centenas de animais mortos, encontrará a realidade das primeiras regras de defesa sanitária praticadas por países habilitados a realizar operações marítimas de grande porte, qualificados por sofisticação comercial, logística e institucional – como é o caso da Turquia e de outras Nações importadoras.
De qualquer modo, a prova constante nos autos indica, ao menos neste momento processual, o êxito da política sanitária do Governo do Brasil e das escolhas logísticas dos exportadores.
O navio embarcado no Porto de Santos é noticiado como o maior do mundo no setor.
O Porto de Santos retomou as operações de carga viva com este navio, como noticiou, em 5 de dezembro de 2.017, “A Tribuna”, órgão de imprensa da cidade:
“O primeiro embarque de “cargas vivas” do Porto de Santos nos últimos 17 anos terminou na tarde desta segunda-feira (4). Às 15h35, o último dos 26.895 garrotes (boi jovem, pesando cerca de 250 quilos) foi embarcado no navio Nada, atracado no ponto dois do Cais do Saboó, na Margem Direita do complexo marítimo” (internet).
Há cópia de mensagem eletrônica enviada por autoridade governamental da Turquia certificando a chegada da carga viva em boas condições, no que concerne a esta operação de dezembro de 2.017:
“CERTIFICATE OF ARRIVAL
vessel: M V NADA
cargo: 26895 heads of alive cattle of Brazilian Origin
port of loading: Santos Port , Brazil
date of departure: 4/12/2017
port of discharge: Mersin Port , Brazil
date of arrival: 21/12/2017
This is to confirm that the animals arrived in good healthy condition in Turkey to our satisfaction.
Veterinary authorities , Turkey”.
Ou seja, a análise de duas operações de exportação, em relação ao mesmo navio, no mesmo porto, em datas próximas, indica que a realizada em condições normais alcançou o seu objetivo com pleno êxito, através da chegada da carga viva em bom estado de saúde.
A outra operação, sob as condições inusuais já descritas, ainda não tem o seu desfecho documentado pelas autoridades de destino da carga viva – ao menos nestes autos.
Parece inquestionável que a política de comércio exterior de um País não pode ter como parâmetro uma ou duas operações de exportação.
Mas se isto fosse constitucional e razoável, qual o motivo para a escolha, entre duas operações documentadas, da que foi avaliada, na partida, pelo amor à causa declarado pela inspetora do Juízo, pela obstrução do transporte por protestos de rua e a concessão de liminar no momento crítico da finalização do embarque da carga viva?
A outra operação realizada em condições normais foi atestada pela autoridade governamental de destino da carga viva.
Ainda que estas duas operações pudessem ser o paradigma para o comércio exterior do Brasil no setor – e não podem -, parece evidente que apenas uma delas tem comprovação sobre o êxito da regulação sanitária e da logística, na entrega satisfatória da carga viva no destino – justamente a que foi realizada em condições normais.
Por último – e só isto já autorizaria a suspensão da liminar -, a cogitação sobre a utilização, pelo Governo Brasileiro, da cláusula de reciprocidade, em matéria de comércio internacional, deveria considerar toda a complexidade das muitas opções.
A cláusula de reciprocidade, no comércio internacional, é instrumento de grande valia, mas também pode causar prejuízo a gerações, a depender de escolhas governamentais e do momento histórico.
São várias as teorias de economia política. E a realidade dinâmica do comércio internacional está sujeita a muitos fatores.
Daí porque o constituinte disciplinou o tema sob a competência do Poder Executivo, com a possibilidade de amplo debate e escrutínio partidário, incompatível com o âmbito de limitada ação civil pública proposta no Poder Judiciário.
A ilustração sobre a complexidade da questão do comércio exterior, com uma, de muitas opiniões (Gustavo Franco, “O isolacionismo brasileiro”, em “O Estado de S. Paulo”, edição de 25 de agosto de 2018):
“O grau de abertura da economia brasileira, medido pela soma de exportações e importações (a chamada corrente de comércio) como proporção do PIB, era de 18% em 1960. Era cerca de metade disso na Coreia e na China, respectivamente 9,5% e 8,7%, e para o mundo o número era parecido com o nosso, 17,5%.
Nos 20 anos que se seguiram, a Coreia fez uma incrível transição: seu grau de abertura cresceu para 31,3% em 1970 e para 61,2% em 1980. O vento ajudou: a média mundial chegou a 34,9% nesses anos. No Brasil, em contraste, não avançamos praticamente nada, alcançando apenas 19,2% em 1980.
A Coreia chegou a 82,5% em 2010, quando o grau de abertura no planeta Terra seguiu crescendo até 47,7%. Já no planeta Brasil, nesses anos, registrou-se um ligeiro recuo no grau de abertura, que passa a 17,8%.
Em 2017, nosso grau de abertura foi de 18,3%, praticamente o mesmo de 1960, enquanto a média mundial atingiu 51,9%.
Depois de 57 anos vibrantes de globalização, quando o mundo foi sacudido por investimentos internacionais de muitas variedades, multinacionais, cadeias globais de valor e todo o tipo de modelo de negócio tornando a indústria um fenômeno essencialmente internacional, o Brasil continuou estacionado exatamente no mesmo lugar.
A Coreia tinha uma renda per capita 30% menor que a do Brasil em 1960, mas em 1980 já tinha empatado conosco, num nível perto de 20% da renda per capita dos Estados Unidos. Em 2017, a Coreia chegou a 65% da renda per capita americana enquanto o Brasil chegou a 26%.
A Coreia nos deixou para trás de forma acachapante. Todas as restrições que foram feitas a seu modelo globalizante de promoção de exportações ficaram prejudicadas, bem como as nossas esfarrapadas justificativas para a substituição de importações e para o ideal de autossuficiência.
Essa opção pela abertura, segundo se dizia, não estava disponível para os países grandes. Esqueceram de avisar os chineses. Em 1960, eles se pareciam com a Coreia em abertura e em 1970 se aproximaram da autarquia ao chegar a 4,95% de abertura. Mas o tal “socialismo de mercado” inventado por Deng Xiaoping (famoso, entre tantas realizações, pelo aforismo “não importa a cor do gato desde que cace ratos”), na verdade, um hipercapitalismo, levou a China para um grau de abertura de 19,9% já em 1980 e daí, na mesma toada, até 48,75% em 2010.
Enquanto isso, o Brasil permanece no mesmo lugar e ergue em torno de si um formidável acervo de impedimentos ao comércio exterior, compreendendo tributos, obstáculos administrativos e regulatórios, requisitos de conteúdo nacional e padrões exóticos, como a indefectível tomada de três pinos.
(...)
Nosso isolacionismo é não apenas vergonhoso, como reduz as nossas possibilidades de progresso. Exatamente como foi, outrora, o nosso gosto pelo inflacionismo, um vício que conseguimos largar.
A liderança chinesa teve imensa coragem e lucidez ao optar pela abertura, uma estratégia que lhes conduziu à condição de potência econômica global. Nos últimos 57 anos, todavia, nos faltou a liderança, ou a convicção, ou ambas”.
Parece medida de pouca segurança jurídica impor ao Governo da União a utilização de cláusula de reciprocidade, em sede de liminar precária e de fundamentação questionável, sob os aspectos jurídico e factual.
É ilusão a projeção no sentido de que a decisão judicial prolatada em certo país levaria outro a importar produto com maior índice de transformação industrial – algo como uma política de substituição judiciária de importações: do gado vivo, por carne processada na indústria.
A industrialização das Nações passaria a depender do “messianismo judicial”, conduta reprovada pelo raciocínio lúcido, lógico, do saudoso Ministro Teori Zavascki (STF - ADI 4650):
“Em suma, não há como desconhecer que, no Brasil, já passou da hora de prover medidas no sentido de alterar esse crônico estado das coisas, em que campeiam práticas ilegítimas de arrecadação de recursos, de excessos de gastos e de corrupção política. Todavia, mostra-se uma alternativa pouco afinada com a nossa experiência histórica imaginar que a corrupção eleitoral e o abuso do poder econômico sejam produto do atual regime normativo e que isso seria razão ou pretexto suficiente para declará-lo inconstitucional, propiciando assim a volta ao regime anterior, em que se proibia o aporte de recursos por pessoa jurídica. Só por messianismo judicial se poderia afirmar que, declarando a inconstitucionalidade da norma que autoriza doações por pessoas jurídicas e, assim, retornar ao regime anterior, se caminhará para a eliminação da indevida interferência do poder econômico nos pleitos eleitorais. É ilusão imaginar que isso possa ocorrer, e seria extremamente desgastante à própria imagem do Poder Judiciário alimentar na sociedade, cansada de testemunhar práticas ilegítimas, uma ilusão que não tardará em se transformar em nova desilusão” (os destaques não são originais).
A Magistratura não está constitucionalmente autorizada a abrir mão do alto grau de civilidade representado pela institucionalização do Poder Judiciário, nos limites do Estado Democrático de Direito, cujo modelo de responsabilidade é incompatível com o bonapartismo, o messianismo, o sebastianismo, o "xerifismo" dos fronteiriços e outros delírios de poder oportunista, autoritário, jactancioso ou de manicômio.
Para encerrar, cumpre registrar outro ponto relevante abordado no r. voto do Desembargador Carlos Muta. Disse Sua Excelência:
“No Brasil, hoje, se estima que se faça o abate de 40 milhões de cabeças por ano, enquanto que o volume de gado exportado é de 600.000 ao ano, no máximo, no máximo! Então por aí também se vê o tamanho desses mercados, a diferença de tamanho destes mercados. E, na verdade, nada mais existe aí nesse... esse mercado é tão pequeno, é tão pequeno, que a Friboi e a Marfrig, que são as grandes empresas dominadoras do mercado internacional, não ligam para esse mercado, não dão a menor atenção a esse mercado. É um mercado irrisório do ponto de vista econômico. Quem está à frente desse mercado de boi vivo, exportação, são três empresas basicamente: Minerva, Mercúrio e AgroSpot, que exploram essa cadeia produtiva.
E, em princípio, então se dizendo que o boi não vai processado em pé, vivo, a tendência de se imaginar é que, cessado esse mercado, esse mercado seria incorporado pelo boi processado, o que é natural, porque na cadeia produtiva certamente o produtor, aquele que cria o gado, não ganha mais vendendo para pequenos grupos econômicos do que ganharia vendendo para os grandes grupos econômicos. Então a rigor, a rigor, o fato de se eventualmente interromper essa cadeia produtiva de exportação não significa que não haveria uma realocação desse produto para a indústria do boi processado, sem que houvesse significativa perda para o produtor na origem, o que nada prova em princípio. Não há dados, em princípio, que digam que o pecuarista ganhe mais vendendo para a exportação de boi em pé do que para o boi processado”.
A “Folha de S. Paulo”, na edição de 1º de abril de 2.018, noticiou algo diverso, diametralmente oposto. O mercado de exportação de gado vivo é expressivo, com potencial gigantesco – de 7 bilhões, 1,8 bilhão de seres humanos professam a fé islâmica.
Confira-se a notícia:
“A Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos) pediu à Receita Federal que crie uma taxa para a exportação do boi vivo, o chamado "gado em pé". Representantes dos pecuaristas do Pará e do Rio Grande do Sul, dois Estados exportadores de boi em pé, acusam os frigoríficos de tentar controlar preços e de buscar criar reserva de mercado. As indústrias consideram que a venda de bois vivos para fora do país enfraquece a cadeia produtiva. No dia 20 de março, a Abrafrigo pediu oficialmente à Receita a criação de uma taxa para a exportação do boi em pé. No dia 26, encaminhou solicitação ao Ibama (Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis e Meio Ambiente) para fiscalização nos portos do Pará e de Rio Grande (RS), onde na quinta-feira foram embarcados 7.000 bois e bezerros vivos para o Líbano. Em 2007, a receita com essas exportações aumentou 261% ante o ano anterior. A quantidade de bois embarcados cresceu 76% - para 431,8 mil. O presidente da Abrafrigo, Péricles Pessoa Salazar, considera o número um retrocesso para a cadeia produtiva. "Deixamos de processar a carne, o sebo, o couro, e isso prejudica toda uma indústria nacional. Além disso, existe falta da matéria-prima nos principais Estados exportadores, Rio Grande do Sul e Pará", afirma. Ele cita também a questão ambiental, dizendo que os portos brasileiros não estão preparados para dar um destino correto às fezes dos animais que esperam embarque. A diretora técnica da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, Eliana Zacca, afirma que o problema está na preocupação dos frigoríficos com a rentabilidade. "Há um controle de preços por parte dos frigoríficos sobre a arroba do boi. A alternativa de exportar o animal vivo se contrapõe a isso, e os frigoríficos estão preocupados. É só reserva de mercado", diz. "No Pará, os frigoríficos controlam não só o preço mas a escala. Determinam o peso do animal na terminação. O produtor encontrou, na exportação do boi em pé, uma válvula de escape a esse controle." Carlos Roberto Simm, coordenador da Comissão de Bovinocultura da Federação da Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Sul, diz que é perigosa a proposta dos frigoríficos. "Vejam a Argentina, que está parada por taxações. No Brasil, a regra tem que ser simples." Simm afirma que as exportações para o Líbano, interrompidas em 2007 e retomadas no início deste ano, não afetam a indústria nacional. "Eles [importadores] não fazem questão de qualidade e levam terneiros [bezerros] e animais de descarte, produtos que não interessam a frigoríficos brasileiros." Segundo a Receita, não há impostos do governo federal sobre a exportação de bois vivos. A Receita informou que não se manifestaria sobre o pedido dos frigoríficos”.
O conflito concorrencial entre setores de determinada cadeia produtiva não é assunto de competência do Poder Judiciário, no âmbito de ação civil pública.
Não cabe ao Poder Judiciário, salvo melhor juízo, fazer cogitações sobre preços de ativos e, mais que isto, projetar, a partir deste ponto, as escolhas de mercado mais convenientes a determinado segmento produtivo.
Trata-se de intervenção inconstitucional na livre iniciativa. Os agentes econômicos são livres para o exercício da escolha dos compradores de seus produtos.
Hoje, a abertura do mercado internacional pode dar ao criador de gado vivo a opção da exportação.
Mas, amanhã, se houver queda no preço internacional, o mesmo criador de gado vivo poderá voltar a ter interesse na venda para os frigoríficos locais.
Seria incabível, neste futuro eventual, a decretação judicial da compra compulsória, pelos frigoríficos locais, do gado vivo produzido pelos criadores frustrados com a exportação.
Seja qual for a situação de mercado, não cabe ao Poder Judiciário especular sobre preços e indicar os movimentos mais convenientes aos agentes econômicos.
Mantenho, portanto, a decisão que permitiu a continuidade das operações brasileiras de exportação de gado vivo.
Quanto ao tema da eventual eficácia temporal da decisão da Presidência – ou do Órgão Especial, caso desprovido o recurso – abro a divergência respeitosa.
A atribuição de intangibilidade à suspensão concedida pela Presidência - ou, ainda, por este Colegiado -, pela interdição plena da eficácia do poder decisório de 1º grau de jurisdição, não está de acordo com a lei e a jurisprudência, salvo melhor juízo.
Em caso similar, a Presidência anotou que objetivava “evitar que decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição venham a subtrair a eficácia do decidido por este Tribunal” e, por isto, propôs a cristalização da suspensão, até a questão ser “apreciada, de forma colegiada, e no mérito, por órgão julgador deste Tribunal Regional Federal, quer seja em recurso de agravo de instrumento, quer seja no âmbito de apelação”.
O sistema de justiça, nos diferentes graus de jurisdição, para preservar a autoridade das instâncias e a eficácia de suas conclusões, opera com o regime de substituição de uma decisão por outra.
É certo – e desejável - que, deferida a suspensão da liminar ou da tutela, pela Presidência do Tribunal ou, no agravo, por seu Órgão Especial, o juízo de 1º grau de jurisdição tenha a possibilidade de proferir novo ato - a sentença de mérito, não apenas, mas, sobretudo –, com plena eficácia, nos termos da lei.
A sentença substituirá a liminar ou a tutela. Com a perda do objeto da suspensão, do agravo contra ela interposto ou do próprio agravo de instrumento.
Nesta última hipótese – a do agravo de instrumento -, aceita a tese agora proposta pela Presidência, cumpriria às Turmas do Tribunal tornar intangível, à força da sentença, a decisão prolatada pelo Colegiado, por algum ou alguns de seus integrantes.
A diferença de autoridade, que não existe entre a Presidência ou o Órgão Especial e o Juízo de 1º grau de jurisdição, também não há entre este último e as Turmas ou Seções da Corte e os seus integrantes.
O que se faz é justamente o contrário: prolatada a sentença, qualquer decisão no agravo de instrumento ficará prejudicada.
A fórmula agora proposta acabará por manter a intangibilidade da suspensão de um ato processual inexistente: a liminar ou a tutela será retirada do mundo jurídico com o novo ato, a sentença.
Por outro lado, não importa o teor da sentença. Poderá, até, na conclusão de mérito, ficar alinhada com a suspensão concedida pela Presidência.
Mas, nesta hipótese, o sistema procedimental racional não concederá eficácia a dois atos destinados ao mesmo propósito.
Prevalecerá a autoridade da sentença, ainda que proferida por juiz substituto, diante do ato praticado pelo mais representativo colegiado do tribunal.
No plano da eficácia, prevalece a qualidade do ato judicial, não o grau profissional de seu autor.
É por isto que “a natureza da decisão e a gravidade dos fundamentos invocados para a suspensão de uma decisão provisória é muito mais singela do que aquela que visa a impedir a execução de uma sentença que julgou procedente uma demanda”, lembra o saudoso Ministro Franciulli Netto (Resp nº 184144/CE – STJ).
Neste sentido, é velha e firme a jurisprudência deste Tribunal:
AGRAVO REGIMENTAL. LEI Nº 8.437/92. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. SENTENÇA NA AÇÃO SUBJACENTE. PERDA DE OBJETO DA CONTRACAUTELA. NECESSIDADE DE NOVO PEDIDO DE SUSPENSÃO EM FACE DA SENTENÇA. SÚMULA N.626 DO STF. INAPLICABILIDADE QUANTO À DECISÃO SUSPENSIVA PROFERIDA POR PRESIDENTE DE TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA.
1. A decisão antecipatória de tutela é absorvida pela sentença superveniente, razão pela qual o prazo de sustentação da suspensão concedida pelo presidente do tribunal competente teria durado até esse momento.
2. Para a eventual sustação dos efeitos da sentença proferida, impõe-se a formulação de um novo pedido de suspensão para o Presidente do Tribunal competente, desde que se protraia no tempo a grave ameaça de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, tal como prevê a legislação de regência.
3. Da leitura do §2º do artigo 4º da Lei nº 4.348/64, observa-se que o parágrafo 9º do artigo 4º da Lei nº 8.437/92, não fora estendido ao processo de mandado de segurança. No entanto, houve por bem o C. Supremo Tribunal Federal em estender essa ultra-atividade à suspensão da liminar em mandado de segurança, a qual vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva, salvo se a decisão deferitória do pedido de suspensão houver determinado em sentido contrário.
4. A Súmula nº 626 do STF somente se aplica quando a suspensão de segurança for, originariamente, deferida por Tribunal Superior. Conseqüentemente, inaplicável tal enunciado em se tratando de suspensão prolatada por tribunal de segunda instância.
5. Agravo Regimental a que se nega provimento para o fim de manter a decisão que decidiu pela perda de objeto do pedido de suspensão dos efeitos de tutela concessiva, ante a superveniência de sentença que a absorveu.
(TRF 3ª Região, ORGÃO ESPECIAL, SUEXSE - SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA - 2630 - 0019845-91.2003.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE, julgado em 09/01/2008, DJU DATA:24/01/2008 PÁGINA: 351).
AGRAVO REGIMENTAL EM SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. LEI Nº 8.437/92. SENTENÇA PROFERIDA NA AÇÃO SUBJACENTE E APELAÇÃO RECEBIDA NO DUPLO EFEITO. PERDA DE OBJETO DA CONTRACAUTELA.
1.A decisão antecipatória de tutela é absorvida pela sentença superveniente, razão pela qual o prazo de sustentação da suspensão concedida pelo presidente do tribunal competente teria durado até esse momento. Precedentes: Resp nº 184144/CE - STJ - Rel. Min. Franciulli Netto - DJ de 28.10.2003 -p.238; SS nº 2003.03.00.019845-5 - TRF3 - Rel. Desemb. Fed. Marli Ferreira - DJ de 24.01.08 - p. 351; SL nº 2686-SP - Rel. Desemb. Fed. Diva Malerbi - decisão de 25-04-2007; SL nº 2783-SP - Rel. Desemb. Fed. Diva Malerbi - decisão de 26-04.2007; SS nº 2709-SP - Rel. Desemb. Fed. Anna Maria Pimentel - decisão de 26-11-2004; SL nº 2003.04.01.055940-2 - TRF4 - Rel. Desemb. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria - decisão de 31-01-2007.
2.Para a eventual sustação dos efeitos da sentença proferida, impõe-se a formulação de um novo pedido de suspensão para o Presidente do Tribunal competente, desde que se protraia no tempo a grave ameaça de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, tal como prevê a legislação de regência.
3.Por outro lado, considerando que a finalidade da Suspensão de Segurança é a sustação dos efeitos de decisão que implique em grave lesão aos bens protegidos pela Lei nº 8.437/92, o recebimento do apelo no duplo efeito exaure o objeto do pedido de contracautela.
4.Agravo Regimental a que se nega provimento para o fim de manter a decisão que decidiu pela perda de objeto do pedido de suspensão dos efeitos de tutela concessiva, ante a superveniência de sentença que a absorveu e o recebimento da apelação no duplo efeito.
(TRF 3ª Região, ORGÃO ESPECIAL, SUEXSE - SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA - 2588 - 0010738-57.2002.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE, julgado em 24/04/2009, e-DJF3 Judicial 2 DATA:20/05/2009 PÁGINA: 61).
AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA. NECESSIDADE DE NOVO PEDIDO PARA A MANUTENÇÃO DA SUSPENSÃO. PERDA DE OBJETO DA CONTRACAUTELA. PREJUDICADO O PEDIDO DE SUSPENSÃO.
1. A decisão concessiva da tutela antecipada que deu origem ao presente pedido de suspensão não mais subsiste, ante a prolação de sentença nos autos da ação originária.
2. A presente contracautela foi ajuizada em face de uma decisão interlocutória, a qual foi substituída pela sentença de procedência.
3. A sentença absorve a decisão concessiva da tutela antecipada, eis que esta foi proferida em cognição sumária.
4. Neste caso, para sustar os efeitos da sentença, faz-se imprescindível o ajuizamento de novo pedido de suspensão perante o Presidente do Tribunal competente, desde que se protraia no tempo o perigo de lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, conforme previsto na norma de regência.
5. Prejudicado o agravo regimental.
(TRF 3ª Região, ORGÃO ESPECIAL, SLAT - SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - 2908 - FEDERAL PRESIDENTE, julgado em 12/01/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/02/2011 PÁGINA: 28).
Por outro lado, o voto da Presidência dá provimento parcial ao recurso, para ampliar a eficácia da suspensão contra o interesse da ONG recorrente, matéria sequer suscitada pela parte.
Seja porque o tema não foi tratado na r. decisão recorrida, seja porque a solução não pode prejudicar o interesse da agravante, a definição processual, nesta direção, não parece cabível.
É certo que, de ofício, como projeção legítima do poder geral de cautela, qualquer integrante do Colegiado poderia suscitar o tema, mas isto não deve ser considerado objeto do recurso.
Nesta perspectiva, nego provimento ao recurso.
Não confiro, de ofício, o atributo da intangibilidade à decisão suspensiva da Presidência ou do Órgão Especial, diante de incertos atos judiciais do 1º grau de jurisdição.
É o meu voto.
Desembargador Federal Fábio Prieto de Souza
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Av. Paulista, 1842 - Bairro Bela Vista - CEP 01310-936 - São Paulo - SP - www.trf3.jus.br
ÓRGÃO ESPECIAL
SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5001511-93.2018.4.03.0000
RELATOR(A): DES. FED. THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
REQUERENTE: UNIÃO FEDERAL
REQUERIDO (A): FORUM NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA ANIMAL; JUÍZO FEDERAL DA 25ª VARA CÍVEL DE SÃO PAULO SP
ADVOGADO (A): RICARDO DE LIMA CATTANI – SP 82279
O Excelentíssimo Desembargador Federal Toru Yamamoto: Trata-se de agravo interposto em face da decisão proferida pela e. Desembargadora Federal Cecília Marcondes, então presidente desta Corte, que determinou a suspensão da liminar deferida nos autos da Ação Civil Pública, proposta pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, processo n. 5000325-94.2017.403.6135, em trâmite perante a 25ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São Paulo.
A decisão liminar, cuja suspensão foi determinada pela decisão recorrida, na parte pertinente ao presente agravo, está assim redigida: “Isso posto, DEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR para IMPEDIR a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo território nacional, até que o país de destino se comprometa, mediante acordo inter partes, a adotar práticas de abate compatíveis com o preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro e desde que editadas e observadas normas específicas, concretas e verificáveis, por meio de parâmetros clara e precisamente estabelecidos, os quais possam efetivamente conferir condições de manejo e bem estar dos animais transportados”.
Passo a sintetizar as razões que fundamentaram as conclusões da decisão recorrida, prolatada pela e. Desembargadora Federal Cecília Marcondes, então presidente desta Corte Regional:
(1) o ordenamento jurídico pátrio não veda o comércio internacional de animais vivos;
(2) ao contrário, há uma série de atos normativos traçando regramentos a respeito do assunto, estabelecidos pelo órgão nacional competente, qual seja, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, sendo um deles a Instrução Normativa n. 13, de 30/3/2010, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que aprova o regulamento técnico para exportação de bovinos, búfalos, ovinos e caprinos vivos destinados ao abate, em cujo bojo elencam-se regras tais quais as dos artigos, entre outros, diretamente relacionados com a exportação de bovinos vivos, 4º (os veículos transportadores devem atender aos requisitos para transporte de animais de forma segura e de acordo com os princípios de bem-estar animal, sendo limpos e desinfetados antes do carregamento no estabelecimento de origem e no estabelecimento de pré-embarque, sob a responsabilidade do transportador), 27 (o transporte marítimo e fluvial deve ser realizado em embarcações que possuam instalações adequadas para alojar a espécie animal exportada e para o seu manejo e sua alimentação, propiciando o bem-estar geral dos mesmos durante a viagem), 28 (as embarcações utilizadas para o transporte marítimo ou fluvial deverão estar em bom estado de conservação e manutenção e ser completamente limpas e desinfetadas com produtos aprovados pelo MAPA, antes do embarque dos animais), 29 (o transporte marítimo ou fluvial deve ser previamente planejado pelo transportador e pelo exportador e realizado em navios aprovados pela Capitania dos Portos, adequadamente abastecidos de provisões – alimento e água – para viagem, que tenham habilitação para o transporte de animais, segundo a espécie, e conduzidos de forma prevenir danos aos animais e minimizar o estresse de viagem, respeitando as normas estabelecidas para o bem-estar animal), 33 (os exportadores e importadores, os proprietários dos animais, os agentes comerciais, as empresas de navegação, os capitães de navios e os administradores das instalações são responsáveis pelo estado geral de saúde dos animais e pela sua aptidão física para a viagem, independentemente de que sejam contratados terceiros para realização de determinados serviços durante o transporte);
(3) o transporte internacional de animais vivos é realizado de acordo com as normas editadas pelo Poder Executivo, observando, in casu, os interesses da Administração Pública no comércio exterior e sem deixar de lado o controle da qualidade, da segurança e do bem-estar dos animais;
(4) tais normas mostram-se em consonância tanto com a legislação interna (Lei n. 9.605/98, que criminaliza o abuso e maus-tratos a animais) quanto com a legislação externa, notadamente, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em Bruxelas, na Bélgica, em 27/01/1978;
(5) assim, ao menos em sede de cognição sumária, não se pode impedir a exportação de animais destinados a abate no exterior, seja pela existência de normas a respeito do tema, seja por se tratar de modelo eleito pelo Administrador Público e sobre o qual não se pode admitir, em princípio, ingerência do Poder Judiciário, sob pena de violar o indispensável princípio da separação dos poderes (art. 2º da Carta Magna);
(6) a imposição de um modelo diverso daquele eleito pelo Administrador Público para a exportação de animais vivos, por parte do Poder Judiciário, somente seria admissível em sede de cognição exauriente;
(7) são evidentes os prejuízos a serem suportados pela União, no caso de manutenção da ordem judicial suspensa, haja vista seus reflexos na economia do País, levando-se em conta que há uma demanda de animais vivos no mercado mundial, com a crescente participação do Brasil nesse segmento;
(8) a vedação imposta pelo juízo a quo também provocaria prejuízos ao país, inclusive as multas, no que diz respeito aos contratos já existentes, cuja indenização poderia ser de responsabilidade da União;
(9) os contratos já celebrados para venda de animais em pé não poderiam ser cumpridos e, com isso, os países compradores seriam obrigados a buscar outros mercados fornecedores, acarretando quebra de confiabilidade no país, com reflexos na perda de mercado e no modelo de negócio internacional;
(10) as informações prestadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento esclarecem que as diretrizes sobre o comércio de animais vivos em vigor são respaldadas por anos de pesquisa técnico-científica e validadas por 181 países membros da OMC, ou seja, não são pautadas em percepções de cunho ideológico muito comum hoje em alguns setores da sociedade civil organizada, sendo que, in casu, não foi identificada incompatibilidade com o Acordo TBT/OMC (Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio) e a Turquia, país membro da OMC e da OIE (Organização Mundial de Saúde Animal);
(11) o impedimento de exportação de animais vivos poderá gerar imprevisibilidade no fluxo comercial e promover crise de confiabilidade no comércio internacional pelas exportações realizadas pelo Brasil;
(12) a perda de credibilidade pode gerar impactos gerais nas negociações internacionais do Agronegócio em curso, obstaculizando a remoção de barreiras relacionadas com abertura, manutenção e ampliação das exportações nesse e em outros países;
(13) poderá também gerar instabilidade nas relações internacionais e afetar outros temas, tais como os relacionados aos acordos de comércio, reduções tarifárias, cooperação, promoção e atração de investimentos; e
(14) considerando a possibilidade de reais prejuízos aos importadores, não pode ser descartado o desencadeamento de ações de retaliações comerciais a diversos produtos brasileiros, pois é possível que o Estado estrangeiro desencadeie escalada de retaliações disfarçadas com difícil caracterização de nexo causal, o que afetaria as diversas ações ofensivas no comércio internacional do Agronegócio.
Por sua vez, a atual presidente desta Corte Regional, e. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, ao apreciar o mérito do agravo interposto, focaliza a sua análise na controvérsia atinente à existência, ou não, de motivos ensejadores da suspensão de eficácia de decisão jurisdicional, ou seja, se a exportação de animais vivos para o abate no exterior representa medida cuja eficácia ocasiona prejuízo à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, a ponto de justificar sua tutela pela presente via suspensiva.
(1) Sob tal ótica, restrita à análise dos impactos decorrentes da decisão liminar para os valores legislativamente tutelados, como os constantes do art. 12, § 1º, da Lei n. 7.347/1985, a decisão ora trazida à apreciação deste colendo Órgão Especial aponta que as razões explicitadas na decisão que deferiu a suspensão dos efeitos do provimento liminar, acima sintetizadas, permanecem hígidas no que concerne aos impactos à ordem econômica.
(2) Sua Excelência argumenta ser indiscutível a importância da prática comercial para a economia nacional, que se estruturou, em suas mais diversas formas de organização – em âmbito administrativo, empresarial e político - para atender mercado consumidor específico no exterior, fornecendo seus produtos por meio de rotas marítimas. Nesse passo, a atuação judicial no sentido de vedar, peremptoriamente, a exportação de animais vivos oriundos do Brasil, representa medida que termina por tolher o poder de decisão a esse respeito das esferas próprias, verdadeiramente competentes para a elaboração de políticas econômicas e ambientais específicas e adequadas à hipótese, ponderando-se, por um lado, a tutela animal, e, por outro, a proteção à economia nacional. Dessa forma, ao substituir-se à atuação regulamentadora administrativa, o provimento jurisdicional suspenso impactou negativamente a ordem econômica nacional, porque, na prática, tem o condão de inviabilizar atividade econômica de que depende a geração de riquezas, das quais se beneficiam, no mínimo, todos os que atuam na referida cadeia produtiva.
(3) Sua Excelência aduz também que a circunstância aludida no agravo, de que a exportação de animais vivos, comparada à de carne processada, é pequena e insignificante no contexto geral da economia, não se justificando maus tratos a que são submetidos os animais, não é o bastante para diminuir o impacto econômico da prática, uma vez que, dado o imenso volume produtivo do setor agropecuário no Brasil, mesmo o óbice a parcelas reduzidas de sua atividade pode abalar a vida econômica nacional. Da mesma forma, mesmo que se argumente que o negócio da venda do gado vivo gere benefícios econômicos não tão expressivos, porque ocasiona menos empregos que a venda da carne já processada, a isso se contrapõe o fato de que, subsistindo mercado para tanto, há oportunidade para traduzi-lo na geração de riqueza à nação e de vagas de trabalho, cada vez mais escassas no país.
(4) Constata-se, outrossim, que eventual proibição da exportação de gado vivo não se converte, de maneira automática, em ganhos no mercado de carne congelada, mas, ao que tudo indica, simplesmente significa a busca do produto em outros países.
(5) Ao Poder Judiciário não cabe a confecção de políticas, mas tão-somente a tutela de direitos, o que significa que não é de sua alçada determinar as formas de atuação estatal na economia, estabelecendo diretrizes quanto àquilo que deve ou não ser exportado, bem como as constrições aplicáveis aos produtos sujeitos ao comércio.
(6) A necessidade de considerar o cenário econômico em provimentos jurisdicionais correspondentes à questão trazida em juízo encontra-se estampada até mesmo no Colendo STF na decisão transcrita no voto ora apresentado à apreciação deste Colendo Órgão Especial (ADPF514MC/SP, rel. Ministro Edson Fachin, 24.4.2018), em que se deferiu liminar para suspender normativa do Município de Santos/SP que restringia o transporte de animais vivos, prioritariamente destinados à exportação, calcando-se o periculum in mora ali detectado justamente no impacto econômico do quanto ora discutido.
(7) Além da questão afeta à ordem econômica, no que se refere à ordem público-administrativa, também permanecem íntegros os fundamentos da decisão agravada, porque a decisão liminar a quo não se traduziu no enquadramento das práticas supostamente divergentes com o que consta no texto legal, mas na sua completa substituição pelo exercício jurisdicional.
(8) Por fim, com fulcro em precedentes do Egrégio STJ e deste Tribunal, delimitou-se a eficácia da decisão suspensiva até o momento em que a questão venha a ser analisada em sede colegiada, em seu mérito, por este Tribunal Regional Federal, quer seja em recurso de agravo de instrumento, quer seja no âmbito de eventual apelação.
Em sessão do dia 12/09/2018, o e. Desembargador Federal Fábio Prieto situou, como uma questão central no presente julgamento, o direito da União à normatização, à fiscalização e ao controle de operações de exportação de gado vivo, a partir de qualquer ponto do território nacional, para abate, no exterior, relacionado a preceito religioso, em face da proibição da prática de crueldade contra animais.
Assim, Sua Excelência enfoca o objeto da decisão liminar suspensa, sobretudo, como uma negativa da aplicação do direito nacional, ao ignorar norma expressa e literal incidente sobre os fatos em consideração, como o item 11.3 da Instrução Normativa n. 3, de 17/01/2000, da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que disciplina o caso de abate relacionado a preceito religioso. Nesse mesmo sentido, o art. 112 , § 2º, do Decreto n. 9.013, de 29/03/2017 estabelece que é facultado o abate de animais de acordo com preceitos religiosos, desde que seus produtos sejam destinados total ou parcialmente ao consumo por comunidade religiosa que os requeira ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência.
Nesse passo, Sua Excelência entende que a desconsideração do preceito normativo não apenas viabiliza a intolerância com as crenças religiosas de cidadãos residentes nos países com os quais o Brasil mantém relações de comércio, como abre precedente, para discriminação contra a fé de comunidades crentes estabelecidas no território nacional, como é o caso, entre outras, das que professam o Judaísmo e o Islamismo, donde se concluindo que, da premissa equivocada – a suposta só existência de abate técnico laico no Brasil – a decisão liminar partiu para sujeitar o Poder Executivo, a União, a exigir cláusula de reciprocidade, no comércio exterior, para vetar, a Nações estrangeiras, procedimento aceito e praticado na jurisdição local, o que configura violação da Constituição Federal.
Dessa forma, “A falta de aplicação do direito nacional, a imposição de regra estranha ao domínio dos fatos no comércio exterior e o constrangimento para que a União, o Poder Executivo, se sujeite a estes parâmetros, ainda para fazer exigência diante de Estados estrangeiros, em matéria alimentar, de fundo religioso, configuram manifesta afronta ao interesse público, grave subversão da ordem jurídica e administrativa”, de acordo com o e. Desembargador Federal Fábio Prieto. Nessa toada, “a imposição, no comércio exterior, à União, da exigência de cláusula de reciprocidade, caracterizaria, por si só, grave usurpação da competência do Poder Executivo”, mormente com base em informações unilaterais ou precárias, ainda não submetidas ao contraditório.
Em seguida, Sua Excelência tece minuciosas considerações sobre as circunstâncias peculiares do caso concreto, relativas ao embarque dos animais, ao laudo judicial apresentado em juízo e aos laudos técnicos de fiscalização emitidos pelas autoridades brasileiras, em Santos, que atestam a regularidade da operação de exportação. Também contesta a procedência do voto proferido pelo e. Desembargador Federal Carlos Muta na sessão anterior, quanto às condições sanitárias a que se submeteriam os bois durante o transporte marítimo, à luz da certificação, pela autoridade governamental da Turquia, de que a carga viva, isto é, 26.895 garrotes, para lá exportada em dezembro de 2017 pelo mesmo navio, embarcada no mesmo porto, aportou no país de destino em boas condições de saúde. Da mesma forma, a substituição judiciária de importações do gado vivo por carne processada na indústria nada mais é que uma forma de intervencionismo inconstitucional na livre iniciativa, não sendo assunto de competência do Poder Judiciário.
Abre, contudo, divergência quanto ao tema da eventual eficácia temporal da decisão da Presidência ou do Órgão Especial por entender que “aceita a tese agora proposta pela Presidência, cumpriria às Turmas do Tribunal tornar intangível, à força da sentença, a decisão prolatada pelo Colegiado, por algum ou alguns de seus integrantes”, além de não ser objeto do recurso.
Pois bem.
Inicialmente, consigno que, no mérito, acompanho as conclusões a que chegaram os eminentes Desembargadores Federais Cecília Marcondes, Therezinha Cazerta e Fábio Prieto, no sentido de negar provimento ao agravo regimental, adotando integralmente as considerações expostas pelos eminentes pares.
Assim, pelos fundamentos explicitados nos respectivos votos, acima sumariados, redundante, à primeira vista, tecer outras considerações acerca da necessidade de manutenção da decisão agravada, o que é de rigor.
Contudo, parece-me relevante acrescentar mais alguns argumentos em favor da tese de que a manutenção da decisão liminar do juízo a quo é, de fato, prejudicial ao interesse público, notadamente à ordem econômica, jurídica e administrativa.
Em síntese, a tese contrária tenta diminuir a importância das exportações de gado em pé, aduzindo sua suposta inexpressividade numérica no conjunto das exportações do setor agropecuário realizadas pelo Brasil, bem assim a inexistência do interesse da União que extrapole o de um restrito grupo de empresas do setor agropecuário, o que justificaria a prevalência da proteção animal sobre tal tipo de exportação, sem maiores prejuízos, portanto, à ordem econômica nacional como um todo, que necessite ser resguardada por esta medida extrema.
De lembrar, inicialmente, que o voto do e. Desembargador Federal Fábio Prieto também aborda questões atinentes ao conflito concorrencial entre setores de determinada cadeia produtiva, como um possível pano de fundo de algumas das alegações da ONG agravante, autora da ação civil pública em trâmite no juízo a quo. Tal motivação, embora não comprovada, não há de ser descartada de plano, dada a complexidade do mundo empresarial. Aliás, a complexidade do comércio exterior não permite também que o assunto seja tratado como se de um setor específico do comércio de gado vivo fosse, isolando-o do restante do agronegócio brasileiro como um todo. O comércio internacional, dado o elevado grau dessa complexidade, há de ser equacionado ponderadamente, levando-se em consideração uma série de fatores que nele intervêm de forma interdisciplinar, a fim de que soluções exageradamente simplistas como as que enfocam tão-somente aspectos atinentes à proteção animal, não conduzam o deslinde da questão objeto deste feito.
Assim, acredito que, no equacionamento dessa questão tão complexa, não se permite espaço desproporcional a certos setores da sociedade civil organizada, baseada em percepções ou valores de cunho ideológico, por não se apoiar em um estudo jurídico, econômico e técnico-científico, como informou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ao prestar informações à então presidente desta Corte Regional, Desembargadora Federal Cecília Marcondes.
Com efeito, não pairam dúvidas de que tais percepções ou valores de feição ideológica, por serem, por natureza, subjetivos, e, por isso, não necessariamente fundados na realidade social concreta, não deverão, sem um amplo debate e reflexão, amparados em estudos jurídicos, técnico-científicos e econômicos, nortear políticas públicas, nem tampouco decisões judiciais, que poderão ir de encontro ao interesse público, notadamente a ordem econômica, concernente às atividades do comércio internacional brasileiro como um todo, embora tenham sido encampadas pronta e liminarmente pelo juízo a quo, antes mesmo do início da instrução probatória.
Ora, a se prevalecerem tais percepções e valores de cunho ideológico, “o Brasil permanece(rá) no mesmo lugar e ergue(rá) em torno de si um formidável acervo de impedimentos ao comércio exterior, compreendendo tributos, obstáculos administrativos e regulatórios, requisitos de conteúdo nacional e padrões exóticos, como a indefectível tomada de três pinos. (...) Nosso isolacionismo é não apenas vergonhoso, como reduz as nossas possibilidades de progresso”, segundo avaliação do economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central do Brasil, constante do voto do e. Desembargador Federal Fábio Prieto.
À evidência, ao Poder Judiciário não cabe criar mais um desses “acervos de impedimentos ao comércio exterior”, outorgando-se o poder de ditar as políticas externa e comercial internacional, com violação até da liberdade de crença, assegurada constitucionalmente, em nome da proteção animal como um valor supremo acima de outros valores constitucionais, ainda mais com base numa decisão liminar, sem o exaurimento da instrução probatória, como já frisado pelo Desembargador Federal Fábio Prieto em seu voto.
Assim, o impedimento, em sede de cognição sumária, à exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo território nacional, “até que o país de destino se comprometa, mediante acordo inter partes, a adotar práticas de abate compatíveis com o preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro e desde que editadas e observadas normas específicas, concretas e verificáveis, por meio de parâmetros clara e precisamente estabelecidos, os quais possam efetivamente conferir condições de manejo e bem estar dos animais transportados”, é uma indevida invasão do Poder Judiciário às atribuições do Poder Executivo, a quem compete regulamentar, fiscalizar e tomar todas as providências legais cabíveis acerca do transporte de animais vivos dentro e fora do território nacional, de modo a assegurar o devido respeito e bem-estar animal até o abate no exterior. Por essa razão, entendo manifestamente vulnerada a ordem administrativa a justificar a suspensão da decisão liminar do MM. Juízo a quo, bem como a intervenção da União com vistas à preservação do princípio constitucional da separação dos poderes da República.
No meu voto procurarei tecer algumas breves considerações sobre em que consistem, sob minha ótica, os impactos econômicos e jurídicos da decisão liminar suspensa, destacando aspectos não muito aprofundados na decisão agravada, embora nela já pincelados.
Em primeiro lugar, penso na questão da credibilidade do Brasil no cenário comercial internacional. Entendo que essa questão, dada a sua importância para o êxito do comércio exterior brasileiro, sobrepõe-se à suposta inexpressividade numérica do volume da exportação de bovinos em pé, como defendido pela ONG agravante, bem como vai além do interesse específico das empresas diretamente afetadas pela vedação à exportação desses animais, como se verá a seguir.
No contexto do comércio internacional, cada país carrega a sua marca, ou seja, a do nome de país de origem do produto ou serviço, lembrando que as marcas são sinais distintivos que identificam, direta ou indiretamente, produtos ou serviços. Todos os produtos e serviços produzidos num determinado país, quando exportados, carregam, cada qual, ainda que indireta ou implicitamente, a “marca” do seu país de origem, por ser um valor que se agrega a todos eles, não se limitando a este ou aquele produto específico, mas de uma forma geral, independentemente de se tratar, ou não, de gado em pé.
No direito industrial brasileiro, embora não seja propriamente marca, a indicação geográfica é legalmente protegida, compreendendo a indicação de procedência ou a denominação de origem, tratadas nos artigos 176 e seguintes, da Lei n. 9.279/96. De ver que tanto a indicação de procedência quanto a denominação de origem podem referir-se ao nome geográfico de país, garantindo-se ampla proteção a essa indicação, nos termos do art. 179, que assim dispõe: “a proteção estender-se-á à representação gráfica ou figurativa da indicação geográfica, bem como à representação geográfica de país, cidade, região ou localidade de seu território cujo nome seja indicação geográfica”.
Essa disposição talvez não seja propriamente aplicável ao nome de país no sentido da “marca” que “acompanha” todos os produtos e serviços exportados por um país, mas talvez sinalize a importância de se resguardar o bom nome do país no contexto do comércio internacional, o qual, à evidência, não deverá ser vulnerado por um ativismo judicial precipitado, que desconsidere a importância desse bem intangível, que é a credibilidade do país perante nossos parceiros comerciais, independentemente do segmento econômico a que se refira o produto ou serviço. Assim, além da qualidade do produto ou serviço, a reputação do país de sua procedência, como bom parceiro comercial, cumpridor de compromissos assumidos e não dependente das vicissitudes de momento, é, na minha visão, um bem intangível do país que, no mínimo, não deve ser ignorado. Por conseguinte, ainda que se abstraiam aspectos atinentes à qualidade do produto ou serviço, creio que o desenvolvimento do comércio exterior depende da boa imagem do país como parceiro comercial confiável na execução dos compromissos assumidos regularmente.
Dessa forma, não me parece razoável fragilizá-la, impedindo a execução do contrato internacional já celebrado e, mais ainda, ampliando esse mesmo impedimento a todos os contratos internacionais congêneres, sem uma justificativa jurídica plausível à contraparte. Assim, sob minha ótica, forçar a inexecução do contrato já concluído, por força de uma decisão provisória da Justiça, por pressão de uma ONG protetora de animais, sem que tenha havido a colheita de maiores elementos probatórios, é prejudicial à credibilidade do país no conjunto das exportações por ele realizadas, não se limitando, pois, o seu alcance, a um tipo específico de exportação, deste ou daquele segmento econômico, nem tampouco ao comércio com este ou aquele país de destino, por criar e fomentar insegurança jurídica na celebração e execução de futuros contratos que tenha o agente econômico brasileiro em uma das pontas da relação contratual, dada a imagem negativa que o nome do país passará a inspirar a seus atuais e futuros parceiros comerciais internacionais.
Na economia globalizada, é notório que a “marca” cria valor econômico, constituindo-se em um bem intangível que pode representar até 75% do total do bem intangível de uma empresa.
“A Coca-Cola, por exemplo, tem o valor de mercado em torno de US$ 164 bilhões de dólares. Seus ativos intangíveis valem US$ 158 bilhões, ou seja, 96% do seu valor total”, segundo Gilson Nunes, sócio e presidente da Brand Finance para América Latina (Revista da ABPI, n. 63, mar/abr de 2003, p. 68-69).
Prossegue esse autor que, em termos econômicos, a marca impacta nas curvas de oferta e demanda. “No lado da demanda, a marca tem o poder de capacitar o produto a alcançar um preço maior, a aumentar o volume de vendas (Market share), a reter e aumentar o uso dela por seus consumidores no longo prazo (...) Marca estabelece também uma demanda estável no longo prazo através de uma relação funcional, emocional e filosófica com os seus consumidores, criando uma barreira à entrada e um grande diferencial competitivo no longo prazo. Do lado funcional, a marca garante o reconhecimento e auxilia a decisão de compra do consumidor, através da garantia de qualidade. Do lado emocional, ela satisfaz requerimentos aspiracionais e de auto-expressão (...) Do ponto de vista filosófico, existe uma identificação total com a marca pelo consumidor. Ele compartilha da visão e valores da marca (...) Um outro benefício da marca forte é a sua capacidade de transferir o seu equity ou valor para uma nova categoria de produtos ou até mesmo para uma nova marca”.
Mutatis mutandis, a “marca” que advém do nome de país de origem também se constitui em um bem intangível da economia do país como um todo. Por isso, acredito que ela deva ser preservada, valorizada e fortalecida, por ser fruto de um demorado trabalho de construção com participação de todos os setores da economia brasileira ao longo do tempo, e, por isso, não deverá, sem maiores cuidados, ser desperdiçada, desvalorizada e fragilizada, como se desprezível fosse, acolhendo-se o argumento da suposta inexpressividade numérica do volume de gado em pé exportado no conjunto das exportações do agronegócio brasileiro, dada a magnitude do impacto negativo que poderá causar à reputação e à credibilidade do Brasil no mercado consumidor internacional, alcançando, portanto, muito mais que os agentes econômicos de um setor específico do agronegócio brasileiro. Daí, sob minha ótica, o interesse da União, no que tange à ordem econômica, que justifica a suspensão da liminar objeto da decisão agravada.
Por conseguinte, penso que a decisão liminar suspensa é mais um item que se acresce, gratuitamente, ao chamado “custo Brasil”, ou mais um daqueles acervos de impedimento de que fala Gustavo Franco, que obstaculizam o desenvolvimento do comércio internacional do Brasil, impactando, inclusive, outros setores da economia do País em função do conhecido efeito multiplicador da cadeia produtiva.
Para ilustração, imagine-se um caso hipotético. Uma ONG protetora do meio ambiente ingressa com ação civil pública alegando que o cultivo de soja com vistas à exportação contribui para a degradação ambiental do país e é prejudicial à soberania nacional por razão qualquer. Um juiz acolhe essa alegação e proíbe, liminarmente, a exportação de soja em todo o território nacional até que os parceiros comerciais se comprometam a reparar os danos ao meio ambiente causados pelo cultivo da soja no Brasil.
Indaga-se: que país é esse que, numa canetada de juiz, sem um estudo aprofundado, por pressão da sociedade civil, coloca empecilhos extravagantes ao cumprimento das obrigações contratuais regularmente assumidas pelas partes de um contrato internacional em nome da proteção ambiental e até em nome da soberania nacional? Quais os impactos desse tipo de decisão à reputação do país no exterior? É prejudicial à confiabilidade do Brasil como parceiro comercial em contratos internacionais? Não contribui sobremaneira para criar, desnecessariamente, mais um item do custo Brasil, prejudicial à economia nacional?
As respostas me parecem óbvias. Entendo que esse caso hipotético, ainda que caricato, sinaliza a necessidade de se abstrair o que está sendo exportado, ou seja, a carga viva animal, para situar a decisão liminar suspensa em seu devido lugar. Caso se tratasse de exportação de soja haveria todos esses questionamentos sobre a suspensão de uma decisão liminar que, à evidência, extrapola a competência do Poder Judiciário e causa sérios danos à economia do País ao macular a sua imagem no exterior, fragilizando-a?
Acredito que não. Daí me posicionar a favor da manutenção da decisão agravada para desprover o recurso interposto. Para tanto, abstraio, por mais relevante e penosa que seja, a questão atinente a supostos maus tratos aos animais durante o transporte marítimo de longa duração, porque a peculiaridade do objeto exportado não pode ofuscar o âmago da questão, desviando o foco da discussão aqui travada: não se está a julgar a questão de fundo, o bem-estar animal até o abate, por não ser este o foro adequado para tratar dela, mas tão-somente avaliar os impactos da decisão liminar suspensa sobre outros valores constitucionais tão importantes quanto a proteção animal que poderão ser por ela vulnerados.
Por fim, registro que o comércio de gado vivo do Brasil com o exterior pode movimentar 100 mil/cabeças/ano, segundo notícia veiculada pela agência Reuters, reproduzida pelo site Extra Online em 23/10/2018 (conforme Clipping Online do TRF3, de 23/10/2018).
Transcrevo, resumidamente, o conteúdo dessa notícia por sua pertinência às considerações até aqui desenvolvidas:
“O Irã aprovou a importação de gado vivo do Brasil, informou nesta segunda-feira o Ministério da Agricultura brasileiro, que recebeu o sinal positivo da organização veterinária da república islâmica. Países muçulmanos em geral compram gado vivo para realizar o abate halal, de acordo com suas tradições. Mas o Irã também é importante importador da carne bovina brasileira. Em 2017, foi o terceiro maior, com aquisições avaliadas em 560 milhões de dólares, segundo dados da indústria. A estimativa do setor, segundo o ministério, é de que o mercado iraniano tem potencial para adquirir anualmente 100 mil cabeças de bovinos do Brasil, com perspectiva de expansão conforme se intensificarem as relações comerciais. ‘Foram decisivos para a abertura deste mercado sucessivos reconhecimentos sanitários obtidos nos últimos anos junto à Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), como o reconhecimento do Brasil como livre de febre aftosa com vacinação e de pleuropneumonia contagiosa e de risco insignificante para encefalopatia espongiforme bovina (EEM, o Mal da Vaca Louca)’, disse o diretor do Departamento de Saúde Animal, Guilherme Marques, em nota. Ele lembrou que Santa Catarina é livre de febre aftosa sem vacinação e destacou que as tratativas entre o DSA e os iranianos vinham sendo mantidas desde final de 2014, tendo em vista que são ‘complexas’. ‘Os constantes acessos a novos mercados à exportação de gado brasileiro impulsionaram esta negociação. Os próximos países que poderão comprar bovinos do Brasil são a Tailândia e a Indonésia. A diversificação dos mercados é favorável aos produtores e pode propiciar a negociação de outras commodities’, afirmou Marques. Conforme o Ministério da Agricultura, a exportação de gado vivo é uma atividade praticada apenas por países que possuem rígido controle sanitário dos seus rebanhos e representa canal de escoamento da produção para o produtor rural. Entre 2010 e 2017, a atividade gerou 3,7 bilhões de dólares em divisas para o Brasil, segundo a pasta. No ano passado, a exportação de bovinos vivos respondeu por faturamento de mais de 276 milhões de dólares, e, no acumulado de 2018 até julho, por 301 milhões (...)”.
Anoto que os números mencionados pelo Ministério da Agricultura são expressivos, e não tão inexpressivos como alhures se alegou, o que me leva a situar os impactos da reviravolta na suspensão determinada pela decisão agravada sobre o agronegócio brasileiro como, se não imediatamente, potencialmente danosos. Ainda que assim não fosse, só para argumentar, subestimá-los, prematuramente, entendo que não trará nenhum benefício à economia nacional. Pelo contrário, tudo leva a crer que trará prejuízos incalculáveis, principalmente no contexto da grave crise econômica que assola o País desde 2014.
De qualquer forma, essa notícia indica alguns pontos importantes a serem considerados para o correto equacionamento do comércio de gado vivo do Brasil com o exterior:
a) o comércio de gado vivo é importante para os países muçulmanos realizarem o abate halal, segundo suas tradições;
b) o mercado de gado vivo iraniano tem potencial para adquirir anualmente 100 mil cabeças de bovinos do Brasil, com perspectiva de expansão conforme se intensificarem as relações comerciais com aquele país, além do que já se exportou para a Turquia;
c) a abertura desse mercado é fruto de sucessivos reconhecimentos sanitários obtidos, pelo Brasil, junto à Organização Mundial de Saúde Animal - OIE, no sentido de que o gado brasileiro está livre de doenças contagiosas;
d) as tratativas entre o DSA e os iranianos vinham sendo mantidas desde 2014 para a abertura do mercado iraniano de gado vivo para o Brasil, ou seja, não se abre um novo mercado consumidor no exterior da noite para o dia sem um intenso, longo e complexo trabalho de negociação e convencimento de que o gado vivo brasileiro é confiável e bom para ser adquirido;
e) há outros mercados, além da Turquia e do Irã, como a Tailândia e a Indonésia, que poderão vir a comprar bovinos do Brasil;
f) a diversificação dos mercados é importante para o agronegócio brasileiro, porque poderá propiciar a negociação de outras commodities; e
g) a exportação de gado vivo é uma atividade praticada apenas por países que possuem rígido controle sanitário dos seus rebanhos e representa canal de escoamento da produção para o produtor rural.
Esses dados são autoexplicativos e apontam a necessidade de levá-los em consideração para o adequado equacionamento dos impactos econômicos da decisão suspensa do juízo a quo.
Feitas essas considerações, passo a examinar, sob minha ótica, quais as implicações jurídicas da decisão liminar do MM. Juízo a quo.
Em síntese, o que me chama a atenção é o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal (“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), em sua aplicação ao direito privado.
O princípio da legalidade aplicado ao direito privado alberga a cláusula constitucional da liberdade, que se traduz, em direito contratual, na autonomia da vontade como seu princípio regente. É dizer: a autonomia privada integra um dos preceitos fundamentais da ordem constitucional brasileira, ao lado da autonomia pública (a liberdade da vida em comunidade).
Mas o que é, ao certo, a autonomia privada em matéria contratual?
Lauro da Gama e Souza Jr, professor de Direito Internacional Privado na PUC-Rio e professor de Direito do Comércio Internacional na FGV-Rio, assim responde: “Singelamente, trata-se do poder reconhecido aos particulares de regrar, por meio da atuação de sua própria vontade, as relações das quais pretendem participar, obrigando-se ao conteúdo contido nesta manifestação”.[1]
A seguir, por sua pertinência ao que pretendo aqui demonstrar, destaco alguns trechos tirados do mesmo texto e autor (todas as citações são marcadas em itálico, entre aspas).
“Sua expressão ocorre no espaço reservado às ações humanas de caráter voluntário, destinadas à auto-regulamentação dos interesses privados. Em termos funcionais, a autonomia da vontade desdobra-se em: (i) autorização conferida ao indivíduo para criar normas jurídicas vinculantes; (ii) princípio informador do sistema jurídico e ideia-diretriz de seu funcionamento; e (iii) princípio hermenêutico, que serve de guia para encaminhar as relações privadas diante das normas de caráter supletivo. Em suma: de um ponto de vista constitucional, a autonomia da vontade representa a projeção jurídica do personalismo ético, que tem como fundamento e objetivo a pessoa humana, centro da ordem jurídica. Sem ela, o sujeito de direito, embora formalmente investido de titularidade jurídica, nada mais seria que um simples instrumento a serviço do Estado”.
Obviamente, por um lado, a autonomia privada está sujeita às restrições legais, mas, de outro lado, toda e qualquer limitação a direitos fundamentais deve ser justificada à luz do princípio da proporcionalidade. É dizer: as limitações à autonomia privada sujeitam-se às normas imperativas ditadas pelo Estado em forma de prestações positivas, a fim de garantir a observância de outros preceitos fundamentais contidos na Constituição, quando presente o interesse público a prevalecer sobre o interesse privado. São exemplos dessas prestações positivas, “na esfera contratual, as normas imperativas do Código do Consumidor, as cláusulas gerais de boa-fé e da função social do contrato e a ordem pública positiva”.
Há que se lembrar, contudo, que o princípio da proporcionalidade, como um dos direitos de defesa do privado sobre o público, funcionando, portanto, como um limitador da atuação estatal, assegura o pleno exercício da liberdade contratual onde não há interesse público a prevalecer sobre o privado. Em outras palavras, no espaço onde não se justificou a intervenção estatal em forma de prestações positivas, há que se garantir o império da autonomia da vontade, da livre iniciativa e da livre concorrência. Sob tal ótica, “a única intervenção legítima do poder público – legislativa, administrativa ou judicial – no domínio dos contratos internacionais cinge-se às normas imperativas e à exceção de ordem pública, que visam à preservação de valores e interesses da sociedade, mediante a atuação positiva do Estado, conforme a Constituição”.
Os contratos internacionais de compra e venda de bovinos vivos são celebrados e executados no pleno exercício da autonomia da vontade, desde que respeitadas normas imperativas aplicáveis a esse tipo de negócio. Tais normas, na espécie, são aquelas que, no plano internacional, garantem a proteção animal e, no plano interno, as que a regulamentam minuciosamente, estabelecendo todas as diretrizes a serem obrigatoriamente observadas pelos agentes econômicos envolvidos na celebração e execução desse tipo de contrato, em especial o manejo e o bem-estar do gado destinado à exportação, a fim de que não seja submetido à crueldade e aos maus-tratos que extrapolem os padrões aceitos interna e internacionalmente, nos termos da lei brasileira.
Quanto à incidência da ordem pública, penso que a proteção animal, desde que observados todos os cuidados necessários à luz dessas normas, internacional e brasileira, não se erige em óbice à plenitude da autonomia privada, a ponto de se qualificar como uma de suas exceções a cercear o seu regular exercício.
Portanto, a decisão liminar suspensa que, além de proibir as exportações de gado em pé em todo o território nacional, impôs aos agentes econômicos condições esdrúxulas para a execução dos contratos por eles legitimamente celebrados, no pleno exercício da autonomia privada, acarretou um sacrifício desproporcional de um direito fundamental constitucionalmente garantido ao setor privado, qual seja, a liberdade contratual no exercício da autonomia da vontade (desde que, obviamente, respeitadas todas as normas imperativas existentes a respeito, como uma premissa necessária e obrigatória da minha afirmação), em benefício de um interesse restrito à proteção animal sob a ótica exclusiva da ONG agravante e, ainda, com esteio num laudo, embora produzido por determinação judicial, suspeito de parcialidade, como bem apontado pelo e. Desembargador Federal Fábio Prieto em seu voto.
E mais: tal decisão onerou os agentes econômicos “mais intensamente do que o imprescindível para a proteção do interesse público”, o que claramente ofende o princípio da proibição de excesso, corolário do princípio da proporcionalidade. O particular não poderá ficar à mercê de intervenções estatais desnecessárias e excessivas nessa seara, vindas do Poder Judiciário, como é o caso. Daí vulnerada se afigura a ordem jurídica a justificar não só o interesse da União, mas também dos agentes econômicos prejudicados em função dessa decisão liminar.
Dessa feita, pondero que os agentes econômicos prejudicados não só têm interesse econômico na defesa da liberdade de exportação de gado em pé, mas também, e principalmente, o interesse jurídico na restauração da liberdade contratual em sua plenitude (desde que, friso novamente, respeitadas todas as normas imperativas pertinentes e aplicáveis a esse tipo de negócio internacional), porquanto, no meu sentir, houve, inequivocamente, uma indevida intervenção estatal sobre o privado, efetivada por decisão liminar do Poder Judiciário, com manifesta violação de alguns dos princípios e garantias constitucionais, a começar do da separação dos Poderes da República, atingindo diretamente o da legalidade (no aspecto do cerceamento da liberdade contratual) e, sobretudo, o da proporcionalidade ou do princípio da proibição de excesso, para não mencionar o da liberdade de crença em matéria alimentar, a todos assegurados. Por isso, os agentes econômicos prejudicados estão legitimados a pleitear seus direitos em foro competente e, eventualmente, acompanhar o desfecho da demanda intentada pela ONG agravante, salvo melhor juízo.
Finalmente, no que se refere à extensão temporal da decisão agravada, divirjo da e. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta, bem como do entendimento do e. Desembargador Federal Fábio Prieto nesse ponto, e o faço tão-somente em face da literalidade do art. 4º, § 9º, da Lei n. 8.437/1992: “A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal” (grifei).
Isso porque, em que pese a possibilidade de se efetuar o ajuste temporal da decisão da presidência, como sustentado pela e. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta em seu substancioso voto, não vislumbro tal necessidade, uma vez que diversos os fundamentos da ação originária e do pedido de suspensão de liminar, este último baseado na grave lesão à ordem e à economia públicas.
Sobre a questão, destaco a doutrina de Elton Venturi [2]:
"Fica, pois, assentada a chamada ultra-atividade endoprocessual das decisões proferidas no âmbito do incidente de suspensão de liminares e sentenças, ao menos quanto às implicações do deferimento da suspensão no processo que o hospeda, uma vez que a suspensão de um provimento não é ilidida, automaticamente, pela mera substituição da liminar pela sentença, ou desta por acórdãos que julgam recursos interpostos no curso da relação jurídica processual instaurada contra o Poder Público."
Nesse sentido a orientação dos Tribunais superiores:
“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. LEI 8.437/92. MÉRITO. JUÍZO POLÍTICO. DISCUSSÃO EM RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO.
1. Em Agravo Regimental contra monocrática que extinguiu a Medida Cautelar – por entender inviável atribuir efeito suspensivo a Recurso Especial voltado contra o juízo político exercido pela Presidência do TJ/DF em Suspensão de Liminar –, as recorrentes sustentam que: a) a decisão do Tribunal a quo é teratológica; b) a situação dos autos é excepcional e, portanto, devem ser mitigados os formalismos; c) o fundamento que amparou a suspensão de segurança é inexistente; d) é cabível a excepcional atribuição de efeito suspensivo a Recurso Especial pendente de admissibilidade quando presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora
2. A decisão unipessoal não lançou mão das Súmulas 634 e 635/STF, cuja mitigação é sustentada pelas recorrentes. O que se afirmou é que não tem sentido atribuir efeito suspensivo a um Recurso Especial que nem mesmo é cabível na espécie, pois o juízo decisório na Suspensão de Liminar é de natureza política e discricionária, sendo, portanto, insuscetível de se sindicar sua legalidade na via Especial. Entendimento amparado em orientação jurisprudencial pacificada no STJ.
3. A constitucionalidade da Suspensão de Liminar é reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal tanto quanto ao instituto em si quanto em relação ao disposto no § 9º do art. 4º, que assegura a eficácia da medida até final trânsito em julgado (SS 2906 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, DJ 01-12-2006 PP-00065 ement vol-02258-01 PP-00108 RT v. 96, n. 858, 2007, p. 158-159 RNDJ v. 8, n. 88, 2007, p. 70 72; SL 105 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, DJe-082 divulg 16-08-2007 public 17-08-2007 DJ 17-08-2007 PP-00023 ement vol-02285-01 PP-00039 LEXSTF v. 29, n. 344, 2007, p. 297-306).
4. Agravo Regimental não provido”.
(STJ, AgRg na MC 22.070-DF, Relator Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, Julgado 04/02/2014, DJe 07/03/2014).
“RECLAMAÇÃO - LIMINAR MANDAMENTAL CONCEDIDA POR DESEMBARGADOR-RELATOR - SUSPENSÃO DA EFICÁCIA EXECUTIVA DESSE PROVIMENTO LIMINAR, DERIVADA DA OUTORGA, PELO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DE MEDIDA DE CONTRACAUTELA (LEI Nº 4.348/64, ART. 4º) - POSTERIOR CONCESSÃO, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DO PRÓPRIO MANDADO DE SEGURANÇA - ACÓRDÃO CONCESSIVO QUE, NÃO OBSTANTE A MEDIDA DE CONTRACAUTELA PREVIAMENTE DEFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, TORNA EFETIVO O PROVIMENTO LIMINAR ANTERIORMENTE SUSPENSO - EFEITO PROSPECTIVO QUE RESULTA DA DECISÃO EMANADA DO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM SEDE DE CONTRACAUTELA (LEI Nº 4.348/64, ART. 4º, C/C A LEI Nº 8.038/90, ART. 25) - DESRESPEITO À AUTORIDADE DECISÓRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. - A eficácia da decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal, proferida no exercício do poder de contracautela (Lei nº 4.348/64, art. 4º), não obstante inicialmente limitada à suspensão de liminar mandamental, também paralisa, por efeito da prospectividade que lhe é inerente, todas as consequências jurídicas decorrentes da ulterior concessão do mandado de segurança, desde que o conteúdo daquele provimento liminar revele-se idêntico ao do acórdão que deferiu o "writ" constitucional. Esse efeito prospectivo - que inibe a produção da carga eficacial resultante do deferimento do mandado de segurança - perdurará até que sobrevenha o trânsito em julgado do acórdão que concedeu a ordem mandamental. Precedente”.
(STF, Rcl 718/PA, Relator Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, Julgado 30/04/1998, DJ 03/10/2003 p. 10).
Isto posto, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto e acompanho, no mérito, o voto da e. Desembargadora Federal Therezinha Cazerta e do e. Desembargador Federal Fábio Prieto, mas, na parte atinente à modulação temporal da decisão, perfilo-me ao entendimento da e. Desembargadora Federal Cecília Marcondes, para que os efeitos da suspensão da liminar deferida se estendam até o trânsito em julgado da ação civil pública originária.
É como voto.
Toru Yamamoto
Desembargador Federal
[1] Gama e Souza Jr, Lauro da. Autonomia da vontade nos contratos internacionais no Direito Internacional Privado brasileiro: uma leitura constitucional do artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil em favor da liberdade de escolha do direito aplicável. In: O direito internacional contemporâneo: estudo em homenagem ao professor Jacob Dolinger/ Camen Tiburcio e Luís Roberto Barroso (organizadores) – Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 599- 626.
[2] Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, São Paulo: Malheiros, 2017, p. 361.
E M E N T A
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. EXPORTAÇÃO. DECISÃO JUDICIAL. PROIBIÇÃO, EM TODO TERRITÓRIO NACIONAL, DO ENVIO AO EXTERIOR DE ANIMAIS VIVOS PARA O ABATE. COMPROVADA OFENSA À ORDEM E ECONOMIA PÚBLICAS. TERMO FINAL DA SUSPENSÃO. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
– Impugnada a decisão liminar originária em agravos de instrumento nos quais não há provimento jurisdicional colegiado de órgão desta Corte. Inexistência de prejudicialidade no julgamento de agravo interno em suspensão de liminar.
– A suspensão da eficácia de provimentos jurisdicionais por ato da Presidência do respectivo Tribunal é “prerrogativa legalmente disponibilizada ao Poder Público, dentre outros legitimados, em defesa do interesse público, toda vez que se vislumbre, concretamente, perigo de grave lesão aos valores atinentes à ordem, à economia, a saúde ou à segurança públicas”, objetivando “a suspensão da eficácia das liminares e das sentenças proferidas contra entidades públicas e privadas que desempenham de alguma forma função pública” (Elton Venturi, Suspensão de Liminares e Sentenças Contrárias ao Poder Público, Malheiros, 3ª ed., 2017, p. 35).
– Sob análise, decisão que suspendeu os efeitos de provimento jurisdicional que impediu, em tutela provisória eficaz em todo o território nacional, a exportação de animais vivos para o abate no exterior, fazendo-o até que implantadas práticas adequadas e normativas específicas a respeito.
– Incontroversa existência de significativo volume de exportações de animais vivos provenientes do Brasil, prática comercial de inconteste importância para a economia nacional e que é estruturada nos âmbitos administrativo, empresarial e político para atender a mercado consumidor específico pelo fornecimento do produto via rotas marítimas.
– Impactos econômicos de relevo provenientes da decisão suspensa, sobretudo à vista do cenário de dificuldades pelo qual passa o país. Precedente.
– Vedação peremptória de exportação pela via judicial que tolhe o poder de decisão das esferas competentes para a elaboração de políticas econômicas e ambientais.
– Existência de arcabouço normativo em âmbito federal que regula o tema da exportação de animais vivos, que acabou por ser substituído pelo exercício jurisdicional.
– Poder Judiciário ao qual não incumbe a confecção de políticas, mas tão-somente a tutela de direitos, o que significa não ser de sua alçada determinar as formas de atuação estatal na economia, estabelecendo diretrizes quanto àquilo que deve ou não ser exportado, bem como as constrições aplicáveis aos produtos sujeitos ao comércio. Evidenciada a intromissão da tutela jurisdicional em seara que extrapola suas atribuições.
– Ofensas à ordem e economia pública caracterizadas. Necessidade de manutenção da suspensão anteriormente deferida, em sede monocrática, que se depreende dos autos.
– Precedentes do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região que apontam para a permanência dos efeitos da suspensão até a apreciação, no mérito, de recurso eventualmente interposto perante órgão julgador desta Corte, momento em que desencadeado, pelo efeito recursal substitutivo, o deslocamento da competência para a análise de medida suspensiva ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal.
– Agravo conhecido e provido em parte, a fim de que a suspensão dos efeitos deferida permaneça hígida até o momento em que a controvérsia seja julgada, de forma colegiada, e, no mérito, por órgão deste Tribunal Regional Federal.
Desembargadora Federal Therezinha Cazerta
Presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região