Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

HABEAS CORPUS (307) Nº 5032021-89.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

PACIENTE: KATHIE FERNANDEZ SUMAOY
IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 1ª VARA FEDERAL

 


 

  

HABEAS CORPUS (307) Nº 5032021-89.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

PACIENTE: KATHIE FERNANDEZ SUMAOY
IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 1ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de KATHIE FERNANDEZ SUMAYO contra ato ilegal do Juízo Federal da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Guarulhos/SP, nos autos 0002798-60.2015.4.03.6119, objetivando a concessão de liminar para determinar a prisão domiciliar e, subsidiariamente, substituído o regime inicial fechado por semiaberto para cumprimento da pena.

Alega-se, em síntese, o quanto segue:

a) a paciente foi definitivamente condenada a 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, regime inicial fechado, pela prática do crime de tráfico internacional de drogas na Ação Penal n. 0003123-11.2010.4.03.6119;

b) expedida guia de execução definitiva, foi instaurado o Processo n. 0002798-60.2015.4.03.6119, tendo sido determinada a expedição de mandado de prisão contra a paciente em 04.11.16;

c) a paciente tem uma filha nascida em 02.09.15 e, no processo de execução, após uma série de diligências, foi indeferido o pedido de conversão da prisão da paciente em domiciliar;

d) a paciente vive com seu companheiro  e sua filha, trabalha como diarista e é a principal responsável pela criação da filha do casal;

e) são aplicáveis as normas dos arts. 317 e 318 do Código de Processo Penal, assim como do art. 117 da Lei de Execução Penal, para concessão da prisão domiciliar à paciente, observando-se “os paradigmas de proteção e manutenção dos vínculos familiares do Marco Legal de Atenção à Primeira Infância e pelas Regras de Bangkok de tratamento para mulheres em privação de liberdade e infratoras”;

f) ainda que não se entenda pela aplicação analógica do art. 318 do Código de Processo Penal, a paciente deve ser colocada em prisão domiciliar ou regime aberto por não disporem as penitenciárias de São Paulo de creche, conforme dispõe o art. 89 da Lei de Execução Penal;

g) subsidiariamente, há que alterar o regime inicial do fechado para o semiaberto, observando-se que, na sentença, foi fixado o regime inicial fechado com fundamento no art. 2º da Lei n. 8.072, com a redação da Lei n. 11.464/07, mas a questão não foi objeto de recurso e o regime inicial fechado foi mantido;

h) estão presentes os requisitos legais para “concessão da medida liminar pleiteada, convertendo-se a prisão em prisão domiciliar”, confirmando-se, ao final, a substituição da prisão por domiciliar ou, subsidiariamente, a fixação do regime inicial semiaberto para cumprimento da pena.

Foram juntados documentos aos autos.

A liminar foi indeferida em plantão judicial.

Informações prestadas pela autoridade impetrada.

A Procuradora Regional da República, Dra. Sonia Maria Curvello, manifestou-se pela denegação da ordem.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


HABEAS CORPUS (307) Nº 5032021-89.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

PACIENTE: KATHIE FERNANDEZ SUMAOY
IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 1ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

 

Não está configurado o alegado constrangimento ilegal.

A ação de habeas corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal e artigo 647 do Código de Processo Penal.

É sob esse prisma, pois, que se analisa a presente impetração.

A jurisprudência do STJ vem admitindo que a restrição imposta no caput do artigo 117 da Lei de Execução Penal não impede a concessão do benefício àqueles que cumprem pena em regime fechado ou semiaberto. Contudo, não foi demonstrada, no caso, a excepcionalidade da realidade concreta que recomende a colocação da paciente em prisão domiciliar.

O Juízo das Execuções Penais indeferiu, de modo fundamentado, o pedido de substituição da prisão da paciente por prisão domiciliar, inclusive, depois de realizadas diligências para verificação de eventual situação excepcional, que não se verificou.

Por oportuno, transcrevo a decisão impugnada:

"Cuidam os autos de execução penal originada de sentença condenatória proferida nos autos nº 0003123-11.2010.403.6119, pela qual KATHIE FERNANDEZ SUMAOY foi condenada à pena de 04 anos, 10 meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime fechado.

Em vista, o Ministério Público Federal requereu fosse dado início ao cumprimento da pena privativa de liberdade, expedindo-se o competente mandado de prisão (fls. 87).

Expedido mandado de prisão às fl. 104.

Em 30/11/2016, a defesa requereu a substituição para prisão domiciliar por ter uma filha de apenas 01 ano e 03 meses de idade, da qual é a única cuidadora e que depende apenas da executada, tendo em vista ser estrangeira e mora com a filha em uma república, não tendo amigos e nem família no Brasil, conforme previsto no artigo 318, IV do CPP (fls. 110/114).

Em vista, o Ministério Público Federal requereu a expedição de ofício à penitenciaria para que informasse sobre a existência de creche nos moldes determinados pelo artigo 89 da Lei de Execuções Penais, bem como a intimação de HERNANDO AQUINO CABIT, genitor da criança, para que esclareça as alegações feitas pela condenada de que seria a única responsável pela guarda da filha menor (fls. 116/117v).

Hernando Aquino Cabit foi devidamente intimado, mas não se manifestou. Resposta da Secretaria de Administração Penitenciaria às fls. 142/143.

O Ministério Público Federal manifestou-se contrariamente ao pedido de concessão de prisão domiciliar e retificação da guia de execução definitiva para constar regime fechado.

À fl. 149, foi determinado que a defesa comprovasse como pretende manter o seu sustento e de sua filha, tendo em vista que eventual deferimento da prisão domiciliar, seria de forma incondicional (sem poder sair para trabalho, por exemplo).

A defesa manifestou-se às fls. 151/156, informando que atualmente mora com seu filho menor e seu marido no bairro do Cambuci/SP e que anteriormente morou no Centro de Acolhida para Mulheres Imigrantes até conseguir estabilizar-se no país, e disse realizar trabalhos domésticos em casa de famílias.

Decido.

Assiste razão ao Ministério Público Federal, uma vez que a defesa não comprovou a dependência exclusiva do filho para com a executada.

Muito pelo contrário, afirmou residir com seu marido, conforme petição de fls. 151/156, juntando comprovante de residência. Assim, demonstrou que seu filho não depende exclusivamente de seus cuidados.

Ressalto que se trata de cumprimento de pena no regime fechado, devendo a defesa, em casos de excepcionalidade, juntar as provas necessárias para eventual concessão da prisão domiciliar, o que não ocorreu no caso dos autos.

Neste sentido:

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. SENTENCIADA QUE CUMPRE PENA EM REGIME FECHADO. PRISÃO DOMICILIAR. CUIDADOS COM O FILHO MENOR. ART. 117 DA LEP. DO AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PECULIARIDADE DO CASO QUE JUSTIFIQUE A CONCESSÃO BENEFÍCIO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - Este Tribunal Superior tem posicionamento no sentido de que, embora o art. 117 da Lei de Execuções Penais estabeleça como requisito para a concessão da prisão domiciliar o cumprimento da pena no regime aberto, é possível a extensão de tal benefício aos sentenciados recolhidos no regime fechado ou semiaberto quando a peculiaridade do caso concreto demonstrar sua imprescindibilidade. III - In casu, o eg. Tribunal de origem indeferiu o pedido de prisão domiciliar em razão de se tratar de sentenciada que cumpre pena em regime fechado pelo crime de tráfico de drogas, e porque não restou comprovada a peculiaridade do caso que justifique a concessão do benefício. IV - Assentado pelo eg. Tribunal estadual, soberano na análise dos fatos, que não há excepcionalidade a demonstrar a possibilidade de concessão de prisão domiciliar à paciente, a modificação desse entendimento - a fim de conceder o benefício - demanda o reexame do acervo fático-probatório, inviável na via eleita. Habeas corpus não conhecido. (HC - HABEAS CORPUS - 456301 2018.01.56154-5, FELIX FISCHER, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:04/09/2018 - destaques nossos)

Assim, INDEFIRO o pedido da defesa.

Aguarde-se o cumprimento do mandado de prisão 0002798-60.2015.403.6119.0001. (Id 12680739)"

Não se encontram preenchidos os requisitos autorizadores para conceder à paciente prisão domiciliar. Tendo sido instaurada execução de sentença penal condenatória, na qual fora fixado o regime inicial fechado, não se verifica ilegalidade imputável à autoridade impetrada no que se refere ao indeferimento desse pleito.

No que pese recente decisão do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, ter determinado a substituição da prisão preventiva por domiciliar, sem prejuízo da aplicação das medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319, do Código de Processo Penal, para todas as gestantes, puérperas ou mãe de crianças deficientes, com exceção dos casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, tal determinação destina-se às hipóteses de mulheres segregadas cautelarmente em que ainda não há condenação definitiva.

Nesse contexto, entendo não se aplicar a referida decisão coletiva ao caso em tela, tendo em vista que a paciente não está custodiada preventivamente, mas cumpre reprimenda definitiva por tráfico ilícito de drogas.

Além disso, o simples fato de a paciente possuir filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos constitui mera possibilidade, mas não obrigatoriedade, de concessão do benefício da prisão domiciliar.

 Com efeito, embora se reconheça que a prisão da mãe cause reflexos de efeitos negativos aos filhos, a situação exposta nos autos não permite que seja concedida prisão domiciliar à paciente.

Para fazer jus à benesse da prisão domiciliar, a paciente deveria demonstrar que a medida é imprescindível aos cuidados da filha menor, o que não ocorreu no presente caso. Conforme asseverado pela autoridade coatora em sua decisão (ID 12680739), a paciente, quando juntou o documento para comprovar sua residência fixa no Brasil, informou que reside com seu marido no bairro do Cambuci/SP (fls. 151/156 dos autos principais).  

Não sendo a paciente a única responsável pelos cuidados da filha, inviável a sua colocação em prisão domiciliar.

Quanto ao pedido subsidiário de alteração do regime inicial fechado para semiaberto, razão assiste à impetrante.

Convém salientar, inicialmente, que a alteração do regime imposto na sentença não foi objeto de recurso das partes e tal questão não foi apreciada por este Tribunal por ocasião da apreciação da apelação interposta pelo Ministério Público Federal.

No que pese o impedimento processual de supressão de instância, já que não há notícia nos autos de que referido pedido de substituição do regime inicial tenha sido formulado em primeira instância, verifico situação de flagrante ilegalidade contra a paciente.

O delito em questão foi praticado em 04/10/2010, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados.

Ao justificar o regime mais gravoso para o crime de tráfico, amparou-se o juízo a quo apenas na determinação contida no art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/1990, com redação dada pela Lei 11.464/2007.

Contudo, foi reconhecida a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na parte em que impõe a obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento da pena (HC nº 111.840/ES, DJe de 17/12/12).

Nítido, portanto, que os fundamentos adotados pelo juízo de primeiro grau, à luz do entendimento do STF, afiguram-se inadmissíveis.

Na verdade, os critérios para a fixação do regime prisional inicial precisam estar em consonância com as garantias constitucionais, devendo o regime mais gravoso imposto estar fundamentado em elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33 c/c o art. 59 do Código Penal, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado.

Segundo o acórdão proferido nos autos principais por ocasião do julgamento dos embargos infringentes, não constam informações concretas no sentido de que a ré, ora paciente, tenha sido anteriormente condenada ou que tenha antecedentes criminais, nem que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa.

Dessa forma, considerando que as circunstâncias judiciais subjetivas não foram valoradas negativamente, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser estabelecido com base na pena fixada em concreto. Assim, as evidências autorizam a fixação do regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal.

Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para alterar o regime inicial de cumprimento da reprimenda imposta à paciente para o semiaberto.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO. EXECUÇÃO PENAL. PRISÃO DOMICILIAR. NÃO DEMONSTRADA IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA. ALTERAÇÃO DO REGIME IMPOSTO NA SENTENÇA. TRÁFICO.  INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI 8.072/90.

1. Para fazer jus à benesse da prisão domiciliar, a paciente deveria demonstrar que a medida é imprescindível aos cuidados da filha menor, o que não ocorreu no presente caso.

2. Reconhecida a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na parte em que impõe a obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento da pena (HC nº 111.840/ES, DJe de 17/12/12).

3. Os critérios para a fixação do regime prisional inicial precisam estar em consonância com as garantias constitucionais, devendo o regime mais gravoso imposto estar fundamentado em elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33 c/c o art. 59 do Código Penal, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado.

4. Considerando que as circunstâncias judiciais subjetivas não foram valoradas negativamente, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser estabelecido com base na pena fixada em concreto. Assim, as evidências autorizam a fixação do regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal.

5. Ordem concedida para alterar o regime inicial de cumprimento da reprimenda imposta à paciente para o semiaberto.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu conceder a ordem de habeas corpus para alterar o regime inicial de cumprimento da reprimenda imposta à paciente para o semiaberto, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.