Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5024346-75.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CECÍLIA MARCONDES

AGRAVANTE: ALAA ARIF ABDAIL ALBAYATE

Advogado do(a) AGRAVANTE: ALAN PATRICK ADENIR MENDES BECHTOLD - SP299774-A

AGRAVADO: DELEGADO SUPERINTENDENTE DA POLICIA FEDERAL, UNIAO FEDERAL

 


 

  

 

 

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5024346-75.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CECÍLIA MARCONDES

AGRAVANTE: ALAA ARIF ABDAIL ALBAYATE

Advogado do(a) AGRAVANTE: ALAN PATRICK ADENIR MENDES BECHTOLD - SP299774

AGRAVADO: DELEGADO SUPERINTENDENTE DA POLICIA FEDERAL, UNIAO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo ativo, interposto por Alaa Arif Abdail Albayate em face da decisão proferida no mandado de segurança nº 5021817-19.2018.4.03.6100, que indeferiu o pleito liminar objetivando provimento jurisdicional que determine à autoridade impetrada o recebimento de seu pedido de naturalização ordinária sem a exigência de prévia apresentação de Certificado em Proficiência em Língua Portuguesa, mediante substituição pela realização de teste de comunicação do aludido idioma.

Em suas razões recursais (ID nº 6708516), o agravante, de nacionalidade iraquiana, sustenta, em suma, que a nova legislação (Lei nº 13.445/2017), ao contrário da legislação revogada (Estatuto Estrangeiro - Lei nº 6.815/80), veio a facilitar a demonstração do requisito atinente à demonstração da capacidade do naturalizando em relação ao idioma nacional, passando a exigir apenas a demonstração de saber “comunicar-se em língua portuguesa”, consoante se infere do artigo 65, inciso III, da nova lei, e não mais que soubesse “ler e escrever a língua portuguesa”, como preconizava o artigo 112, inciso IV, do revogado Estatuto do Estrangeiro.

Pontua que tanto na antiga legislação quanto na atual não se exigia a apresentação de certificado de proficiência em língua portuguesa, exigindo-se somente a comunicação em língua nacional. No entanto, na contramão da Lei de Migração, a Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018, do Ministério da Justiça, ao invés de regular e estabelecer o meio pelo qual deveria proceder-se à apuração do requisito “comunicar-se em língua portuguesa”, estabeleceu exigência extralegal para o ingresso com processo de naturalização, qual seja, instrução do pedido com certificado de proficiência em língua portuguesa, consoante o artigo 5º.

Assinala que a partir da publicação da mencionada Portaria, as Superintendências da Polícia Federal das Unidades da Federação passaram a exigir do naturalizando o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros - Celpe-Bras.

Argumenta que a aludida Portaria Interministerial do Ministério da Justiça inovou na avaliação, não observando a hierarquia das normas, de maneira que, não apenas derrogou a Lei nº 13.445/17 e o Decreto nº 9.199/17, hierarquicamente superiores à Portaria, bem como dificultou consideravelmente o teste para aferição do requisito legal de saber comunicar-se em português.

Assevera que o artigo 233, do Decreto nº 9.199/17, observa, de modo literal, o comando da Lei nº 13.445/17, visto que ratifica o artigo 65, inciso III, ao dispor que, para efeito da naturalização deve-se saber comunicar-se em português. Desse modo, nem a Lei nº 13.445/17 e tampouco o Decreto nº 9.199/17 dificultaram a comprovação do requisito atinente a comunicar-se em português.

Salienta que o nível de exigência técnica da prova Celpe-Bras é muito superior ao requisito previsto na antiga Lei nº 6.815/80, que em seu artigo 112, inciso VI, exigia do candidato à naturalização saber ler e escrever o idioma nacional, cuja aferição era feita pelas SRPF das Unidades da Federação por meio de prova simples, escrita, contendo 4 ou 5 perguntas objetivas e 2 subjetivas.

Acrescenta que a referida prova é realizada uma vez por ano, não há tal prova na cidade de São Paulo e limitam as vagas a 500 pessoas.

Argui que, no caso em tela, o fumus boni juris decorre da intangibilidade do direito estabelecido pelos artigos 65 e 66 da Lei nº 13.445/17 e do artigo 223 do Decreto nº 9.199/17, c/c o artigo 5.º, inciso II, da Constituição Federal, os quais asseguram ao agravante o direito líquido e certo de requerer sua nacionalidade brasileira perante a autoridade impetrada, mediante a demonstração de saber comunicar-se em língua portuguesa.

Quanto à existência do periculum in mora, afirma que, sem prejuízo da ilegalidade, a imposição da realização de uma prova que é aplicada uma vez por ano, no interior de São Paulo, com limitação de vagas, caracteriza uma demora demasiada e desnecessária, assim como há o risco de que, caso obtenha êxito na ordem final, outras exigências sejam feitas e incluídas na legislação, impedindo, do mesmo modo, o ingresso com o processo de naturalização.

Pugna pela concessão de efeito suspensivo ativo ao presente recurso. Requer seja conhecido e provido o agravo de instrumento, reformando-se a decisão agravada e concedendo-se a liminar.

Foi apresentada contraminuta ao agravo de instrumento (ID nº 7548029).

O Ministério Público Federal requer o provimento do agravo, com a concessão da liminar, nos termos requeridos (ID nº 8139813).

É o relatório.

 

 


 

 

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5024346-75.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CECÍLIA MARCONDES

AGRAVANTE: ALAA ARIF ABDAIL ALBAYATE

Advogado do(a) AGRAVANTE: ALAN PATRICK ADENIR MENDES BECHTOLD - SP299774

AGRAVADO: DELEGADO SUPERINTENDENTE DA POLICIA FEDERAL, UNIAO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de recebimento, pela autoridade impetrada, de pedido de naturalização ordinária formulado pelo impetrante, afastando-se a exigência de prévia apresentação de Certificado em Proficiência em Língua Portuguesa, mediante substituição pela realização de teste de comunicação do aludido idioma.

Inicialmente, transcrevo excerto da decisão agravada, para compreensão da questão posta nos autos:

 

“Nos termos da Lei nº 12.016/2009, ausentes os requisitos necessários à concessão da medida ora pleiteada.

Não é possível afastar a exigência de apresentação do certificado em proficiência da língua portuguesa, contida na Portaria Interministerial MJ nº 11/2018, uma vez que a comunicação não ocorre somente de modo verbal, mas também na forma escrita, entre outras hipóteses.

Assim, por se tratar de requisito essencial ao procedimento de naturalização ordinária, não cabe a este juízo interferir na esfera administrativa.

Nesse sentido, é certo que o controle judiciário dos atos, decisões e comportamentos da entidade pública cinge-se apenas ao aspecto da legalidade. Ou seja, quando devidamente provocado, o Poder Judiciário só pode verificar a conformidade do ato, decisão ou comportamento da entidade com a legislação pertinente, sendo-lhe defeso interferir na atividade tipicamente administrativa.

Além disso, não pode o Poder Judiciário, que atua como legislador negativo, avançar em questões a respeito das quais não se vislumbra a suposta ilegalidade, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes e às rígidas regras de outorga de competência impositiva previstas na Constituição Federal. É de se preservar ainda o que a doutrina constitucionalista nominou de princípio da conformidade funcional, que se traduz no equilíbrio entre os Poderes.” (ID nº 10631591 - Pág. 1, nos autos originários, grifei).

 

É cediço que a concessão da naturalização ordinária depende do preenchimento, pelo naturalizando, de uma gama de requisitos, que em cotejamento com as disposições do Estatuto do Estrangeiro, sofreram certo abrandamento pela Lei de Migração.

O Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), em seu artigo 112, inciso IV, estabelecia como condição para concessão de naturalização: “ler e escrever a língua portuguesa”, in verbis:

 

“Art. 112. São condições para a concessão da naturalização:

[...]

IV - ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando;” (grifei)

 

Verifica-se que, com o advento da Lei de Migração - Lei nº 13.445/2017 (publicada no D.O.U. em 25.05.2017 e com vacatio legis de 180 dias), que revogou o supracitado Estatuto, no tocante à demonstração do conhecimento do idioma pátrio pelo naturalizando, passou-se a exigir que este saiba “comunicar-se em língua portuguesa” (artigo 65, inciso III). Confira-se:  

 

“Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições:

[...]

III - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando;”  (grifei)

 

Ademais, o Decreto nº 9.199, de 20.11.2017, que regulamentou a Lei nº 13.445/2017, dispõe em seu artigo 233, inciso III, que no procedimento objetivando a concessão de naturalização ordinária, deverá ser comprovada a “capacidade de se comunicar em língua portuguesa”, nos seguintes termos:

 

“Art. 233. No procedimento para a concessão de naturalização ordinária, deverão ser comprovados:

[...]

III - capacidade de se comunicar em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando;” (grifei)

 

Depreende-se da leitura do artigo 65, inciso III, da Lei de Migração, e do artigo 233, inciso III, do Decreto nº 9.199/2017, que referidos diplomas estabelecem como uma das condições para a concessão da naturalização ordinária que o postulante tenha capacidade de se comunicar no idioma pátrio.

A Portaria Interministerial nº 11, de 03.05.2018, dispõe, em seus artigos 1º, inciso I, e 5º, caput, que:

 

“Art. 1º - Esta Portaria estabelece os procedimentos em relação à tramitação dos processos de:

I - naturalização ordinária, prevista no art. 12, inciso II, alínea "a" da Constituição, nos arts. 65 e 66 da Lei nº 13.445, de 2017, e nos arts. 233 a 237 do Decreto nº 9.199, de 2017;

[...]

Art. 5º - Para a instrução do procedimento previsto no inciso I do art. 1º, a comprovação da capacidade de se comunicar em língua portuguesa se dará por meio da apresentação de Celpe-Bras - Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros, nos termos definidos pelo Ministério da Educação.” (grifei)

 

Por seu turno, a Portaria Interministerial nº 16, de 03.10.2018, que alterou a Portaria Interministerial nº 11, de 03.05.2018, preceitua, em seu artigo 2º, que:

 

“Art. 2º - A Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018, passa a vigorar com a seguintes alterações:

 

‘Art. 5º - Para a instrução do procedimento previsto no inciso I do art. 1º, a comprovação da capacidade de se comunicar em língua portuguesa se dará, consideradas as condições do requerente, por meio da apresentação de um dos seguintes documentos:

I - certificado de:

a) proficiência em língua portuguesa para estrangeiros obtido por meio do Exame Celpe-Bras, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep;

b) conclusão em curso de ensino superior ou pós-graduação, realizado em instituição educacional brasileira, registrada no Ministério da Educação;

c) aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB aplicado pelas unidades seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil;

d) conclusão de curso de idioma português direcionado a imigrantes realizado em instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação; ou

e) aprovação em avaliação da capacidade de comunicação em língua portuguesa aplicado por instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação na qual seja oferecido curso de idioma mencionado na alínea"d";

II - comprovante de:

a) conclusão do ensino fundamental ou médio por meio do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos - ENCCEJA; ou

b) matrícula em instituição de ensino superior reconhecida pelo Ministério da Educação decorrente de aprovação em vestibular ou de aproveitamento de nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem;

III - nomeação para o cargo de professor, técnico ou cientista decorrente de aprovação em concurso promovido por universidade pública;

IV - histórico ou documento equivalente que comprove conclusão em curso de ensino fundamental, médio ou supletivo, realizado em instituição de ensino brasileira, reconhecido pela Secretaria de Educação competente; ou

V - diploma de curso de Medicina revalidado por Instituição de Ensino Superior Pública após aprovação obtida no Exame Nacional de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira - Revalida aplicado pelo Inep.

§ 1º - A comprovação de atendimento ao requisito previsto neste artigo está dispensada aos requerentes nacionais de países de língua portuguesa.

§ 2º - Serão aceitos os diplomas ou documentos equivalentes à conclusão dos cursos referidos na alínea "b" do inciso I e no inciso IV que tiverem sido realizados em instituição de educacional de países de língua portuguesa, desde que haja a legalização no Brasil, conforme legislação vigente.’ (NR)” (grifei)

 

Da exegese da nova legislação de regência da matéria (Lei nº 13.445/2017 e respectivo Decreto regulamentador), em exame perfunctório da matéria, próprio deste momento processual, entendo que não houve flexibilização da exigência legal anterior no tocante à necessidade de domínio de língua portuguesa pelo estrangeiro que objetiva se naturalizar. Obviamente, a comunicação não ocorre somente de forma verbal, mas também de maneira escrita, além de outras hipóteses.

Ora, se a Lei de Migração traz em seu bojo a exigência de que o naturalizando saiba se comunicar no idioma pátrio, significa dizer que o interessado deve conhecer a língua nacional, com habilidades para ler, escrever, falar e compreender o idioma.

Com efeito, afigura-se razoável a exigência instituída pela Portaria Interministerial nº 11, de 03.05.2018, bem como pela nova Portaria Interministerial nº 16, de 03.10.2018, que passou a disciplinar o assunto, de apresentação de Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros obtido por meio do Exame Celpe-Bras como condição para obtenção da naturalização ordinária, e assim, referidas normas infralegais não exorbitaram o poder regulamentar. Na realidade, tais Portarias Interministeriais tiveram o condão de clarificar a forma e o alcance de aplicação da lei, estabelecendo os critérios de aferição de conhecimento do idioma pátrio pelo naturalizando.

Analisando as versões dos exames de língua portuguesa acostados aos autos (IDs nº 6708883, 6708884, 6708885, 6708886, 6708887 e 6708888), em cotejamento com o Edital do Exame Celpe-Bras 2018 (ID nº 6708531), verifico que o nível intermediário “conferido ao participante que evidencia ter domínio operacional parcial da Língua Portuguesa, demonstrando ser capaz de compreender e produzir textos orais e escritos sobre assuntos limitados, em contextos conhecidos e situações do cotidiano, podendo apresentar inadequações e interferências da língua materna e/ou de outra(s) Língua(s) Estrangeira(s) mais frequente(s) em situações desconhecidas, não suficientes, entretanto, para comprometer a comunicação”, estabelecido como requisito para aprovação no Exame de Proficiência aplicado pelo INEP, mediante a obtenção mínima de 2,00 pontos nas duas Partes do Exame, em uma escala de 0,00 a 5,00, é compatível com o conhecimento do idioma necessário para que o naturalizando tenha um convívio normal em sociedade e exerça a cidadania brasileira após a conclusão do processo de naturalização.  

Outrossim, compulsando o edital do Exame Celpe-Bras 2018 acostado aos autos, observa-se que no Estado de São Paulo as provas são aplicadas nos municípios de Campinas, São Carlos e São Bernardo do Campo (ID nº 6708531 - Pág. 5), com significativo número de vagas. Assim, ao contrário do que alega o agravante, a prova é aplicada na Região Metropolitana de São Paulo, e não apenas no interior do Estado.

Considerando-se que a avaliação de conhecimento de língua portuguesa constitui requisito elementar ao procedimento de naturalização ordinária, e tendo em vista que, em sede de cognição sumária, não resta configurada ilegalidade ou abuso de poder pela autoridade impetrada, não incumbe ao Poder Judiciário interferir na esfera administrativa.

Destarte, no caso em tela estão ausentes os requisitos necessários à concessão da liminar postulada, nos termos da Lei nº 12.016/2009. Logo, o recurso não comporta acolhimento.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.


Penso, com a devida vênia, que a "mens legis" da nova Lei de Imigração conferiu, sim, certa flexibilização no rigor do revogado Estatuto do Estrangeiro, na parte em que este exigia, para a naturalização, conhecimentos de leitura e de escrita em língua portuguesa. 

Com efeito, a expressão "comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando", grafada no inciso III do artigo 65 da nova lei, é, a meu juízo, mais aberta do que os dizeres "ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando", que constavam no artigo 112, inciso IV, da lei revogada. 

Ora, se a lei satisfaz-se com a capacidade de comunicação e sabendo-se que esta pode ser feita por outros modos além da via escrita, parece-me fora de dúvida que não pode uma portaria do Ministro da Justiça restringir o alcance da lei e impor, em última análise, uma ressurreição, no particular, do Estatuto do Estrangeiro.

Assim, por meu voto, dou provimento ao agravo. 


E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. CERTIFICADO DE PROFICIÊNCIA EM LÍNGUA PORTUGUESA PARA ESTRANGEIROS. EXIGIBILIDADE. LEI DE MIGRAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES DO PODER REGULAMENTAR POR PORTARIAS INTERMINISTERIAIS. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO.

1. Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de recebimento, pela autoridade impetrada, de pedido de naturalização ordinária formulado pelo impetrante, afastando-se a exigência de prévia apresentação de Certificado em Proficiência em Língua Portuguesa, mediante substituição pela realização de teste de comunicação do aludido idioma.

2. É cediço que a concessão da naturalização ordinária depende do preenchimento, pelo naturalizando, de uma gama de requisitos, que em cotejamento com as disposições do Estatuto do Estrangeiro, sofreram certo abrandamento pela Lei de Migração.

3. O Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), em seu artigo 112, inciso IV, estabelecia como condição para concessão de naturalização: “ler e escrever a língua portuguesa”.

4. Verifica-se que, com o advento da Lei de Migração - Lei nº 13.445/2017 (publicada no D.O.U. em 25.05.2017 e com vacatio legis de 180 dias), que revogou o supracitado Estatuto, no tocante à demonstração do conhecimento do idioma pátrio pelo naturalizando, passou-se a exigir que este saiba “comunicar-se em língua portuguesa” (artigo 65, inciso III).

5. Ademais, o Decreto nº 9.199, de 20.11.2017, que regulamentou a Lei nº 13.445/2017, dispõe em seu artigo 233, inciso III, que no procedimento objetivando a concessão de naturalização ordinária, deverá ser comprovada a “capacidade de se comunicar em língua portuguesa”.

6. Depreende-se da leitura do artigo 65, inciso III, da Lei de Migração, e do artigo 233, inciso III, do Decreto nº 9.199/2017, que referidos diplomas estabelecem como uma das condições para a concessão da naturalização ordinária que o postulante tenha capacidade de se comunicar no idioma pátrio.

7. Da exegese da nova legislação de regência da matéria (Lei nº 13.445/2017 e respectivo Decreto regulamentador), em exame perfunctório da matéria, próprio deste momento processual, entende-se que não houve flexibilização da exigência legal anterior no tocante à necessidade de domínio de língua portuguesa pelo estrangeiro que objetiva se naturalizar. Obviamente, a comunicação não ocorre somente de forma verbal, mas também de maneira escrita, além de outras hipóteses.

8. Ora, se a Lei de Migração traz em seu bojo a exigência de que o naturalizando saiba se comunicar no idioma pátrio, significa dizer que o interessado deve conhecer a língua nacional, com habilidades para ler, escrever, falar e compreender o idioma.

9. Com efeito, afigura-se razoável a exigência instituída pela Portaria Interministerial nº 11, de 03.05.2018, bem como pela nova Portaria Interministerial nº 16, de 03.10.2018, que passou a disciplinar o assunto, de apresentação de Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros obtido por meio do Exame Celpe-Bras como condição para obtenção da naturalização ordinária, e assim, referidas normas infralegais não exorbitaram o poder regulamentar. Na realidade, tais Portarias Interministeriais tiveram o condão de clarificar a forma e o alcance de aplicação da lei, estabelecendo os critérios de aferição de conhecimento do idioma pátrio pelo naturalizando.

10. Analisando as versões dos exames de língua portuguesa acostados aos autos, em cotejamento com o Edital do Exame Celpe-Bras 2018, verifica-se que o nível intermediário “conferido ao participante que evidencia ter domínio operacional parcial da Língua Portuguesa, demonstrando ser capaz de compreender e produzir textos orais e escritos sobre assuntos limitados, em contextos conhecidos e situações do cotidiano, podendo apresentar inadequações e interferências da língua materna e/ou de outra(s) Língua(s) Estrangeira(s) mais frequente(s) em situações desconhecidas, não suficientes, entretanto, para comprometer a comunicação”, estabelecido como requisito para aprovação no Exame de Proficiência aplicado pelo INEP, mediante a obtenção mínima de 2,00 pontos nas duas Partes do Exame, em uma escala de 0,00 a 5,00, é compatível com o conhecimento do idioma necessário para que o naturalizando tenha um convívio normal em sociedade e exerça a cidadania brasileira após a conclusão do processo de naturalização.  

11. Outrossim, compulsando o edital do Exame Celpe-Bras 2018 acostado aos autos, observa-se que no Estado de São Paulo as provas são aplicadas nos municípios de Campinas, São Carlos e São Bernardo do Campo, com significativo número de vagas. Assim, ao contrário do que alega o agravante, a prova é aplicada na Região Metropolitana de São Paulo, e não apenas no interior do Estado.

12. Considerando-se que a avaliação de conhecimento de língua portuguesa constitui requisito elementar ao procedimento de naturalização ordinária, e tendo em vista que, em sede de cognição sumária, não resta configurada ilegalidade ou abuso de poder pela autoridade impetrada, não incumbe ao Poder Judiciário interferir na esfera administrativa.

13. Destarte, no caso em tela estão ausentes os requisitos necessários à concessão da liminar postulada, nos termos da Lei nº 12.016/2009. Logo, o recurso não comporta acolhimento.

14. Agravo de instrumento não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por maioria, negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto da Relatora, vencido o Des. Fed. NELTON DOS SANTOS que lhe dava provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.