APELAÇÃO (198) Nº 5000205-36.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SANDRA CORREA NEGRAO GOIS
Advogado do(a) APELADO: KENNEDI MITRIONI FORGIARINI - MS12655-A
APELAÇÃO (198) Nº 5000205-36.2016.4.03.9999 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: SANDRA CORREA NEGRAO GOIS Advogado do(a) APELADO: KENNEDI MITRIONI FORGIARINI - MS1265500A R E L A T Ó R I O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade de trabalhador rural, condenando-o a pagar o benefício a partir da citação, no valor de um salário mínimo, prestações vencidas adimplidas de uma só vez, corrigidas monetariamente a partir de quando devidas, incidindo juros de mora desde a citação; honorários advocatícios de 10% das parcelas vencidas até a sentença, antecipando, ainda, os efeitos da tutela para imediata implantação do benefício. A sentença foi submetida ao reexame necessário. O recorrente pede a reforma da sentença, em síntese, sob os seguintes fundamentos: a) não comprovação dos requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado; b) não comprovação da união estável e c) honorários advocatícios em observância da Súmula 111 do STJ. Regularmente processado o feito, com contrarrazões, os autos subiram a este Eg. Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5000205-36.2016.4.03.9999 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: SANDRA CORREA NEGRAO GOIS Advogado do(a) APELADO: KENNEDI MITRIONI FORGIARINI - MS1265500A V O T O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: A parte autora ajuizou a presente ação pretendendo a concessão da aposentadoria por idade rural, prevista no artigo 48, §§1º e 2º, da Lei nº 8.213/91, in verbis: "Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. § 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. § 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)" Para a obtenção da aposentadoria por idade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) idade mínima e (ii) efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao da carência exigida para a sua concessão, sendo imperioso observar o disposto nos artigos 142 e 143, ambos da Lei nº 8.213/91. Feitas essas considerações, no caso concreto, a idade mínima exigida para a obtenção do benefício restou comprovada pela documentação trazida aos autos, onde consta que a parte autora nasceu em 24/12/1957, implementando o requisito etário em 24/12/2012. A parte autora alega que, em 1989, se separou de Jair, com quem teve quatro filhos. Esclarece que, no ano de 1993, passou a conviver maritalmente com Osmar, com quem viveu em um acampamento, no período de 1997 a 1998. No ano de 1999, seu “esposo” foi beneficiado com uma parcela de terra no Assentamento Vista Alegre, onde vivem e trabalham, em regime de economia familiar, até os dias atuais. Para a comprovação do exercício da atividade rural, a parte autora apresentou os seguintes documentos, todos em nome de seu “marido”: a) contrato de concessão de uso (assentamento) válido por 10 anos, firmado em 22/12/1999 em nome de Osmar; b)certidão eleitoral expedida em 30/04/2013, onde a autora está qualificada como doméstica, tendo como endereço o assentamento; c) escritura pública de união estável da autora e de Osmar Ribeiro de Andrade, datada de 14/02/2013, ambos qualificados como lavradores, tendo declarado conviverem maritalmente há cerca de 20 anos; d) carteira da associação dos produtores de leite em nome de Osmar e respectivos recibos dos anos de 2004, 2006, 2008; e) dois recibos diversos; f) carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaguari, em nome de seu “marido” do ano de 1997 e respectivos recibos dos anos de 97, 98, 2004; g) contribuição sindical do ano/99; h) nota fiscal de compra de vacinas para gado em nome do seu “marido” – ano/2010; i) comprovante de aquisição de vacina/2001; j) contribuição sindical/2002; k) cadastro de agricultor familiar l) guia de trânsito animal; m) notas fiscais de laticínios e outras. O conjunto probatório é insuficiente à comprovação do efetivo exercício pela parte autora da atividade rural pelo período de carência exigido. Nesse sentido observo, inicialmente, que todos os documentos trazidos aos autos estão em nome de Osmar Ribeiro de Andrade. A existência de documento comprobatório da condição de rurícola apenas em nome do companheiro pode ser aceita como início de prova material do exercício da atividade rural pela mulher, desde que consentânea com o conjunto probatório dos autos. No caso concreto, contudo, não há prova da união estável. Colho dos autos que, o único documento trazido é a escritura pública de união estável estável firmada por eles apenas no ano de 2013. Trata-se, portanto, de documento produzido unilateralmente com informações prestadas pelas próprias partes interessadas. Se, de um lado, não pode ser desprestigiado pelo fato de ter sido produzido unilateralmente, não pode ser aceito isoladamente sem outras provas que lhe corroborem o teor. A união estável é entendida como relação entre duas pessoas, pública, duradoura, com objetivo de constituir família, cujo regramento está previsto no Código Civil, em seu artigo 1.723: “Art. 1723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Cuida-se perquirir se a prova exclusivamente testemunhal da vida more uxório é suficiente, não se exigindo apresentação de prova material. A Lei 8.213/91, em seu artigo 55, exige apresentação de início de prova material para provar tempo de serviço, de sorte que é imprescindível à comprovação do concubinato ao menos início de prova material. Não comprovado o concubinato, a parte autora não pode se socorrer dos documentos trazidos em nome de seu “companheiro”, devendo trazer um ínicio de prova material em seu nome. Entendo, por oportuno, que não é crível que um casal mantenha união estável por 20 anos e não tenha nenhuma fotografia ou documento que comprove o alegado, apenas contrato unilateral firmado por eles apenas em 2013, ano em que a autora formulou o pedido administrativo do benefício. Considerando que o conjunto probatório foi insuficiente seria o caso de se julgar improcedente a ação, não tendo a parte autora se desincumbido do ônus probatório que lhe cabe, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015. Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem resolução do mérito propiciando a parte autora intentar novamente a ação caso reúna os elementos necessários. Confira-se: "DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO. 1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários. 2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado. 3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas. 4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social. 5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. 6. Recurso Especial do INSS desprovido". (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016). Ausente conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, impõe-se reconhecer a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, com a extinção sem resolução do mérito e a consequente possibilidade de a parte autora intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa. Concedida na sentença a tutela antecipada, o caso se amolda ao entendimento preconizado no recurso representativo de controvérsia - REsp nº 1.401.560/MT, que porta a seguinte ementa: "PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675) dispensava. Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. Recurso especial conhecido e provido." (REsp nº 1.401.560/MT, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. para o acórdão Ministro Ari Pargendler, 1ª Seção, DJe 13/10/2015) Logo, revogo os efeitos da tutela antecipada e reconheço a repetibilidade dos valores recebidos pela parte autora por força de tutela de urgência concedida, a ser vindicada nestes próprios autos, após regular liquidação. Ante o exposto, de ofício, extingo o processo sem resolução de mérito. Inverto, assim, o ônus da sucumbência, condenando a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, que ficam arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando suspensa a exigibilidade, nos termos do disposto nos artigos 11, §2º e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, e §3º do artigo 98 do CPC, já que deu causa à extinção do processo sem resolução do mérito. Prejudicada a apelação do INSS. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. TUTELA ANTECIPADA. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. o único documento trazido para comprovação da união estável é a escritura pública de união estável estável firmada por eles apenas no ano de 2013. Trata-se, portanto, de documento produzido unilateralmente com informações prestadas pelas próprias partes interessadas. Se, de um lado, não pode ser desprestigiado pelo fato de ter sido produzido unilateralmente, não pode ser aceito isoladamente sem outras provas que lhe corroborem o teor.
2.A união estável é entendida como relação entre duas pessoas, pública, duradoura, com objetivo de constituir família, cujo regramento está previsto no Código Civil, em seu artigo 1.723.
3. A Lei 8.213/91, em seu artigo 55, exige apresentação de início de prova material para provar tempo de serviço, de sorte que é imprescindível à comprovação do concubinato ao menos início de prova material.
4. Não comprovado o concubinato, a parte autora não pode se socorrer dos documentos trazidos em nome de seu “companheiro”, devendo trazer um íinício de prova material em seu nome.
5. Não é crível que um casal mantenha união estável por 20 anos e não tenha nenhuma fotografia ou documento que comprove o alegado, apenas contrato unilateral firmado por eles, apenas em 2013, ano em que a autora formulou o pedido administrativo do benefício.
6. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem resolução do mérito e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
7. Parte e autora condenada no pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa à extinção do processo sem resolução do mérito.
8 - Revogados os efeitos da tutela antecipada (recurso representativo de controvérsia - REsp nº 1.401.560/M. Repetibilidade dos valores recebidos pela parte autora em virtude de tutela de urgência concedida, a ser vindicada nestes próprios autos, após regular liquidação.
9 - De ofício, processo extinto sem resolução do mérito . Prejudicada a apelação do INSS.